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ILHAS DE TECNOLOGIA NO NORDESTE BRASILEIRO E A REINVENÇÃO DA NATUREZA lná Elias de Castro* Islands of technology in the Brazilian Northeast the re-in...
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ILHAS DE TECNOLOGIA NO NORDESTE BRASILEIRO E A REINVENÇÃO DA NATUREZA lná Elias de Castro*

Islands of technology in the Brazilian Northeast the re-invention of the environment Based on the intensive use of irrigation methods, a series of modem agribusiness zones have emerged in lhe Brazilian Northeast. They represent true 'islands of technology' which contrast sharply with the surrounding areas, still characterized by the persistence of poverty. The article discusses the

and

meaning of these new productive zones for the regional eccnorny and their potential ability to disrupt both the prevailing regional represeritation of an unfavourable environment and the srructural conditions which favor the persistence of backwardness.

Introdução A Região Nordeste tem o triste privilégio de guardar a maior parcela da população pobre do Brasil. Paralelamente, cerca de 80% do seu território possui um clima tropical semi-árido, sujeito a secas periódicas. A relação de causa e efeito entre esses fenômenos social e natural foi inevitável, ao longo da história regional, e tem alimentado um discurso que fundamenta, na natureza, os problemas sócio-econômicos e, ainda hoje, possibilita uma resistente "indústria da seca". No entanto, há três décadas, têm surgido na região "diversos subespaços dotados de infra-estruturas econômicas modernas e ativas, focos de dinamismo, em grande parte responsáveis pelo desempenho relativamente positivo apresentado pelas [suas] atividades econômicas" (BACELAR, 1997).

Dentro dessa problemática, bem mais ampla, a questão central deste trabalho é compreender o significado dos novos espaços produtivos, que têm . Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Janeiro - UFRJ, pesquisadora do LAGET e do CNPq.

Federal do Rio de

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Revista Território,

Rio de Janeiro,

ano V, n" 9, pp. 45-63, jul./dez.,

2000

surgido com o agrobusiness, nas áreas irrigadas da Região Nordeste. Por se tratarem de áreas pequenas, inseridas no amplo sertão semi-árido, estas constituem verdadeiras "ilhas de tecnologia" que se diferenciam profundamente do seu entorno. Assim, da mesma forma que essa Região tem sido, historicamente, um desafio para explicar a persistente pobreza de parcela significativa da sua população, na atualidade, estas "ilhas" estimulam a reflexão sobre as possibilidades de ruptura tanto do imaginário de uma natureza desfavorável como das condições estruturais que favorecem a persistência do atraso na maior parte do território regional. Em função da necessidade de incorporação de tecnologia e de capital, esta atividade torna-se um vetor portador de elementos de mudanças nos lugares mais atrasados da Região. A atividade aqui referenciada é a fruticultura irrigada, voltada para exportação. A complexidade do processo produtivo que requer capital, pesquisas, experimentos, logística para comercialização, suporte de infra-estrutura de transporte, portos adequados, energia e mão de obra, redefine a dinâmica dos territórios em que se instala, tomando mais numerosos e diferenciados os atores sociais e mais complexas suas demandas. Estes atores - privados e públicos - articulam-se localmente para criar as condições favoráveis à produtividade e à competitividade. Seu modo de agir é paradigmático das seletividades territoriais que decorrem do impacto da economia global sobre a local e das respostas que os territórios são capazes de dar aos impulsos vindos do exterior. O território, objeto da investigação, é o pólo de fruticultura localizado no oeste do Rio Grande do Norte. Embora o pólo de irrigação mais importante da região, e certamente mais estudado, seja o de Petrolina-Juazeiro, no Vale do Rio São Francisco, a área escolhida, bem menor e mais recente, guarda algumas especificidades e, por encontrar-se em estágio mais recente de desenvolvimento e expansão, há maior visibilidade nos processos dinâmicos impostos por essa atividade em meios rurais atrasados. Sendo assim, o objetivo deste trabalho é apontar as evidências dos impactos do agrobusiness, tanto as ressonâncias na organização dos sistemas econômico e social, especialmente nas relações de trabalho, como nas possibilidades que se abrem para a participação política do trabalhador rural do sertão e de um novo imaginário da natureza semi-árida regional. Como percurso metodológico, optamos por uma dupla abordagem que interpreta o setor rural como um eixo de inovações e o território como um campo de ação privilegiado. As mudanças provocadas pelos impulsos do desenvolvimento, as questões por elas suscitadas e as análises na Iiteratura acadêmica que procuram interpretá-las constituem o ponto de partida conceitual que este trabalho se propõe adotar. Mesmo se há na geografia uma importante tradição de pesqui-

Ilhas de Tecnologia

Nordeste

00

sas e anál ise do complexo de análise tradicionais, volvidas

Brasileiro

processo

apoiados

pela economia

e a Reiovenção

de desenvolvimento

principalmente

espacial,

47

da Natureza

regional',

os modelos

nas teorias locacionais,

não mais explicam

os efeitos

desen-

e as limitações

territoriais da dinâmica contemporânea desse processo. Destacando os recursos ótimos para atrair investimentos e assumindo a manutenção da tecnologia como livremente disponível e instantaneamente adaptada por firmas e países, a teoria locacional, volvimento invenção

principal

espacial como

nas décadas

fundamento

teorias reside basicamente como

secundária

referência

para os modelos

de 60 e 70, não considerou

da inovação

e da difusão.

no fato de terem incorporado

em relação

de análise

a outras

condições,

o processo

A limitação

a inovação

entre

do desende

dessas

tecnológica

elas a razão

capital!

trabalho", Nas regiões periféricas o processo de desenvolvimento é uma questão recorrente. Na atualidade, no entanto, ele deve enfrentar os problemas da competitividade, não mais apenas entre produtores, mas também entre os lugares; da existência ou não de condições capazes de favorecer à inovação e da crescente

dificuldade

do Estado

tivo. Este ponto de partida dos tradicionais, identificar

define

as variáveis

conduz

em participar

diretamente

a um modelo

de análise

o território

como

mais conseqüentes

social. Esta é uma opção objetivo de compreender

campo

do setor produque, ao contrário

de ação

para o processo

privilegiado

para

de mudança

eco-

nômico

metodológica que consideramos mais adequada ao como o agrobusiness, especialmente aquele da fru-

ticultura irrigada, tem se tornado um vetor de transformação em alguns lugares do Sertão nordestino brasileiro, locus tradicional do atraso no país. Se do ponto de vista da área ocupada poderia

ser considerada

que já se fazem

sentir,

na região secundária,

e do capital

é necessário

no historicamente

mobilizado interpretar

bem-articulado

esta

atividade

os seus efeitos, discurso

sobre

as

limitações do clima semi-árido e seus períodos incertos de secas. A inversão dos termos deste discurso indica a importância dessa atividade, para muito além da sua extensão territorial, e por si só justificaria realidade, a possibilidade de romper com o mito da natureza

I

1

O

seu estudo. Na semi-árida como

As teorias do desenvolvimento regional de G. Myrdal, A. O. Hirschman;J. Boudeville; W.W. Rostow; F. Perroux, e os trabalhos inspirados na teoria da localização de W. Isard, como os de D. North, W. Alonso; H. W. Richardson estimularam importantes trabalhos na geografia das décadas de 60 e 70 como os de 1. Fricdmann: W. B. Stõhr, B. Berry e, no Brasil, B. Becker, além de uma ácida crítica a esta corrente feita por M. Santos. Ver ZOOK (1997), onde é feita uma ampla revisão bibl iográfica sobre o desenvol vimento regional com 165 citações, além de uma discussão que destaca a importância da inovação nos novos modelos conceituais do desenvolvimento regional.

48

Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 45-63, juI./dez., 2000

fundamento da pobreza regional gera importantes conseqüências no plano social e político, com desdobramentos econômicos e territoriais (CASTRO, 1996). Essa natureza, considerada limitante para as atividades tradicionais e que tem alimentado o imaginário de inferioridade regional, constitui hoje uma vantagem competitiva. Na realidade, as condições de implantação e de desenvolvimento da fruticultura irrigada resultam num ambiente produtivo pautado na inovação tecnológica e no capital, muito diferente daquele que a região tradicionalmente conheceu. São estas novas necessidades aliadas às condições particulares do clima tropical semi-árido que, acreditamos, formam eixos dinamizadores no território regional e criam condições para a produção de um novo imaginário regional e um novo discurso, cujos efeitos já se fazem sentir.

1. Território

como campo

de ação

As teorias do desenvolvimento regional, elaboradas para interpretar e alavancar o processo dinâmico das economias nacionais, como indicado acima, não mais respondem aos desafios contemporâneos. Estes residem cada vez mais no domínio das técnicas de controle da distância, na densidade informacional ou relacional dos territórios, na sua dimensão inter-organizacional, na intencionalidade e nas estratégias que modificam substancialmente os atributos definidores do potencial ou da atratividade de uma região ou território (COVAS, 1995). Na realidade, a emergência de novas tecnologias tem contribuído para uma incessante renovação das estruturas econômicas, de produção e de consumo. Tanto o ambiente produtivo mundial alterou-se profundamente como o mercado mundial tem se expandido para uma gama ampla e variada de produtos. Com a globalização da economia, a intensificação das interações entre o local e o global faz com que o sistema produtivo mundial tenha, cada vez mais, a aparência de um mosaico de subsistemas territoriais de produção flexível e especializada em concorrência uns com os outros (FERRÃo, 1992; ALBUQUERQUE, 1998). A proposta do programa de governo Brasil em Ação para o período 9598 é significati va desta transformação e das respostas possíveis da periferia à organização globalizada da economia. Ao contrário dos planos de desenvolvimento de décadas anteriores, ancorados em setores alavancadores de uma economia regionalmente localizada, a opção atual é valorizar o território e estimular suas aptidões produtivas e competitivas através de eixos que constituem corredores ao longo dos quais os investimentos em infra-estrutura são previstos. Esta opção é reflexo do aumento da mobilidade dos fatores que

Ilhas de Tecnologia

no Nordeste

Brasileiro

e a Reinvenção

49

da Natureza

impõe aos governos nacionais estratégias para ampliar a competitividade do conjunto

ou de parte do seu território,

através

do investimento

sistêmica nos fatores

de menor mobilidade, como a qualidade da infra-estrutura tecnológica e da mão de obra, pois as forças propulsoras na economia global são as partes dos sistemas de produção, necessariamente, territorializadas (STORPER, 1994;

SCOTT, STORPER,

1987). perspectiva geográfica,

Numa absorvidos

de modo diferenciado

principalmente

de dinâmicas

os impactos

pelo sistema

do desenvolvimento

reza endógena

e das condições

produtivo

do território.

específicas

uma dinâmica

das mudanças

territorial

recente

que são propícias

globais

e a diferença

são

resulta

Em outras palavras, que decorre

à inovação



da sua natu-

e às ações

dos

agentes locais. O território deixa de ser apenas suporte e torna-se cada vez mais ele mesmo um sistema de produção, o que obriga uma mudança na visão do espaço, típica das teorias do desenvolvimento regional dos anos 70, como uma base passiva destinada a acolher atividades móveis, para outra que o percebe como um sistema localmente articulado de organizações ativas, capazes de fazer território

nascer

suporte

de recursos

o processo

de recursos

estratégicos

de inovação.

passivos

Passa-se

e estáticos

e específicos.

Deve

então

àquela

da noção

dc território

ser observado

que,

de

criador

em

1986,

AYDALOT já apontava que os componentes maiores na determinação da capacidade de suscitar inovações num determinado território são a história do seu meio, da sua organização, os comportamentos coletivos que asseguram sua coerência e o consenso que os estrutura. Esta é uma vertente analítica cada vez mais importante amplo

que, ancorando-se

leque de possibilidades

produti vo globalizado.' Pela experiência afirmar

torna-se

as dinâmicas

inserir o território

dos territórios

dos países centrais,

que o território

ças entre

nas experiências

na problemática

frente às condições

e mesmo

uma variável

econômicas

relativas

crucial

dado

variáveis

1

Desde

definidas

o início

perspectiva utilizadas

EWERS

dos

dos

anos

80 há uma

tecnológicos para

e WETIMANN,

este 1995.

ampla

as diferen-

espaços.

bibliografia

Ver AYDALOT,

Porém,

aponta a necessidade de produção. de construção coletiva,

inovadores

sobre

o tema,

As referências 1986;

não sendo

dependem nacionais

especialmente aqui

MAILLAT,

de

Em outras oriundo das

não sendo necessariamente

e da globalização. texto:

do sistema

para explicar

ele aprendizagem

os comportamentos

no nível territorial,

pólos

diretamente

sentido,

um

é possível

do desenvolvimento

dos atores e dos fenômenos

a priori. Neste

revela

dos periféricos,

dos diferentes

compreender a dinâmica dos sistemas territoriais pala vras, o território é o resultado de um processo estratégias

locais,

são apenas 1995

de ou

na as

e 19%:

50

Revista Território, Rio de .Ianeiro, ano V, n" 9, pp. 45-63, jul.ldez., 2000

regionais.

Cada território

territorial

de produção,

possui,

pois, uma ambiência vinculada

ou seja, a uma configuração

de agentes

a um sistema e de elementos

econômicos, socioculturais, políticos e institucionais, que possuem modos de organização e de regulação específicos." Neste sentido, mais importante do que os tradicionais critérios e fatores de localização, como presença de mão de obra qual ificada, centros de pesquisa, aeroporto, amenidades culturais e residenciais, clima agradável, etc., está a ação dos meios disponíveis nos territórios específicos, nos quais se tecem as variadas relações de cooperação entre empresas,

clientes

redes organizacionais

e fornecedores,

centros

de pesquisa

e de formação

de

à inovação.

favoráveis

Portanto, o território torna-se não apenas continente, mas um dado efeli vo da inovação. Esta nova problemática baseia-se na capacidade dos agentes locais em perceber as mudanças que se produzem fora e em realizar para se adaptar, estimulando o fortalecimento dos sistemas territoriais

projetos de pro-

dução aos quais eles estão vinculados. Trata-se então de uma resposta ao novo cenário globalizado e os rearranjos por ele impostos aos diferentes subsistemas que compõem o território

os sistemas

sociais econômicos

hoje o espaço

tecnologia dos como

diferencia "rápidos"

privilegiado

e políticos

da periferia,

da globalização.'

tornando

à

A acessibilidade

cada vez mais os lugares, que podem ser hoje classificaou "lentos" (TOFFLER, 1991) e, embora as vantagens

Iocacionais continuem sendo importantes, mudaram as escalas e seus conteúdos. Mesmo a escala mais local tem hoje possibilidades de articulação global. Neste

sentido,

locacional,

as economias

nacionais

o que impõe tendências

e legais harmonizadas

são substituídas

de vista

à busca de práticas políticas. institucionais à globalização para fazer frente a um

com a tendência

novo tipo de competição,

agora locacional.

Em outras

compreender

diferenciação

do ponto

palavras,

entre os lugares

partida

conceituais,

escalas

locais,

estudo,

o eixo dinarnizador

a dinâmica

geográfica

requer, cada vez mais, a utilização

capazes

de explicitar

seus interesses

os agentes

e suas redes no modelo

da de

que se organizam

de cooperação.

reside

recente de pontos

principalmente

Para

nas

o caso em

nas inovações

tecnológicas recentes no setor agrícola do semi-árido brasileiro. Neste sentido, inovação e fruticultura irrigada constituem elementos-chave em tomo dos quais atividades mentos 4

j

novas surgem e antigas

econômicos,

sociais

se reorganizam,

e políticos

com importantes

para o território

desdobra-

local.

Ver PUTNAM, 1996; mesmo tendo como questão central as instituições, a longa pesquisa sobre a descentralização política na Itália revela a importância dos territórios e suas instituições. Com perspectiva semelhante, também TARROW, 1977. Em reflexões recentes, M. Santos tem explorado as múltiplas facetas da questão. Ver especialmente: Técnica, espaço e tempo c A natureza do espaço.

Ilhas de Tecnologia

no Nordeste

2. Economia

Brasileiro

e a Reinvenção

agrícola

como eixo de inovações

o

da Natureza

51

Brasil contemporâneo é qualitativa e quantitativamente diferente daquele dos anos 60, e sua complexidade é visível na permanência dos contrastes regionais e sociais, nos processos de modernização inacabados, na aceitação social e política da prática de uma cidadania, contraditoriamente ao conceito, diferenciada. A exposição da sociedade brasileira às necessidades impostas pela globalização, entre elas a de integração, submeteu as diferentes partes do território, e seus respectivos setores produtivos, a impactos cujos efeitos foram bastante desiguais. A agricultura tem apresentado resultados importantes e o mapa recente do país revela esta nova dinâmica, ainda em construção. Dados recentes do IBGE apontam uma redução de cerca de 21 milhões ha de área ocupada por lavouras no país entre 1985 e 1995 e, paralelamente, um crescimento da safra de cereais, leguminosas e oleaginosas de cerca de 54 milhões de toneladas em 1985 para cerca de 75 milhões em 1998 e uma previsão de mais de 78 milhões para 1999. Este crescimento, em meio à crise de outros setores produtivos, indica o dinamismo das atividades agrícolas e o seu papel contemporâneo de um setor dinâmico na economia brasileira." No entanto, esse desempenho não é territorialrnente homogêneo e decorre das condições vantajosas em vários pólos de produção espalhados pelo interior do país. Embora sejam ainda o gado e os grãos os grandes motores deste dinamismo que empurra para cima a média nacional, outros setores de pequeno peso no total são extremamente significativos como vetores de uma nova dinâmica territorial em regiões atrasadas. Essas estatísticas devem ser interpretadas também atra vés dos avanços na competência técnica que, no território, dão suporte às atividades econômicas. Ou seja, elas refletem a ação de um conjunto de atores, privados e públicos, como empresários, associações, universidades, laboratórios de pesquisa que se articulam localmente para criação das condições favoráveis ao aumento da produtividade e de competitividade. O mesmo acontece com os pólos de fruticultura irrigada no Sertão Nordestino, nosso objeto de análise. Este setor é paradigmático das seletividades territoriais possíveis como resultado do impacto das relações entre a economia global e a local. A abertura do espaço regional tornou-o locus de múltiplas interações e de diferenciações no seu território. Na realidade, a base técnica da sociedade constitui um dado fundamental na explicação histórica e não é possível ignorar os conteúdos explicativos do meio técnico no presente. É este o ponto de partida de nossas (, Ver Fundação

IBGE, Cana do IBGE, maio de 1999.

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Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, nU 9, pp. 45-63, juI./dez., 2000

reflexões atuais sobre as condições da produção e os efeitos sociais em alguns territórios que se globalizam na Região Nordeste.

e políticos

É preciso chamar atenção, inicialmente. ao fato de ser esta região a parte do território brasileiro cujas especificidades mais têm suscitado debates e referências.

Algumas

serão aqui tomadas nário social, referência

questões

recorrentes

na ampla

como ponto de partida,

político

e econômico

inescapável

longamente

de qualquer

análise.

literatura

ou mesmo construído

A primeira,

sobre

como hipótese

ela

do ce-

e, por isso mesmo, aponta

a permanência

da Região como o espaço tristemente privilegiado da pobreza nacional e como aquele que possui as condições mais favoráveis à sua própria reprodução (PASTORE,

1983; ABRANCHES,

1985; ROCHA,

1995). A segunda,

refere-

se ao papel das suas elites no panorama político nacional, especialmente aquelas vinculadas à atividade agrária, apoiada no histórico monopólio das grandes propriedades, responsável pela produção açucareira, algodoeira e pecuária (REIS, 1980; CAMARGO, 1981; MARTINS, 1984). A terceira, refere-se às características

do seu espaço

geográfico

da Mata do litoral ocidental rados pelas características

que contrasta

com amplos de transição

espaços

a natureza

úmida

semi-áridos

do Agreste.

da Zona

do Sertão,

A percepção

sepa-

das diferen-

ças econômicas, sociais e políticas entre essas naturezas tem sido historicamente referenciada: desde o Manifesto Regionalista de Gilberto Freyrc na década de 30, e suas muitas apologias do Nordeste açucareiro como o mais legítimo berço da nacionalidade brasileira (FREIRE, 1976), até o discurso dramático sobre a seca, elaborado pela el ire política regional para obtenção de recursos e outros favores do Governo Federal (CASTRO, 1992). Paralelamente,

o peso social da estrutura

do país pode ser avaliado

agrária

nordestina

a partir de alguns dados censitários.

no conjunto

Em 1940, viviam

na Região Nordeste 35% do total da população brasileira, enquanto a parcela ela população rural nacional na Região era de 38,9%; em 1996 a participação da Região população

na população total do país caiu para 28%, enquanto a parcela da rural brasileira na Região subiu para aproximadamente 45%. Do

incremento

absoluto

de habitantes

da população

ou seja, 73%. Complementando comparada

rural brasileira,

entre 1940 e 1996, o Nordeste com os espaços

- foi a que menos se alterou. que se reduziu

entre

esta realidade,

mais consolidados O tamanho

que foi de mais de 7.000.000

participou

com mais de 5.000.000,

a estrutura

fundiária

do país - Regiões

médio de suas grandes

1940 e 1960, recuperou

regional,

Sudeste

e Sul

propriedades,

a média de [920 nas décadas

de

60 e 80. enquanto o processo de fragmentação das pequenas propriedades foi, no período, o mais intenso no país. No entanto, o peso econômico das atividades agrícolas regionais no conjunto do pnís está longe de acompanhar o peso da população

residente

na sua zona rural, ou mesmo

o desempenho

das outra

Ilhas de Tecnologia no Nordeste Brasileiro

e a Reinvenção

regiões. Ao contrário do comportamento o valor da sua produção

agrícola

estatístico

S3

da Natureza

da população

teve sua participação

rural na Região,

no conjunto

da produção

nacional reduzida. Não há novidade nestas informações, mas elas são aqui resgatadas pelo significado político que guardam: uma estrutura fundiária resistente, um processo

de modernização

u ma massa populacional 1996, que representam parte empobrecidos, ou dispondo movem

sem o direito

os sujeitos

que caminha

sociais

de propriedade

e as circunstâncias

nordestino

que

do país,

na zona rural em

brasileira,

em sua maior

das terras onde trabalham,

É, portanto,

minúsculas.

a reboque

habitantes

11,4% do total da população

de propriedades

É no meio agrário

agrícola

de mais de 17.000.000

nesse

escolhidos

se encontram

quadro

que se

para a investigação.

as mais

fortes

raízes

do

conservadorismo de uma estrutura capaz de preservar-se há mais de quatro séculos. E é neste meio que devem ser buscados os elementos de desequilíbrio e as possiblidades

de mudanças.

A fruticultura

irrigada,

como

veremos

mais

adiante, possui, na atualidade, condições que a qualificam como um fator de ruptura das relações tradicionais, do imaginário de inferioridade regional e de

desmistificação Sendo forças

da prática da irrigação. o Noroeste brasileiro um caso paradigmático

de difícil

mais conseguiu

conciliação preservar

e a região

de confronto

cuja competência

uma cultura política

das elites

e clientelf'stica,

oligárquica

entre

políticas num

quadro social de persistente pobreza e exclusão, os impactos das mudanças são mais fortes. O confronto entre os atores econômicos articulados com as escalas da nova ordem globalizada e aqueles atores da ordem antiga revelam o processo

de fragmentação

to é uma das perspectivas cujos mecanismos

e de seletividade possíveis

de resistência

Desse também

modo,

estudos

dinâmicos

que

cornpetitividadc,

dos pelos

lugares

relativas

do território

Este contex-

esta nova ordem de pobreza

na Região,

dos atores que

e atraso

têm sido

ainda a maior parte do seu território inserção

do país num mundo

a tecnologias regional,

e produtos,

especialmente

para compreender

sentidos no Sertão,

alguns

processos

aí se instalam. Onde quer que atuem, os imperativos trazidos pelos ventos da glcbalização, deflagram conflitos interesses

é, portanto,

interesses,

pelas estratégias

dos produtores

estabelecidos

propício

desses novos territórios,

regional,

regional.

e as estratégias

da inevitável

de caso privilegiados

c novos atores,

lidar. O momento significados espaço

os impactos

em diferentes

tre velhos

guardando

com novas demandas

constituem

para pensar

às mudanças

com o status quo regional

mais se beneficiam

historicamente mais eficientes, (CASTRO, 1991). globalizado,

no território

para analisar

diferenciados

e os que tentam

da en-

se conso-

e interpretar

os possíveis

pela tecnologia

e dinamiza-

e pelo potencial

de transformação,

de frutas para exportação.

no

S4

Revista Território,

Rio de Janeiro,

ano V, n° 9, pp. 45-63, jul.ldez., 2000

A Região Nordeste tem sido, nas últimas décadas, um palco privilegiado do confronto entre uma estrutura resistente a mudanças e novos agentes econômicos que procuram aproveitar a criação de um clima político propício a seus interesses (MARTIN, 1983; GUNN, 1994; CASTRO, MAGDALENO, 1996). O produto concreto desta novas condições é a multiplicação de iniciativas que se dispersam, transformando as condições de reprodução social e política em diferentes lugares do território regional Aproveitando-se das vantagens locacionais, representadas pelos solos, clima, acessibilidade aos mercados externos e infra-estrutura, a fruticultura irrigada articula a escala local com a nacional e a global. Espaços produtivos tradicionais são conquistados, desencadeando importantes impactos sobre a organização do trabalho, da produção e das parcerias em pesquisas para desenvolver novas tecnologias e nos níveis de mobilização política, transformando visivelmente a densidade informacional e relacional desses territórios. A imperiosa incorporação de capital e conhecimento tem tornado estas atividades portadoras privilegiadas de impulsos de mudança nos redutos mais atrasados da região.

3. Fruticultura

irrigada

e os novos espaços produtivos

Devido à complexidade de uma diferenciação capaz de estabelecer dois conjuntos distintos e incomunicáveis, estabelecemos, como fatores de diferenciação entre as atividades agrícolas tradicionais e as novas, os modos de inserção no sistema produtivo destas últimas, que têm como condicionantes essenciais: a terra como fundamento da produção, porém, associada ao capital e à tecnologia, configurando o que SANTOS (1999) chama de meio técnicocientífico-informacional; a escala internacional, além da local e nacional, necessária na disputa de mercados e na definição de parâmetros de competitividade e de produtividade. Aqui, a incorporação de tecnologia, aliada à baixa umidade do ar e às chu vas escassas do clima tropical semi-árido, invertem os termos da equação das atividades agrícolas tradicionais na Região, com baixa incorporação de técnica e de capital, para as quais o clima tem historicamente imposto condições limitativas ao seu desenvolvimento, tornando-as prisioneiras das irregularidades pluviométricas. Chamamos atenção, porém, para uma característica fundamental destes novos espaços produtivos. Embora o capital tenha sido visto sempre, e reivindicado, como a limitação maior das atividades da Região como um todo, e do semi-árido em particular, a sua associação com a tecnologia de ponta para alcançar, na agricultura, níveis de produtividade e competitividade, nacional e internacional é um fato novo. A perspectiva da possibi Iidade, e da necessidade,

Ilhas de Tecnologia

no Nordeste

de sobrevivência

da atividade,

empresarial

bem diferente

desdobramentos

Brasileiro

e a Reinvenção

mediante

aquela associação,

daquele das atividades

possíveis

que devem

55

da Natureza

cria um "ambiente"

tradicionais

ser analisados.

dominantes,

Afinal,

com

não deve

ser

esquecido que a sobrevivência da cana de açúcar no litoral e do gado no Sertão, por exemplo, nada tem a ver com quaisquer destes dois requisitos. A exemplificação empírica aqui tomada tem por base as informações da pesquisa

sobre

Mossoró

e Baraúnas,

a fruticultura

dade na organização de trabalho a questão

no Vale do Açu e nos municípios do Norte".

do espaço econômico

e nos espaços central

irrigada

no Rio Grande

As ressonâncias

e social, especialmente

que se abrem para a participação

dessa pesquisa.

dessa

Portanto,

nas relações

política

o fio condutor

de ativi-

constituem

da análise

é justa-

mente tentar perceber como se materializam as imposições deste novo ambiente produtivo no território e nos acordos que historicamente garantiram as bases das formas tradicionais de produção e o equilíbrio no domínio dos espaços políticos. A área analisada da área de fruticultura em Petrolina

apresenta irrigada

e Juazeiro

do poder público,

algumas

especificidades

mais importante

que a diferenciam

da Região

no Vale do Rio São Francisco:

Nordeste

localizada

o menor peso da ação

aqui limitado quase que exclusivamente

à construção

de uma

grande barragem, uma vez que a implantação de um perímetro público de irrigação ficou muito aquém do projetado (VALÊNCIO, 1995); o maior porte das empresas aí instaladas, em função da ausência de limites para a apropriação fundiária

- a maior, Mossoró

Agro-Industrial

S.A., possui cerca de 30.000

ha - e a presença importante de capital e de empresários estaduais. Esta área localiza-se no oeste do Rio Grande os tabuleiros

da Chapada

de poços profundos

do Apodi, cuja água para irrigação

nos Municípios

vale do Rio Piranhas-Açu, represa

Engenheiro

valorização empresariais,

Armando

de Mossoró

e Baraúnas

cuja regularização Ribeiro

das terras e facilitou atraindo

regionais ou mesmo do Norte e abrange através do baixo

do curso após a construção

Queiroz,

a expansão

é extraída e aqueles

concluída

da agricultura

um novo tipo de proprietário

da

em 1983, garantiu irrigada

a

em moldes

rural e, conseqüentemente,

°

disputas

e conflitos com as atividades já instaladas. aparecimento destas "ilhas de cornpetitividade" faz surgir novas necessidades na escala local. A mais inovadora e significativa é a dependência da pesquisa

para desenvolvimento

a competitividade 7

dos produtos,

de tecnologia adaptando-os

para aumentar

a qualidade

ao solo e ao clima.

e

As caracte-

ESLa pesquisa foi iniciada em 1994, a área foi visitada 4 vezes desde então, levantamentos foram feitos junto às empresas de fruticultura. sindicatos de trabalhadores rurais, associação de produtores de frutas - PROFRUTAS, Prefeituras, Universidades. órgãos públicos, pequenos irrigaru es do Projeto Açu, COEX - Comissão Executiva da Mosca ela Fruta, etc".

Revista Território,

56 rísticas

e dificuldades

diferentes

daquelas

transposição

Rio de Janeiro,

da transferência observadas

de sementes

de tecnologia

para a indústria,

não oferece

casos podem

tos". Portanto,

o investimento

cada empresa, produtividade

tanto

para novos

de adequações, e experimen-

é uma necessidade

produtos,

A

de que os resultados

anos de observações

mais competitivos.

são muito

para a pecuária.

necessidade

em busca de inovações

na corrida

e por preços

garantia

havendo

durar alguns

na agricultura

ou mesmo

qualquer

sejam iguais aos de seu lugar de origem, que em alguns

ano V, n" 9, pp. 45-63, jul.Zdez., 2000

como

No entanto,

de

na corrida

pela

o que era um es-

forço empresarial isolado nos anos 80 vem cada vez mais se organizando em redes de cooperação e de troca de informações, ampliando a densidade técnica destes territórios. Como resultado desses investimentos, a fruta produzida, ao contrário

da maior parte dos produtos

in natura, possui alto valor agregado e capital, interno

o que define

e externo. Com relação

agrícolas

regionais

tradicionais,

em função da incorporação

seus parâmetros

de competitividade

à mão de obra, sua uti lização

para

mesmo

de tecnologia nos mercados

tarefas

de plantio,

colheita e empacotamento das frutas, além da administração, garantiram em 1997, de acordo com informações da PROFRUTAS - Associação dos Produtores e Exportadores de Frutas Tropicais do Nordeste, - cerca de 12.000 empregos diretos nas empresas. relações de trabalho implica importantes conseqüências contraste

com as formas

coercitivas

com sede em Mossoró A formalização destas sociais e políticas, em

típicas das relações

de produção

tradicio-

nais. Como estratégia produtores, e médios

através

de ampliação

de sistemas

fornecedores,

da produção,

de associações

instituindo-se

surgem

novas relações

das empresas

uma revalorização

entre

com pequenos

e recomposição

das

atividades em algumas pequenas e médias propriedades da área. À semelhança do formato de contratos entre grandes empresas e pequenos produtoresfornecedores, freqüentes nas áreas de agricultura familiar de Santa Catarina e do Rio Grande surgimento

do que poderíamos

algo impensável doeiro.

do Sul, a fruticultura na tradicional

De acordo

com

chamar

no sertão

de uma classe

recentes

agregados,

vem possibilitando média

relação latifúndio-minifúndio

informações

sa tem de 20 a 30 produtores

irrigada

que somam

rural na área",

pecuarista

da PROFRUTAS,

o

ou algo-

cada empre-

cerca de 500 pequenos

, Em função disso as empresas, sempre que têm possibilidade, instalam seus próprios laborutórios para pesquisa e experimentos de nuvos produtos, e buscam, cada vez mais. associação com as universidades e com a EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Sobre a preocupação das empresas com o problema ver AQUI NO (1990). " Esta é uma prática iniciada pelas duas maiores empresas da área - MAlSA e FRUNORTE e que tem se ampliado.

Ilhas de Tecnologia

no Nordeste

Brasileiro

e a Reinvenção

da Natureza

57

e médios produtores para 25 empresas exportadoras. Apesar de os dados serem aproximativos, eles apontam a existência e a dimensão do fenômeno. Os efeitos da fruticultura irrigada devem ser avaliados também em função dos seus desdobramentos necessários em diferentes escalas. Em conjunto, estas atividades definem suas conexões nas escalas local, regional, nacional e internacional, porém de modos e prioridades diferenciados. Ou seja, na escala local encontra-se a base produtiva - solo, sol, água, mão de obra e infraestrutura - e as mediações políticas locais - esferas administrativas públicas, sindicatos rurais, associações empresariais, representantes políticos que configuram a densidade técnica e operacional do sistema territorial de produção. A escala regional pode ou não constituir um mercado, porém como mediação para recursos não pode ser ignorada, pois ela define o recorte adrninistrati vo de importantes fundos públicos - como o FNE (Fundo Constitucional do Nordeste) - e de solidariedades políticas que atuam no Congresso Nacional. A escala nacional, por sua vez, é importante como mercado, pois a parcela da produção que não consegue colocação no exterior é, em muitos casos, superior a 50%; como fonte de financiamentos - BNDES, Banco do Brasil - e como mediadora e interlocutora internacional. A escala internacional é fundamental como definidora dos parâmetros de qualidade dos produtos e da sua competi ti vidade, pois trata-se de atividade produtiva que se instala estimulada pela perspectiva do mercado externo e organ izada de acordo com as exigências dos padrões técnicos e de qualidade desses mercados. Comparando as condições mesmas de sobrevivência da fruticultura irrigada com aquelas tradicionais, fica evidente que os instrumentos utilizados são bastante diferentes. Grandes investimentos na busca de inovação tecnológica são essenciais. É o binômio capital e tecnologia que garante a necessária competitividade nos planos nacional e internacional; além disso, é a racionalidade do mercado que define a escolha dos produtos e o porte dos investimentos. A associação e a cooperação com laboratórios de pesquisas em universidades, empresas e órgãos públicos é um recurso necessário, pelas próprias especificidades e dificuldades da transferência de tecnologia na agricultura. A valorização do território se faz através da disponibilidade da técnica para solução de problemas da produção e para o desenvolvimento de novos produtos, de problemas organizacionais das empresas, ou para organização de redes de apoio e troca de informações, além da utilização da informática para garantir a ligação do local ao mundo, que confere a essa atividade um caráter bastante diferenciado das atividades agrícolas mais tradicionais do semi-árido brasileiro. Outro instrumento é a propriedade fundiária, também reserva de valor, porém, aqui fundamentalmente monetário e não simbólico. Para os grandes

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Rio de Janeiro,

ano V, n'' 9, pp. 45-63, juI./dez., 2000

proprietários, ela garante espaços para a rotação de terras, reservas para expansão da produção. Ela não é o trunfo essencial para a mediação dos interesses empresariais com o poder público, que se faz tanto na relação direta como através de associação dos produtores na escala local. Para os pequenos proprietários, o acesso à tecnologia, independentemente ou por associação com as empresas, abre um novo leque de possibilidades de produção. O cenário produzido pelos atores destes novos territórios, se ainda não possui visibilidade em todas as suas nuanças, é significativo de novas situações. Em primeiro, trata-se de aproveitar a oportunidade aberta pela criação de mercados de consumo que garantem a demanda de frutas frescas e variadas nos mercados do primeiro mundo e no nacional, estimulados, cada vez mais, por hábitos alimentares que valorizam produtos naturais. Em segundo, já existe uma economia altamente capitalizada, tecnicamente sofisticada e competitiva, tanto no plano nacional como internacional. Em terceiro, há necessidade de mão-de-obra minimamente treinada para as atividades diretas de produção e altamente qualificada nos outros níveis e, por tratarse de empresas submetidas à legislação, a normatização das relações de trabalho é um requisito. Além disso, a necessidade de mão-de-obra numerosa na maior parte do ano favorece a organização e a atuação dos movimentos sindicais. Desse modo, o principal mediador das relações de trabalho é a legislação trabalhista, que define direitos e deveres de empregados e empregadores e mesmo o trabalho temporário é registrado e obedece às normas legais. Neste caso, o interlocutor é a empresa, o que torna as relações de trabalho formal izadas e impessoais. Em quarto, permanecem as possibilidades de complementação com a agricultura familiar, no caso de trabalhadores temporários também proprietários de minifúndios, além das novas possibilidades para pequenos e médios produtores, através da terceirização da produção, ou associação, como preferem nomear, na área estudada, como já foi indicado mais acima. A transferência de tecnologia é prevista nos contratos de fornecimento desses produtores com as empresas, feitos com a mediação do Banco do Brasil e do BNB - Banco do Nordeste, que fornecem financiamentos para embalagem ou outras etapas da produção. Finalmente, a vantagem competitiva do território dessa atividade está, entre outros pontos já indicados, na falta de chuvas como um recurso e não como um obstáculo, na capacidade de inovar e de competir para expandir os mercados para os seus produtos e atrair investimentos. O discurso produzido a partir dessas atividades, assim como naquelas tradicionais, tem na natureza a palavra chave. Nele, porém, ela é percebida como um potencial inestimável e um recurso redentor da economia regional, tanto pelas possibilidades de modernização, como pela perspectiva de inserção

Ilhas de Tecnologia

competitiva

no Nordeste

nos mercados

Brasileiro

nacional

e a Reinvenção

e internacional

59

da Natureza

que ela oferece!".

O binômio

clima tropical semi-árido e modernas técnicas de irrigação é avaliado como altamente favorável ao desenvolvimento de uma economia agrária sustentada, competitiva

nacional

e internacionalmente,

veitamento

das "janelas

das dos hemisférios

de mercado"

com amplas possibilidades

abertas

pelo inverno

norte e sul, e pelas possibilidades

de apro-

das áreas tempera-

oriundas

da ampliação

do mercado urbano nacional. A idéia forte veiculada por estes, ainda poucos, formadores de opinião estabelece a alternativa à "falta de vontade política", como entrave

ao desenvolvimento

regional

no discurso

tradicional,

apontando

a "falta de vontade empresarial". O binômio irrigação e tecnologia siderados como os eixos de manutenção de uma economia agrária criar fortes

efeitos

multiplicadores

4. Significados É preciso

possíveis

para a sociedade

destes

novos

aqui, mais uma vez, ressaltar

são concapaz de

local.

espaços

o significado

produtivos. particular

da ino-

vação que se instala em meio à estrutura social mais anacrônica do país e que tem sabido preservar, ao longo do tempo, sua capacidade de reprodução através da atividade política altamente profissionalizada e personalizada. É neste cenário conservador que o dinamismo desses sistemas territoriais de produção adquire importância e aponta para possibilidades de aceleração das transformações já em curso. O solapamento fundador, produção,

das bases do discurso

da seca, ou melhor,

do seu mito

é um primeiro efeito positivo. Os outros são as novas relações de com ampliação de relações contratuais de trabalho, estabelecidas

pela mediação

legal. Os novos contratos

de trabalho

têm um efeito importante

na ampliação dos espaços de organização e atuação dos sindicatos rurais, sempre obstruídos pelo personalismo e pelo cornpadrio nas relações coercitivas de trabalho, típicas das formas tradicionais de produção na Região!'. A impessoalidade

nas relações

capitalistas,

maior exploração

da sua força de trabalho,

dos trabalhadores

que, em conjunto,

rei vindicações fruticultura

lU

II

e de obter maiores

se por um lado permite por outro favorece

têm mais possibilidades ressonâncias

e respostas.

à empresa

a organização

de fazer ouvir suas Já se observa

irrigada do Rio Grande do Norte efeitos multiplicadores

na

para alguns

Para os empresários do setor da fruticultura, o Nordeste tem condições para tornar-se a Califórnia brasileira, com vantagens sobre a original americana em [unção da ausência de inverno. O Nordeste ainda possui o menor percentual de trabalhadores rurais com carteira de trabalho assinada.

60

Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 9, pp. 45-63, jul./dez., 2000

pequenos e médios proprietários que se associam às empre as. A terceirização, ou associação, de parte das atividades dessas empresas significa repasse de tecnologia e inserção de pequenos agricultores num circuito produtivo e comercial que garante sustentação das suas atividades. Com relação à propriedade fundiária, se a atividade empresarial no semiárido contribui para a manutenção do monopólio da terra, há um novo significado nesta apropriação, ou seja, cornpetitividade, produção, tecnologia, capital e produtividade, e não status, tradição, herança familiar, aval para fundos públicos, ou capital simbólico para o jogo político. Outro significado importante da entrada em cena destes novos atores refere-se à sua racionalidade produtiva, que requer mão de obra mais qualificada e mais preparada para as características do circuito monetário. Ou seja, o valor do dinheiro para atrair e manter o trabalhador vinculado à empresa e interessado na produção é o mesmo motor que o fará apoiar as lutas sindicais por melhores salários, eleger novos tipos de representantes ou exigir novas ações dos antigos. As possibilidades de rupturas no real, a partir do novo imaginário contido no discurso que exalta as qualidades do clima semi-árido do Nordeste, são importantes por revelarem o anacronismo da imagem trágica da seca, num país inserido no sistema mundo como produtor de tecnologias intermediárias e como espaço aberto à inovação, endógena e exógena (BECKER, EGLER, 1992), encontra-se racionalmente esgotada. A expansão do agrobusiness'", ao atrair uma parte da elite agrária regional tradicional, ou seus descendentes, estabelece a possibilidade de traição dos seus próprios métodos, ou seja, aqueles das atividades lucrativas, mas cuja cornpetitividade possa ser mediada pela política. Como este não é o único requisito da competição na escala internacional, novas mediações são exigidas para a sobrevivência nessa atividade. Neste segmento da produção regional, as articulações em múltiplas escalas permitem algumas reflexões sobre o papel dos agentes, nela envolvidos, para a economia agrária regional, setor mais resistente a mudanças, tanto econômicas e técnicas, como sociais e políticas (OLIVEIRA, 1990). A necessária conexão, entre escalas de produção e de consumo, das economias modernas impõe novas mediações e superações das formas tradicionais, abrindo espaços para novas alternativas produtivas e novas solidariedades. Isto pode ser, por enquanto, apenas um embrião de mudança, mas cuja existência merece atenção. Ao mesmo tempo, a persistência do atraso na zona rural regional é também um elemento decisivo para o triste privilégio de locus da pobreza

I~

Trata-se, nesta pesquisa, do Rio Grande do Norte, mas acreditamos reproduza em outras áreas da Região Nordeste.

que a situação

se

Ilhas de Tecnologia

no Nordeste

Brasileiro

e a Reinvenção

da Natureza

6]

nacional e do c1ientelismo político de tipo oligárquico, o que nos leva a apontar perspectivas favoráveis nas mudanças deste quadro. apesar de conscientes das escolhas trágicas que a modernização capitalista sempre impõe. A fragilidade política, tanto nas escalas local como regional, de alguns desses novos agentes econômicos, indica uma tendência, já em curso no Ceará, no Rio Grande do Norte e na Bahia, de alianças entre eles e políticos ou burocratas, na busca de espaços de representação de interesses. Do ponto de vista social e político, a inovação ainda deslocou os espaços de poder há muito estabelecidos, mas já tem possibilitado a construção de um novo imaginário sobre o clima semi-árido no Brasil, deslocando aquele que lhes dá sustentação, ao substituir suas mazelas por suas benesses. Além disso, o status da ciência e da tecnologia, como passíveis de romper com estruturas arcaicas, começa, com atraso e de modo ainda restrito, a ter mais valor, possibilitando que a fruticultura irrigada redefina o território e suas vantagens cornparati vas, transformando-os em sistemas dinâmicos que mobilizam e integram diferentes segmentes e interesses sociais e políticos. Finalmente, a desmistificação da irrigação deve ser considerada, em função dos desdobramentos possíveis deste fato. Tendo sido historicamente ocupado pela atividade pecuária, suporte durante séculos da organização econômica, social e política, o sertão semi-árido sempre foi, e continua sendo, menos irrigado que as Regiões Sudeste e Sul do país, com muito mais chuvas. A demanda crescente por implantação de infra-estrutura para irrigação reflete a necessidade de reforçar as vantagens comparativas do território regional e o progressivo enfraquecimento da estrutura social anacrônica que impediu, de acordo com Celso Furtado, que houvesse uma transformação na sua estrutura agrária. Para ele, que é, muito mais do que um economista competente, um ideólogo da Região Nordeste, "se tivéssemos conseguido aprovar aquela lei de irrigação'? há quase quarenta anos, se tivéssemos aberto uma frente de investimentos na agricultura moderna, como em outras partes do inundo se fez, o Nordeste seria hoje diferente" (FURTADO, 1997) É esta possibilidade que dá sentido ao esforço desta pesquisa.

"A referência aqui é a primeira grande discussão na SUDENE, em Teresina, 110 Piauí, em 1958, quando se tentou aprovar o projeto de lei da irrigação, derrotado por oposição da maioria dos governadores da Região.

Revista Território,

62

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