Anais II Simpósio Gênero e Políticas Públicas ISSN2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 18 e 19 de agosto de 2011. GT7- Gênero e Trabalho – Coordenação: Cássia Maria Carloto
As condições de vida e trabalho de costureiras em São Paulo: uma aproximação com migrantes bolivianas Vanessa Gomes Zanella 1
1 Aportes metodológicos
Os estudos apresentados neste ensaio concentram-se em apontar os determinantes para o aumento significativo dos fluxos migratórios oriundos da Bolívia com destino ao Brasil e realizados por mulheres. O tema exige urgente atenção, ressaltando a importância de se criar políticas públicas que atendam às mulheres desamparadas frente à indocumentação e às opressões de gênero de que são vítimas. Para tanto, faz-se necessário o uso de uma metodologia que abarque não apenas os estudos recentes do assunto, mas também uma vivência no microcosmo social em que as imigrantes se inserem na cidade de São Paulo. Por isso, foram feitas diversas visitas ao Centro de Apoio ao Migrante (CAMI), no bairro do Canindé em São Paulo, para que através de depoimentos e da observação social o trabalho fosse realizado obedecendo à inseparabilidade da pesquisa à realidade, dos estudos à práxis, e vice-e-versa. O CAMI é uma entidade sem fins lucrativos que há 6 anos atua, na área de Direitos Humanos, como a ponte que conecta o migrante à sociedade brasileira, promovendo a diversidade cultural e a cidadania através dos cursos de português e de informática para imigrantes, bem como dando apoio jurídico em trâmites para a regularização migratória. Durante as visitas realizadas, notou-se a demanda pela inserção do debate de gênero entre os imigrantes que costumam freqüentar o CAMI aos finais de semana, girando em torno de 60 pessoas. Também foram realizadas entrevistas individuais com algumas mulheres que se pré dispuseram a contar um pouco sobre suas trajetórias, dentre elas a Rose, mulher, imigrante, boliviana. Sua fala é discutida nos limites deste trabalho no item 5, que não tem a pretensão de tirar conclusões generalizadas, mas sim apresentar, após análise
1
Universidade Estadual Paulista „Júlio de Mesquita Filho‟ – Campus Franca. Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais. Curso de Relações Internacionais, 4º ano. E-mail:
[email protected]
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de vivência e de entrevistas, o contexto opressor, de desamparo público e de precarização de trabalho em que bolivianas estão incluídas.
1 Imigração boliviana para o Brasil
A América Latina como um todo, na década de 1970, encontrava-se num contexto de transição, pois ambicionava um rápido desenvolvimento através da abertura de seus mercados para então agregar-se à nova ordem internacional ditada pelos mercados internacionais, pelo capitalismo global. Para corresponder à demanda do novo sistema global e se aproximar das economias mais avançadas, os países latino-americanos aceitaram os altos riscos do projeto. De fato a América Latina integrou-se na nova economia global, unindo os mercados financeiros e passando por diversas mudanças em sua base econômica, mas a integração se deu de forma desigual, com altos custos sociais e econômicos na transição. (CASTELLS, 2001). A Bolívia, como outros países da América Latina, passou por um rígido período militar que se encerrou em 1985, data da adoção do regime neoliberal. Contudo, tal modelo não foi capaz de amenizar a crise econômica, social e política do país, sendo hoje considerado um dos países mais pobres da América Latina.
Não houve a industrialização do país, que ainda se mantém pela exportação de matérias-primas; em meio a um sistema de latifúndio dominado por uma pequena elite branca que explora a grande massa de camponeses indígenas. A questão étnica não discutida, o forte racismo, e as grandes diferenças regionais fazem ressurgir com, força e urgência, o problema da unidade nacional. Um sistema econômico frágil e a falta de um projeto nacional dificultam a superação da debilidade econômica do país. (VANINI, 2008).
Como conseqüência da acelerada urbanização na América Latina observa-se a marginalização social e política, diversas tensões sociais, o deterioramento do meio ambiente e o aumento de trabalhadores no setor informal da nova população urbana, agravando, assim, a situação de mendicância e de extrema pobreza nas cidades. (CASTELLS, 2001).
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Por outro lado, a demanda por mão-de-obra de baixo custo nas grandes aglomerações urbanas com alta concentração de fluxos de capitais transformou São Paulo em um pólo receptor de migrantes, tanto externos como internos, que vendem sua força de trabalho, em troca de salários irrisórios, e se sujeitam a jornadas de trabalho com horários cada vez mais flexíveis, sem o amparo das leis trabalhistas, sob regime de clara precariedade e exploração. Para melhor explicitar a migração boliviana no Brasil, Sidney Antônio da Silva aponta que
[...] num contexto de globalização dos processos econômicos e culturais, cujas características, segundo Harvey (1993), seriam a flexibilização dos mercados, dos processos de trabalho e dos padrões de consumo, surge o lado perverso desse processo, ou seja, tanto nos países industrializados como também nos países menos industrializados, como é o caso do Brasil, existe o fenômeno da crescente clandestinização da mão-de-obra. Em geral esse mercado de mão-de-obra é formado por migrantes internos, como também por imigrantes oriundos de países latinoamericanos, os quais são obrigados a venderem a sua força de trabalho por salários aviltantes e sem nenhum direito contemplado pela legislação trabalhista, além de serem estigmatizados pelo fato de advirem de países pobres e regularmente associados ao tráfico de entorpecentes. (SILVA, 1997)
Assim, o ato de migrar representa um processo que permeia a natureza humana e que em tempos de globalização é impulsionado pelos efeitos de expulsão e absorção de capitais – incluso o capital humano – e que direciona a mão-de-obra ao redor do globo. Não obstante, o fenômeno das migrações internacionais se apresenta numa complexidade que ultrapassa os limites do trabalho, pois se trata do movimento de sujeitos socioculturais. Rotular a imigração como um simples deslocamento de mão-de-obra é anular todos os aspectos da vida humana que envolvem o fenômeno, é simplificar um processo complexo que abarca as mais diversas esferas dos sujeitos. Dentre elas, as relações de gênero, que, na sociedade atual, hierarquiza e atribui a homens e mulheres papéis que se espera serem desempenhados, mesmo que isso signifique e subordinação e a opressão das mulheres.
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3 O Brasil como receptor de imigração latino-americana – alguns apontamentos
O Brasil possui características fundamentais que o classificam como um país receptor de imigrantes: uma crescente economia, um bom desempenho macroeconômico, uma ampla criação de empregos com alta absorção de mão-de-obra sob regime de subcontratação e a reputação de acolhimento e hospitalidade próprios do povo brasileiro, que nem sempre, como delineado ao longo do ensaio, correspondem à realidade. Em sua maioria, a imigração latino-americana no Brasil se concentra nas zonas fronteiriças e nas capitais, principalmente São Paulo, devido às diversificadas oportunidades de emprego. Dentre o grande contingente de peruanos, bolivianos, chineses, coreanos, libaneses e africanos que residem e trabalham na condição de indocumentados, a população boliviana recebe maior destaque por ser a mais abundante, contando com cerca de 60 mil moradores da capital paulista – documentados ou não – segundo dados do Consulado da Bolívia. (MARTES, 2009). O Censo Brasileiro de 2000 2 aponta um total de, aproximadamente, 400 mil imigrantes recentes no Brasil. No entanto, as estatísticas governamentais são insatisfatórias uma vez que não contabilizam os imigrantes indocumentados, impossibilitando assim a veracidade dos dados. Segundo estimativas da Pastoral do Migrante, entre documentados e indocumentados, concentram-se no Brasil um total aproximado de 1 a 1,5 milhões de imigrantes que, quantitativamente, entre os sexos, tendem ao equilíbrio. (MARTES, 2009). Recém chegados no Brasil, os imigrantes seduzidos pelo discurso de hospitalidade, de acolhimento e de boa receptividade da sociedade brasileira, se deparam com uma realidade cruel e de profunda discriminação e marginalização de sua cultura, sendo esta estigmatizada por “atributos profundamente depreciativos”. (GOFFMAN, 1975 apud SILVA, 1997). Os estigmas que os classificam como “índios”, “clandestinos”, “morenos” e muitas vezes como “traficantes”, ressaltam sua condição de desigualdade e de “intrusos” ou de “indesejados” na sociedade de estranhamento brasileira. (SILVA, 1997). Nesse sentido, as mulheres imigrantes, além de sofrerem as diversas discriminações expostas acima, ainda enfrentam as discriminações e opressões de gênero, tanto pela sociedade receptora quanto pelos próprios conterrâneos e companheiros de jornada. 2
O último recenseamento no Brasil foi feito pelo IBGE no ano de 2010, porém apenas foram divulgados os primeiros resultados. A divulgação das estatísticas sobre migração e deslocamento no Brasil faz parte da agenda de 2012.
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A notável aversão brasileira à imigração latino-americana e à boliviana, em específico, traz em seu bojo a “percepção do índio herdada da concepção européia do povo exótico e não „civilizado‟.” (SILVA, 1997, p. 19).
4 A Feminização dos processos migratórios
No artigo intitulado „Os pássaros de passagem também são mulheres‟, Mirjana Morokivasic (1984) chama atenção para a invisibilidade do crescente fluxo de mulheres que saem de seus países em busca de melhores condições de vida e trabalho. Até então, o homem havia sido considerado o protagonista dos mais diversos fenômenos migratórios ao redor do mundo, ocupando, a mulher, o papel de passividade e de espera ou de mero acompanhamento, estando à mercê das decisões de seu irmão, pai ou marido sobre o seu destino. No entanto, os estudos acerca do assunto não correspondiam à atual conjuntura de feminização do processo em que os fluxos migratórios se encontram. Por ser considerado um fenômeno, em geral, essencialmente masculino, a variável gênero não era incluída na análise e muitas mulheres tiveram a sua condição de imigrantes ignorada. Entre os anos 1960 e 2000 houve um aumento de mulheres migrantes passou de 44,7% para 50,2% do total de migrações internacionais3. O aspecto trabalho comporta-se como elemento capital nos processos de imigração feminina, isso porque não só representa um dos principais motores dos fluxos, mas também “traz conseqüências nas relações de gênero dos casais e no ganho de „poder‟ da mulher dentro da família.” (PADILHA, 2007, p.128). As mulheres imigrantes continuam desempenhando um papel de submissão no âmbito familiar e no âmbito laboral, sendo este caracterizado pela divisão sexual do trabalho. Carregadas de estereótipos de gênero e naturalizações hierarquizantes, as tarefas consideradas femininas são largamente associadas aos afazeres ligados ao cuidado, à atenção, à delicadeza, à limpeza. (GIL, 2007). Nas sociedades de acolhimento as mulheres acabam por ocupar cargos desvalorizados, como empregadas domésticas; cozinheiras; babás ou garçonetes que exigem um árduo trabalho em troca de um exíguo rendimento mensal. Outras tantas vezes inserem-se 3
O World Economic and Social Survey 2004 – Informe da ONU
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num outro mercado de séria desigualdade e opressão: o mercado sexual. (LISBOA, 2007, p. 808). As mulheres migrantes, nesse contexto, além de sofrerem todas as discriminações pela sociedade receptora, simplesmente por possuírem diferentes valores culturais, sofrem também a opressão de gênero, e muitas vezes de classe, raça e etnia, caracterizando uma quádrupla e até quíntupla opressão. Se a mulher é “o outro” do homem e o imigrante é “o outro” de dada cultura, a mulher imigrante é “o outro” do “outro”.
Isto porque, as precárias condições de vida (trabalho, habitação, saúde, educação, formação, a fraca inserção na sociedade de acolhimento e outros tantos problemas culturais e psicológicos) com que a imigrante se debate são acrescidos daqueles que resultam da sua condição de mulher, e ainda, no caso concreto de atitudes discriminatórias e xenófobas com base na cor da pele e outras características do seu tipo humano, de que tantas vezes são vítimas. (TOLENTINO, 2006, p.3).
É neste panorama excludente e opressor que as imigrantes bolivianas se inserem social, cultural e laboralmente em São Paulo. Vale ressaltar que o papel de inferioridade é atribuído às mulheres antes mesmo de nascerem, por um processo de socialização e internalização de papéis construídos social e historicamente que afirmam a supremacia masculina, impondo às mulheres o lugar da subalternidade.
5 Condições de vida e trabalho de imigrantes bolivianas em São Paulo: um recorte de gênero „Ninguém nasce mulher, torna-se mulher’. (BEAUVOIR, 1980).
Oportunidades de emprego na cidade de São Paulo são anunciadas diariamente nas rádios em diversas regiões da Bolívia. A promessa de salário gira em torno de US$ 500,00. O valor contrastante em relação ao diminuto salário mínimo boliviano calculado, aproximadamente, em apenas US$ 44, atrai a atenção de milhares de bolivianos e bolivianas que passam a considerar o deslocamento para São Paulo uma forma de melhorar de vida, e talvez, conseguir juntar dinheiro suficiente para montar um negócio próprio ao voltarem para a Bolívia. (SILVA, 1997, p. 95).
É fácil compreender porque mulheres de diferentes
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regiões do país são seduzidas pela tentadora proposta, como, por exemplo, as de origem cochabambina que passam o dia “à espera de alguém que as contrate para um dia de trabalho, geralmente no trabalho doméstico, recebendo uma quantia de US$ 2 (dólares) por um dia de serviço.” (SILVA, 1997, p. 34). Em São Paulo, as migrantes bolivianas se deparam com uma condição bastante diferente da proposta no momento da viagem. (MARTES, 2009, p.69). Encontrar emprego não é um problema, uma vez que são contratadas na Bolívia pelos donos das oficinas, que para lá se deslocam em busca de novos trabalhadores. Muitas vezes a relação entre empregador e empregado é de parentesco, de favores ou de amizade, estando os últimos de certa maneira vinculados aos primeiros devido a uma necessidade inicial. A existência da constante sensação de endividamento, pelo fato de o empregador financiar a viagem; a estadia e a alimentação na cidade de destino, cria uma relação de fidelidade no trabalho, o que cerceia a liberdade de muitas imigrantes mudarem de oficina caso apareça uma oportunidade melhor. (SILVA, 2003, p. 293) Outro problema bastante recorrente diz respeito à re-alocação de muitas mulheres que migram para São Paulo acreditando na promessa de que irão trabalhar em oficinas de costura, mas acabam exercendo o trabalho de empregadas domésticas ou de cozinheiras nas oficinas.
Se o emprego não constitui um problema para a maioria, por outro lado, as mulheres que se dedicam ao serviço doméstico enfrentam sérios problemas, seja no país de origem ou no exterior. [...] Entretanto, quando chegam aos locais de trabalho aviltantes, trabalham pelo menos 15 horas diárias, sem descanso semanal e sem nenhum direito trabalhista, porque em geral são indocumentadas. Muitas sofrem assédio sexual de seus patrões [...]. (cf. M. Cordero, in Presencia, La Paz, 13/11/94). (SILVA, 1997, p.95)
A jornada de trabalho é extensa e exaustiva com início às 8hs e fim às 21hs. O salário não é fixo, e a flexibilização da jornada bem como do pagamento – feito de acordo com a quantidade de peças confeccionadas diariamente, podendo variar entre US$ 0,20 e US$ 2,00 por peça – são prerrogativas para a precarização do trabalho destas mulheres. Além disso, os horários flexíveis, tanto das oficinas de costura quanto das casas que trabalham como empregadas domésticas, praticamente extinguem o tempo dedicado a afazeres pessoais, ao lazer e ainda dificultam a inserção da imigrante na sociedade paulistana, sendo o controle
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sobre o tempo e autonomia pessoal muito mais evidente nas mulheres migrantes do que nos homens. O cotidiano dessas mulheres reflete a reprodução das relações de gênero nas sociedades que atribuem a elas os afazeres domésticos, mesmo depois de cumprir 15 horas diárias nas oficinas de costura e, além disso, são responsáveis pelo cuidado dos filhos.
No caso das mulheres o trabalho é ainda pior, porque elas devem ajudar nas tarefas da cozinha, lavando a louça, que em geral não é pouca, posto que o número de pessoas que vivem e trabalham nessas oficinas é grande. Para as casadas com filhos, a situação é ainda pior, pois em suas mãos está a administração da cozinha, o que significa a compra e a preparação dos alimentos, além do cuidado dos filhos, da roupa e outras responsabilidades. Assim sendo, como constatou Thompson, o ritmo de trabalho da mulher do lar ainda obedece aos parâmetros de sociedade préindustrial (cf. E. P. Thompson, op. Cit., p.270). (SILVA, 1997, p.143).
Em visita ao CAMI em São Paulo, para uma maior aproximação com a temática, foi possível conhecer algumas mulheres bolivianas, entre elas estava Rose 4 que conta que trabalha como empregada doméstica e como babá de duas crianças em uma casa de família. A ela foi oferecido um quarto e alimentação pelo valor de R$ 700,00. O salário acima da média tem uma justificativa e um custo muito alto para Rose, que só pode sair da casa aos finais de semana e em horários regulados – 10hs da manhã às 17hs da tarde aos domingos – dedicando ao trabalho um tempo quase integral. Devido sua condição de indocumentada, Rose não tem a quem recorrer, pois não é assegurada pelos direitos trabalhistas como férias e remuneração por hora extra. Rose também afirma que não se importa em passar a maior parte do tempo trabalhando, porque tampouco tem para onde ir. Ela alega que “enquanto os homens vão jogar futebol ou vão se embebedar num bar qualquer nós mulheres não temos o que fazer, ficamos em casa trabalhando mesmo.” O caso de Rose não é único, muitas outras imigrantes se encontram em situação de encarceramento nas oficinas até que paguem as infindáveis dívidas de viagem e de aluguel aos empregadores, muitas sofrem violência ou assédio sexual, mas permanecem caladas pois, por não possuírem documentos, não desfrutam de um aparato legal que as protejam além de terem medo de no momento da denúncia a polícia as identifique como irregulares e as deporte. (SILVA, 1997, p.96). 4
Nome fictício.
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Segundo a legislação vigente no Estatuto do Estrangeiro de 1988, a regularização só é liberada em dois casos: quando há casamento com cônjuge brasileiro ou quando se tem um filho nascido em território nacional. Nessa perspectiva, sabe-se que as mulheres são social e historicamente responsáveis pela criação dos filhos devido ao fato de gestarem e gerarem os mesmos, e assim, sofrem as maiores conseqüências quanto às novas responsabilidades que terão ao gerarem filhos. Além disso, no caso de uma gravidez indesejada, os pais muitas vezes abdicam totalmente do cuidado do filho, restando somente à mãe a tarefa de criá-lo, alimentá-lo e sustentá-lo por toda a sua vida. Sabe-se que muitas imigrantes, não restando alternativas – já que é grave o machismo entre os bolivianos e alto o gasto com os documentos de regularização – acabam se casando com brasileiros, ou então engravidando, para então conseguir, de certo modo, a tão desejada „tranqüilidade‟.
As jovens costureiras confirmaram a existência de forte machismo entre os bolivianos, chegando-se ao extremo de uso da violência, e, por isso, manifestaram mais abertas à exogamia, uma vez que essa seria também uma estratégia para se permanecer no país sem problemas e em condições confortáveis, caso se casem com um brasileiro que tenha uma condição econômica razoável. (SILVA, 1997, p.210).
5.1 A invisibilidade dessas mulheres para as políticas públicas
Um dos maiores problemas que as mulheres migrantes se deparam devido à indocumentação diz respeito às políticas públicas e às necessidades básicas as quais não têm acesso mínimo, como por exemplo, à saúde, à educação e aos direitos trabalhistas. Em seu depoimento acerca do acesso à saúde, Rose relata que:
“Quando precisamos ir ao médico temos que marcar as consultas com muita antecedência porque demoram muito para arrumarem um horário. Mas em caso de emergência não há nada para fazer, eles nos mandam comprar remédios e ir para casa.”
Nesse caso, vale lembrar que as mulheres grávidas devem fazer um acompanhamento pré-natal, e acabam prejudicando a saúde do bebê e a própria, pois não conseguem marcar as consultas seja pela dificuldade de comunicação ou pela falta de horários
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disponíveis. Além disso, muitas imigrantes se recusam a fazerem tratamentos médicos na rede pública com medo de serem identificadas como indocumentadas e conseqüentemente serem deportadas para a Bolívia. Em casos de emergência, devido ao medo do reconhecimento, pagam clínicas particulares, que custam em torno de R$ 100 a consulta, sendo esta uma medida paliativa que dificilmente poderão utilizar com freqüência. (SILVA, 2003, p. 296). Rose apontou a falta de domínio do idioma e a indocumentação como os maiores problemas por elas enfrentados, afinal todos os outros problemas derivariam destas debilidades. Fica difícil evitar extorsões quando não se compreende o idioma, quando não se tem informações sobre direitos e gratuidades, quando a ausência de documentos vira moeda de troca para policiais corruptos, enganadores ou para assediadores sexuais.
Considerações Finais
Ao aprofundar o estudo sobre a temática das migrações bolivianas em São Paulo notou-se a insuficiência de políticas públicas que atendam às necessidades mínimas das mulheres que enfrentam não apenas estigmatizações sócio-culturais devido ao seu tipo humano ou à situação de indocumentadas, mas também opressões oriundas da hierarquização de gênero e conseqüente inferiorização da mulher. A vulnerabilidade em que essas mulheres, em sua complexidade, se encontram é ainda mais acentuada pelos ditames mercadológicos da economia global que muitas vezes determinam a saída e permanência de imigrantes em sociedades que as discriminam. Conclui-se que o aparato governamental faz “vistas grossas” à situação das imigrantes de São Paulo, mesmo absorvendo a sua mão-de-obra, como uma maneira de não prejudicar as tão rentáveis empresas que terceirizam e mantém em regime de subcontratação a mão-de-obra imigrante. Tal política evidencia o objetivo de manutenção do status quo e de maximização dos lucros no mais curto prazo, mesmo que custe a total invisibilização da população imigrante.
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VANINI, Joice. Imigrantes bolivianos em São Paulo e a questão da identidade cultural. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Relações Internacionais). Franca: UNESP, 2008.