Ano 7 n Número 58 n Junho de 2017
Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial
LANÇADO COM ÊXITO, SGDC SERÁ DESVIRTUADO SE GOVERNO CEDER CANAIS PARA AS “TELES” ArianeSpace
MCTIC
Lançamento em Kourou em 4/5/17. SGDC será controlado a partir de estações de comando instaladas em Brasília e no Rio de Janeiro
O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado com sucesso no dia 4 de maio da base de Kourou, na Guiana Francesa, por um foguete da Ariane Space, corre o risco de ter três dos seus canais de transmissão de dados cedidos para megaempresas operadoras de telecomunicação (“teles”), por decisão do governo Temer. Por outro lado, o êxito da operação de lançamento
não se aplica ao processo de transferência de tecnologia, bastante duvidoso. O SGDC foi integralmente desenvolvido e montado pela empresa francoitaliana Thales Alenia Space, contratada com tal finalidade pela Visiona, empresa mista brasileira (joint-venture Telebras-Embraer), que por sua vez foi contratada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) para conduzir o projeto. Páginas 4 e 5
Institutos exigem R$ 70 milhões do MCTIC Reunidos com o ministro Gilberto Kassab, diretores de institutos federais de pesquisa, entre eles Ricardo Galvão, do INPE, cobraram o repasse de pelo menos R$ 70 milhões até o final de 2017, do contrário poderão entrar em colapso. Kassab se comprometeu a buscar os recursos. Pg. 12 Ciência
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Tecnologia Pg 3
“Pulga atrás da orelha”! Ministro tarda a nomear os representantes eleitos das carreiras no CTC-INPE
Vida
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Trabalho Pgs 6 e 7
“Brasil tem fenômenos que não há em qualquer outro lugar”, diz Humberto Sobral em entrevista
Ciência
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Tecnologia Pgs 8 e 9
Fundação privada causa impasse no CTI Renato Archer relacionado a recursos para pesquisas em 3D
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SGDC em órbita, e agora? O lançamento, na base de Kourou, foi um sucesso: o SGDC está em órbita, é agora uma realidade. Vale indagar, porém, a que preço, e não estamos nos referindo a valores monetários. Desenvolvimento, construção e colocação do artefato no espaço ficaram a cargo de uma potência estrangeira, a França. Todas as evidências são de que a alardeada transferência de tecnologia não ocorreu na medida esperada. A Visiona mostrou-se uma ficção, mera “atravessadora” a viabilizar a entrega do projeto a interesses privados externos (Thales Alenia, Ariane Space). E isso não é tudo. O governo, à frente o ministro Gilberto Kassab (citado na Operação Lava Jato, como vários de seus colegas de ministério), quer privatizar a capacidade do satélite, confiando vários canais às operadoras de telecomunicações (as “teles”). Deste modo, um pro-
jeto necessário para a soberania e a defesa do país (por resguardar o tráfego de informações governamentais e militares) e para expandir e democratizar a banda-larga da Internet (PNBL) foi e está sendo desvirtuado e posto a serviço de grandes capitais privados. O INPE foi deixado de lado e, no tocante à aquisição de tecnologia, o país sai quase de mãos abanando (como prova o depoimento de um intercambiário altamente qualificado sobre a experiência na Thales Alenia, que publicamos à p. 4), sem qualquer avanço que possa permitir o desenvolvimento futuro de novos satélites geoestacionários. Oba-oba midiático A cobertura midiática do lançamento do SGDC foi superficial e refletiu o oba-oba promovido pelo governo. O telejornal mais influente do Brasil,
Rajaram Kane (1926-2017) Faleceu em 5 de maio, aos 91 anos, um eminente pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE): o doutor Rajaram Purushottam Kane, nascido em 12 de novembro de 1926, em Male, na Índia. Graduado em Física (Universidade de Agra, 1944), com mestrado em Física Espectroscópica (Universidade Banaras Hindu, 1946) e doutorado em Física de Raios Cósmicos (Universidade de Bombay, 1953), Kane começou a trabalhar no INPE em 1978. Em julho de 2008, em cerimônia com a participação do diretor do INPE, Kane e seu colega Barclay Robert Clemesha foram homenageados e
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o Jornal Nacional, da TV Globo, preferiu exaltar a iniciativa, sem questionar problemas atuais e futuros. Destacou a fala do ministro Raul Jungmann de que o satélite vai “permitir a nossa soberania, nossa independência e, evidentemente, para o governo as
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suas comunicações estratégicas estarão blindadas de qualquer tipo de tentativa de obter informações”. Na mesma linha, o Estadão celebrou o sucesso do lançamento do SGDC, enquanto o francês Le Monde disse que o “Brasil se impõe no setor espacial”.
condecorados por sua destacada participação no “Ano Geofísico Internacional (IGY) 1957-1958”, que envolveu o trabalho conjunto de milhares de cientistas em dezenas de países, “realizando uma grande variedade de experimentos e observações, partilhando dados e resultados”. Na ocasião, o INPE gravou um depoimento de Kane, em inglês, disponível em https://youtu.be/nDGur1WcAss. O IGY 1957-1958 gerou importantes descobertas das características da Terra e do espaço. Segundo o INPE, a homenagem a Kane e Clemesha foi parte das atividades do “Ano Heliofísico Internacional (IHY) 2007-2009”, programa que deu continuidade aos esforços cumpridos durante o IGY 1957-1958.
A revista Época se limitou a fazer um levantamento dos passos do SGDC até o lançamento, sem discutir a herança futura. Já o Huffpost, de origem norte-americana, foi um pouco mais crítico: artigo do historiador Tassio Franchi interrogou se o Brasil pode se tornar “um ator relevante na Era Espacial”. Mais técnica, a Revista Fapesp foi uma das poucas a falar sobre o conceito de transferência de conhecimentos e tecnologias, mas ao que parece sem ouvir algum participante do projeto. Quanto à privatização do uso do SGDC, raras mídias trataram de mostrar o que poderá acontecer caso o STF a libere. O UOL Notícias foi uma boa exceção, registrando que a proposta não apresenta “nenhuma contrapartida das operadoras, como obrigação de cobertura em regiões afastadas ou prestação de serviço para população de baixa renda”.
“Não sinto falta de nada aqui no Brasil, pois até mesmo na religião encontrei o meu espaço nos templos Hare Krishna”, declarou ele ao Jornal do SindCT (edição 33, 2014). Prova da integração de Kane na sociedade brasileira é a carta que enviou à Folha de S. Paulo e foi publicada pelo jornal em 15 de setembro de 1998, sobre um grave acidente ambiental: “É angustiante ver tanto ácido sulfúrico de um navio quebrado no Rio Grande do Sul sendo jogado no mar. É um crime ecológico. Será que ninguém sabe como capturar esse líquido e usar em algum lugar? Milhares de peixes já morreram e a pesca é proibida. Os pescadores estão morrendo de fome”. Nos últimos anos, Kane vinha se dedicando à área meteorológica, utilizando dados da NASA.
EXPEDIENTE Jornal do SindCT é uma publicação do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Setor Aeroespacial, fundado em 30 de agosto de 1989 • Matérias assinadas não refletem, necessariamente, a posição da entidade • Sede: Rua Santa Clara, 432, Vila Ady Anna • CEP 12.243-630 (8h30 às 17h30) • São José dos Campos - SP • Tel/fax: (12) 3904-6655 • Responsabilidade editorial: Diretoria do SindCT • Tiragem: 5.000 (2.500 assinantes eletrônicos) • Editor responsável: Pedro Pomar (MTb 14.419-SP) • Reportagem: Antonio Biondi (MTb 17.486-SP) e Shirley Marciano (MTb 47.686-SP) • Diagramação: Sergio Bastos (MTb 585-PA)• http://www.sindct.org.br •
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CONSELHO TÉCNICO-CIENTÍFICO DEVERIA SER “RESPIRO PARA DEMOCRACIA INTERNA”
Ministério retarda a nomeação de membros eleitos do CTC do INPE Os nomes dos novos representantes, eleitos em abril, foram enviados no fim de maio para o ministro Gilberto Kassab, mas o MCTIC ameaça atropelar a democracia e nomear outras pessoas
Antonio Biondi
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guarda-se, desde 21 de maio, que o ministro Gilberto Kassab nomeie os cinco novos membros do Conselho Técnico-Científico do INPE (CTC). Três deles eleitos em consulta interna oficial realizada entre os dias 27 de abril e 2 de maio, como representantes das carreiras de gestão (duas vagas) e de desenvolvimento tecnológico (uma vaga). E outros dois indicados pela direção, em listas tríplices, com a finalidade de substituição de uma representante da comunidade científica, tecnológica ou empresarial e de um representante da categoria de membros dirigentes ou titulares de cargos equivalentes em unidades de pesquisa. Colegiado de grande importância para o INPE, nos últimos anos o CTC viu suas atividades serem esvaziadas gradativamente — seja devido à limitação de recursos, ao desinteresse dos gestores de plantão, ou até mesmo por falta de envolvimento e cobrança da própria comunidade do INPE. A nomeação dos cinco conselheiros representa, portanto, a possi-
bilidade de retomada das reuniões do Conselho com a totalidade de integrantes, de modo a discutir pautas à altura das necessidades institucionais do INPE. Consultado pelo Jornal do SindCT sobre quando se dará a nomeação dos representantes eleitos pela comunidade — Gino Genaro, Marciana Ribeiro e Maria Ligia — o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) optou por não prever qualquer data. E sinalizou até com a possibilidade de outras pessoas serem nomeadas, contrariamente à tradição da pasta, cujos ministros historicamente têm acatado os nomes aprovados pela comunidade. De acordo com a assessoria de comunicação, “foi encaminhada por ofício uma lista de indicados do INPE no dia 24 de maio” e “o MCTIC esclarece que o processo ainda está em fase de instrução, podendo haver até mesmo a inclusão de novos nomes”. “Ainda não há previsão de posse dos novos conselheiros”. Para Gino Genaro, servidor do INPE eleito como representante da área de desenvolvimento tecnológico, e diretor do SindCT, a primeira questão a se tratar é justamente se os novos representantes serão ou não nomeados pelo ministro. “Já faz cerca de dois meses que a eleição foi realizada. É natural que se fique com a pulga atrás da orelha” Segundo o diretor do INPE, Ricardo Galvão, o ofício encaminhando os
novos nomes para o CTC foi enviado ao ministro Kassab em 21 de maio. “Foi apresentado o resultado da eleição interna para preencher uma vaga na carreira de desenvolvimento tecnológico, em substituição ao dr. Gilberto Câmara, e duas vagas na carreira de gestão, planejamento e infraestrutura em ciência e tecnologia, que passou a ter representantes no CTC, no Regimento do INPE publicado no ano passado”. Galvão acrescenta que “foram enviadas duas listas tríplices elaboradas pelo CTC, sendo uma em substituição ao dr. Antônio Divino Moura, na categoria de membros dirigentes ou titulares de cargos equivalentes em unidades de pesquisa, e outra em substituição à professora Helena Nader, na categoria de representantes da comunidade científica, tecnológica ou empresarial”. No dia 22 de junho, Galvão registrou: “Não recebemos ainda resposta do Ministério, de forma que não sabemos quando as posses ocorrerão”. Ou seja, cerca de um mês após receber os nomes, o MCTIC ainda não havia dado qualquer sinalização quanto à nomeação. Retrospectiva “A luz amarela já acendeu faz um tempo. E estamos a caminho de ver acender a luz vermelha”, diz o tecnologista Genaro. Na sua opinião, o Conselho já teve um papel bem mais importante.
“As eleições eram muito mais disputadas, havia gente de peso da comunidade externa participando ativamente”. Além disso, as reuniões aconteciam na frequência prevista regimentalmente. Porém, o CTC “acabou sendo gradativamente esvaziado”. Num primeiro momento, diz ele, “as reuniões até aconteciam, mas com a pauta desidratada. Não eram discutidas possíveis e necessárias mudanças de rumo, não se abordavam os problemas mais complexos do Instituto”. Num segundo momento, relembra ele, “as reuniões passaram a não ser mais convocadas com a frequência prevista no regimento”. A avaliação de Genaro, que ingressou no INPE em 2002, é de que o INPE possui “uma estrutura bastante verticalizada, com o diretor respondendo ao ministro e os coordenadores respondendo ao diretor”. Assim, o CTC representa uma brecha nesse aspecto. “Dessa forma, o maior respiro de democracia que o instituto possui não é utilizado em sua plenitude. Com a retomada das reuniões, poderemos tratar de resgatar as atribuições plenas do CTC, que passam pelo planejamento, financiamento, linhas de pesquisa, projetos prioritários, satélites a serem desenvolvidos etc.” Outro aspecto a se ressaltar em relação ao CTC é que apenas quem estiver no topo da carreira no INPE pode se candidatar às vagas de representação interna. Isso exige cerca de
15 anos no instituto. “Você pode ter pessoas muito competentes, com cinco ou seis anos de casa”, pondera Genaro, “e que poderiam colaborar muito com o CTC e com o instituto nessa seara”, caso esta restrição não existisse. A reportagem buscou entrevistar as outras duas representantes eleitas na última consulta. A servidora Marciana Ribeiro agradeceu, mas considera mais prudente aguardar a eventual nomeação pelo ministro de C&T: “Preferiria dar esta entrevista após a oficialização como membro do Conselho”. A outra representante eleita, Maria Ligia, não respondeu a tempo às tentativas de contato. De acordo com Ricardo Galvão, a última reunião do CTC foi realizada em 21 de dezembro de 2016. “Nela foram aprovadas duas resoluções importantes para a instituição, a atualização da norma de relacionamento com fundações de apoio e o programa de colaborador voluntário, elaboradas as duas listas tríplices já mencionadas e tomadas outras decisões de caráter administrativo”. Nas palavras do diretor do INPE, seu compromisso “é realizar pelo menos duas reuniões presenciais por ano, dependendo do limite imposto pelo Ministério na rubrica diárias e passagens [grifo nosso] e fazer consultas permanentes em todas as questões relevantes relacionadas à política de desenvolvimento científico e tecnológico da instituição”.
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Após lançamento do SGDC, fragilidades do PEB e da oferta de banda larga no país saltam à vista Ariane Space
Apesar do investimento de R$ 2,7 bilhões e da reconhecida importância do acontecimento, a força de trabalho do setor espacial questiona: qual o controle do país sobre seu próprio satélite, construído e lançado por empresas estrangeiras?
Antonio Biondi e Napoleão de Almeida
cional encarregada pela Agência Espacial Brasileira (AEB) de conduzir o projeto do satélite. No site da Visiona (joint-venture Embraer-Telebrás) há um descritivo de 12 especializações que teriam sido aprendidas por 30 engenheiros brasileiros no processo de construção e lançamento do SGDC, como
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GOVERNO QUER CEDER ÀS TELES O USO DO SATÉLITE GEOESTACIONÁRIO
O Brasil vai lançar um foguete”, entoava a marchinha de Carnaval, numa paródia à crise dos mísseis entre Cuba, União Soviética e EUA. O Brasil lançou, mas não lançou: no último 4 de maio, a partir do vizinho território francês da Guiana, um foguete construído pela empresa francesa Ariane Space colocou em órbita, numa altitude de 36 mil milômetros, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC). No entanto, apesar do investimento de R$ 2,7 bilhões e da reconhecida importância da conquista, a força de trabalho do setor espacial brasileiro questiona: qual o controle do país sobre seu próprio satélite, construído e lançado por empresas estrangeiras? Quem desenvolveu e construiu o SGDC foi a empresa franco-italiana Thales Alenia Space, contratada com esta finalidade pela Visiona, empresa na-
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operação de manutenção de órbita ou gerenciamento de projetos espaciais. Contudo, diferentemente do que é apregoado pela AEB, isso está longe de representar transferência de tecnologia. “Esse satélite geoestacionário é um instrumento que o Brasil precisa. Só que, como o Brasil não
investiu nos institutos públicos de pesquisa, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), que é vocacionado para isso, ele não pode construir um genuinamente brasileiro. Ele teve que comprar, e comprou mal”, avalia Ivanil Barbosa, presidente do SindCT. A crítica tem um alvo: “Não houve
transferência de conhecimento em tecnologia. Por mais que tenham dito que técnicos brasileiros foram para a França para obter a transferência, isso não aconteceu. Não são seis meses de cursos, sem nem chegar perto do satélite, que significam que houve transferência de conhecimento”. Nada garante que o Brasil conseguirá dar seu próximo passo sem novo apoio (por que não dizer, dependência?) de outro país. “Certamente o ideal seria um longo processo de pesquisa nessa área, para que cada vez mais tivéssemos o domínio completo da tecnologia. Mas com o desmonte total desta área, o Brasil viu a inteligência nesse setor ser dizimada”, analisa Diogo Moyses, especialista em telecomunicações. O quadro é trágico, no retrato de Ivanil: “A infraestrutura no Brasil está em pleno desmonte. O INPE tinha 2.080 servidores trabalhando em abril de 1987. Hoje tem 1.020. Até o ano de 2020, a seguir nesse ritmo, terá 580, 590 servidores. Investe-se muito pouco na área de desenvolvimento espacial no Brasil. O orçamento era de R$ 150 milhões antes do Lula, então passou-se para R$ 300 milhões. A Argentina investe US$ 1,3 bilhão por ano no programa dela”, compara. “O INPE não conta com um projeto mobilizador que possa levar sua produção a um satélite dessa complexidade”.
O Jornal do SindCT conversou com um técnico que esteve na França acompanhando o processo de construção do SGDC como parte do processo de transferência de conhecimento, denominado Programa de Assimilação de Tecnologia (PAT, da AEB), do qual fez um relato. “Uma assimilação de tecnologia só pode ser feita com eficiência por técnicos que conheçam o assunto, do contrário seria apenas um aprendizado daquilo que eles querem ensinar, sem questionamentos. Foi proveitoso neste ponto aos profissionais do INPE, pois a maioria dos técnicos de outras instituições que lá estiveram teve contato com tecnologia de satélite pela primeira vez na vida”, contou. Porém, a Thales Alenia ditou muitas proibições. “Nosso acesso às áreas de montagem do satélite era sempre bem limitado, íamos somente acompanhados por algum francês em áreas usadas por visitação em geral e poucas áreas mais técnicas. Documentos foram somente aqueles que foi permitido nos entregar, a muitos nos foi negado o acesso. Éramos proibidos de acessar as áreas dos franceses sem permissão. Eles protegem seus segredos industriais, pois respeitam a soberania francesa em tecnologias críticas”. O técnico, que por receio de retaliação política pediu para não ser identificado, procura fazer uma avaliação equilibrada do que ficará de bagagem cultural para os brasileiros. “O aprendizado dos técnicos foi útil para futuros projetos, apesar de ser superficial tecnologicamente falando, pois
Ivanil Barbosa, presidente do SindCT: questionamentos
não saberíamos reproduzir aqui um satélite GEO sem conhecer a tecnologia das ‘caixas pretas’ usadas. O que foi passado está no nível superficial de engenharia de sistemas, mais como um gerenciamento. Se quisermos fazer um dia um satélite GEO teríamos que praticamente aprender do zero. Este lançamento somente preencheu a necessidade do país. Não traz nenhuma independência tecnológica”. Desafios Contar com esse satélite já é, em si, uma grande conquista para o país. Por outro lado, o Brasil não deve atingir, conforme registrado acima, condições de fabricar diretamente o próximo. O lançamento em si, portanto, também joga luz sobre os desafios e fragilidades do Programa Espacial Brasileiro (PEB), colocando em xeque a perspectiva de uma futura Missão Espacial Completa: o lançamento foi feito por um foguete francês, na base de Kourou (Guiana Francesa) depois que o satélite foi desenvolvido e montado na França, por uma empresa de matriz francesa e italiana. Por fim, uma vez em órbita o SGDC, surge outra questão de grande importância:
que finalidade se dará ao satélite, uma vez que o governo não-eleito optou por alterar, totalmente e de modo brusco, os usos e o modelo de negócios previsto originalmente? “Não tenho dúvida de que o Brasil é o grande alvo dos Estados Unidos”, afirmou categoricamente o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, hoje radicado no país, após ler os documentos secretos divulgados pelo técnico de informações Edward Snowden. Era setembro de 2013 e o governo Dilma começava a sentir o que viria pela frente, especialmente após a reeleição da presidenta em 2014. À época, o Brasil alugava canais de comunicação de satélites americanos para o setor de Defesa brasileiro. Entre outras medidas, o governo Dilma tomou a decisão de fabricação do SGDC para suprir uma dupla demanda: tornar as comunicações de Defesa mais seguras e soberanas, e atender o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), com o suporte do satélite para levar Internet a todo território nacional, sobretudo às regiões mais remotas e a órgãos da administração pública. No entanto, com a produção francesa restringindo acessos, pairam dú-
vidas. Por exemplo, “ninguém tem uma garantia de que ele não foi ocupado com um backdoor, um acesso espúrio às comunicações estratégicas brasileiras”, adverte Ivanil. Como se relatou acima, os franceses detinham a tecnologia e não liberaram todos os documentos para os técnicos brasileiros Mas não é só isso. A mudança de agenda no Brasil advinda do golpe, com a entrada de Michel Temer no Planalto, mudou também o programa inicial de universalização da Internet no Brasil. O SGDC tinha como missão ampliar o acesso à web nos mais distantes recantos do país, seja na Amazônia, no Sertão ou em outras regiões não beneficiadas pelo atual modelo de oferta privada de Internet. Agora, o governo pretende privatizar o uso do satélite e conceder a maior parte de sua capacidade às teles (confira no Jornal do SindCT 56), o que é alvo de denúncias e contestações. “É uma perversão em relação ao que se tinha imaginado”, avalia Diogo Moyses. Para ele, “foi brutal, não é pequena” a mudança operada. “Pegaram um investimento bilionário que se tinha planejado para um fim e se vai alocar agora para o uso privado”. O pesquisador registra que havia, por exemplo, “o objetivo de usar parte substancial desse satélite para conectar as mais de 60 mil escolas rurais que temos no país, boa parte sem internet, o SGDC era para essa política pública que é prioritária”. Em sua avaliação, “vivemos um momento de perversão completa do ambiente institucional”. Embate no STF O PDT ingressou com
uma medida no Supremo Tribunal Federal (STF) que, até o fechamento dessa edição, havia bloqueado o edital do leilão de venda de 80% da capacidade operacional do SGDC. Em sua arguição (uma ADPF), o partido alega “descumprimento de preceitos fundamentais”, com base no artigo 173 da Constituição, que prevê que a exploração desta atividade, por se relacionar a dados estratégicos, tem que ser estatal. “O entreguismo desse governo se sobrepõe ao interesse nacional. As empresas que comprarem o uso do satélite não terão qualquer obrigação nas metas de universalização ou em garantir preço mais acessíveis de banda larga. Estão acabando com o objetivo de uma empresa pública [a Telebras] de levar Internet às escolas, postos de saúde, hospitais, e para regiões remotas, como a Amazônia, onde não há interesse comercial, mas é de extrema importância para garantir inclusão”, criticou o deputado federal André Figueiredo (PDT-CE). “Esse ato esvazia a natureza jurídica da Telebras, pois abdica da posição de interventora no domínio econômico por motivo de relevante interesse coletivo, travestindo-a de mero ente intermediário, cujo desígnio passa a ser simplesmente o de gerenciar a cessão de seu patrimônio à iniciativa privada”, afirma o texto da ADPF. A Procuradoria-Geral da República (PGR) está examinando a ação, após o ministro Dias Toffoli ter ouvido a manifestação da Advocacia Geral da União (AGU). Assim, a ADPF deverá entrar na pauta de julgamento depois que a PGR emitir seu parecer.
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Humberto Sobral, 50 anos de INPE
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entilmente, o pesquisador José Humberto Cardoso de Andrade Sobral nos recebeu em sua residência, em São José dos Campos (SP), para esta entrevista. Levando-se em consideração seu período como aluno do Mestrado, ele está completando cinquenta anos de atuação no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde já se aposentou, mas continua lecionando nos cursos de pós-graduação. Sobral é graduado em Engenharia Eletrônica pela Escola Nacional de Engenharia (1966), hoje pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Obteve o mestrado em Ciências Espaciais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1969) e o doutorado (PhD) em Electrical Engineering pela Cornell University (1973). Foi coordenador-geral da Área de Ciências Espaciais e Atmosféricas do INPE de
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ENTREVISTA
Pesquisador identificou as bolhas ionosféricas como causa de fortes interferências nas telecomunicações. “Nosso país tem a maior declinação eletromagnética do mundo e a maior anomalia do Atlântico Sul”, ensina Sobral
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1992 a 1999 e possui mais de 150 trabalhos científicos publicados em revistas especializadas internacionais com revisão editorial. É professor do curso de Mestrado e Doutorado do INPE em Geofísica Espacial. O pesquisador teve uma brilhante atuação em sua área, destacando-se quando, no final da década da 1970, utilizando fotômetros de varredura da linha vermelha (630nm) do oxigênio atômico do céu noturno, detectou e identificou pela primeira vez no Brasil a ocorrência das bolhas ionosféricas (rarefações do plasma ionosférico) sobre o território brasileiro, o que lhe rendeu duas publicações pioneiras no ano de 1980 e mais uma no ano seguinte. Esses trabalhos, realizados em coautoria com seus colegas de equipe de pesquisas ionosféricas M. A. Abdu, C. J. Zamlutti e I. S. Batista, foram pioneiros no Brasil no tocante à ocorrência do fenômeno das bolhas ionosféricas sobre o território brasileiro. No final da década de 1980, Sobral identificou pela primeira vez as bolhas ionosféricas como causa de fortes interferências nas telecomunicações transionosféricas durante o período noturno. As bolhas ionosféricas acontecem sobre todo o território brasileiro e interferem drasticamente nas telecomunicações. Elas ocorrem principalmente de outubro
a março e no período noturno. Desde a descoberta das bolhas, mais de 300 trabalhos científicos (papers) foram publicados pelo grupo de ionosfera do INPE, em periódicos internacionais com revisores. Ao ser questionado sobre a eventual opção dos estudantes pela área espacial, ele foi bastante contundente em dizer que considera fundamental que mais e mais pessoas escolham essa carreira: “O Brasil precisa estudar o espaço aéreo. Aqui é diferente de tudo. Nosso país tem fenômenos que não há em qualquer outro lugar. Tem a maior declinação eletromagnética do mundo e a maior anomalia do Atlântico Sul. Portanto, tem um campo vasto de estudo”. Confira os principais trechos da entrevista. Jornal do SindCT. Qual a avaliação que o Sr. faz das últimas gestões do INPE? SOBRAL. O [Leonel] Perondi fez uma gestão excelente, na minha opinião. Teve muita gente que não entendeu e deu palpite errado, porque ele passou mais da metade do tempo consertando os erros da administração anterior. Ele é uma pessoa muito séria, muito aberta e foi bastante eficiente. Conseguiu lançar dois satélites, conseguiu resolver a questão das vagas no CPTEC [Centro de Previsão do
Tempo e Estudos Climáticos], que foi um processo penoso de trabalho. E, só nesse concurso, teve mais de 100 impugnações que ele teve que responder, e tudo fazia sozinho, pois não contava com muita ajuda da administração, pelo fato de estar todo mundo se aposentando. Jornal do SindCT. E com relação ao novo diretor, Ricardo Galvão? SOBRAL. Ele esteve há alguns anos no INPE, mas eu nunca convivi. Ele conheceu mais o pessoal do Plasma. Mas ele teve algumas atitudes que para mim foram positivas, que pareceram ser positivas, no sentido de que ele estava decidindo por ele próprio, apesar de que eu não coloco a mão no fogo por ninguém que tenha ocupado um cargo de poder, a não ser quando eu faço parte, como aconteceu no Comitê de Busca anterior a este último. Mas uma pessoa que é colocada aí, eu não posso avaliar... Jornal do SindCT. O que o Sr. acha desse novo modelo de gestão no qual deixa-se de fazer os satélites de encomenda do governo, com aplicações
específicas, para fazer somente satélites científicos? SOBRAL. O INPE tem que fazer satélite não científico também, como sempre fez. Por que agora mudou? Não tem motivo de o INPE parar de fazer. Jornal do SindCT. O Sr., mesmo já aposentado, faz parte de um renomado grupo de Geofísica Espacial no INPE. O que seria este trabalho? SOBRAL. Na Geofísica Espacial há subdivisões, como as áreas de Aeronomia e Astrofísica. Então, hoje, a física espacial trata do meio ambiente ou do ambiente espacial externos da circunferência da Terra, trata da interação do Sol com o ambiente terrestre, cujo campo geomagnético é a Terra. A gente desenvolve pesquisa neste campo. Jornal do SindCT. Que conselho daria aos jovens que estão estudando esta área aeroespacial? É algo promissor no Brasil? SOBRAL. Aconselho que vá em frente. Sabe por que se estuda essa área espacial? É que o Espaço é grande, e ele também é meio ambiente. Tem o
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meio ambiente da meteorologia e tem o do Espaço, onde se estuda o plasma livre, que é a eletricidade. O plasma é um gás elétrico composto por energias positivas e negativas. Então, esse plasma é sujeito a correntes e campos elétricos que podem destruir um satélite. Esse ambiente é muito intempestivo. Jornal do SindCT. O ambiente espacial necessita ser estudado? SOBRAL. Sim, claro. Só para dar um exemplo, peguei uma vez uma lista da NASA de satélites destruídos. No meio ambiente espacial havia catorze satélites destruídos. Na época eu estava na coordenação da área no INPE, e até tirei o instituto desse programa porque nós tínhamos outra prioridade. Mas sabemos que o Espaço possui muitos fluxos relativistas de elétrons, de partículas. Então, para se ter uma ideia, um próton do núcleo do átomo de hidrogênio pode furar uma barra de ferro de 25 cm. É por isso que essa região de anomalia do Atlântico Sul é tão importante para a navegação espacial. Aqui o campo magnético é mais baixo. O eixo tem o formato de uma maçã cortada. Só que o eixo não está no centro da Terra. No lugar onde está mais próximo à superfície da Terra, o campo magnético é mais forte e do lado oposto é mais fraco. Nós estamos do lado oposto. Participei de um programa com a NASA. Foi antes de o homem chegar à Lua. Eu ia para a Barreira do Inferno [Centro de Lançamento da Barreira do Inferno – CLBI] e ficava lá esperando o contato com Houston (EUA) para saber se podia lançar o foguete ou não. A ideia era justamente medir a energia do cinturão interno de
Fotos: Shirley Marciano
Van Allen. Se estivesse muito forte a atividade, teria de abortar a missão. Nesta época era ainda a cápsula Mércure, do Programa Apollo. Minha participação foi em maio de 1969. Então, ainda sobre quem deseja estudar a área aeroespacial, ratifico que, sim, a gente precisa de mais pessoas. O Brasil precisa estudar o espaço aéreo. Aqui é diferente de tudo. Nosso país tem fenômenos que não há em qualquer outro lugar. Tem a maior declinação eletromagnética do mundo e a maior anomalia do Atlântico Sul. Portanto, tem um campo vasto de estudo. Jornal do SindCT. Quem é o Sobral e de onde veio? Como se deu sua formação? SOBRAL. A minha família toda é sergipana. Eu sou descendente de um sobrinho de Mendes Sá, Diogo da Rocha e Sá. Sergipe não existia porque fazia parte da Bahia. Minha família toda era
do ramo de açúcar. Meu pai era militar e meu avô usineiro de açúcar. Ele foi o primeiro a comprar usina de engenho. Em 1822, dois membros diretos da minha família foram nomeados para fazer parte da Junta Governativa de Sergipe. Um deles era padre, porque minha família era muito católica. Sergipe produzia 2/3 do açúcar do país inteiro. Minha família teve muitos políticos. Pelo fato de meu pai ser militar, eu mudava muito de Estado. Morei em diversos lugares. A maior parte da minha infância no Rio de Janeiro, na capital. Mas costumava passar férias em Sergipe. Fiquei no Rio de Janeiro até 1967. Estudei em colégio militar. Sempre detestei a carreira civil. Toda a minha família era militar e bem nacionalista. Meu pai era muito cauteloso, mas minha mãe era muito nacionalista. No carnaval, ela me fantasiava de marinheiro e outros personagens semelhantes. Ela
moldou minha cabeça para ser nacionalista. Ela sempre falava das pessoas que sofrem; que a gente tem que ajudar. Ela era caridosa. Tinha visão social. Ela bordava e no final do ano doava tudo o que conseguia produzir. Fui criado nesse meio. Essa questão mais social não estava associada a questões políticas. Era algo de querer bem um ao outro. Meu avô montou a primeira escola do Estado na fazenda dele. E meu pai estudava junto a todos os demais. Após o colégio militar, me graduei na Escola Nacional de Engenharia. Uma das mais antigas do Brasil. Estudei em escola militar, e eu até gostava da carreira. Mas quando eu fiz aquele teste psicotécnico, deu para pesquisa científica. E era isso mesmo que eu queria. Se eu quisesse, poderia ter entrado direto no Exército, mas vou lá fazer o quê? Ciência não tem, engenheiro não quero ser e guerra não vai ter! Então, eu vou fazer o que dentro do Exército?
Se eu estivesse nesse ambiente de golpe militar, iria ferrar tudo. Eu ia sair e quebrar o pau porque eu não concordo com tortura. Não gosto também de abusos e mentiras. Tudo era mentira. Esse golpe foi de mentira. Deram um golpe em 31 de março de 1964, e isso não tinha nada a ver com algo contra o comunismo. Era mesmo um ato anti-getulista. Havia um pessoal contra o terrorismo de Estado. De repente, quem era contra o terrorismo passou a ser chamado de terrorista. Então, aí que entrou Dilma e esse pessoal todo, que, na verdade, não era terrorista. Jornal do SindCT. A esposa do senhor mora atualmente em Porto Rico. Qual é a sua relação com esse enclave norte-americano, já que o senhor viaja sempre para lá? SOBRAL. Porto Rico foi comprado dos espanhóis pelos EUA. Lá o pessoal vive bem. São cidadãos americanos e a moeda é o dólar. Fui para Porto Rico pela primeira vez em 1970. A minha esposa, Nani, conheci em 1972 e me casei em 1974. Ela é nascida em Porto Rico. Jornal do SindCT. Como o senhor veio para São José dos Campos? SOBRAL. Eu queria sair do Rio de Janeiro. Não gostava de lá, embora eu reconheça que lá há muitas belezas. Conheci um paulista de Bauru. Ele é campeão de tênis de mesa e, para meu espanto, uma pessoa muito simples. Ele me inspirou a mudar para alguma cidade do interior de São Paulo. Foi então que um amigo disse que tinha uma vaga no INPE, em São José dos Campos. Cheguei na cidade em 1969, desci na Dutra para ir ao DCTA.
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Impasse no CTI “Renato Archer” complica avanço de pesquisas para uso de 3D na saúde Por meio do InVesalius, primeiro software livre do mundo para integração de imagens médicas 2D e 3D, criado pelo CTI, é possível imprimir cópias exatas de partes do corpo humano. É ideal para o planejamento cirúrgico: o médico pode manusear e fazer testes previamente
Michele da Costa*
O
(NT3D) do CTI. Até 2016 o programa viabilizou o uso da tecnologia 3D em 4.913 casos cirúrgicos de alta complexidade em 270 hospitais (públicos e privados) no Brasil e em outros países da América Latina, criando soluções inexistentes até então e que têm sido fundamentais para salvar vidas. Por meio do InVesalius, primeiro software livre do mundo para integração de imagens médicas 2D (tomografias e ressonâncias magnéticas) e 3D, criado pelo CTI, é possível imprimir cópias exatas de partes do corpo humano de uma determinada pessoa. “É ideal para o planejamento cirúrgico, porque o médico pode manusear e fazer testes previamente”, conta Jorge Vicente Lopes da Silva, coordenador do NT3D e responsável pelo ProMED. Pablo Maricevich, cirurgião plástico que atua em hospitais públicos em Pernambuco e já utilizou
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PROGRAMA REVOLUCIONA CIRURGIAS DE ALTA COMPLEXIDADE
avanço de pesquisas nacionais para a utilização de tecnologias tridimensionais na área da Saúde está ameaçado, não por falta de recursos, como se poderia prever, e sim pela não utilização deles. São mais de R$ 1,9 milhão, liberados pelo Ministério da Saúde (MS) desde 2016, que estão na gaveta do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, sediada em Campinas-SP. Estas pesquisas são realizadas por meio do Programa de Tecnologias Tridimensionais Aplicadas à Saúde (ProMED), que contribui com soluções de engenharia para cirurgias complexas, desenvolvimento de próteses e órteses personalizadas e a qualificação profissional. O ProMED é executado desde 2000 pelo Núcleo de Tecnologias Tridimensionais
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protótipos confeccionados pelo ProMED, avalia que o emprego da tecnologia 3D nas reconstruções craniofaciais tem impacto direto na vida dos pacientes, por seu alto grau de precisão. “É exata. O encaixe das próteses cranianas é milimétrico, como se fosse uma peça de quebra-cabeça. É mais rápido, o que permite reduzir o tempo de cirurgia, de anestesia etc. Em resumo, o custo hospitalar fica até menor no final das contas”, explica. O número de downloads do InVesalius já chega a 19.260, em 142 países. Relatos médicos que chegaram aos pesquisadores indicam a redução do tempo de cirurgia em até 60%, observa Pedro Yoshito Noritomi, que integra a equipe do ProMED. Um dos casos em que eles estão trabalhando atualmente exigiu a confecção de uma órtese dinâmica para permitir que um pianista possa voltar a tocar. “O paciente tem a mão
esquerda em flexão (fechamento da mão) e movimentos involuntários. Então, a órtese auxilia na extensão dos dedos. A dificuldade do projeto foi o eixo do movimento porque necessitava também da abdução e adução dos dedos e a regulagem da tensão. A equipe do CTI Renato Archer resolveu e confeccionou a órtese”, explica a fisioterapeuta Cintia Naoko, responsável pelo projeto. “É em cima dessa matéria-prima que a gente aprende e faz melhor”, diz o coordenador Jorge Vicente. Impasse Jorge Vicente, também responsável pelo projeto de cooperação com o MS, revela que essa é a segunda vez em que a verba é disponibilizada pelo Ministério e deixou de ser utilizada pelo CTI. A primeira vez foi no ano anterior (2015 para 2016), no valor aproximado de
R$ 1,4 milhão, que acabou tendo de ser devolvida. Conforme previsto no Resumo Executivo do Projeto em vigor CTI/MS (TED 156/2015), datado de agosto de 2016, o recurso de R$ 1.909.054,28 deverá ser utilizado exclusivamente para a contratação de pessoal qualificado pela Fundação de Apoio à Capacitação em Tecnologia da Informação (FACTI), por meio de convênio com o CTI baseado na Lei 8.958, que regulamenta a relação entre instituições federais de ensino e pesquisa e fundações privadas ditas “de apoio”. Segundo Jorge, o Núcleo conta também com recursos do MCTI e de outros projetos de pesquisa, mas sem esse recurso do MS o Programa corre o risco de ser descontinuado, já que a manutenção de uma equipe qualificada é fundamental. Ele diz que o número de profissionais da equipe do ProMED caiu
de quinze (em 2015) para sete atualmente. O resultado é a redução do número de atendimentos de apoio ao planejamento cirúrgico de alta complexidade: 314 de janeiro a maio de 2015; 184 e 83 nos mesmos períodos de 2016 e deste ano, respectivamente. O primeiro Termo de Descentralização de Recursos (TED) com o Ministério da Saúde para o ProMED foi firmado em 2009, tendo sido renovado a cada dois anos até 2013. Jorge afirma que os recursos do MS não estão sendo usados devido a um impasse com a direção do CTI, que mudou as regras para a contratação da FACTI por meio de uma Portaria (nº 27, de fevereiro de 2016). “Não há possibilidade de fazer dessa maneira. As regras não são factíveis”, justifica ele, acrescentando que essa posição é compartilhada por outros doze pesquisadores envolvidos. Essa portaria prevê, por exemplo, a contratação de uma empresa para dar continuidade ao desenvolvimento do software InVesalius. “Não faz sentido. É um software de pesquisa. Por que é que eu, Jorge, como pesquisador, vou pegar dinheiro do Ministério da Saúde para contratar uma empresa para fazer o que ela poderia estar fazendo diretamente?”, questiona. “Os recursos providos pela Ministério da Saúde eram exclusivamente para manter a equipe da FACTI que já havia trabalhado no projeto. Era uma equipe de oito pessoas, muito experiente. A Portaria 27 só permitia utilizar os recursos para treinamento de servidores e contratação das empresas. Tecnicamente seria inviável entregar resultados da forma imposta pelo diretor na
Fotos: Michele da Costa
Oscip
entidade é “também uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e devidamente credenciada junto a Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e Ministério da Educação (MEC)”, e que atua “prioritariamente como fundação de apoio do CTI (Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer), uma das unidades de pesquisa do MCTIC” (https://facti. com.br/a-facti/). O Relatório de Gestão 2014, o último disponível no site, indica o porte econômico dessa fundação privada: “Em 2014 a Facti obteve uma receita próxima de R$ 40 milhões, a maior de sua estória [sic] de atuação. A carteira de projetos e contratos vigentes naquele ano também chama atenção, ultrapassando os R$ 150 milhões. São números que indicam uma forte intensificação das atividades, que precisou ser acomodada em período relativamente curto. O alcance destes patamares se deve às parcerias de trabalho com o CTI Renato Archer, em especial no formato de contratação para prestação de serviços”. Curiosamente, não há qualquer informação, na página da FACTI, a respeito da composição de seus órgãos diretivos, como diretoria e conselho curador. No Relatório de Gestão 2014, o único nome que aparece é o do secretário-executivo da fundação, Alexandre Cândido de Paulo. A fundação foi procurada para informar sobre seu quadro diretivo, mas não retornou até a finalização da reportagem.
A página digital da FACTI informa que a
*Jornalista, especial para o Jornal do SindCT
Jorge Vicente
Portaria 27 sem a equipe da FACTI”, explicam Jorge Vicente e Izaque Alves Maia, pesquisador do NT3D. Segundo eles, dez servidores de duas Divisões (Núcleos) do CTI assinaram um pedido de revogação da Portaria 27 por “falta de razoabilidade técnica”, sem sucesso. Alguns pesquisadores foram ouvidos por uma comissão de sindicância interna, criada em julho de 2016 pelo diretor, para apurar os motivos da não execução do Projeto aprovado pelo MS. Izaque conta que o relatório dessa sindicância foi concluído em dezembro, mas eles não tiveram acesso. Quanto à negativa da FACTI em aceitar o TED conforme planejado (por meio de convênio), os pesquisadores acreditam que uma alternativa deveria ser discutida entre o MS, o coordenador do projeto e o diretor do CTI. “Entre a Portaria 27 e a devolução dos recursos seria melhor devolver os recursos”, opinam. Novas regras Victor Mammana, diretor do CTI, explica que o principal motivo da alteração das regras foi a manifestação de conse-
lheiros da FACTI de que não gostariam mais que a fundação fosse contratada pelo CTI por meio de convênio (sem licitação), conforme vinha ocorrendo antes. A FACTI, entidade privada, confirmou e justificou a decisão (por meio de nota): “o Conselho Deliberativo, em meados de 2015, analisando a conjuntura que se apresentava à época, decidiu não celebrar convênios ou contratos com Governos, face à grande possibilidade de contingenciamento orçamentário, atraso ou até suspensão de repasses financeiros por parte destes órgãos”. Segundo Mammana, a contratação por meio de licitação (concorrência pública) também passou a ser exigida por precaução, diante do risco de caracterização de prestação de serviços continuada e os problemas fiscais decorrentes, já que a fundação seria contratada pela quarta vez consecutiva para prestar o mesmo serviço. O diretor acrescenta a deficiência de pessoal administrativo para fiscalizar esse tipo de contrato. Na avaliação de Mammana o quadro atual de profissionais destinados ao ProMED não é ruim se comparado a outros programas da unidade, pois
conta com o maior número de bolsistas (oito) e de servidores concursados com alocação específica (seis), além de quatro funcionários celetistas (contratados via fundação). Menciona também a recente contratação (via concurso público) de três profissionais altamente qualificados para atuar no ProMED, o que dependeria apenas de pedido do coordenador da Unidade. O diretor acredita que parte das necessidades da pesquisa pode ser atendida pelo mercado, mas também mencionou outros meios de contratação possíveis, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência pública federal. “Esse projeto atingiu um estágio de maturidade tal que já deveria ter sido encampado por uma entidade pública. Até que ponto uma instituição de pesquisa deve permanecer fazendo atendimento de pacientes?”, questiona. A transferência das tecnologias desenvolvidas pelo ProMED ao SUS está entre os objetivos do acordo com o MS, conforme descrito no Resumo Executivo do Projeto.
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PSDB DECIDE FICAR NO GOVERNO E TENTA SALVAR AÉCIO
Temer resiste, por um fio... Governo enfrenta os seus piores momentos e estimula unidade das centrais e movimentos sociais contra as reformas e por eleições diretas. A pressão das ruas ganhou a adesão dos artistas e só tende a aumentar
Antonio Biondi e Cristina Charão
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á pelo menos três meses, Michel Temer entrou na fase “balança, mas não cai”. De um lado, o Judiciário segue dando sinais de proteção à base aliada do golpe e o governo aposta alto para manter o controle do Congresso Nacional. De outro lado, as pesquisas que medem a impopularidade do presidente após a proposta das reformas trabalhista e da Previdência, a sucessão de fatos escancarados pela delação dos diretores do Grupo J&F, a mobilização popular e — agora — até mesmo derrotas em votações no Congresso indicam que o “empurra o Temer que ele cai” cantado por centenas de milhares de manifestantes nas ruas parece uma realidade mais próxima. O cenário posterior a esta queda, ou seja: quem e como poderá suceder Temer, é uma incógnita. O desenlace deste nó dependerá, mais uma vez, da correlação de forças entre as ruas, que pedem “Diretas Já” contra as reformas, e o peso político do grande empresariado atuando sobre o Legislativo e o Judiciário. Mesmo nestes espaços, as rupturas aparecem. No Tribunal Superior Eleitoral
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(TSE), Temer escapou por um único voto do primeiro julgamento que poderia tirá-lo do Palácio do Planalto. Embora o resultado fosse esperado, a decisão pela não cassação da chapa Dilma-Temer expôs como nunca o papel dos juízes e, em especial, de Gilmar Mendes, na sustentação do governo pós-golpe (leia mais na p.11). Mas do mesmo Judiciário veio a validação do Supremo Tribunal Federal (STF) para o acordo de delação premiada com os diretores do Grupo J&F e a manutenção do ministro Edson Fachin como relator do processo. De imediato, Fachin enviou à Procuradoria-Geral da República a cópia do inquérito contra o presidente Michel Temer, dando início à tramitação da denúncia por crimes de corrupção passiva, obstrução da Justiça e formação de quadrilha. O julgamento de Temer no STF por crimes comuns tem de ser
autorizado pela Câmara dos Deputados, em votação em plenário e com aprovação de 342 do total de 513 deputados. Parece difícil, mas este mesmo Congresso em que Temer “nadava de braçada” começa a emitir sinais no mínimo ambíguos. No Senado Federal, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) rejeitou o projeto de reforma trabalhista e permitiu que o voto em separado apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que rejeita na íntegra o texto vindo da Câmara, seja apreciado pelo plenário da casa. A votação por 10 votos a 9 só foi alcançada com votos de três senadores da base governista. Desgoverno “A ingovernabilidade está posta no país. O Temer não tem mais governabilidade política. No máximo, o que ele apresentou são as reformas que estão por trás do golpe”, avalia Walter
Takemoto, que integra a coordenação da Frente Brasil Popular na Bahia. “As denúncias da JBS, que demonstram as articulações do governo golpista com esquemas de corrupção, fragilizaram Temer ainda mais. Há setores do PMDB sinalizando sair do governo. O conservador PPS já desembarcou. A base parlamentar está ruindo rapidamente”. Os rachas, no entanto, não se refletiram no emblemático caso do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que aparece nas gravações entregues por Joesley Batista solicitando R$ 2 milhões para pagar despesas com sua defesa no âmbito das investigações da Operação Lava Jato. No STF, a apreciação do pedido de prisão preventiva do senador foi adiada. No Senado, o relatório que pedia a cassação de seu mandato foi arquivado. Segundo o relator, senador João Alberto de Souza (PMDB-MA), não há provas que justifiquem a abertura do processo. As duas decisões ocorreram após o PSDB anunciar que permanece na base de Temer. “O PSDB não fará nenhum movimento agora de sair do governo. Se os fatos mudarem, faremos outra análise”, disse o senador José Serra (PSDB-SP). Para a Frente Brasil Popular, é preciso aproveitar o momento para empurrar Te-
mer e garantir a pauta que vem se consolidando como unitária dentro dos movimentos de oposição ao golpe: a saída do presidente, a realização de eleições diretas e a rejeição às reformas trabalhista e da previdência. “Esta ingovernabilidade pode se aprofundar com as investigações, mas é imprescindível a mobilização nas ruas”, afirma Takemoto. “Historicamente, o Parlamento só votou a favor da classe trabalhadora quando ela estava na rua. Isso é o que pode catapultar a ingovernabilidade”. No último mês, o movimento ganhou o reforço dos artistas, com grandes atos-shows pelas Diretas Já realizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Salvador. Em cada um deles, mais de 100 mil pessoas participaram das atividades — e o envolvimento de nomes de peso da cultura nacional garantiu forte repercussão dos protestos. Em outras capitais, como Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife, atos semelhantes também foram realizados. Periferias Outro traço importante destas mobilizações, especialmente em Salvador, foi realizar um chamamento especial às representações das periferias e reforçar a conexão entre a pauta das Diretas Já e o rechaço às reformas. “Não vamos convencer a população sobre as razões para derrotar o golpe se não convencermos sobre a perda de direitos. Por isso, temos focado aqui as atividades na periferia. Vamos realizar mais quatro atos, sendo três deles na periferia, um por mês”, conta Takemoto. “Nós não vamos
“Não devemos nos iludir: julgar é um ato político” Cristina Charão No empurra-empurra em que se encontra o governo, o julgamento da ação movida pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi um dos momentos em que o Judiciário teve papel decisivo em dar sobrevida ao atual presidente. A acusação de abuso de poder econômico pela chapa, que poderia significar a cassação de Michel Temer, foi vencida por 4 votos a 3. O vai e vem do processo, desde sua abertura em 2015 como uma tentativa de retirar a presidenta Dilma Rousseff do cargo, passando pela discussão sobre a desvinculação de Michel Temer do processo movido contra a chapa, até chegar ao seu desfecho, revela meandros da relação entre Justiça e política. O Jornal do SindCT ouviu sobre o tema Marcelo Semer, juiz de Direito em São Paulo e membro da Associação Juízes pela Democracia. O resultado do julgamento foi anunciado como tendo sido definido por questões processuais: o descarte de evidências obtidas durante as investigações por meio das delações de diretores da Odebrecht, que não estariam diretamente ligadas ao objeto da ação inicial. Esta é uma explicação correta? Questões processuais são tão
derrotar o golpe sem que se construa um processo que chame a população para este debate e este debate só poderá ser feito quando ela puder escolher seus representantes diretamente”. A defesa das Diretas Já como estratégia para barrar as reformas é reforçada também pela forte pressão de setores que agora tentam desembarcar do governo — uma parte das empresas de mídia e das forças partidárias conservadoras — propondo a saída de Temer e eleições indiretas. “Dificilmente o STF
importantes quanto as de mérito para o julgamento. Assim, se quem propõe uma ação não tem legitimidade para fazê-lo (não é o caso concreto), não há como prosseguir no julgamento. O processo é extinto sem julgamento de mérito. Não foi o que aconteceu no TSE. Ali, afastaram-se apenas elementos de prova baseados em fatos de conhecimento posterior e, enfim, julgou-se o pedido original apenas com os elementos que ele continha. Julgou-se, pois, o mérito. A questão processual que, digamos, legitimou a posição vencedora é a de que elementos que vieram posteriormente ao conhecimento não faziam parte do pedido original. É, para dizer o menos, juridicamente questionável. Mas também não deixa de ser questionável o fato de que a condenação estaria se baseando inteiramente no produto das delações. A tese do ministro Benjamim de que os delatores “prestaram compromisso” e, portanto, disseram a verdade no TSE, também pode ser questionada. Se havia algum interesse em jogo (e na delação, o interesse é imenso), o testemunho não pode ser simplesmente considerado isento com base em uma formalidade. Como foi também com base em uma formalidade que o relator tarjou no processo todas as referências das delações ao candidato derrotado que propôs a ação (porque, afinal, ele não estaria em
julgará como procedentes as Diretas. A saída do Temer é mais fácil do que conquistar as Diretas”, avalia o coordenador da Frente Brasil Popular na Bahia. A dificuldade da conquista das Diretas reside no peso que o empresariado joga nos dois polos contrários da disputa — a permanência de Temer ou a eleição indireta — como alternativas para garantir as reformas. O presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, não teve pudores em assumir: “O governo de Michel Temer tem tido relativo
julgamento nesta ação). Mas se a tese era evitar, a todo custo, a “política do avestruz”, não há como ignorar que o financiamento ilícito da campanha foi generalizado. Então, o que sustenta o julgamento do mérito da ação? É difícil analisar o julgamento exclusivamente por meio de questões jurídicas, porque ele esteve, desde o início, contaminado por questões de natureza política. A ação já havia sido rejeitada pela relatora anterior, mas o processo foi ressuscitado por voto capitaneado pelo presidente Gilmar Mendes, ainda na gestão Dilma. A ideia indisfarçável era de que ele servisse como uma opção jurídica ao impeachment. Por isso, foram feitas diligências para trazer a este processo elementos dos processos da Lava Jato. Houve manobras para atrasar o julgamento, o que permitiu a troca de dois ministros pelo presidente da República. Ao final, a tese de Gilmar Mendes, agora já na gestão Temer, era exatamente oposta à que determinara a continuidade do julgamento. Não há como justificar de outra forma que não a política. Honestamente, também não seria fácil explicar a cassação da chapa vencedora na ação movida pela chapa perdedora, pelo financiamento ilícito — se também se apurou que o financiamento atingiu aos derrotados. Não está claro que
êxito no andamento das reformas e tenho esperança de que elas aconteçam. Estou apostando que o Brasil criou juízo”, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico. Já Roberto Setúbal, todo poderoso dono do Itaú, afirmou à Folha de S. Paulo que não espera uma diminuição da turbulência política nos próximos meses, mas que é preciso manter a agenda de reformas. “As pessoas precisam entender que reformar um código trabalhista desatualizado é bom para os negócios”, disse Setúbal com
uma eleição foi ganha por abuso de poder econômico, ainda que esteja claro que houve abusos. Estamos diante de mais um caso de “exceção”? Exceção é, na verdade, negar o direito em face de uma situação excepcional que politicamente exija o afastamento da lei. Algo como: não pode divulgar conversa telefônica interceptada; mas como esse caso X é muito importante, então eu vou ignorar a proibição. Sim, estamos repletos de decisões como essas. A fundamentação mais próxima a ela, no julgamento do TSE, foi: não se pode sair cassando presidente para não comprometer a estabilidade. Quando se faz isso, se sai do direito para entrar na política. A questão é: quem teria legitimidade para tomar uma decisão dessas? No melhor exemplo do estado de exceção, o regime nazista, a resposta era clara: o Führer. Bom, isso basta para nos lembrar que não, não podemos aderir a esse método. O Judiciário tem aderido às medidas de exceção, às vezes para prender e condenar (como é o caso de cautelas inexistentes na lei, como a “condução coercitiva” de indiciado que não se recusa; ou mesmo a prisão preventiva para delação), às vezes para absolver. O momento atual acrescentou condimentos essenciais a esta postura. Mas não devemos nos iludir: julgar é um ato político.
grande dose de cinismo. Pressão Combater a pressão do empresariado junto ao Congresso é fundamental. “Se o Congresso aprovar uma PEC pelas Diretas, o que a meu ver, fortalece o espírito da Constituição, ao invés de violá-la, não acredito que o STF entenda inconstitucional”, avalia o juiz Marcelo Semer, da Associação de Juristas pela Democracia. “A Constituição nasceu do movimento posterior à
derrota das Diretas Já [de 1984]. Nasceu para sepultar eleições indiretas e previu esse mecanismo subsidiário para evitar que uma eleição antecipada funcionasse como pretexto de golpe”, afirma. “É difícil prever decisões. Mas apostaria que o STF recebe a denúncia de Janot contra Temer e não barra eleições se assim o Congresso decidir. Mas o Congresso só vai decidir se houver mobilização. Ou seja: não se sai da crise institucional pelo direito; se sai pela política”.
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SITUAÇÃO É CRÍTICA
Institutos federais de pesquisa exigem de Kassab desbloqueio de R$ 70 milhões Agência Brasil
Ascom/MCTIC
Diretores de unidades do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) apresentaram ao ministro proposta para poder honrar compromissos ameaçados pelo corte de 44% do orçamento e chegar ao fim do ano Supercomputador Santos Dumont, do LNCC
Pedro Biondi
O
congelamento de 44% do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) foi tema de reunião em junho entre os diretores dos institutos de pesquisa da pasta e o ministro Gilberto Kassab. De acordo com o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão, essas unidades pediram o desbloqueio de R$ 70 milhões para que possam honrar os compromissos assumidos e chegar ao final do ano sem entrar em colapso. “Cada uma fez um estudo detalhado sobre o mínimo de que precisa até o fim do ano e pedimos a audiência com o ministro”, conta. “Apresentamos uma tabela com esses valores e ele se comprometeu a levar a demanda ao Ministério do Planejamento e nos dar uma resposta até o fim do mês”. No encontro, o titular do MCTIC anunciou o descontingenciamento de R$ 700 milhões a serem destinados, principalmente, a duas iniciativas que o governo considera estratégicas: o Projeto Sirius, acelerador de partículas de quarta geração, a cargo da “organização so-
cial” CNPEM; e o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), a cargo da Visiona. A negociação a respeito é anterior à conversa com os diretores de institutos. Ou seja, dois projetos específicos (e privilegiados) devem conseguir valor dez vezes superior ao necessário para que os institutos ligados ao ministério consigam manter suas atividades em 2017. Kassab se comprometeu a realizar todo esforço para recompor o orçamento da pasta e aumentar o repasse de recursos. Por meio de sua assessoria de comunicação, o MCTIC informou ao Jornal do SindCT ter empenhado, até 17 de maio, R$ 1,533 bilhão, dos quais R$ 886,4 milhões foram pagos no exercício, de um orçamento de R$ 6,184 bilhões — total que, mantido o corte em vigor, resume-se a R$ 3,5 bilhões na vida real. Trata-se simplesmente do pior orçamento da área nos últimos 12 anos! “Já vinha sendo aplicado um limite mensal de 1/18 avo do orçamento anual, equivalente a um corte de 33% nos recursos. Diante desse teto, fizemos um estudo detalhado dos nossos projetos e um planejamento com o qual conseguiríamos ir até o final do
ano”, relata Ricardo Galvão, do INPE. “Com os 44% [de corte] anunciados em março, fica inviável”. Supercomputador O diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Augusto Gadelha, conta ao Jornal do SindCT que, se for mantida a limitação de uso de apenas 56% do previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), a instituição terá de encerrar várias atividades em outubro — entre elas a operação do supercomputador Santos Dumont, cuja manutenção exige R$ 6 milhões anuais. Comprada por R$ 60 milhões, a plataforma computacional consegue fazer mais de 1 quatrilhão de operações por segundo (petaflópica), o que faz dela a mais rápida da América Latina. No ano passado, por falta de dinheiro e de segurança financeira, passou os primeiros seis meses depois de ligada operando no nível mínimo. Gadelha afirma que, desde julho de 2016, o Santos Dumont trabalha 24 horas, e que usa atualmente três quartos de sua capacidade. Com o início dos projetos selecionados pela segunda chamada, informa, deve chegar
Reunião do Conselho Consultivo do MCTIC
perto de 100%. O montante disponível pela LOA atende à manutenção de todas as atividades e projetos do LNCC, sem permitir, no entanto, ampliação ou modernização de sua infraestrutura. “Recursos adicionais [aos 56% disponíveis] são necessários para manter o LNCC operacional como um todo”, comenta o diretor da unidade, sediada em Petrópolis (RJ), declarando-se confiante na sensibilidade do governo ao pleito. Ele lembra que o campus de 68.000 m2 abriga um corpo de mais de 60 doutores realizando pesquisas e desenvolvimento de aplicações da computação científica em campos como modelagem de reservatórios de petróleo, água e gás; sequenciamento de genomas (apoiando pesquisas sobre zika, entre outras); síntese de proteínas; medicina de precisão; análise de grandes massas de dados (big data); criptografia e segurança cibernética; e computação em nuvem. Soma-se a eles uma centena de mestrandos e doutorandos. Outro participante da reunião foi o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), que, consultado pelo Jornal do SindCT, não forneceu
entrevista ou informações. “Força-tarefa”? Em reunião do Conselho Consultivo do MCTIC, o ministro Gilberto Kassab defendeu a formação de uma “força-tarefa” para aprovação de projetos de lei de modo a impedir, a partir de 2020, o contingenciamento dos fundos nacionais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Ele se propôs a negociar tal compromisso com as comissões que tratam do assunto no Congresso Nacional. Foi lançada, no dia 22 de junho, a campanha “Conhecimento sem cortes”, que visa compreender os impactos da redução de recursos para ciência e a educação e ampliar a mobilização social em defesa da produção científica brasileira. O “Tesourômetro do Conhecimento”, um contador digital no campus Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que desde 2015 foram cortados R$ 11 bilhões (R$ 500 mil por hora). É possível participar de abaixo-assinado por mais recursos: http://conhecimentosemcortes.com. br/peticao.