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Imagem, cultura e a representação de identidades em peças publicitárias: A consolidação de uma normatividade, fragmentação ou crise? Douglas Menegazzi Formado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda, mestrando em Comunicação Visual na Universidade Estadual de Londrina – UEL. E-mail: [email protected] Resumo Este artigo reúne ferramentas metodológicas para adentrar os debates a cerca da imagem e por meio dela, discutir as relações entre mídia e a construção cultural de identidades sociais. Para tanto, apresenta a imagem como o local da cultura na contemporaneidade e como o principal veículo de informação, porém questiona sobre a as formas de produção do discurso imagético no âmbito da fotografia. Problematiza, com base nas concepções de Vilém Flusser (2002), a fotografia como discurso possível de manipulação: as limitações do aparelho e do fotógrafo instituídas pelas políticas de poder comercial e pelos canais de veiculação. Com foco na imagem publicitária se discute a intencionalidade nas práticas de representação de “minorias sociais” como uma forma fixa de apresentação do outro por meio do estereótipo – Hommi Bhabha (1998) –, reforçando a idéia de identidades sociais como a junção de indivíduos “diferentes” sempre às margens. Nesta perspectiva é contextualizado o conceito identidade, que para Douglas Kellner (2001) se apresenta atualmente como uma estrutura fragmentada e passível de mobilidade pelo poder de consumo. Já,

Stuart Hall (2005), argumenta o sujeito

contemporâneo com uma identidade em crise, a crise para Suely Rolnik (2000) está justamente no falso problema identidade, alertando para o paradoxo conceitual, qual se deve ter cuidado. Em suma, a pesquisa delimita eixos para a análise de imagens fotográficas, questiona e destaca conceitos para uma leitura crítica com a exemplificação de duas peças publicitárias. Palavras chaves: Imagem; Cultura; Mídia; Estereótipo; Publicidade. Podemos afirmar que as discussões acerca da imagem apresentam um campo de debates que expõe problemáticas muito pertinentes ao próprio entendimento quanto à construção da cultura em uma sociedade. Tampouco falar sobre imagem representa resumir a complexidade sociocultural a uma lógica passível de delimitações, pelo contrário, os objetos imagéticos potencializam amplamente esta discussão. Nossa intenção em buscar ler imagens, como elementos antropológicos, significa conquistar ferramentas para se poder olhar para o próprio

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espaço sociocultural que estas ocupam, que ocupamos. Lê-las, proporciona poder olhar para a contemporaneidade por um viés amparado por elementos de mediação entre nós mesmos e o mundo. Neste artigo reunimos ferramentas metodológicas que nos possibilitem adentrar as discussões a cerca da imagem e por meio dela discutir as relações entre mídia e a construção cultural de identidades sociais. A Imagem como o local da Cultura Como nos informa o professor Norval Baitello (2005), as imagens nascem na préhistória, na percepção do homem, nas sombras dos sonhos, no incentivo à imaginação propiciada pela ausência de luz nas cavernas, em, quais posteriormente em suas paredes iriam habitar produções imagéticas que só recentemente, então, apareceriam no mundo das palavras. Por meio de imagens tentou-se explicar o inexplicável, adiar o inadiável. O medo da morte, a tentativa à imortalidade pela representação, provocou a necessidade de reprodução, do controle sobre a vida. “Contra o medo da morte só temos a chance de fazer uma imagem.” (KAMPER, 1994, p.9 apud BAITELLO, 2005, p.48). Foi justamente o ato de reconhecer a morte que levou o homem à criação da cultura, a criação de realidades paralelas, pós-mundos, mitos e histórias ficcionais, espaços e atividades lúdicas inspiradas na tentativa de controle sobre o elemento vivo e sua resistência ao desconhecido. Para Flusser (2002; 2004) a cultura é o processo de acumulação de informação surgida da ação humana antinatural, “negativamente entrópica”. Como o autor nos explica, “a natureza como um todo tende, conforme o segundo princípio da termodinâmica, a se desinformar” entropia. O próprio processo biológico dos seres pode ser considerado neguentrópico, o “desenvolvimento biológico como uma tendência para formas mais complexas, para a acumulação de informações, [...] como um processo que conduz a estruturas cada vez menos prováveis.” (FLUSSER, 2002, p. 45) Mas o homem foi além disso, foi capaz de conquistar por meio do ato de comunicação antinatural a produção da informação em escala. Conseguiu conservar, transmitir e acumular informações adquiridas. Ainda, para o autor, o homem é um animal que nega ao curso normativo da natureza por meio de truques, conservando “informações não apenas herdadas, mas adquiridas. Podemos chamar tal capacidade de cultura.” (FLUSSER, 2002, p. 46) Neste entorno, a forma como a informação é manipulada constitui, para Flusser (2002), como o ato de comunicação que se apresenta como um processo que é totalmente importante na percepção de como a cultura se edifica. Flusser (2002) nos diz que a comunicação tem duas

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fases: ”na primeira, informações são produzidas, na segunda, informações são distribuídas para se armazenarem”. (FLUSSER, 2002, p.46) Na primeira fase acontece com ênfase o diálogo, onde as informações já existentes são sintetizadas para poderem gerar outras novas, já a segunda fase ocorre por meio de um método de discurso, momento no qual consiste na transmissão de informações à “outras memórias” com a intenção de serem gravadas, armazenadas. No âmbito dos meios de comunicação de massa, diálogo e discurso ganham complexas proporções. Como base em Flusser (2002), podemos pensar que o detentor do aparelho de comunicação, e por tanto, da intenção discursiva, estabelece o que deve ser armazenado, por quem e como, já que o ato de comunicação tem por intencionalidade incutir profundamente na memória dos indivíduos para que conseqüentemente possa virar substrato para um novo processo comunicativo, aparato para novos diálogos e reiteração de discursos. Para entendermos a construção da informatividade na concepção de Flusser (2002), precisamos revisitar o conceito de aparelho. Segundo o autor, “há dois tipos de objetos culturais: os que são bons para serem consumidos (bens de consumo) e os que são bons para produzirem bens de consumo (instrumentos)”. (2002, p. 20) Os instrumentos funcionam como que um “prolongamento de órgãos do corpo” e por assim serem “alcançam mais longe e fundo na natureza, são mais poderosos e eficientes”. (2002, p.21) Neste momento Flusser evidencia o fato de que o ser humano só consegue ter acesso ao mundo “real”, à natureza, por mediações que estabelece entre instrumentos e os produtos destes. Portanto, os instrumentos “têm a intenção de arrancar objetos da natureza para aproximá-los do homem.” (2002, p. 20) Estes instrumentos são ferramentas da produção de trabalho numa lógica industrial de produtos a serem consumidos, porém, num mundo pós-industrial os aparelhos dominam. “Aparelhos não trabalham, sua intenção não é a de ‘modificar o mundo’, possuem “a atividade de produzir, manipular e armazenar símbolos (atividade que não é trabalho no sentido tradicional)”. (2001, p.21) Flusser (2002) nos direciona a pensar que os aparelhos se apresentam como ferramentas de produção de informações e não de produtos – bens de consumo industriais –. “Com efeito, a fotografia é o primeiro objeto pós-industrial: o valor se transferiu do objeto para a informação. Pós-indústria é precisamente isso: desejar informação e não mais objetos. (FLUSSER, 2002, p. 47) Portanto a máquina fotográfica é tida para o autor como um aparelho que oferece um programa de funcionamento ao fotógrafo que de forma lúdica atua sobre ela no intuito de esgotar seu funcionamento, conquistar todas as possibilidades dentro da limitação contida no próprio software e hardware do objeto.

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O Fotógrafo exerce poder sobre quem vê suas fotografias, programando os receptores. O aparelho exerce poder sobre o fotógrafo. A indústria fotográfica exerce poder sobre o aparelho. E assim ad infinitum. No jogo simbólico do poder, este dilui e se desumaniza. Eis o que são “sociedade informática” e “imperialismo pós-industrial”. (FLUSSER, 2002, p 27)

O fotógrafo age em função das potencialidades físicas do aparelho, por subseqüência também é controlado por uma lógica pós-industrial que atua sobre este aparelho, e, ainda, sofre controle sobre o canal de veiculação da imagem que produz. É importante também perceber que o canal pelo qual a fotografia é veiculada, de certa forma, delimita e potencializa a ação discursiva desta. “A cada vez que troca de canal, a fotografia muda de significado: de científica passa a ser política, artística, privativa.” (FLUSSER, 2002, p.50) Isso quer dizer que ao analisarmos a mesma imagem fotográfica, mas veiculada em meios de comunicação diferentes, teremos a necessidade de ferramentas de análise distintas, pois provavelmente suas significações e propósitos serão completamente singulares. Tais como uma fotografia impressa num jornal tem proporções diferenciadas da foto publicitária. O canal, o médium por onde circulam as imagens devem ser considerado como um dos pontos primordiais à pesquisa. “A divisão da fotografia em canais de distribuição não é operação meramente mecânica: trata-se de operação de transcodificação. Algo a ser levado em consideração por toda crítica de fotografia”. (FLUSSER, 2002, p. 50) Esta ponderação significa também em perceber quais as intenções não apenas do fotógrafo e as limitações do instrumento incutidas na imagem fotográfica, mas principalmente os discursos designados pelo canal de distribuição. E assim, a fotografia vai modelando seus receptores. Estes reconhecem nela forças ocultas infalíveis, vivenciam concretamente o efeito de tais forças e agem ritualmente para propiciar tais forças. Exemplo: em fotografia de cartaz mostrando escova de dentes, o receptor reconhece o poder da cárie. (FLUSSER, 2002, p.57)

Torna-nos importante, nesta análise decrescente das escalas de poder que agem sobre a fotografia discutir agora o poder desta sobre o receptor. Flusser (2002) conceitua a imagem como uma superfície que pretende representar algo. Nas imagens está contida a capacidade de abstração do mundo, das dimensões, em apenas um plano. Portanto, deveria ser possível decifrálas por um rápido “golpe de vista”, muitas vezes isto é possível. Quando se trata de imagens de caráter ritualístico, representativos no sentido ontológico consegue-se decifrar seu significado por um método de síntese entre duas “intencionalidades”, do emissor e do receptor. Porém

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devemos ter muito cuidado, sendo que as imagens “têm o propósito de representar o mundo, mas ao fazê-lo, interpõem-se entre mundo e homem”. (FLUSSER, 2002, p.9) Como nos adverte Flusser (2002), o homem cria as imagens para poder representar e interpretar o mundo, num processo de mediação, mas em dado momento o homem passa a viver não mais em função do mundo, mas sobre o repertório imagético que criou, numa idolatria. Com medo disso, precisou-se do texto, com o intuito de ancorar a imagem ao “real”, mas neste processo se afastou ainda mais do mundo concreto. A imagem foi quebrada em códigos de linhas retas: os textos. Portanto, decifrar textos constitui “descobrir as imagens significadas pelos conceitos. [...] A escrita é o metacódigo da imagem.” (2002, p. 10) Nesta perspectiva se desenvolveu a Imagem Técnica, que é produzida por aparelhos que em realidade “são produtos da técnica que, por sua vez, é texto científico aplicado”. (FLUSSER, 2002, p. 13) Decifrar imagens técnicas se torna muito mais difícil que as imagens tradicionais, já que são indiretamente produtos de textos precisamos interrogar nelas o conceito textual que sugerem, e, a partir disso, a significação se abre para conceitos. Flusser (2002) vai nos dizer que precisamos “clarear” a caixa preta dos aparelhos que as produzem a fim de entender ao máximo o modo pelo qual estas imagens foram manipuladas. Se a intenção da imagem técnica era possibilitar que o pensamento ocorresse no âmbito conceitual, na qualidade complementar entre a magia presente na imagem tradicional e na cientificidade do texto, na verdade era vem se apresentado não como a representação do mundo, mas como o próprio mundo. Um exemplo muito conveniente é o fato de que as pessoas tratam as fotos jornalísticas como acontecimentos “reais”, não lhes passam pela cabeça as intencionalidades dos envolvidos na fotografia ou as limitações físicas do aparelho, por exemplo. O caráter aparentemente não-simbólico, objetivo das imagens técnicas faz com que seu observador as olhe como se fossem janelas. E não imagens. O observador confia nas imagens técnicas tanto quanto confia em seus próprios olhos. Quando critica as imagens técnicas (se é que as critica), não o faz enquanto imagem, mas enquanto visões de mundo. (FLUSSER, 2002, p.14)

Agora, que já temos em mente alguns procedimentos para tratar da imagem como um objeto passível de análise, torna-se interessante discutir os conceitos de identidades e estereótipos, quais nos darão repertório para procurar ler imagens publicitárias na percepção do discurso vigente a respeito do tema. Torna-se interessante perceber que a Publicidade nos fornece um sistema filosófico muito específico, uma vez que propõe uma interpretação do

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mundo baseada numa ótica comercial que consegue transitar com livre-arbítrio entre o real e o ficcional, o público e o privado. Klein (2006), sobre algumas características da imagem contemporânea, acredita que a “a publicidade, na medida em que permeia a visão social humana, cobrindo todo espectro de classes, grupos e faixas etárias, apresenta-se como um território privilegiado de onde brotam nossas relações com as imagens”. Neste sentido, a publicidade se apresenta como uma sistemática que atua culturalmente por trocas simbólicas e minando de desejos os indivíduos, não apenas no consumo de produtos, mas fornecendo repertório cultural para a noção do “ser” em sociedade ou grupos. Atenta-se à publicidade pelo fato desta se apresentar como um das principais “pilares da cultura da visibilidade”. (KLEIN, 2006, p 82 – 83) Identidades, estereótipo e o direito à diferença Douglas kellner (2001), pesquisador norteamericano com ênfase na Teoria Crítica da Comunicação, nos afirma que o repertório com o qual muitas das pessoas constroem seu senso de classe, etnia, raça, sexualidade e nacionalidade provém, há algum tempo, dos meios de comunicação de massa. A noção de “nós” e “eles” é uma construção reforçada rigorosamente pelos meios de comunicação. Para o autor “a narrativa e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos”. (2001, p.9) E esta relação é tão complexa que a própria visão de mundo dos indivíduos passa a incorporar filtros de valores prevalecentes nos discursos midiáticos, como por exemplo, o que é considerado bom, mau, positivo ou negativo. Quando Kellner (2001) nos afirma que a cultura da mídia se desenvolve com base num modelo de comunicação industrial seguindo gêneros, códigos e formulas convencionais, já conhecidas e aceitas pela grande massa, o autor nos aproxima aos conceitos de ambivalência e fixidez sugeridos por Homi Bhabha em sua pesquisa a cerca de indenidades culturais no póscolonialismo. Para Bhabha (1998), a forma como se fixam os signos da diferença cultural na sociedade - fixidez – é um processo paradoxal: “conota rigidez e ordem imutável como também desordem, degeneração e repetição demoníaca”. (BHABHA, 1998, p. 105) O autor afirma que a criação e a necessidade em se fixar identidades acontecem de forma negativa ambivalente, na afirmação de discursos sobre questões que já são conhecidas e aceitas, e na repetição massiva de signos que ofereçam a manutenção da ordem pré-estabelecida.

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Conseqüentemente, a cultura veiculada pela mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal da ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro da matriz dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem. (KELLNER, 2001, p.27)

Kellner (2001) nos explica que os primeiros estudos a cerca da sociedade e em nível cultural começaram a surgir em debates acadêmicos na perspectiva de teorias surgidas em meados dos anos 60, “quando a proliferação de novos discursos emanou da teoria pósestruturalista”. (2001, p.35) O pós-estruturalismo rejeitou as teorias totalizadoras e universalizantes do estruturalismo e fomentou debates a cerca da linguagem, da política e da cultura. Nos Estados Unidos, entre as décadas de 50 e 60, os primeiros debates a cerca do feminismo introduziram a possibilidade de novos estudos e pesquisas quanto às identidades socioculturais, que mais tarde com reforço da psicanálise amplia às discussões para gênero, raça etc. Como nos afirma o autor “segundo o folclore antropológico e sociológico, nas sociedades tradicionais a identidade era fixa, sólida e estável”. (2001, p.295) O conceito identidade só começa a ser estudado recentemente e, de forma paralela levantando questionamentos e críticas, é enquadrado numa reflexão do homem quanto sua própria ocupação cultural em diferentes instantes sociais. Se, na idade moderna a identidade era retratada por um discurso focado especificamente em torno da ocupação profissional dos indivíduos na sociedade industrial, na contemporaneidade, tida, para o autor, como pós-moderna, as representações das identidades pelos meios de comunicação são vinculadas ao consumo, ao lazer. A propaganda vende produtos e visões de mundo por meio de imagens, retórica e slogans justapostos em anúncios nos quais são postos em ação tremendos recursos artísticos, psicológicos e mercadológicos. Tais anúncios expressam e reforçam imagens dominantes de sexo, pondo homens e mulheres em posições de sujeitos bem específicas. (KELLNER, 2001. 322)

Kellner (2001) diz que a identidade se torna móvel em detrimento do consumo na sociedade pós-moderna, onde cada indivíduo pode ser quem quiser ser, desde que adquira e compre o discurso cultural da identidade que queira ocupar. Neste momento, a identidade, vista como objeto de consumo, é intensamente fixada e paradoxalmente fracionada num aspecto de produção industrial, onde se procura oferecer variedades de compra. É nesta lógica do consumo do desejo que os meios de comunicação - a publicidade mais visivelmente -, procuram destinarse à grupos cada vez mais específicos com discursos que potencializam esta fragmentação, já que esta se apresenta financeiramente lucrativa. Neste âmbito dicotômico, entre a possibilidade

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da expressão das “minoriais” versus a lógica de produção fordista de identidades, o teórico cultural Stuart Hall, afirma a identidade em crise. Hall (2005) menciona que muitos pensadores acreditam que as identidades estão entrando em colapso devido algumas mudanças culturais que estão transformando a sociedade desde o final do séc. XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão mudando também nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um ‘sentido em si’ estável é chamada, algumas vezes, deslocamento ou descentralização do sujeito. (HALL, 2005, p.9)

O autor argumenta que os processos de mudanças e transformações nos sujeitos remetem a nos perguntar se não é a própria modernidade que está mudando. Para Hall “o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado”. (2005, p.12) Porém, afirmamos justamente que o sujeito sempre foi fragmentado e a invenção da identidade – aqui no mesmo âmbito do estereótipo, com base no mito – não passa de uma sistemática socialmente construída, na intenção de classificar, nomear e impor limites ao indivíduo. O que está havendo, neste instante classificado como pós-modernidade, são algumas quebras ocorridas na lógica do estruturalismo moderno para finalidades de consumo, finalidades que buscam explorar as diferenças raciais, de gênero e outras com o intuito de aproximar-se aos potenciais consumidores por um discurso de vendas mais segmentado. Nesta ruptura, ao mesmo tempo em que o sujeito contemporâneo se viu livre por uma estética e lógica discursiva do liberalismo econômico, também percebeu a potencialidade fragmentada do seu próprio ser. Portanto, a crise que cabe nossa discussão não é a da identidade, mas do próprio conceito, significa perceber que a lógica indentitária se trata de um falso problema, que atenua a potencialidade de um sujeito multi-identitário. Não foi a sociedade que se fragmentou, mas o indivíduo que está a cada pouco podendo expor suas múltiplas identidades. Suely Rolnik1, quanto à perspectiva identitária, afirma uma tensão paradoxal que se acredita demarcar este assunto: “o enrijecimento de identidades locais e a ameaça de pulverização total de toda e qualquer identidade”. (LINS. org. 2000, p. 23) Mas a autora estabelece crítica a este panorama mesmo afirmando que se pode considerar politicamente correto “as ondas de reivindicação identitária das chamadas minorias sexuais, étnicas, religiosas,

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nacionais”. Para a ela, este tipo de movimentos coletivos são importantes ao combate de injustiças de atos discriminatórios, mas isto trata-se de um falso problema. O que coloca para subjetividades hoje não é a defesa de identidade em geral contra a pulverização; é a própria referência identitária que deve ser combatida, não em nome da pulverização (o fascínio niilista pelo caos), mas para dar lugar aos processos de singularização, de criação existencial, movidos pelo vento dos acontecimentos. (LINS. org. 2000, p. 23)

Rolnik acentua que todas as estratégias, “tanto as que visam à volta às identidades locais quanto as que visam à sustentação das identidades globais, têm uma mesma meta: domestificar forças.” (LINS. org. 2000, p.24) Ou seja, quando se atribui o título de identidade a um grupo que aparentemente apresenta indivíduos com características específicas parecidas, pressupõe-se que devam ter as mesmas reivindicações ou perspectivas sociais. Isto é reducionista, pois supõe que exista dicotomicamente uma normatividade e o que escapa a esta. Um mesmo indivíduo poder muitas vezes possuir ideais que extrapolam a limitação de uma identidade única. Aceitar o discurso de identidade vigente significa compactuarcom a idéia que se quer vender de “minorias”. Hymer (1981) nos revela um exemplo claro na história de Robison Cruzoe. Marujo mercante que cruza os oceanos tem por ambição enriquecer, em uma de suas viagens, seu navio naufraga e acaba parando numa ilha inabitada. Lá, tenta construir seu império, mas lhe faltava mão-de-obra, até que um dia salva outro homem da morte, e este homem por honra lhe oferece seus serviços como gratidão. Robison Cruzoe utiliza-se de uma lógica simbólica eficaz para garantir supremacia: A primeira coisa que lhe fiz saber é que seu nome seria Sexta-Feira, dia no qual o salvei; e o chamei assim para que se recordasse daquele dia; ensinei-o também a dizer Patrão e, depois, disse-lhe que aquele era o meu nome”. (Hymer, R. Cruso e il segreto dell’accumulazione originaria, in Monthly Review, 1971, pp. 11-20 apud CANEVACCI, p. 146, 1981)

Bhabha (2007) em reflexões a cerca da constituição de identidades e a lógica reguladora do estereótipo em sociedades pós-colonizadas, discute o fetiche como uma das principais ferramentas articuladoras desta prática. “O fetiche representa o jogo simultâneo entre a metáfora como substituição (mascarando a ausência e a diferença) e a metonímia (que registra contiguamente a falta percebida)”. (2007, p.117) Ou seja, o estereótipo em sua ontologia parte do mito da pureza racial, sexual étnica, e tem por função colonial “normalizar” as múltiplas crenças por um processo de recusa do que difere do discurso proposto.

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O estereótipo, então, como ponto primário de subjetificação no discurso colonial, tanto para o colonizador como para o colonizado, é a cena de uma fantasia e defesa semelhantes – o desejo de uma originalidade que é de novo ameaçada pelas diferenças de raça, cor e cultura. (BHABHA, 2007, p. 117)

Bhabha (2007) diz que a tomada de decisão de um discurso específico é sempre articuladora de uma tomada de posição que busca a hegemonia de uma “identidade” colonial encenada. O discurso de estereótipo, da linguagem visual que preza pelas relevâncias negativas das diferenças acontece por um processo de produção que procura sempre projetá-lo como uma forma de conhecimento primário, como algo ingênuo e natural, impô-lo como espontâneo. Portanto o ato de “reconhecimento e recusa da “diferença” é sempre perturbado pela questão de re-apresentação ou construção.” (BHABHA, 2007, p. 125) O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais. (BHABHA, 2007, p. 117)

Como exemplo da aplicação contínua do estereótipo nos meios de comunicação, como fórmula ambivalente pronta e necessária de reforço contínuo, fixidez, temos dois anúncios publicitários distintos. O primeiro – figura 1 -, trata-se de um anúncio do governo federal publicado no mês de dezembro de 2010 na edição 51 da Revista Piauí, revista de circulação nacional e com um público leitor certamente não segmentado por gênero ou raça. O anúncio que se constitui praticamente fotográfico, com uma ancoragem de texto praticamente nula, discursa imageticamente por meio de um trabalhador de obras em primeiro plano e o cenário desfocado ao fundo sugere alguma construção habitacional ou algo parecido. O homem é negro, possui um sorriso estampado e repousa a mão no capacete num sinal positivo.

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A presença do estereótipo na imagem – figura 12 - está justamente no que nos revela a dissertação de Carlos Martins a cerca do racismo e o negro na publicidade brasileira. Martins (2009) que exerce uma análise quantitativa e qualitativa em uma amostragem de anúncios publicitários veiculados pela revista Veja, entre 1985 -2000, encontra algumas relevâncias, destas gostaríamos de evidenciar o fato de que os anúncios com negros normalmente apelam ao estereótipo na retratação o gênero masculino como trabalhador braçal; sustenta-se a máxima do vigor físico, da resistência, de forma subalterna. Outras evidências que Martins (2009) nos apresenta é a retração também do negro como o exótico de “cabelo rastafári”, a mulher que normalmente aparece como “mulata sensual”, e outros clichês. A intencionalidade de anúncios que retratam raça apela à normatividade do estereótipo, à distinção acentuada do que é aceito do que difere. Mesmo assim, é claro, o negro no anúncio tem com cores esmaecidas, que atenuam as características da pele e tenta homogeneizar por meio da imagem e torná-lo mais aceitável.

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Em contrapartida, temos anúncios segmentados veiculados em revistas segmentadas. Em uma rápida leitura da peça publicitária anterior - figura 23 -,

ressalta-nos seu caráter de

contraponto, um casal homossexual é retratado em uma fotografia estilo férias, sorrindo, ambos não apresentam as características exóticas depreciativas normalmente atribuídas pela mídia. O anúncio chega a nos parecer contestatório e interessante ao debate quanto à diversidade sexual numa escala de representação midiática. Porém, precisamos atentar para as características do meio no qual a imagem, o discurso, veicula. Na página ao lado, subseqüente ao anúncio e como continuação deste, há a oferta de pacotes de viagem da empresa Tam Viagens para destinos tidos como atrações GLS. O canal publicitário no qual esta imagem foi veiculada se trata de uma publicação segmentada para o público gay masculino, Revista Dom de Julho de 2008. Neste momento esbarramos na lógica comercial que fala mais alto, na impulsão à fragmentação identitária com intuito de vendas e não na introdução de novos debates na escala cultural. Portanto, em ambas as peças publicitárias vemos reinar uma política estereotipada ou segmentada que por meio de imagens técnicas em primeiro momento parecem-nos transmitir a idéia da aceitação do diverso pela mídia. Porém, já percebemos que as imagens técnicas são produtos de textos conseqüentes de conceitos. Na primeira imagem precisamos decifrar seu código textual e perceber que o conceito que se busca fixar é o de que todo trabalhador braçal é negro. Como na segunda imagem, reforça-se a idéia normativa da homossexualidade dentro de

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uma publicação que é segmentada, o poder desta imagem reforça o fato de que o espaço para “identidades minoritárias” está sempre em um lugar seguro que fica às margens do restante da sociedade. Isto fica claro quando nos perguntamos se o mesmo anúncio foi veiculado em outra publicação não-segmentada. Provavelmente não. Portanto, é de interesse à produção cultural por um viés mais livre que se possam encontrar ferramentas de leitura das imagens, cada vez mais cifradas. No intuito de como afirma Kellner: O que queremos mostrar é que precisamente as imagens veiculam as posições de sujeito e, portanto, aprender a ter visão crítica da cultura pós-moderna da imagem exige que se saiba ler de modo crítico essas imagens e desvendar as relações entre elas, os textos, as tendências sociais e os produtos da cultura comercial (KELLNER, 2001, p.324)

Lidar com o diverso parece à sociedade atual uma tarefa de extrema dificuldade, ao mesmo tempo em que demonstra abrir espaços às novas discussões, novos signos de reforço reacionário vêm habitar estes cenários com estratégias cada vez mais cifradas e com intencionalidades incutidas, difíceis de serem percebidas. Daniel Soares Lins na tentativa de “dizer o indizível” vai acentuar o Direito à Diferença como uma forma de pensamento que permite “se libertar do senso comum”. O autor vai nos afirmar que muitas vezes o conceito de diferença está associado ao exótico, uma apologia reducionista que traz efeitos negativos. A proposta discutida no texto de Lins (2000) não se trata de negar a noção de grupos de indivíduos que se aproxima por determinadas similaridades, mas perceber o direito às singularidades como um espaço que exige muito mais do sentimento de sociedade e grupo, perceber a sociedade como um composto do Diverso, uma diversidade que está aí e que permeia as relações interpessoais a todo instante, pois “se, em vez de procurar o comum na diferença, pensasse diferentemente à diferença”? (LINS, 2000, p. 82)

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Notas 1

In "Cultura e Subjetividade" (Saberes Nômades, org. Daniel Lins, ed. Papirus, 2000).

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Figura 1 – Anúncio Governo Federal – Veiculado na Ed. 51 Revista Piauí, dez. 2010.

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Figura 2 – Anúncio TAM Viagens – Veiculado na Revista Dom, Jul. 2008.

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III Encontro Nacional de Estudos da Imagem 03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

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