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NOTÍCIA E REPORTAGEM: SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE GÊNEROS DA ESFERA JORNALÍSTICA

COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição (UNIOESTE) FEDUMENTI, Tatiana Fasolo Bilhar (G - UNIOESTE) RESUMO: O ser humano se comunica o tempo todo e o faz, em grande parte, por meio da linguagem verbal. De acordo com Bakhtin (1997), o emprego da língua ocorre através de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes dos vários campos da atividade humana. Tais enunciados compõem-se de conteúdo temático, estilo e construção composicional, os quais estão intrinsecamente ligados, e são definidos pela esfera de produção. Esses enunciados materializam-se nos gêneros do discurso, definidos como os textos produzidos pelas diferentes esferas da atividade humana: familiar, religiosa, jornalística etc. A esfera jornalística tem como função principal levar a conhecimento público e comentar acontecimentos sociais diversos. Em outras palavras há, basicamente, duas funções sociais diferentes nos textos jornalísticos: informar e comentar ou opinar. Os gêneros jornalísticos cuja função é a de informar são, de acordo com a divisão proposta por Marques de Melo (2003), a nota, a notícia, a reportagem e a entrevista. Assim, este artigo, que faz parte do Projeto de Pesquisa Reconhecendo gêneros da esfera jornalística, ainda em andamento, vinculado ao grupo de pesquisa Gêneros discursivos e ensino da Língua Portuguesa, do Programa de Pósgraduação stricto sensu em Letras, da Unioeste, pretende fazer uma análise de dois desses gêneros cuja função é informar: a notícia e a reportagem. O objetivo é identificar, em cada um, o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional predominantes, para estabelecer as semelhanças e diferenças entre os gêneros. A metodologia, além de revisão bibliográfica, inclui a análise de textos dos dois gêneros escolhidos. PALAVRAS-CHAVE: gêneros discursivos, esfera jornalística, notícia e reportagem

1 – Introdução

Comunicar-se é uma atividade inerente ao ser humano. De acordo com Bordenave, “a comunicação é um produto funcional da necessidade humana de expressão e relacionamento” e serve para que “as pessoas se relacionem entre si, tranformando-se mutuamente e à realidade que as rodeia” (BORDENAVE, 2005, p.36). Nossa sociedade se estrutura a partir da interação que ocorre entre seus membros. Todos os homens se comunicam e, na maior parte das vezes, o fazem através da linguagem verbal, do uso da língua.

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Segundo Bakhtin (1997), o emprego da língua ocorre através de enunciados (orais ou escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes dos vários campos da atividade humana. O homem, portanto, faz uso dos enunciados que constrói para interagir, dialogar, com os demais. Dessa forma, “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua” (BAKHTIN, 1997, p.280). Proferimos, ou fazemos circular, um número infinito de enunciados (na forma de textos orais ou escritos) diariamente, os quais são denominados de gêneros do discurso. Os enunciados, segundo Bakhtin (1997), compõem-se de três elementos intrinsecamente ligados: conteúdo temático, estilo e construção composicional, os quais se revelam no gênero discursivo que, por sua vez, é definido pela esfera da atividade humana a que pertence. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais –, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera da comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAHKTIN, 1997, p.280)

Os gêneros discursivos, portanto, são textos que possuem conteúdos, estilo e composição semelhantes, definidos pela esfera da atividade humana a qual pertencem: familiar, religiosa, jornalística, publicitária, literária, entre outras. Dentre essas esferas, encontra-se a jornalística, cuja função principal é levar a conhecimento público acontecimentos sociais diversos. Sousa (2005) explica que a atividade jornalística é uma forma de comunicação que tem como principal função social informar sobre todos os acontecimentos, questões úteis e problemáticas que são relevantes à sociedade (noticiar acidentes, casos de polícia, moda, comportamento, economia, informação de serviços, entre outros). A esfera jornalística apresenta, assim, uma série de gêneros discursivos próprios (notícia, entrevista, editorial, artigo de opinião, charge etc.), além de outros que

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circulam nos jornais e revistas, mas que não são próprios da esfera (horóscopo, anúncios etc). Embora seja difícil precisar com exatidão todos os gêneros da esfera jornalística, pesquisadores brasileiros têm buscado determinar os principais gêneros que ocorrem na imprensa brasileira. Uma das mais conhecidas e aceitas é a classificação proposta por Marques de Melo (2003), que dividiu os gêneros do jornalismo impresso de acordo com a intencionalidade determinante dos relatos, em duas categorias: uma, cujo objetivo é o de reproduzir o real; e outra, o de ler o real1 . As categorias são, respectivamente, o jornalismo informativo e o opinativo e, dentro de cada uma, o autor identificou os gêneros. Como gêneros da categoria opinativa, Marques de Melo (2003) inclui o editorial, o comentário, o artigo, a resenha, a coluna, a crônica, a caricatura e a carta. Já na categoria do jornalismo informativo estão a nota, a notícia, a reportagem e a entrevista. Assim, embora muitas pessoas utilizem os termos notícia e reportagem como sinônimos para designar matérias de jornais e revistas, tratam-se de gêneros distintos. Mas o quê os torna diferentes? E o que há de semelhante entre eles que faz com que sejam tratados por sinônimos? São tais questões que motivaram a produção deste artigo. Através de revisão bibliográfica e análise de textos de ambos os gêneros, pretende-se, portanto, verificar distinções e semelhanças entre os gêneros notícia e reportagem, especialmente no que se refere ao conteúdo temático, estrutura composicional e estilo de cada um.

2 - Notícia e reportagem

1

A idéia de reprodução do real, que Marques de Melo atribui aos g êneros informativos é, hoje em dia, questionável. Sabe-se que a reprodução fiel de qualquer fato é impossível. Entretanto, o que é preciso ressaltar é que nos gêneros informativos há uma preocupação em informar o leitor sobre fatos, apresentando-lhe diferentes depoimentos, recortes da realidade; ao passo que nos gêneros opinativos, o autor, que em geral assina seus textos, deixa claro qual a sua visão pessoal sobre o assunto.

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Embora os termos notícia e reportagem sejam utilizados como sinônimos por muitas pessoas para designar matérias de jornais e revistas, a classificação de Marques de Melo (2003) evidencia que se tratam, de fato, de gêneros distintos. Notícia e reportagem, de acordo com o autor, se diferenciam, basicamente, devido à progressão dos acontecimentos. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo de configuração e por isso é mais freqüente no rádio e TV. A notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social. (MARQUES DE MELO, 2003, p. 65)

Ou seja, o gênero notícia ocupa-se de contar fatos, é o anúncio da novidade. A reportagem, por sua vez, também possui caráter informativo, mas é um relato jornalístico mais aprofundado, que busca contextualizar um fato, expor causas e consequências, ir além do fato, ser mais abrangente. Os dois gêneros possuem, assim, funções distintas. Ferrari e Sodré explicam que “à notícia, cabe a função essencial de assinalar os acontecimentos, ou seja, tornar público um fato (que implica em algum gênero de ação), através de uma informação (onde se relata a ação em termos compreensíveis)” (FERRARI e SODRÉ, 1986, p. 17). Já a reportagem, segundo Corrêa, “é um relato jornalístico temático, focal, envolvente e de interesse atual, que aprofunda a investigação sobre fatos e seus agentes” (CORRÊA apud PENA, 2005, p. 75). De acordo com a função de cada um dos gêneros, surgem outras diferenças entre eles. Uma delas é quanto à motivação do veículo em produzir uma notícia e uma reportagem. Franceschini (2004) explica que a notícia é imprescindível, é o anúncio da novidade, e um veículo que não noticiar algo de interesse social pode perder sua credibilidade junto ao público. Fazer uma reportagem, entretanto, já é uma decisão que varia de acordo com as intenções do veículo de comunicação.

No caso da notícia, há fatos geradores de tanto interesse que um jornal que não os noticiasse sofreria uma grande perda de credibilidade. Um exemplo clássico é o acidente de avião. Independente de a companhia aérea ser anunciante de um grande jornal, o desastre terá que ser noticiado sob a pena de aquele veículo passar por desinformado ou omisso diante dos seus leitores, que fatalmente ficarão sabendo da queda da aeronave pelas rádios e TVs. Já a decisão de produzir ou não uma reportagem sobre as condições de segurança na aviação, sobre o

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atendimento médico para este tipo de emergência ou como funcionam as torres de controle dos aeroportos depende quase que exclusivamente da avaliação dos profissionais daquele veículo a respeito da pertinência do assunto (...). (FRANCESCHINI, 2004, p. 151/152)

Também quanto ao conteúdo temático, os dois gêneros se diferenciam por sua função. A notícia trata de fatos, do anúncio de fatos novos. A reportagem lida com assuntos sobre fatos. (...) a reportagem não cuida da cobertura de um fato ou de uma série de fatos, mas do levantamento de um assunto conforme ângulo preestabelecido. Noticia-se que um governo foi deposto; fazem-se reportagens sobre a crise político-institucional, social, sobre a reconfiguração das relações internacionais determinada pela substituição do governante, sobre a conspiração que levou ao golpe, sobre um ou vários personagens envolvidos no episódio etc. (LAGE, 2000, p. 46/47)

Essa diferenciação leva a outra: como a notícia tem a função de informar um fato, deve ser atual. Já a reportagem – que vai analisar e detalhar a repercussão do fato, contextualizá- lo, ir além dele – não depende do fator tempo como a notícia.

Fator determinante para a circulação de uma notícia é o tempo: o fato deve ser recente, e o anúncio do fato, imediato. (...) Aqui, talvez, um aspecto importante a diferenciar notícia de reportagem: a questão da atualidade. Embora a reportagem não prescinda de atualidade, esta não terá o mesmo caráter imediato que determina a notícia, na medida em que a função do texto é diversa: a reportagem oferece detalhamento e contextualização àquilo que já foi anunciado, mesmo que seu teor seja predominantemente informativo. (FERRARI e SODRÉ, 1986, p. 18)

Os dois gêneros ainda se distinguem quanto ao estilo. Lage (2000) define notícia como “o relato de uma série de fatos a partir do mais importante ou mais interessante; e de cada fato a partir do aspecto mais importante ou interessante” (LAGE, 2000, p. 16). Dessa forma, os textos do gênero notícia iniciam com o que se chama de “lead”: o primeiro parágrafo no qual já apresenta o que há de mais importante no texto, respondendo questões como “O quê?”, “Como?”, “Quando?”, “Onde?”, “Por que?” e “Para quem?”. Como sua função é informar o novo, as informações nos textos do gênero notícia são dispostas em ordem decrescente, começando pela mais importante, modelo que é conhecido como “pirâmide invertida”.

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Além disso, a linguagem da notícia é mais objetiva: há preferência pelo uso de terceira pessoa, exclusão de adjetivos, predominância do uso de verbos no presente, no pretérito perfeito simples e composto do modo indicativo. Corrêa explica que a “notícia relata formal e secamente – a pretexto de comunicar com imparcialidade” (CORRÊA apud PENA, 2005, p. 76). A reportagem, por sua vez, goza de maior liberdade na escolha da linguagem. “A reportagem procura envolver, usa a criatividade como recurso para seduzir o receptor” (CORRÊA apud PENA, 2005, p. 76). Como não tem a função de anunciar o novo, não é necessário que o texto inicie com o “lead”. O estilo da reportagem é menos rígido que o da notícia: varia com o veículo, o público, o assunto. Podem-se dispor as informações por ordem decrescente de importância, mas também narrar a história, como um conto ou fragmento de romance. (LAGE, 2000, p. 47)

Ferrari e Sodré (1986) consideram a reportagem como a forma-narrativa por excelência do veículo impresso e assinalam como características desse gênero a predominância da forma narrativa, a humanização do relato, o texto de natureza impressionista e a objetividade dos fatos narrados. Sem um “quem” e um “o quê”, não se pode narrar. Na reportagem, estes dois elementos têm de existir, mas têm, sobretudo, de despertar interesse humano – ou não serão suficientes para sustentar a problemática narrativa. (FERRARI e SODRÉ, 1986, p. 14)

Contudo, se os dois gêneros apresentam diferenças, possuem também algumas semelhanças, que ficam por conta da sua estrutura composicional. “Freqüentemente, a reportagem na imprensa diária é escrita com os mesmos critérios de nomeação, ordenação e seleção similares aos da notícia e apresentada com diagramação idêntica” (LAGE, 1982, p. 35). Ou seja, embora possam se distinguir no tamanho dos textos (sendo a reportagem, em geral, mais longa), notícia e reportagem podem apresentar muitos elementos gráficos comuns. As notícias, assim como as reportagens, sempre apresentam título. O que ocorre é que títulos de notícias apresentam, em geral, verbos; ao passo que as reportagens, mais comumente, trazem títulos que não contemplam o uso de verbos. Há também outros elementos que, embora não sejam obrigatórios em nenhum dos gêneros, podem ser comuns a ambos. Os principais são: chapéu (elemento verbal

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sucinto que precede o título e serve para antecipar e territorializar a informação central do texto), subtítulo (também chamado de linha-fina, é uma frase que complementa o título, acrescentando-lhe informações, e vem logo abaixo deste, antes do texto em si), olho (títulos auxiliares ou pequenas frases postas no meio do texto cujo objetivo é destacar aspectos relevantes da matéria), foto, legenda (texto que complementa a foto, acrescentando-lhe informações que permitem ao leitor entender ou avaliar o que está vendo), texto-legenda (legenda seguida de informações que lhe permitem ter existência independente da notícia),

gráfico,

box (caixa de texto

que traz informações

complementares ao assunto discutido no texto principal) e assinatura (nome do(s) autor(es) do texto)2 . A diferença é que esses elementos costumam aparecer em maior quantidade e com maior frequência nas reportagens do que nas notícias, pois proporcionam maior detalhamento do assunto .

3 - Análise de textos

Com o objetivo de verificar, na prática, as semelhanças e distinções entre os gêneros notícia e reportagem, foram selecionadas algumas notícias veiculadas na imprensa nacional e as reportagens motivadas por elas. Dentre tais textos, estão matérias que falam sobre a médica e sanitarista Zilda Arns, vítima do terremoto do Haiti em janeiro de 2010, e que serão aqui utilizados em nossa análise. Um dos textos analisados (para o qual não constava nome do autor) foi veiculado pelo Portal de Notícias G1, no dia 13 de janeiro de 2010, sob o título: Zilda Arns morre em terremoto no Haiti, diz sobrinho. O outro, escrito por Paulo Moreira Leite, foi publicado na edição 609 da Revista Época, de 18 de janeiro de 2010, com o título: “Que morte linda”.

2

Os conceitos apresentados constam no site: http://www.elpais.com.br/elpaisnaescola/arquivos/DicasdeJornalismo.pdf. Também foram consultados o “Guia para edição jornalística”, de Pereira Junior (2006); e o “Manual de Redação e Estilo – O Globo”, do ano de 2001.

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3.1 - Conteúdo temático

Os dois textos foram motivados pela morte da médica no terremoto do Haiti. O primeiro deles, contudo, publicado no G1, foi escrito com a função de informar que Zilda Arns havia falecido, vítima do abalo sísmico. Trata-se de um texto que traz o anúncio da novidade: Flávio Arns, sobrinho da médica, na manhã do dia 13, confirmou que a tia estava no Haiti quando houve o terremoto e que, de fato, havia falecido. A publicação se deu logo após o anúncio feito por Arns. O conteúdo do texto nos traz as informações de que a médica faleceu no terremoto, de que estava no Haiti para realizar palestra, de que o governo do Paraná decretou luto oficial e traz, ao fim, um breve parágrafo explicando quem era Zilda Arns. Trata-se de uma notícia. O segundo texto, publicado na revista Época, é uma reportagem. A matéria foi publicada na edição de 18 de janeiro, seis dias após o terremoto, tempo demasiado longo para a publicação de uma notícia. O conteúdo não está voltado para o anúncio da morte de Zilda Arns, uma vez que, àquela data, a imprensa diária já teria noticiado largamente o fato. A matéria conta a história da médica, fundadora da Pastoral da Criança. O texto foi motivado pelo fato, sua morte, mas não se detém em anunciar o falecimento, busca retratar quem foi Zilda Arns, contando as obras por ela realizadas, como foi recebida a notícia de sua morte por familiares e explicando o que é e como foi fundada a Pastoral da Criança. Trata-se de uma reportagem.

3.2 - Estilo e estrutura composicional

A notícia veiculada no G1 é breve (seis parágrafos). A reportagem da Revista Época ocupa um total de seis páginas. Ambos os textos apresentam título e subtítulo. A notícia traz, ainda, uma foto da médica. Já a reportagem apresenta, também, chapéu, assinatura, fotos, legendas e textos-legenda.

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O estilo dos textos é bastante diverso, a começar pelo título. A notícia é intitulada Zilda Arns morre em terremoto no Haiti, diz sobrinho. Há dois verbos de ação, um que anuncia o fato de que a médica faleceu (“morre”) e outro que, junto com o complemento, esclarece quem foi o autor do anúncio (“diz sobrinho”). É interessante perceber que, visando à credibilidade da notícia, já que a publicação se deu logo no dia seguinte ao terremoto e as informações naquele momento ainda eram contraditórias, o G1 deixa claro, já no título, como obteve a informação. O subtítulo da notícia, completando a informação trazida no título, informa o seguinte: Gabinete do senador Flávio José Arns recebeu informação nesta quarta. Familiares da coordenadora da Pastoral da Criança buscam mais detalhes. A reportagem, por sua vez, apresenta chapéu: Zilda Arns 1934-2010, anunciando o tema da matéria. Depois, demonstrando a liberdade na linguagem que é própria do gênero, não apresenta verbo no título: “Que morte linda”. E traz o seguinte subtítulo: Foi assim que, sem esconder a tristeza, o cardeal Paulo Evaristo Arns definiu a morte de sua irmã Zilda Arns, em meio a mais uma de suas missões humanitárias. A reportagem inicia narrando como o irmão da médica recebeu a notícia de sua morte e depois segue caracterizando a médica e contando como ela se tornou a fundadora da Pastoral da Criança, através de um convite que recebeu do irmão. Na residência em Taboão da Serra, onde passa o dia em leitura, recebe raríssimas visitas e tem o coração monitorado por um marca-passo, o cardeal emérito Paulo Evaristo Arns ouviu a notícia de forma cuidadosa: sua irmã Zilda Arns acabara de morrer, vítima de um terremoto de proporções até então desconhecidas que ocorrera no Haiti. A morte fora confirmada poucos momentos antes, por Gilberto Carvalho, o secretário pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se encarregou de transmitir a informação à cúpula da Igreja Católica. “Que morte linda”, reagiu o cardeal, sem esconder a tristeza, conforme um amigo da família.

O trecho contém várias informações: a médica faleceu, o gabinete do presidente confirmou o fato, o secretário pessoal do presidente comunicou a cúpula da Igreja Católica e como o irmão de Zilda Arns recebeu a notícia. Esse parágrafo apresenta caráter predominantemente informativo, mas não possui um lead. Fica clara a busca pela humanização do relato, a construção de um personagem que possa ilustrar esse tom impressionista necessário à reportagem através da figura do cardeal.

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Na sequência, a descrição da médica reflete ainda melhor a linguagem menos rígida desse gênero: Habitante deste indispensável universo de homens e mulheres capazes de sacrificar o conforto pessoal para dedicar uma vida inteira àquilo que a experiência humana define como “bem-estar do próximo” e dessa maneira conquistar um lugar na história de um povo inteiro, Zilda Arns Neumann morreu como viveu nos últimos 27 anos – desde que colocou de pé a Pastoral da Criança, entidade que mobiliza 260 mil voluntários em 80% dos municípios brasileiros para atender 95 mil gestantes e 1,8 milhão de meninos e meninas que sobrevivem abaixo da linha da pobreza.

O trecho também traz várias informações: que a médica fundou a Pastoral da Criança, o tempo de sua vida que Zilda dedicou para projetos sociais, informações e números sobre a Pastoral. Mas, a linguagem utilizada para caracterizar a médica não é isenta de opinião como pretendem os textos do gênero notícia. Foi possível perceber, na análise da reportagem, que, embora o texto tenha caráter predominantemente informativo3 , há o uso de adjetivos e predominância de verbos em tempos como pretérito perfeito simples, pretérito imperfeito, pretérito maisque-perfeito e futuro do pretérito do modo indicativo – tempos verbais que, de acordo com Koch (2009), pertencem ao mundo do narrar. O texto da notícia, por sua vez, é muito mais objetivo. Seu início se dá a partir de um lead, que organiza as informações em ordem decrescente de importância. Zilda Arns Neumann, coordenadora internacional da Pastoral da Criança, morreu no terremoto no Haiti, ocorrido nesta terça-feira (12). A informação foi divulgada na manhã desta quarta-feira (13) pelo gabinete do senador Flávio José Arns (PSDB-PR), sobrinho de Zilda, em Curitiba (PR).

O lead esclarece o que houve (a morte de Zilda Arns), quem morreu (Zilda Arns), quando e como ocorreu o fato (no terremoto do Haiti, em 12 de janeiro). Ou seja, a informação mais importante já aparece no primeiro período.

3

Marques de Melo (2003) classifica o gênero reportagem como sendo informativo. Mas há autores, como Lage (2000), que consideram que, apesar desse caráter predominantemente informativo, sempre há nas reportagens um pouco de interpretação.

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Na sequência, há parágrafos que esclarecem porque Zilda Arns estava no país e como a família soube que ela havia falecido. Ao fim, há uma breve caracterização da médica. Zilda Arns Neumann tinha 73 anos, era médica pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança e fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Pessoa Idosa. Ela era representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Nacional de Saúde e membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Ela nasceu em Forquilhinha (SC) e morava em Curitiba.

A linguagem desse trecho é, ao contrário da que se verificou na caracterização apresentada na reportagem, muito mais objetiva. Não há adjetivos, apenas a informação de quem era Zilda Arns (“médica e sanitarista”), da sua idade (“73 anos”) e dos projetos sociais e entidades em que ela estava envolvida. Nesse caso, julgar se se trata de uma pessoa dedicada ao “bem-estar do próximo” fica a cargo do leitor, pois a matéria não anuncia abertamente qualidades. Na notícia percebeu-se o uso predominante de verbos no presente e pretérito perfeito e imperfeito do modo indicativo. Não se verificou o uso de adjetivos e, quando houve no texto alguma referência ao repórter que produziu a matéria, houve o uso de terceira pessoa (“disse Flávio Arns ao G1”) – de modo a não deixar o texto impessoal e objetivo.

4 - Considerações finais

Notícia e reportagem são gêneros jornalísticos distintos. Apesar de terem caráter informativo

e

apresentarem,

em muitos casos,

estrutura composicional (forma)

semelhante, possuem funções distintas e, de acordo com Marcuschi (2008) é justamente a função que determina a existência de um gênero. “Todos os gêneros têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma” (MARCUSCHI, 2008, p. 150). O gênero notícia tem como função informar um fato novo. Em decorrência disso, as notícias devem ser atuais e os textos já iniciam expondo a informação mais

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importante em seu primeiro parágrafo, o lead. Sua linguagem é mais objetiva, com a exclusão de adjetivos, e mais impessoal, com o uso de terceira pessoa. Os textos do gênero reportagem, por sua vez, não informam fatos novos. Sua função é contextualizar e aprofundar fatos que já estão repercutindo na sociedade. Eles trazem assuntos a partir de fatos e discorrem sobre eles de acordo com um enfoque préestabelecido. Sua linguagem é menos rígida que a das notícias, possibilitando o uso de elementos como metáforas e adjetivos. Trata-se de um gênero predominantemente narrativo, em que se busca a humanização do relato. Notícia e reportagem podem ser, portanto, semelhantes em sua estrutura composicional, mas são diferentes quanto ao estilo e ao conteúdo temático.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BORDENAVE, Juan Diaz. O que é comunicação. São Paulo: Brasiliense, 2005. FERRARI, Maria Helena; SODRÉ, Muniz. Técnica de Reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986. FRANCESCHINI, Felipe. Notícia e reportagem: sutis diferenças. Comum, Rio de Janeiro, v.9, nº22, p.144-155, janeiro/junho 2004. Disponível em: , acesso em 15/jun./2010. GARCIA, Luiz (org). O Globo: Manual de Redação e Estilo. São Paulo: Globo, 2001. KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2009. LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Petrópolis: Vozes, 1982. ___________. A estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2000. LEITE, Paulo Moreira. “Que morte linda”. Época, edição nº 609, p. 80-85, 18/jan./2010. Manual Teórico de Jornalismo. Disponível em: , acesso em 03/ago./2010.

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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual: análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. MARQUES DE MELO, José. Jornalismo Opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. São Paulo: Mantiqueira, 2003. PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005. PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Guia para a edição jornalística. São Paulo: Vozes, 2006. SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de jornalismo impresso. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2005. Zilda Arns morre em terremoto no Haiti, diz sobrinho. Disponível em: , acesso em 14/jan./2010.

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