REVISTA LUMEN ET VIRTUS ISSN 2177-2789 VOL. II Nº 4 MAIO/2011

 

FLUSSER,   SEU MUNDO CODIFICADO E O DESIGN  Suelen d'Arc de Oliveira Ferreira1 http://lattes.cnpq.br/7107639953397410

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RESUMO – O presente artigo tem como objetivo analisar os ensaios escritos por Flusser em sua fase madura, ou seja, datados entre o final da década de 70 e início da década de 90, tendo como recorte principal "Teoria da Comunicação" e, como pano de fundo secundário, a intenção de averiguar se o autor aborda naqueles textos a "Cultura do Ouvir". Verificar se em algum momento das teorias estabelecidas por Flusser ao longo dos textos analisados, este ressalta a sonoridade, a "audiovisualidade" ou se Flusser se concentra somente no aspecto visual. Para isso almeja-se analisar os seguintes ensaios: O mundo codificado (1978), O futuro da escrita (198384), Imagens nos novos meios (1989), Uma nova imaginação (1990), Sobre a palavra design (1990), O modo de ver do designer (1991), Design: obstáculo para a remoção de obstáculos? (1988), Uma ética do design industrial? (1991), Design como Teologia (1990). Pretende-se utilizar também os autores Menezes e Baitello. PALAVRAS-CHAVE – Flusser, Teoria dos media, audiovisual, fotografia, comunicação. ABSTRACT – This article aims to analyze essays written by Flusser in his mature phase, i.e., dating from the late 70's and early 90's, focusing on principal "Theory of Communication" and the background secondary, the intention of ascertaining whether the author addresses those texts to the Culture of Listening. "Check if at any time of the theories established by Flusser over the analyzed texts, this emphasizes the sound, the "audiovisual" or Flusser focuses only on the visual aspect. For that aims to analyze the following tests: the codified world (1978), The future of writing (1983-84), Pictures in the new media (1989), A new imagination (1990), On the word design (1990), The way to see the designer (1991), Design: obstacle to the removal of obstacles? (1988), An ethic of industrial design? (1991), Design and Theology (1990). It is intended to also use the authors Menezes and Baitello. KEYWORDS – Flusser Theory of the media, audiovisual, photography, communication.

                                                             1 Mestranda em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero, Programa de comunicação na contemporaneidade. E-mail: [email protected].

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Sobre Flusser2 Vilém Flusser nasceu em 12 de maio de 1920 em Praga, de uma família de intelectuais judeus. Ele é descrito (Baitello, 2005) como tendo sido de presença imponente e possuidor de impressionante gestualidade vocal e corporal que se fez lenda, de idéias performáticas. Autodidata, em 1940 perde sua irmã, seus pais e avós, mortos em campos de concentração. No ano seguinte, deixa a Inglaterra vindo para o Brasil, onde posteriormente se naturaliza. A partir de 1960, Flusser inicia sua colaboração com a Revista Brasileira de Filosofia, editada pelo Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF) ambos fundados por Miguel Reale, em São Paulo, aproximando-se assim de um círculo de intelectuais brasileiros de formação liberal. De acordo com Baitello (2005), Flusser “devorou a cultura brasileira da mesma maneira como a cultura brasileira devorou as culturas que aqui aportaram.” Ao longo da década de 1960, leciona Filosofia da Ciência, na Escola Politécnica da USP. Em 1962 torna-se membro do Instituto Brasileiro de Filosofia, e é nomeado professor de filosofia da comunicação pela FAAP (Faculdade de Comunicação e Humanidades). Participa ativamente da vida artística da cidade, colabora com a Bienal de São Paulo e em 1963 publica seu primeiro livro - Língua e realidade. 150 

Em 1964, ele também se tornou co-editor da Brazilian Philosophical review. Em 1966, inicia sua colaboração com o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung. Por causa da situação problemática no Brasil após o golpe militar de1964, foi ficando mais difícil para Flusser proferir palestras e também publicar. Em 1970 a reforma universitária agrega os professores de filosofia da USP ao Departamento de Filosofia da FFLCH, e Flusser, que era professor da Politécnica, não é recontratado. Em 1972 Vilém deixa o Brasil. Inicialmente vive na Itália. Leva uma vida nômade, proferindo palestras, até que em 1981 ele e Edith, sua esposa, compram uma casa em Robion, na Provence e se estabelecem. Em 1983 ele publicou Filosofia da Caixa Preta. O livro foi um enorme sucesso com várias edições, sendo publicado em 14 idiomas diferentes. De idéias performáticas, Flusser manteve-se bastante ativo até o final de sua vida, escrevendo e ministrando conferências na área de Teoria da Comunicação. No dia 27 de Novembro de 1991, após conferência em Praga, sua cidade natal, Flusser morreu em um acidente de carro perto da fronteira alemã. Ele está enterrado no cemitério judaico daquela cidade.                                                              2 Fontes: Wikipedia. Disponível em . Acessado em 01 jan 2011. Site Flusser Studies. Disponível em . Acessado em 01 jan 2011. Tradução livre da autora.

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Em Menezes (2010) encontramos a sugestão de que “entre os diversos caminhos para o acesso a um autor e/ou sua obra destaca-se a leitura de sua autobiografia. O contato com Bodenlos: uma autobiografia filosófica, de Vilém Flusser, permite o acesso ao universo dialógico no qual viveu o filósofo tcheco naturalizado brasileiro...” (Menezes, 2010) Bodenlos em alemão significa “sem chão”, “sem fundamento”. Flusser em sua autobiografia assumiria sua condição de eterno migrante, de sujeito desenraizado de pátrias e de quaisquer sistemas. O pesquisador e estudioso da obra de Flusser, Norval Baitello Júnior, em artigo publicado no Japão – “Vilém Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as Dores do Espaço, a Fotografia e o Vento”3 – nos relata como seu orientador de doutorado na Alemanha trouxera Harry Pross, exilado de Praga, da mesma geração de Flusser, para lecionar na Universidade Livre de Berlim, e mais tarde, Flusser para sua primeira palestra, quando este já se encontrava estabelecido na França.

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Mas, mais do que ser brasileiro, Vilém Flusser era um “antropófago”4 da melhor estirpe: devorou a cultura brasileira da mesma maneira como a cultura brasileira devorou as culturas que aqui aportaram. Foi com as ferramentas da “Antropofagia” que Flusser passou a se deliciar com os mais diversos artefatos e fatos da mídia e seus desenvolvimentos. Foi o olhar do antropófago que fez Flusser enxergar muito à frente o cenário futurológico que apenas se descortinava. (BAITELLO, 2005, p.1)

Flusser observara que o homem havia vivenciado três catástrofes históricas: a hominização, com o uso de ferramentas de pedra; a civilização com a sedentarização, a criação das imagens tradicionais e a escrita que substitui o mundo; e a terceira catástrofe, ainda em curso, voltada ao nomadismo do espírito, das casas inabitáveis em decorrência da entrada pelos buracos do vento da informação e suas imagens técnicas, transmitidas pelas tomadas elétricas. Na chamada “escalada da abstração” elaborada por Flusser, a cada degrau ocorre redução de uma dimensão como abstrair significando subtrair. Do mundo tridimensional às pinturas rupestres bidimensionais, destas para a escrita unidimensional. Deste pensamento linear,                                                              3 Disponível em . Acessado em 01/jan/2011. 4 Norval refere-se aqui ao movimento de vanguarda histórica chamada “Antropofagia”. Movimento radical, desdobramento do Modernismo brasileiro, teve como um dos principais atores e autores Oswald de Andrade. O Movimento Antropofágico propunha, sob a metáfora da devoração, um procedimento radical de recepção crítica dos fluxos culturais, a contrapelo dos nacionalismos e igualmente a contrapelo dos colonialismos. A metáfora se funda nos relatos históricos dos primeiros viajantes europeus no Brasil sobre os indígenas canibais, sobretudo no livro do alemão Hans Staden, A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens (1548-1555).

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conceitual da escrita, surgem as bases que criam os aparelhos produtores das tecno-imagens. Não possuindo corporeidade, sendo fórmulas e algoritmos que se projeta em um suporte qualquer (papel, parede, garrafa, névoa) são nulodimensionais. Na relação com suas ferramentas, Flusser argumenta que na era pré-industrial, o homem era o centro das atividades, sendo sujeito da ação transformadora do mundo, se cercando de ferramentas. Na era industrial as máquinas passaram a ocupar o centro e o homem passa então a cercá-las em seu papel de trabalhador. Na terceira catástrofe, com o advento dos aparelhos, a lógica industrial é transformada: a máquina produtora das tecno-imagens é a parte menos onerosa e todos podem ter seu próprio equipamento. O valor se desloca assim para o seu programa, que previamente é dado pelo aparelho. Importante componente do pensamento de Flusser consiste na dúvida, pois ele tinha consciência de fazer parte da primeira ou segunda geração daqueles para os quais a dúvida da dúvida não seria mais um passatempo teórico, mas uma situação existencial. (Menezes, 2010). O mundo codificado 152 

Lançado em 2007 pela editora Cosac Naif, o livro organizado e introduzido por Rafael Cardoso reúne textos traduzidos por Raquel Abi-Sâmara. Rafael Cardoso apresenta Flusser como um dos maiores pensadores do século XX. Trata-se de uma obra fundamental para compreender o que pode ser chamado de ‘período europeu’... Este período é marcado pelo reconhecimento internacional e pelas inúmeras palestras que proferiu em diferentes países onde era convidado como ‘filósofo dos novos media’. (MENEZES, 2010, p. 28) O blog brasileiro5 que leva o nome da obra argumenta que ela é essencial para a formação de designers, sendo referência obrigatória para melhor entendimento da “encruzilhada entre a materialidade temporal e a imaterialidade eternizada à qual nossa cultura parece estar chegando”. Ressalta que os textos “trazem a marca da melhor produção do autor: são curtos, rápidos, claros, precisos, incisivos” e como afirma Cardoso na introdução “que ninguém se engane com a aparência amena dessa água, cuja superfície transparente esconde a profundidade vivente de um oceano!"                                                              5 Blog O mundo codificado: grupo de estudo do livro “o mundo codificado” de Vilém Flusser”. Disponível em . Acessado em 04/jan/2011.

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A obra é dividida em três grandes seções: coisas, códigos e construções. O presente artigo trata de parte da seção códigos, a saber, seus títulos e ano de publicação - O mundo codificado (1978), O futuro da escrita (1983-84), Imagens nos novos meios (1989), Uma nova imaginação (1990) – e da terceira seção, construções: Sobre a palavra design (1990), O modo de ver do designer (1991), Design: obstáculo para a remoção de obstáculos? (1988), Uma ética do design industrial? (1991), Design como Teologia (1990). O mundo codificado é aquele cujo significado geral da vida em si mudou sob o impacto da revolução na comunicação. As imagens pré-modernas são produtos de artesãos, pintores. As obras pós-modernas são produtos da tecnologia. Onde quer que se descubram códigos, pode-se deduzir algo sobre a humanidade. O mundo codificado que não significa mais processos, não conta história e em que viver nele não significa agir criou uma crise de valores na medida em que nós ainda continuamos sendo programados por textos. O que não ocorrerá com a nova geração que já é programada pelas imagens eletrônicas que nos circundam. Portanto existe ainda em nós uma ignorância quanto aos novos códigos. Devemos aprendê-los “senão seremos condenados a prolongar uma existência sem sentido em um mundo que se tornou codificado pela imaginação 153 

tecnológica. A decadência e a queda do alfabeto significam o fim da história, no sentido estrito da palavra.” (FLUSSER, 2007, p. 137) O futuro da escrita em face da crescente importância das mensagens não-escritas, o distanciamento em relação aos códigos lineares, que produzem a consciência histórica onde o tempo transcorre irreversivelmente do passado para o futuro, aponta em duas direções: Ou ela se tornará uma crítica da tecnologia (o que significa: um desmascaramento das ideologias escondidas atrás de um processo técnico que se tornará autônomo em relação às decisões humanas) ou se tornará a produção de pretextos para a tecnoimaginação (um planejamento para aquele progresso técnico). Na primeira alternativa, o futuro se tornará inimaginável por definição. Na segunda, a história, no sentido estrito do termo, caminhará para um fim, e poderemos facilmente imaginar o que se seguirá: o eterno retorno da vida em um aparato que progride por meio de sua própria inércia. (FLUSSER, 2007, p. 150)

As imagens tradicionais são resultantes da aplicação de um código específico e podem ser lidas por qualquer um que tiver qualquer familiaridade com o mesmo. Para ler e usar os códigos das imagens tradicionais é necessária imaginação. O problema colocado por Flusser consiste no esquecimento de que as imagens são instrumentos criados pelo homem para facilitar sua orientação pelo mundo. Imagens não é o mundo. O extremo domínio da imagem é chamado idolatria. O que há por detrás das imagens? As imagens nos novos meios, da maneira como Suelen d'Arc de Oliveira Ferreira

 

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funcionam hoje, transformam as imagens em verdadeiros modelos de comportamento e fazem dos homens, seus funcionários, meros objetos. “Mas os meios podem funcionar de maneira diferente, a fim de transformar as imagens em portadoras e os homens em designers de significados.” (FLUSSER, 2007, p. 159) Os meios podem ser dispostos diferentemente, ao invés de feixes que ligam o emissor a inúmeros receptores, como uma rede que conecta os indivíduos uns com os outros - não como a atual televisão, mas algo parecido a uma rede telefônica - podendo as imagens assim ser tecnicamente recebidas, reprocessadas e retransmitidas. No campo nas imagens de computador já ocorrem mudanças em relação ao transporte de imagens, mostrando ser possível neutralizar de modo técnico a soberania política, econômica e social vigente. A capacidade do homem de criar imagens parece ser algo próprio da espécie. Flusser distingue dois tipos de imaginação, ou antes, uma nova imaginação, diversa do gesto inaugural da criação de imagens. Não podemos afirmar que compreendemos essa fase da criação de imagens. A primeira fase de criação imagética consiste no afastamento do mundo objetivo em recuo abstrativo. A tradição teológica contestou o uso de imagens por acreditar que o ponto de 154 

vista a partir do qual se criam as imagens é ontológica e epistemologicamente duvidoso, duvidando-se da objetividade daquilo que é visto. Os códigos imagéticos são conotativos e, portanto não confiáveis como modelos de comportamento. As imagens, sendo mediações entre o indivíduo e o mundo objetivo, estão submetidas a uma dialética interna, ou seja, em vez de utilizar a circunstância expressa nas imagens como orientação no mundo objetivo, o homem emprega sua experiência concreta nesse mundo para se orientar nas imagens, a “idolatria”, cujo comportamento resultante é “mágico”. Entende-se então que as imagens devem ser proibidas porque necessariamente alienam o homem, o levam à loucura da idolatria e do comportamento mágico... podese defender um ponto de vista que evite a proibição de imagens. Pode-se dizer o seguinte: que não é possível se orientar no mundo sem que se faça antes uma imagem dele... Mas os argumentos contra as imagens estão corretos. Portanto não é oportuno que se proíba a criação de imagens, mas certamente é oportuno que as imagens produzidas sejam submetidas a crítica. (ibidem, p. 167)

A escrita linear foi criada no ocidente para explicar a imaginação, tornando as imagens transparentes de novo para o mundo dos objetos. Os pixels são elementos imagéticos isolados retirados da tela para serem ordenados numa sequência pictográfica, linhas unidimensionais e submetê-las a uma crítica que enumera, que conta, que critica o computador. Apenas uma Suelen d'Arc de Oliveira Ferreira

 

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imaginação totalmente calculada pode ser considerada explicada. O código numérico abandonou o código alfabético (retirada do pensamento que calcula do pensamento histórico e linear), livrando-se da obrigação de linearidade quando passou dos números para as informações digitais. Assim as imagens se tornaram completamente analisáveis e inviabilizaram as objeções das tradições filosóficas e teológicas. Portanto trata-se agora da abstração absoluta. Na computação a criação de imagens é o ajuntamento de elementos pontuais, calculados, projetados e concretizados sem o gesto da abstração nem de recuo. As imagens da imaginação de antes são bidimensionais porque foram abstraídas do mundo quadrimensional e as novas imagens são bidimensionais porque foram projetadas por cálculos adimensionais O propósito do ato criador anterior é fazer uma cópia de uma circunstância que possa servir de modelo para ações futuras. Essencialmente nas novas imagens busca-se situações inesperadas num campo de possibilidades dado, como nas equações fractais onde encontramos a estética pura. A nova imaginação se encontra num ponto de vista de abstração insuperável. A exigência que nos é colocada é a de saltar do nível de existência linear para um nível de existência totalmente abstrato, adimensional (para o “nada”). ... Independentemente de querermos ou não, a nova imaginação entrou em cena. E é uma ousadia empolgante: os níveis de existência que temos que galgar graças a essa nova imaginação promete-nos vivências, representações, sentimentos, conceitos, valores e decisões – coisas que até agora só pudemos sonhar, no melhor dos casos; essa ousadia promete colocar em cena as capacidades que até agora apenas dormitavam em nós.” (FLUSSER, 2007, p. 177)

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O design Sobre o design, Flusser lembra a funcionalidade da palavra como verbo e substantivo, argumentando que a palavra design ocorre em um contexto de fraudes e astúcias e que se encaixa na brecha ocorrida na cisão entre o ramo científico, técnico e o ramo estético, qualificador. Embora ele afirme que “...design significa aproximadamente aquele lugar em que arte e técnica (e, consequentemente, pensamentos, valorativo e científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma nova forma de cultura”(ibidem, p.184), logo em seguida salienta que os termos mencionados remetem ao engodo e malícia. Exemplificando a alavanca como uma antiga máquina simples, imitação do braço humano, potencialmente capaz de nos arremessar à lua, trapaceando a natureza e nos libertando de nossas condições naturais. “Este é o design que está na base de toda cultura: enganar a natureza por meio da técnica, substituir o natural pelo artificial e construir máquinas de onde Suelen d'Arc de Oliveira Ferreira

 

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surja um deus que somos nós mesmos... nos transformar de simples mamíferos condicionados pela natureza em artistas livres.” (ibidem) Avançando em seu raciocínio afirma que há uma desvalorização de todos os valores e analisa a caneta de plástico, atual suporte publicitário, em que se trata com desdém o material e o trabalho necessário para produzi-las: o trabalho, que em Marx era a fonte de todos os valores, a criatividade científica e econômica que tornaram possível aquele objeto. Para o autor tcheco, o design nos liberou para viver em modo cada vez mais bonito e artificial, e o preço pago é a renuncia à verdade e à autenticidade. Todos os artefatos adquirem o mesmo valor que as canetas de plástico: convertem-se em gadgets descartáveis. Neste ponto me lembro de Walter Benjamin e a sua Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica6 pois Flusser lamenta que com o design houve a perda do sentido de valorização do trabalho criativo e manufatureiro dos objetos, a exemplo de, ou como que sequenciando Benjamin com a reprodutibilidade e aura que envolvia as obras originais. O modo de ver dos designers é capaz de olhar através do tempo, em direção à eternidade, e de reproduzir o que foi visto desse modo para, por exemplo, projetar pontes, ou como na 156 

antiga Mesopotâmia: subiam no alto das montanhas e olhando na direção da nascente do rio previam secas e inundações, projetavam em argila os canais de irrigação e drenos. Flusser assemelha os designer à Deus, pois possuem uma espécie de olho-sentinela que os torna capazes de dar ordens a um robô para que transporte a eternidade intuída e manipulada para a temporalidade, como o que ocorre com a construção de foguetes. Na Mesopotâmia eram chamados profetas, mas hoje o designer “Graças a Deus não é consciente disso e considera-se um técnico ou um artista. Que Deus o possa conservar nessa fé” (ibidem, 2007:192). Existe o dilema de o design criar problemas para resolver problemas, cuja solução seria os objetos de uso constituir mediações entre um ser humano e outros homens, e não meros objetos.                                                              6 A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica é um ensaio de Walter Benjamin, foi publicado em 1936, e discute as novas potencialidades artísticas decorrentes da reprodutibilidade técnica. Em épocas anteriores a experiência do público com a obra de arte era única e condicionada pelo que ele chama de aura, isto é, pela distância e reverência que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe ao observador. O aparecimento e desenvolvimento de outras formas de arte, (começando pela fotografia), em que deixa de fazer sentido distinguir entre original e cópia, traduz-se assim no fim dessa «aura». Isto libera a arte para novas possibilidades, tornando o seu acesso mais democrático.. Fonte: Wikipédia. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Obra_de_Arte_na_Era_de_Sua_Reprodutibilidade_T%C3%A9cnica, acessado em 17 jan. 2011.

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A questão colocada é sobre a capacidade de configurar projetos de modo que os aspectos comunicativo, intersubjetivo e dialógico sejam mais enfatizados do que o aspecto objetivo, objetal, problemático. Contudo, os objetos de uso são obstáculos necessários para que se progrida, e quanto mais necessário, maior o consumo. Com o consumo, o projeto que os lançou se extingue. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, toda matéria tende a perder a sua forma, informação. Assim se dá com os objetos de uso imaterial, sendo descartados. As formas se tornam cada vez mais efêmeras, o que sugere maior descarte e, portanto, uma possibilidade futura de criação mais responsável, resultando em uma cultura onde os objetos de uso significariam cada vez menos obstáculos e cada vez mais veículos de comunicação entre os homens. Assim, precisase pensar a ética no design, senão “... o nazismo, a guerra do Golfo e fenômenos parecidos haverão de representar unicamente os primeiros estágios da destruição e da autodestruição” (Flusser:2007,204) CONSIDERAÇÕES FINAIS 157 

Em “O mundo Codificado” Flusser sedimenta os principais conceitos sobre as novas mídias. Os últimos textos escritos por ele antes de morrer alia religiosidade, o sacro, e o design, atribuindo ao ocidente, a ciência e a tecnologia, e ao oriente, a aproximação estética e pragmática da vida, e que agora, as duas culturas, antes excludentes, se fundem entre si, a exemplo dos códigos binários dos computadores. E contextualiza a hipótese de que, ao analisar um rádio de mão com design japonês, estaremos diante de um design “expressão de um cristianismo judaico ‘elevado’”; de um budismo “elevado”. Não encontramos na obra nenhuma alusão ao sentido da audição, o que demandaria uma análise mais extensa do assunto já que a comunicação sonora é tão importante e, embora vivenciemos um período de invasão das imagens técnicas, o rádio ainda é o meio de comunicação mais acessível, econômico e portátil. E em épocas de internet transportando uma enormidade de vídeos ao redor do globo terrestre, já se ouve alardes de que, pelo menos nas corporações, conforme se pode observar no artigo “Vídeos e mídias sociais pressionarão redes corporativas em 2011”, afirmação de que há que se economizar na “banda”, o que sugere que, em algum momento possa haver uma necessidade de triagem desse conteúdo audiovisual transportado indiscriminadamente e, parte dele, venha a ser convertido para a comunicação sonora, promovendo uma retomada do uso comunicacional das rádios e podcasts digitais, que utiliza um espaço ínfimo dentro do espectro da rede. Suelen d'Arc de Oliveira Ferreira

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAITELLO JÚNIOR, Norval. Vilém Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as Dores do Espaço, a Fotografia e o Vento. 2005. Disponível em . Acessado em 01/jan/2011. Blog “O mundo codificado: grupo de estudo do livro “o mundo codificado” de Vilém Flusser”. Disponível em http://vilemflusser.blogspot.com , acessado em 04/jan/2011. Dicionário da comunicação. Ciro Marcondes Filho (org.). São Paulo: Paulus, 2009. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Rafael Cardoso (org). Tradução: Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac Naify, 2007. MENEZES, José Eugenio de O. “Para ler Vilém Flusser”, in Líbero. São Paulo, v.13, nº25, p.1930, jun. de 2010. OLIVEIRA, José Marcos. “Vídeos e mídias sociais pressionarão redes corporativas em 2011”, in 158 

Portal Telesíntese. Disponível em www.telesintese.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16586:videos-emidias-sociais-pressionarao-redes-corporativas-em-2011&catid=18&Itemid=1139 , acessado em 18 jan. 11 Site Flusser Studies. Flusser Flusser. Disponível em www.flusserstudies.net/pag/flusser.htm. Acessado em 01/ jan/2011 (Tradução livre da autora) WIKIPÉDIA. Vilém Flusser. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vil%C3%A9m_Flusser. Acessado em 01/jan/2011.

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