erros de diagnóstico - Universidad de Murcia

Máster Universitario en Gestión de la Calidad en los Servicios de Salud. Curso 2010/2012 Departamento de Ciencias Sociosanitarias Facultad de Medicina...
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Máster Universitario en Gestión de la Calidad en los Servicios de Salud. Curso 2010/2012 Departamento de Ciencias Sociosanitarias Facultad de Medicina

TITULO DEL TRABAJO FINAL DE MÁSTER: Erros de Diagnóstico

Tutor: D. Pedro J. Saturno Hernández Cotutor: Dr Zenewton Andre Da Silva Gama

Alumno: Luis Manuel Barreto Campos

INDICE RESUMO / ABSTRACT 1.

INTRODUÇÃO

4

2.

OBJECTIVOS

5

3.

METODOLOGIA

6

4.

EPIDEMIOLOGIA DOS ERROS

6

5.

AS CAUSAS

8

5.1.

Erros Sem Culpa

12

5.2.

Quando a Culpa é do Doente…

13

5.3.

Quando a Culpa é do Sistema…

14

5.4.

Factores Ligados às Características dos Médicos

14

5.5.

Falhas de Conhecimento

15

5.6.

Factores Heurísticos

16

5.7.

Não Escutar, Não Observar

17

5.8.

Não Pedir Exames ou Pedir os Exames Errados

19

5.9.

Erros na Consideração das Hipóteses Diagnósticas

20

5.10.

Consultas de Corredor

20

5.11.

Relatórios Errados

21

5.12.

Erros na Detecção de Anomalias

23

5.13.

Falta de Registos Clínicos ou de os Rever

24

5.14.

Actuar Fora da Área de Expertise

25

5.15.

Quando Tudo Falha

26

6.

ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR O DESEMPENHO DIAGNÓSTICO

27

7.

AS MENSAGENS MAIS IMPORTANTES

30

8.

REFERÊNCIAS

32

ERROS DE DIAGNÓSTICO LUÍS CAMPOS

RESUMO Os erros de diagnóstico são o lado mais submerso do iceberg dos erros médicos, os mais subavaliados e onde a literatura é mais escassa, provavelmente pela sua invisibilidade e difícil avaliação e, no entanto, aparecem em 10 a 15% dos estudos de autópsia, são a causa mais frequente de litigação por erro médico, estão associados a negligência em três quartos dos casos e provocam dano na maioria dos doentes. Os erros de diagnóstico podem ser diagnósticos errados, perdidos, atrasos no diagnóstico, falhas na apreciação da gravidade ou na detecção de complicações. O instrumento de classificação mais usado é o Diagnostic Error Evaluation and Research (DEER), proposto pela Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), o qual identifica 32 causas principais de erros diagnósticos, que segmenta em sete grupos, conforme a fase do processo diagnóstico em que ocorre. No entanto esta classificação deve ser complementada com uma análise dos factores humanos e dos relacionados com o sistema implicados em cada erro concreto. São, de seguida analisadas as principais causas que conduzem ao erro diagnóstico, salientando, que neste tipo de erros, as causas cognitivas são mais frequentes do que as relacionadas com o sistema, mas na maioria dos casos coexistem. Salienta-se a reduzida literatura no que concerne a identificação das melhores estratégias para reduzir os erros de diagnóstico, mas destaca-se a necessidade de conhecer a dimensão do problema ao nível dos serviços, dar feed back aos profissionais, promover a formação clínica mas também sobre os mecanismos cognitivos envolvidos no erro, utilizar os líderes de opinião, proporcionar o acesso a fontes de informação quando os médicos estão com os doentes, utilizar as ferramentas das tecnologias de informação e comunicação. Enfatiza-se a importância da promoção de uma cultura de segurança como importante factor condicionador para o desenvolvimento institucional de estratégias para melhoria do desempenho diagnóstico.

ABSTRACT Errors in diagnosis are the deepest side of the submerged iceberg of medical errors, the most undervalued and where the literature is scarce, probably due to its invisibility and difficult to evaluate and, however, appear in 10-15% of autopsy studies, are the most frequent cause of malpractice litigation, are associated with neglect in three quarters of cases and cause damage in most patients. Diagnostic errors may be misdiagnoses, lost, delayed diagnosis, failure in assessing the gravity or the detection of complications. The instrument most widely used for classification is the Diagnostic Error Evaluation and Research (DEER), proposed by the Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ), which identifies 32 leading causes of diagnostic errors and segments into seven groups according to stage of the process diagnosis where it occurs. However, this classification should be complemented with an analysis of human factors and system-related errors involved in each concrete case. The main causes that lead to errors in diagnosis are analysed, noting that, in this type of errors, cognitive causes are more frequent than those related to the system, but in most cases coexist. We emphasize the limited literature regarding the identification of the best strategies to reduce diagnostic errors, but highlights the need to ascertain the extent of the problem at the level of services, give feedback to professionals, to promote clinical training but also formation about the cognitive mechanisms involved in error, using opinion leaders, provide access to sources of information when the doctors are with patients and using the tools of information and communication technology. We emphasize the importance of promoting a safety culture as an important conditioning factor for the development of institutional strategies for improving diagnostic performance.

1.

INTRODUÇÃO

Os hospitais são palco de uma fantástica actividade traduzida, no ano de 2010, e em Portugal, em cerca de 10 milhões de consultas, mais de 814 mil doentes internados e mais de 510 mil cirurgias, isto apenas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Toda esta actividade é cada vez mais complexa, mais tecnológica, mais sofisticada, em doentes únicos e irrepetíveis, num ambiente estrutural e organizativo também complexo, com profundo impacte nos resultados. Assim, o erro é inerente à natureza da actividade hospitalar, Edgar Morin diz mesmo que a falibilidade é uma característica da natureza humana e um factor de crescimento (Morin E, 1999). Na realidade, a competência vem da experiência mas também da aprendizagem com os erros cometidos. Apesar deste pano de fundo as questões relacionadas com a segurança dos doentes passaram para a primeira linha das preocupações dos sistemas de saúde e existe o reconhecimento generalizado de que os doentes têm direito a que os profissionais e as instituições minimizem, por todos os meios, a probabilidade de os erros acontecerem e os profissionais têm o dever de se empenharem neste objectivo. O facto é que, em alguns hospitais e em relação a alguns tipos de incidentes de segurança, como são agora designados este tipo de eventos (WHO, 2009), já foi possível chegar ao objectivo zero. Há que reconhecer que, enquanto em determinadas actividades de risco, tem havido um notável progresso na segurança das pessoas, na saúde, e em particular nos hospitais, esse progresso tem sido muito mais lento. O risco de morte no hospital por erros ou complicações iatrogénicas é de cerca de uma morte por 300 internamentos, enquanto que o risco de morte, quando se entra num avião, é de uma morte por cada 6 milhões de passageiros, segundo as estatísticas de 2011 (IATA, 2012). Em média cerca de 10% dos doentes internados sofre eventos adversos, dos quais 0,5% provocam danos irreversíveis e 70% poderiam ser evitados (Brennan TA, 1991). Que tipo de erros são estes? Os diferentes tipos de erros podem ser agrupados em várias categorias, conforme a fase do processo em que decorrem: em primeiro lugar os erros de diagnóstico, os erros de tratamento, incluindo os que ocorrem na decisão ou na execução técnica, de seguida, os erros preventivos que englobam não só as falhas na profilaxia mas também as de monitorização e, finalmente, outros erros, como sejam os de comunicação, falhas no equipamento ou do próprio sistema.

4

Os erros de diagnóstico, enquanto outcomes intermédios, podem ser um diagnóstico errado, um diagnóstico perdido ou um atraso no diagnóstico (Schiff GD, 2009). As falhas na apreciação da gravidade e na detecção de complicações são também referidas nas grelhas de avaliação de erros de diagnóstico mas não enquanto outcomes (Schiff GD, 2005), mas, na minha perspectiva, são também outcomes intermédios. Os outcomes finais são o impacte que teve na saúde do doente. A nossa percepção é que os erros de diagnóstico são o lado mais submerso do iceberg dos erros médicos, os mais subavaliados e onde a literatura é mais escassa, provavelmente pela sua invisibilidade e difícil avaliação. Na realidade o relatório To Err is Human, do Institute of Medicine, apenas menciona os erros de diagnóstico duas vezes enquanto se refere 70 vezes aos erros de medicação (Wachter RM, 2010). No entanto, estima-se que morram anualmente 80.000 pessoas nos EUA por erros de diagnóstico (Shojania KG, 2003). Outros autores têm encontrado taxas de ocorrência de erros de diagnóstico entre 10 a 15% de estudos de autópsia, as quais não têm melhorado ao longo das últimas décadas (Goldman L, 1983; Kirch W, 1996; Sonderegger-Iseli K, 2000; Shojania KG, 2003). Os erros de diagnóstico são, nos EUA, os mais relacionados com negligência (75%) (Leape, 1991) e são o motivo mais frequente de litigação nos tribunais (26%), seguido dos erros cirúrgicos (23%), obstétricos (7%) e por medicação (5%) (CRICO, 2012). A consciência destes números, em parte impulsionada pelas séries de televisão, como o Dr. House, que fizeram da arte do diagnóstico o principal guião dos episódios, começam a fazer emergir os erros de diagnóstico como uma área importante da segurança

2.

OBJECTIVOS

São objectivos deste trabalho: a). Rever a literatura relevante sobre erros de diagnóstico; b). Definir erro de diagnóstico, caracterizar a sua epidemiologia e identificar opções de classificação; c). Apontar as principais causas de erros de diagnóstico, dando exemplos pessoais que ilustrem algumas das causas mais comuns; d). Identificar estratégias que melhorem o desempenho diagnóstico:

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e). Propôr um conjunto de recomendações que sintetizem as principais medidas para prevenir os erros de diagnóstico.

3.

METODOLOGIA

Reviram-se as principais bases de dados de bibliografia médica, como sejam a Medline Data Base, Cochrane, Google académico, com os tópicos: erros de diagnóstico, epidemiologia dos erros de diagnóstico, causas de erros de diagnóstico, estratégias para prevenir erros de diagnóstico. Reviram-se ensaios clínicos, estudos epidemiológicos, revisões e meta análises. Reviram-se também as referências dos principais artigos para encontrar artigos adicionais. Consultaram-se alguns dos sites mais relacionados com a segurança dos doentes, como sejam http://www.nrls.npsa.nhs.uk; http://www.who.int/patientsafety; http://www.ahrq.gov

4.

EPIDEMIOLOGIA DOS ERROS

Qual a epidemiologia destes erros? A ocorrência destes erros é muito variável, conforme as áreas de cuidados e os métodos de avaliação. Segundo o estudo pioneiro de Harvard, os erros mais frequentes são da área cirúrgica (47,7%), seguidos dos erros com fármacos, incluindo os não preveníveis como as alergias (19,4%), erros de diagnóstico (8,1%), erros na terapêutica (7,5%), resultantes de procedimentos (7,0%), quedas (2,7%) e outros (7,6%) (Leape, 1991). A análise detalhada dos erros diagnósticos permite concluir, no mesmo estudo (Leape, 1991), que em 55% dos casos houve um atraso evitável no diagnóstico, em 50% houve omissão de testes que estavam indicados, em 32% dos casos houve falhas na actuação perante os resultados de exames efectuados, em 6% das situações os médicos estavam a actuar fora da sua área de expertise, em 1% houve uso de testes inadequados para a situação, 10% deveramse a outras razões e em 5% a causa não foi aparente. Num estudo que reviu processos judiciais por má prática médica no ambiente ambulatório, em três regiões dos EUA, 59% estava relacionada com erros de diagnóstico que causaram dano aos doentes, resultando mesmo em morte em 30 % dos casos. O cancro foi o diagnóstico mais falhado (59%), sendo que 41 % dos cancros eram da mama e 22% colo-rectais. As falhas mais comuns foram a não prescrição de exames complementares em 55% dos casos, falhas no

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follow-up (45%), falhas na recolha da história ou no exame objectivo (42%) e incorrecta interpretação de testes diagnósticos (37%) (Gandhi TK, 2006). No Serviço de Urgência dum hospital de Valência, a revisão de 61 autópsias revelou discrepâncias major entre os diagnósticos de autópsia e os diagnósticos clínicos em 26,2% dos casos, sendo os tumores malignos, pancreatite hemorrágica e colite isquémica os diagnósticos mais esquecidos (Balaguer Martinez JV, 1999). Também nós, no Serviço de Urgência do CHLO, conduzimos um estudo semelhante, revendo 54 autópsias dos 885 óbitos ocorridos entre 2003 e 2005, e concluímos que em 72% dos doentes tinham sido feitos diagnósticos clínicos errados, dos quais 41% tinham contribuído para a morte. Os diagnósticos post-mortem mais frequentes são apresentados no gráfico 1. (Monteiro M, 2005).

Diagnósticos post-mortem mais frequentes ENFARTE AGUDO DO M IOCÁRDIO 29,30% 12% 9,80%

ANEURISM A DA AORTA EM RUPTURA HEM ORRAGIA DIGESTIVA ALTA

9,80% EM BOLIA PULM ONAR 0%

10%

20%

30%

Gráfico 1 – Diagnósticos post-mortem mais frequentes (Monteiro M, 2005).

Uma análise feita por Schiff (Schiff GD, 2009) a 583 causas de erro reportadas pelos médicos, concluiu que 23% desses erros eram erros major e os diagnósticos perdidos ou atrasados mais frequentes foram a embolia pulmonar (4,5%), reacções a fármacos ou overdose (4,5%), cancro do pulmão (3,9%), cancro colorectal (3,3%), síndrome coronário agudo (3,1%), cancro da mama (3,1%) e Acidente Vascular Cerebral (2,6%).

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5.

AS CAUSAS

Na análise das causas de erro, o factor humano é geralmente considerado responsável por 60 a 70% dos incidentes de segurança, sendo os restantes 20 a 30% imputados à organização ou ao sistema, mas, muitas vezes, é difícil separar as responsabilidades de uns e de outros e coexiste uma conjunção de factores. Existem vários modelos para analisar os factores que contribuem para os incidentes de segurança (Reason J, 2000; Battles JB, 2003; Saturno PJ, 2008). Saturno diferencia as falhas humanas, que podem ser intencionais ou não intencionais (conhecimentos, aptidões, lapsos), das falhas do sistema, que Reason designa de latentes. Estas resultam de problemas de estrutura (edifícios, recursos humanos, equipamentos) ou de problemas de organização e de planeamento dos processos. No caso das causas dos erros de diagnóstico uma proposta simplificada de taxonomia divide as causas em três grandes categorias: erros sem culpa, por apresentações atípicas das doenças ou por factores ligados aos doentes; erros relacionados com o sistema, por falhas técnicas, problemas com os equipamentos ou com a organização e erros cognitivos, seja por falhas de conhecimento, na recolha de dados ou falhas de síntese (Graber ML, 2005). Num estudo do mesmo autor, 46% dos erros devem-se a causas combinadas relacionadas com o sistema e cognitivas, 28% devem-se apenas a causas cognitivas e 19% apenas relacionadas com o sistema. No conjunto dos erros encontram-se causas cognitivas em 74% dos erros e causas relacionadas com o sistema em 65%. Em média foram identificados 5,9 factores por erro. Esta proporção está dependente do modelo de identificação dos erros: os erros identificados por autópsia envolvem factores cognitivos em 90% dos casos e relacionados com o sistema em 10% dos casos. Os erros sem culpa, sem co-existência de outros factores, constituem apenas 7% dos casos, mas factores deste tipo encontraram-se em 44% dos erros (Graber ML, 2005). Dos 215 factores que, no estudo de Graber, contribuíram para os 74% dos erros de diagnóstico em que há falhas cognitivas, 11 (5%) devem-se a falhas de conhecimento, 45 (21%) devem-se à insuficiente recolha de informação, seja na colheita da história ou no exame objectivo (10-5%) ou na omissão de exames que deviam ser pedidos (10-5%), 159 (74%) a falhas no processamento da informação recolhida, como sejam erros de interpretação de sintomas, sinais ou exames, sobre ou subestimação de determinados achados, falhas ou atrasos na detecção de anomalias nos exames complementares, na consideração de hipóteses diagnósticas, entre outras e,

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finalmente, 106 (49%) por falhas na monitorização, seja na possibilidade de outros diagnósticos, na reobservação do doente, na referenciação e na reavaliação de dados que podem pôr em causa diagnósticos prévios (Graber ML, 2005). A Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) americana criou um instrumento de classificação dos erros diagnósticos a que chamou Diagnostic Error Evaluation and Reseach (DEER) (Schiff GD, 2005). Esta grelha de avaliação identifica 32 causas principais de erros diagnósticos, que segmenta em sete grupos: dificuldades no acesso, na história clínica, no exame objectivo, na formulação das hipóteses diagnósticas, priorização, identificação da gravidade e reconhecimento das complicações, no pedido, execução ou interpretação de exames complementares, na referenciação e no follow up. Schiff utilizou o instrumento DEER (Tabela 1) para analisar 583 causas de erro reportadas pelos médicos e concluiu que os erros ocorreram na fase de testes (falhas na requisição, relatório ou monitorização de exames laboratoriais) em 44% dos casos, na consideração de hipóteses diagnósticas em 32%, na colheita da história em 10%, no exame físico em 10% e no atraso ou não referenciação do doente em 3% (Schiff GD, 2009). Esta ferramenta de análise de causas de erro diagnóstico é útil e intuitiva porque mapeia os vários passos do processo de diagnóstico e caracteriza os tipos de falhas, mas é descritiva e longitudinal, não aprofundando a verdadeira causa das falhas, analisa o quando e o quê mas não o porquê. Seria interessante cruzar esta análise numa grelha a duas dimensões que juntasse linearidade com profundidade, descrição com interpretação.

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Tabela 1 – Classificação de erros diagnósticos em 583 casos reportados por médicos, utilizando o instrumento DEER para a localização de onde ocorreu o erro no processo diagnóstico (adaptado de Schiff GD, Hasan O, Kin S et al. Diagnostic Error in Medicine. Analysis of 583 Physician Reported Errors. Arch Intern Med 2009; 169: 1881-1887) Fase do Processo Diagnóstico

O que correu mal

Nº de casos em cada categoria (N=583) 0-19

1. Acesso/Apresentação

Falha/atraso na apresentação Falha/negado acesso aos cuidados

• •

2. História

Falha/atraso na chegada à parte crítica de dados da história Interpretação imprecisa/errada Falha na ponderação Falha/atraso no acompanhamento

• • •

3. Exame Físico

4. Exames (Lab./Radiológicos)



Falha/atraso no encontro do exame físico crítico Imprecisão/má interpretação Falha na ponderação Falha/atraso no acompanhamento

• • •

Pedido Falha/atraso no pedido dos exames necessários Falha/atraso na realização dos exames pedidos Erro em testes sequenciais Pedido de exames errados Exame pedido de forma errada

• • • •

Performance Amostra inconclusiva/ rótulo errado Erros técnicos/processamento pobre do espécimen (teste) Leitura errada do exame - 10 -

20-39 40-59 60-79 80-99 100-119

..•



• • •

Fase do Processo Diagnóstico

O que correu mal

Nº de casos em cada categoria (N=583) 0-19

5. Avaliação

20-39 40-59 60-79 80-99 100-119

Falha/atraso na informação do resultado do exame ao médico



Processamento clínico Atraso/ falha no acompanhamento de resultados anormais Erro na interpretação clínica do exame





Geração de hipóteses Falha/atraso em considerar o diagnóstico Subaproveitamento/Ponderação/Priorização Pouca consideração / peso dado ao diagnóstico Demasiada importância a diagnósticos concomitantes

• • •

Reconhecimento de urgência/complicações Falha/atraso no reconhecimento e peso de urgências Falha/atraso no reconhecimento e peso de complicações

• •

6. Referenciação/Consulta

Falha/atraso na referenciação Falha/atraso no agendamento da referenciação Erro na consulta de diagnóstico Falha/atraso na comunicação/consulta de follow-up

• • • •

7. Follow-up

Falha na referenciação do doente para um contexto seguro para monitorização Falha/atraso no acompanhamento oportuno/reverificação do doente

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• •

Vamos de seguida analisar alguns dos factores mais comuns, sem ser exaustivos, tentando ilustrar com exemplos. 5.1.

Erros Sem Culpa

A Medicina tem os seus próprios limites e uma grande área de penumbra: 30 a 40% do que fazemos não tem evidência a sustentá-lo. Esta falta de evidência deriva das dificuldades dos ensaios em doenças raras, em áreas que não são apelativas para a indústria farmacêutica, pelo facto de 50% dos nossos doentes reais não serem elegíveis para ensaios clínicos ou ainda porque os ensaios não dão respostas para cada doente em particular, que se apresenta com objectivos vitais próprios a que é preciso atender e com um conjunto variado de doenças que necessitam de uma resposta holística. Depois, há doenças que se vêm a revelar aglomerados de doenças diferentes, manifestações específicas que correspondem a doenças ainda não identificadas, quadros atípicos, síndromes de sobreposição e apresentações indiferenciadas que vêm a evoluir para quadros completos e típicos, outras que não. Há muitos gestos e achados no exame objectivo que têm baixa sensibilidade e especificidade. Estas dificuldades encontram-se em 33% dos casos de erros diagnósticos (Graber ML, 2005). O mesmo se passa com os exames complementares. Muitos deles têm ainda baixa sensibilidade ou especificidade, o que origina muitos falsos negativos ou falsos positivos. Tomemos o exemplo da mamografia: um em cada quatro casos o cancro da mama é detectado após uma mamografia normal (Fenton JJ, 2007), e a probabilidade de uma mulher ter uma mamografia com um falso positivo ao fim de dez mamografias, ao longo de dez anos, é de 50%, das quais um terço será submetida a uma biópsia desnecessária (Elmore JG, 1998). Finalmente existem os problemas referentes à definição de uma certa doença, que assenta num sistema binário de existência ou não existência dessa doença, quando muitas doenças como a diabetes, a hipertensão, a dislipidémia, a obesidade, a depressão, entre outras, assentam na definição mais ou menos arbitrária de um cut-point numa escala de medida contínua, que tem variado ao longo do tempo. Estes cut-points não refletem a biologia da doença, induzem de forma falsa a existência de dois grupos homogéneos de cada lado do cut-point, não incorporam outros factores de risco e são independentes da preferência dos doentes. Daí que, em certos casos alguns autores advoguem falar-se de predição de risco em vez de diagnóstico (Vickers AJ, 2008).

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5.2.

Quando a Culpa é do Doente…

Dentro dos erros sem culpa, entenda-se, para o médico, existem os erros atribuíveis ao doente, englobados no grupo 1 do DEER, ou porque o doente oculta dados de história relevantes como sejam comportamentos de risco, ou sinais físicos significativos, às vezes por pudor, porque não faz exames pedidos ou não volta no timing recomendado pelo médico. Muitas vezes os doentes, em vez de recorrerem ao seu médico assistente, seja clínico geral ou internista, recorrem erradamente ao sub-especialista de órgão, por presunção de que uma determinada queixa está relacionada com um órgão específico, perdendo tempo que pode ser precioso e desperdiçando recursos. Diz o aforismo: “escolhe o especialista e escolherás a doença”. Existem muitos casos destes em que os doentes nos aparecem com sacos plásticos carregados de exames e dossiers de análises, depois de passarem por numerosos especialistas e especialidades durante meses ou anos a fio, porque ouviram falar nuns especialistas chamados internistas, tipo Dr. House, capazes de pôr tudo junto e fazerem diagnósticos difíceis. Há uns anos apareceu-me na minha consulta um homem de, 33 anos empregado de mesa com queixas de epigastralgias, pirose, vómitos pós-prandiais e emagrecimento, agravando-se progressivamente nos últimos três anos. O doente já tinha recorrido a vários especialistas, entre os quais de gastrenterologia e de cirurgia geral, mas era a primeira vez que vinha a medicina interna. Já trazia vários exames como um Rx do esófago, estômago e duodeno, endoscopia alta com biópsia e avaliação funcional do esófago, que permitiu evidenciar esofagite de grau III, úlcera esofágica, hérnia do hiato e ausência de peristalse no corpo esofágico. Nos antecedentes, o doente referia um internamento prolongado na infância, tendo sido sujeito a pneumectomia esquerda e saído com os diagnósticos de Estenose Brônquica Congénita, Bronquiectasias Saculiformes, Pulmão Poliquístico, Megaesófago, Estômago em Cascata, Megadolicocolon e Bronquite Crónica. Na história relatava dificuldade de cicatrização com formação de cicatrizes hiperpigmentadas, hiperlaxidão articular, afectando outros membros da família, miopia, asma brônquica e pneumonias de repetição, as quais originaram vários internamentos. No exame objectivo, além de se terem observado as cicatrizes “em boca de peixe” e a hipermobilidade articular, detectou-se ainda um hábito marfanóide, aracnodactilia e unhas em vidro de relógio. O estudo oftalmológico não demonstrou subluxação ou luxação do cristalino, tendo-se comprovado a existência de miopia. O estudo cardiovascular não revelou anomalias. Foi então feito o diagnóstico de síndrome de Hipermobilidade Marfanóide, uma entidade rara que conjuga

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algumas características da síndrome de Marfan com outras sugestivas da síndrome de EhlersDanlos. 5.3.

Quando a Culpa é do Sistema…

Os factores relacionados com o sistema encontram-se na maior parte dos erros de diagnóstico (Graber ML, 2005; Weinberg NS, 1998), e devem-se, como se disse, a falhas técnicas, problemas com os equipamentos ou com a organização. Os problemas com equipamentos podem ser por avarias, descalibragem ou simplesmente pela falta destes equipamentos. Nos erros relacionados com o sistema penso que é mais claro dividi-los em problemas de estrutura e de processos. Nos primeiros incluem-se os problemas com os equipamentos mas também com as instalações, o número e competência dos profissionais e o financiamento. É que as opções de design podem facilitar ou dificultar, por exemplo, a comunicação e o trabalho em equipa, o tipo de financiamento pode induzir ou inibir, por exemplo, o pedido de exames complementares e o número e competência dos médicos adequados ao lugar e à carga de trabalho pode ser fundamental. As falhas de organização podem dever-se a múltiplos factores como sejam problemas de comunicação, de trabalho em equipa, de supervisão, de coordenação, de existência de políticas e protocolos, do desenho dos processos, da formação e da liderança, entre outros. 5.4.

Factores Ligados às Características dos Médicos

As causas cognitivas estão envolvidas em cerca de três quartos dos erros de diagnóstico e é nestas que nos vamos concentrar. Na avaliação do factor humano estão englobadas características que são mais estruturais, como sejam a idade, o estado físico, as qualificações, a experiência, a personalidade, a carga de trabalho, o contexto institucional e a forma de remuneração ou incentivos, outras são o conhecimento e a aptidão e um terceiro grupo de características são mais comportamentais, como sejam o sentido da oportunidade, o senso, a intuição e a capacidade de comunicação. Para além destas existem naturalmente outras, das quais destaco uma, que em inglês se designa por concern, e em português tem difícil tradução, mas que se refere a um genuíno interesse pelo doente, uma inquietação instalada, uma preocupação por aquela pessoa em particular e pela consciência de que tudo fizemos para compreender a (s) doença (s) o melhor possível e por as tratar segundo o estado da arte.

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Algumas destas condicionantes são difíceis de definir e avaliar, mas algumas estão estudadas: a experiência e o volume de casos melhoram os resultados em muitos procedimentos, a mortalidade por colecistectomia, por exemplo, aumenta 28% quando se realizam menos de 109 cirurgias/ano, (Posnett J, 2002) mas, de acordo com a maioria dos estudos, depois de se atingir um pico na performance, a tendência, com a idade, é uma diminuição do conhecimento e do desempenho (Choudry NK, 2005). A influência da carga de trabalho está bem documentada: a privação de sono aumenta as relações de tensão, os acidentes de automóvel (2,5-3 x) e o mau humor, enquanto diminui as capacidades de aprender e desempenhar tarefas. Uma Heavy call (80-90 h / semana) é equivalente a uma concentração de álcool no sangue entre 0,04 g% a 0,05 g % (Arnedt JT, 2005) e aumenta o risco de erros de diagnóstico 5,6 vezes (Landrigan CP, 2004). Também a relação entre capacidade de comunicação e outcomes está bem estudada, de que um dos exemplos é a sua influência na adesão à medicação (Stavropoulou C, 2011). 5.5.

Falhas de Conhecimento

O conhecimento duplica em Medicina cada quatro a seis anos e a cada dez anos metade do que sabemos estará errado (Poynard T, 2002). Em cada ano são feitos 10.000 ensaios randomizados e a Medline coloca mais de 700.000 artigos online (Sabbatini RME, 2001). Se o médico não fizesse mais nada senão ler e conseguisse ler dez artigos completos por dia, seis dias por semana, demoraria dois meses a ler os artigos que saem num só dia. Ou seja, é impossível a qualquer médico manter-se actualizado em qualquer área do conhecimento e a incerteza é mais natural em medicina do que a certeza. Num estudo feito por nós sobre a prevalência das dúvidas em 324 consultas médicas de Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna e sub-especialidades médicas, encontrámos um total de 249 dúvidas em 92 das consultas (28%), sendo que as mais frequentes foram relativas à terapêutica farmacológica (28%), seguido das dúvidas relativas à interpretação da sintomatologia do doente. Verificou-se que, apesar de 92% dos profissionais ter acesso a bibliografia de secretária sobre fármacos e 85% ter acesso à internet, a discussão das dúvidas com outro médico foi a forma preferencial de resolução. No final das consultas, os médicos reconhecerem que adiaram dúvidas em 22 ocasiões (24%) (Fernandes D, 2009). Apesar do que foi dito as falhas de conhecimento só têm sido implicadas na origem de uma minoria dos erros de diagnóstico (Weinberg NS, 1998). No estudo de Graber apareciam implicados em 4% dos erros (Graber ML, 2005).

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5.6.

Factores Heurísticos

Os erros na consideração das hipóteses diagnósticas nem sempre acontecem por falhas de conhecimento, existem armadilhas que, de forma sistemática, propiciam estes erros. A psicologia cognitiva, a ciência que estuda a forma como as pessoas raciocinam, formulam julgamentos e tomam decisões é fundamental para a compreensão destas condições. Muitos dos erros, nesta fase, ocorrem por atalhos de raciocínio, chamados heurísticos (Tversky A, 1973) ou, mais recentemente de Disposição Cognitiva para Responder (DCR), de que estão descritas mais de 30 diferentes (Croskerry P, 2002). A heurística de disponibilidade, em que o médico faz o diagnóstico por semelhança com casos passados, sem consultar a verdadeira epidemiologia dos achados em casuísticas significativas, é uma das mais frequentes. Depois temos a heurística de ancoragem, em que o médico se fica pelas primeiras impressões, não atendendo a alguns sinais dissonantes e facilitando o follow-up. Este tipo de armadilha terá sido o que esteve em causa no caso clinico exposto no parágrafo referente à consideração das hipóteses diagnósticas. Em terceiro lugar temos o efeito de enquadramento, em que o mesmo quadro clínico pode levar a diferentes decisões, conforme a informação é apresentada ou enquadrada. É a velha questão do copo meio cheio ou meio vazio. Existe aqui geralmente um problema de comunicação e uma dificuldade do médico em assumir perspectivas alternativas. Depois temos a obediência cega, em que o médico aceita a opinião de um colega respeitado na área, ou o relatório de um exame complementar, com excessiva deferência, esquecendo que os outros também erram. Terá sido, porventura, esta causa heurística que esteve em causa no caso clínico relatado no parágrafo dos relatórios errados. Finalmente, o encerramento prematuro do caso é também uma das armadilhas também frequentes, e significa a relutância em procurar diagnósticos alternativos, uma vez que um compromisso tenha sido estabelecido (Redelmeier DA, 2005). Para além destes existem muitos outros menos frequentes, mas que pontualmente podem ter importância, como por exemplo: enviesamento visceral que é a influência que podem ter os sentimentos positivos ou negativos em relação aos doentes; restrição de representatividade, que leva o médico a procurar manifestações prototípicas das doenças e a esquecerem as variantes atípicas; a máxima de Sutton, baseada na resposta do célebre ladrão de bancos Willie Sutton à pergunta do juiz sobre a razão para roubar bancos, ao que Sutton terá respondido: “É onde está

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o dinheiro”, esta máxima caracteriza os médicos que se fixam no que é imediatamente óbvio (Croskerry P, 2003). 5.7.

Não Escutar, Não Observar

Um estudo já muito antigo, carenciando de actualização, concluía que três quartos dos diagnósticos se fazem apenas pela história clínica e pelo exame objectivo. Há cerca de três anos recebi um doente no consultório, enviado por um colega de ortopedia, por dores na coluna nos últimos quatro meses, resistentes a diferentes medicações prescritas. O doente de 50 anos, entrou na consulta, sentou-se e quando fiz a pergunta habitual: “então o que o traz cá?” Ele respondeu: “Dr. sou trabalhador das obras, estava num andaime, à altura do sétimo andar, desequilibrei-me, caí, mas consegui cair em pé e desde então fiquei mais curto. Estive 15 dias internado no serviço de Neurocirurgia do hospital X (central), fizeram-me os exames todos e deram-me alta dizendo que não tinha nada partido. Desde então tenho vindo várias vezes à consulta dos seguros porque continuam a doer-me as costas e não passa com nada”. Depois de umas perguntas, percebi que as dores eram permanentes, incluindo durante a noite, mas piores na estação de pé e se situavam na região cervical baixa e dorsal alta. Os antecedentes pessoais eram irrelevantes. Pedi ao doente a nota de alta, que confirmava o que o doente dizia: Alta sem qualquer lesão ou fractura. Revi os exames efectuados: análises, Rx Tórax, Rx coluna cervical, TAC cranio-encefálica, TAC da coluna cervical: todos normais! Alertado por um pormenor que o doente tinha referido, examinei com atenção o doente e em particular a palpação da coluna vertebral e aí verifiquei que a palpação da coluna cervical era indolor, mas a palpação das primeiras vertebras dorsais (D2, D3 e D4) era dolorosa. Pedi então uma RMN dirigida a este segmento na coluna que veio evidenciar colapso destas três vértebras dorsais, com esmagamento do corpo das vertebrais, ainda com hematoma peri-lesional. O doente foi reenviado à ortopedia com o diagnóstico. Que podemos aprender com este caso? É que na realidade ninguém tinha escutado o doente, porque ele espontaneamente dava a chave do diagnóstico: “tinha ficado mais curto…”, e também ninguém tinha examinado com atenção a coluna do doente, senão teria percebido que não era do pescoço que o doente se queixava, mas da região dorsal alta. Escutar o que o doente tem para dizer, saber que perguntas fazer e examinar o doente é o mais importante para prevenir o erro diagnóstico. Fazer a história clínica de um doente é um exercício de diagnóstico baseado na lei das probabilidades. À medida que escuta os sintomas do doente,

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o médico tenta retirar todas as informações que pode obter das várias características que esse sintoma pode apresentar. A dor precordial por exemplo, através do conhecimento sobre a intensidade, duração, recorrência, irradiação, carácter, factores desencadeantes, factores de alívio, sintomas acompanhantes e reacção à palpação, o médico pode aproximar-se de diagnósticos de etiologia e gravidade muito variada: angina estável, síndrome coronário agudo, aneurisma dissecante da aorta, pericardite, embolia pulmonar, espasmo do esófago, refluxo gastro-esofágico, esofagite ou síndrome de Tietze. Naturalmente que este inquérito será tanto mais pertinente quanto mais o médico conhecer as patologias e a frequência de aparecimento dos sintomas nestas patologias. Daí que, na história clínica, seja tão importante registar tanto o que o doente tem, quanto o que o doente nega, mas é importante para o diagnóstico diferencial. Os doentes falam, os doentes são geralmente a melhor fonte de informação sobre as suas doenças. Isto é repetido vezes sem conta aos estudantes e internos de Medicina que, vezes sem conta, se esquecem disto, por viverem num mundo em que a tecnologia é mitificada e porque é mais fácil pedir exames que falar com os doentes. Naturalmente que há condições em que o doente está incapacitado para fornecer uma história, mas também aqui, muitas vezes, a família ou um amigo pode ser uma valiosa fonte de informação. Por outro lado, escutar o doente é também dar-lhe a oportunidade de expressar as suas outras necessidades, como sejam de apoio psicológico ou social. Cerca de 50% dos doentes internados na nossa enfermaria de medicina necessitam de intervenção da assistente social porque vivem sós, têm parcas pensões, ficaram com algum grau de incapacidade e porque ou não têm família ou as famílias simplesmente não têm capacidade para os ajudar ou necessitam de apoios para o fazer. Escutar os doentes é também conhecer as suas prioridades vitais, conhecimento fundamental para estabelecer as prioridades de tratamento. E, em quantas doenças o diagnóstico é apenas ou essencialmente clínico? Um síndrome coronário agudo pode apresentar-se com enzimas cardíacos e ECG normais, a fibromialgia, a doença de Behçet, as infecções virais e muitas outras. Depois, o exame físico: existem muitos mitos sobre o valor de certos sinais ou achados semiológicos, transmitidos erradamente de geração em geração, mas a tendência actual de completa desvalorização da semiologia em favor dos exames complementares de diagnóstico é perigosa. A verdade é que alguns sinais ou achados são hipervalorizados quando têm uma

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especificidade ou sensibilidade muito baixas, alguns têm origem em artigos muito antigos, com reduzidas casuísticas que nunca foram confirmados ou contraditados (McGee S, 2007). No entanto, todos nós temos a experiência da forma como o achado de um sopro cardíaco, no contexto de uma síndrome febril, nos pôs na pista de uma endocardite bacteriana, de como um fácies em lua cheia nos conduz ao diagnóstico de um síndrome de Cushing, umas placas de psoríase que o doente não referiu nos aclaram um quadro de uma oligoartrite ou uma afta escrotal nos esclarece sobre a etiologia de uma uveíte. Alguns factores podem perturbar esta obrigação de examinar completamente os doentes, sendo o pudor um deles. O problema é que, quando não o fazemos podemos atrasar o diagnóstico e este atraso é um erro de diagnóstico. Numa altura em que via muitos doentes da serra algarvia, muitos deles idosos, apareceu-me uma doente de 74 anos com uma sintomatologia para qual estamos alertados: a mudança de ritmo de dores na coluna que os doentes têm há muitos anos, de características essencialmente mecânicas para dores que se tornam permanentes, diurnas e nocturnas e que dificilmente cedem aos analgésicos. Esta situação deve-nos alertar para a possibilidade de metástases ósseas de um carcinoma em alguma localização. Assim, pedi uma série completa de exames para determinar a natureza das dores lombares e a existência de uma possível neoplasia. A doente voltou apenas três meses depois. Os exames confirmaram a existência de metástases mas não a origem do tumor. Foi então que uma acompanhante alertou para um “nascido” que a doente apresentava na mama e que tinha tido vergonha de mostrar na primeira vez e eu também não tinha detectado porque não fiz exame mamário. A retirada do soutien expôs um carcinoma da mama com invasão da pele. 5.8.

Não Pedir Exames ou Pedir os Exames Errados

Como se disse, nos casos de atraso evitável no diagnóstico, em 50% houve omissão de testes que estavam indicados, em 32% dos casos houve falhas na actuação perante os resultados de exames efectuados e em 1% houve uso de testes inadequados para a situação (Graber ML, 2005). Os clínicos têm alguma dificuldade em acompanharem a evolução tecnológica e apreenderem as especificidades e indicações de cada tipo de exame. Assim é expectável que parte das causas de omissão de testes indicados ou pedidos incorrectamente seja por falhas de conhecimento, no

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entanto, estas falhas podem ocorrer apenas por negligência, apesar do médico conhecer as regras de boa prática dos casos em concreto. 5.9.

Erros na Consideração das Hipóteses Diagnósticas

Há alguns meses entrou uma mulher de 50 anos no serviço de urgência do meu hospital por súbita alteração da consciência e vómito, sofria de hipertensão e doença renal crónica. Apresentava-se hipertensa, bradicárdica, com sopro sisto-diastólico grau II/VI no foco aórtico, sonolenta, disártrica, com anisocória, nistagmo horizonto-rotatório e vertical e hemiparésia esquerda. Foi assumido o diagnóstico de Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquémico vertebrobasilar (VB) de natureza isquémica, após realização de tomografia computorizada crânio-encefálica (TC-CE) que não apresentava alterações, electrocardiograma (ECG) com inversão de ondas T em DII e V6, ligeira elevação da troponina e radiografia torácica com aparente alargamento do mediastino. Não existindo contra-indicação aparente para trombólise e estando a doente dentro da janela terapêutica para trombólise, a doente foi transferida para a Unidade de AVCs, no meu serviço, e esta foi efectuada às 3h de evolução, tendo cursado com flutuação neurológica, vómitos e respiração de Kussmal. Apurou-se posteriormente existência de precordialgia no início do quadro com recorrência da dor. Por agravamento renal e oligúria fez ecografia renal sem alterações significativas. A doente entrou depois em edema agudo do pulmão com necessidade de ventilação mecânica e assistiu-se a agravamento neurológico documentando-se múltiplos enfartes encefálicos VB na TC-CE. O Ecocardiograma então realizado mostrou derrame pericárdico com “flap” da aorta proximal e a TC-toraco-abdominopélvica confirmou dissecção aórtica do tipo A de Standford com extensão torácica, tronco braquio-cefálico e abdominal. Sem indicação cirúrgica, a doente faleceu ao 3º dia. Este caso ilustra a situação mais frequente de erro diagnóstico, que é a não consideração de hipóteses diagnósticas alternativas, relacionada com uma deficiente interpretação de todos os dados que temos na nossa frente. Neste caso houve uma subvalorização de alguns, como a dor precordial, a elevação da troponina, o alargamento do mediastino no Rx de tórax e as alterações electrocardiográficas, em desfavor de um quadro dominante de AVC, juntamente com a pressão da decisão para a trombólise, já que a doente estava dentro da janela terapêutica. 5.10.

Consultas de Corredor

Há dois anos, precisamente antes de nos sentarmos para um jantar de família, é geralmente antes de jantar que estas coisas se passam, um familiar jovem abordou-me queixando-se de

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uma sensação de picadas na região mentoniana. Ao invés de o tranquilizar porque não seria nada de especial, a resposta mais natural, pedi-lhe que fosse ter comigo no dia seguinte à minha consulta. Nessa consulta apenas detectei uma zona de hiperestesia na região referida. Mesmo assim pedi-lhe uma RMN CE que, para meu espanto, revelou então uma enorme malformação arterio-venosa que provavelmente estaria a crescer e cujo primeiro sinal foi a compressão de um dos ramos do trigémio. O doente foi referenciado a um centro de neurocirurgião em São Paulo, identificado por colegas como sendo um dos únicos com experiência suficiente para abordar uma malformação tão grande e complexa. Felizmente a cirurgia foi bem sucedida. O que se aprende com este caso? Nunca se deve facilitar! Fazê-lo é correr um risco de consequências imprevisíveis. Isto poderá ser uma tendência com familiares, colegas ou amigos hipocondríacos que nos telefonam regularmente por queixas insignificantes. Não fazer o que tem que ser feito é sempre de um enorme risco, até porque, com as pessoas mais próximas, as consequências adquirem uma maior dimensão e, ainda por cima, é sempre com estas pessoas que as coisas tendem a correr mal. 5.11.

Relatórios Errados

Há cerca de três anos recebi para segunda opinião uma mulher de 40 anos, que tinha sido recentemente operada a uma necrose asséptica bilateral da cabeça do fémur, e em que o resultado anátomo-patológico descrevia a existência de um predomínio de linfócitos sem outras alterações. A doente já tinha sido observada por vários especialistas de várias especialidades que concluíram não haver patologia do seu foro. Quando observei a doente prossegui no seu estudo, considerando que não estavam afastadas todas as hipóteses diagnósticas possíveis. Entretanto, começaram a aparecer outras lesões osteolíticas semelhantes às que as cabeças femurais tinham apresentado, apontando para um etiologia neoplásica, mas os exames não mostravam o tumor primitivo. Nessa altura pedi uma biópsia de uma das lesões que mostrou um linfoma ósseo e a doente iniciou quimioterapia com remissão do linfoma. As células características já estavam no material recolhido na cirurgia efectuada às cabeças do fémur, mas o anátomo patologista não as identificou correctamente. De facto cabe ao clínico estar de sobreaviso para os falsos positivos e falsos negativos inerentes aos exames, assim como para este facto ineludível, de que quem observa os exames e os relata também pode errar, daí que, quer esteja escrito quer não, compete sempre ao clínico valorizar os exames em função do contexto clínico.

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É verdade que os exames complementares têm conhecido um vertiginoso progresso, mas este progresso não tem sido visível em todas as áreas. Enquanto que os exames genéticos têm identificado cada vez mais precisamente algumas doenças com esta etiologia, a bioquímica não tem apresentado verdadeiras inovações. Já a imagiologia, com o TAC, a RMN, o PET Scan, a colonoscopia virtual, as imagens em 3D tem tido saltos de inovação que ajudam os clínicos no esclarecimento etiológico ou, pelo menos, na caracterização da extensão de certas doenças. A evolução tecnológica dos exames complementares de diagnóstico tem-se acompanhado por uma tendência para relatórios descritivos das imagens e menos interpretativos, o que cria o paradoxo de os exames serem cada vez mais sofisticados e os relatórios cada vez menos precisos, com uma frase muito comum: “a valorizar segundo o quadro clínico”. Perdeu-se uma certa tradição que era o imagiologista assumir a responsabilidade de conduzir até ao limite das suas capacidades o esclarecimento de uma imagem num exame. O resultado é que, apesar de todos os progressos tecnológicos, a taxa de erros de diagnóstico tem-se mantido estável ao longo das últimas décadas (Sonderegger-Iseli K, 2000; Shojania KG, 2003) É fundamental reactivar o diálogo entre os clínicos e os imagiologistas, os patologistas clínicos, os anátomo-patologistas e todas as outras especialidades que produzem exames complementares. Depois, é necessário ser suficientemente informativo da condição clínica dos doentes nas requisições de exames complementares, para que quem interpreta executa e interpreta os exames saiba o que procurar. O pedido de uma RMN lombar por lombalgia aguda é necessariamente mais vago do que se se referir que existe clínica de uma radiculopatia de L5 à direita. Para além destas considerações, temos os erros de diagnóstico nos exames complementares que podem induzir diagnósticos clínicos errados ou atrasados. Os erros dos exames laboratoriais podem chegar aos 20%, mas apenas um quarto ocorre dentro do laboratório (Stroobants AK, 2003). Destes erros, 18% são susceptíveis de provocar algum prejuízo, seja económico ou na saúde do doente (Hickner J, 2008).

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Outro estudo que avaliava o desempenho dos softwares de leitura de ECG mostrou que um painel de cardiologistas fazia leituras erradas do ECG em 24,5% dos casos e a reprodutibilidade intra-observador variava entre 77% e 90% (Wilems JL, 1991). No campo da imagiologia um estudo mostrou erros na ordem dos 23% na interpretação de radiografias do tórax (Tudor GR, 1997). Mostrou ainda uma variabilidade inter-observador na leitura de RMN que pode chegar a 23% (Wakeley CJ, 1995). 5.12.

Erros na Detecção de Anomalias

Há uns anos observei uma doente de 57 anos, com um síndrome febril indeterminado, com dois anos de duração, que já tinha sido observada por cerca de 13 especialistas de sete especialidades diferentes, tendo estado inclusivamente internada por duas vezes em hospitais centrais. Esta doente era recomendada, porque era irmã do director da clínica onde trabalhava, era uma pessoa diferenciada e, naturalmente, fazia-se acompanhar de um saco plástico carregado de todo o tipo de exames possíveis e imaginários, que tinha realizado ao longo destes últimos dois anos. Este é o tipo de doente que nos faz suar logo à entrada, pela visualização do peso do saco dos exames que trazia, porque temos os doentes marcados de 30 em 30 minutos e sabemos que esse tempo vai ser seriamente excedido. Colhida a história, absolutamente escassa, que se resumia a febre, feito o exame objectivo, normal, revi demoradamente toda panóplia de exames, notas de alta e medicações que a doente trazia. A visualização seriada deste conjunto de exames permitiu-me detectar uma anomalia que tinha passado sistematicamente desapercebida aos meus colegas: a existência de uma piocitúria persistente com urinoculturas estéreis. Uma TAC subsequente mostrou um rim direito anómalo, e a biópsia renal permitiu o diagnóstico de tuberculose renal. Iniciados tuberculostáticos a doente ficou assintomática em duas semanas. O que é que este caso nos ensina? É que muitas vezes há que voltar ao princípio, rever tudo, pôr tudo em causa, com a dúvida de que algo nos está a escapar, e estar atento aos pormenores que podem ser a chave da solução. Naturalmente que aqui há também o factor sorte: o melhor médico pode ser apenas o que apareceu na altura certa. Neste caso, em particular, se bem que a piocitúria estivesse presente desde o início do caso não é certo que o aumento do rim existisse desde o início.

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5.13.

Falta de Registos Clínicos ou de os Rever

Nos EUA 1/7 das admissões são devidas à falta de acesso ao Processo Clínico do doente e 20% dos testes laboratoriais são pedidos por falta de acesso aos resultados anteriores. Este problema, comum em muitos países, incluindo o nosso, induz gastos desnecessários e atrasos, porventura graves, no diagnóstico e no consequente tratamento de muitos doentes. Mas, mais grave é, ainda, eles existirem e os clínicos não os consultarem. Isso passa-se por exemplo com os exames laboratoriais, onde um estudo aponta para que 20 a 60% dos exames laboratoriais não sejam revistos, percentagem que poderá ser de 75% no caso da Emergência (Callen J, 2011) Não é verdade que a extensão dos registos clínicos seja sinónimo da sua qualidade. Na realidade, às vezes é o inverso. Os médicos mais inseguros e com menos conhecimentos fazem extensas histórias e o oposto também acontece. O importante é que esteja registado o que é pertinente para a tomada de decisão, para o planeamento diagnóstico, para a avaliação da gravidade e para a decisão sobre o nível de cuidados. Este registo é fundamental para a comunicação entre turnos no serviço de urgência, para os médicos de urgência interna e entre os vários profissionais envolvidos com os doentes: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, dietistas, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros. Este registo é também fundamental quando o doente é transferido internamente ou para o exterior, entre diferentes internamentos ou entre diferentes pontos de cuidados, assim como para proteger legalmente o doente, o médico e a instituição. Não se sabe quais as implicações da informatização dos registos clínicos, na precisão dos diagnósticos. Esta informatização que tende a simplificar e a reduzir o volume de informação que o clínico regista, tem a vantagem de estruturar parte da informação, o que permite depois trabalhar estes dados e transformá-los em conhecimento. É fundamental que haja sempre um espaço reservado para notas pessoais, que permitem melhorar a comunicação com o doente, mas também porque às vezes há sintomas que o médico não consegue contextualizar na altura e só posteriormente ganham significado. Um dos exemplos extremos da importância desta causa de erros prende-se com o não registo da tomada de decisão de não reanimar um doente em caso de paragem cardio-respiratória. Esta decisão faz parte do nosso quotidiano, em virtude de lidarmos com muitos doentes idosos na

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fase terminal das suas doenças, em que a reanimação passa ser um gesto fútil. O registo desta decisão no processo e a sua comunicação ao staff médico e de enfermagem é a garantia de que esta informação é transmitida a quem é chamado num destes casos, sem conhecer o doente. Tomar esta decisão atempadamente, quando ela está indicada, registá-la e comunicá-la eficazmente é respeitar o direito a uma morte com dignidade e a não sujeitar o doente a manobras agressivas, fúteis e injustificadas. 5.14.

Actuar Fora da Área de Expertise

Como se disse, nos casos de atraso evitável no diagnóstico, em 6% das situações os médicos estavam a actuar fora da sua área de expertise. O crescimento do conhecimento médico tem induzido a tendência para a especialização e a hiper-especialização e alguns médicos sabem cada vez mais sobre cada vez menos. Isto mudou o paradigma do exercício da medicina que é agora uma actividade de equipa, em que cada membro desenvolve uma área de expertise. É o que se está a passar na maior parte das especialidades. Em ortopedia vemos cada vez mais uma especialização por articulação; em oftalmologia, é fácil num hospital central ter onze consultas diferenciadas; em cardiologia alguns cardiologistas tornam-se ecografistas, outros arritmologistas e outros cardiologistas de intervenção. Na realidade esta especialização é inexorável e até desejável. Existem alguns procedimentos em que está provada uma relação entre volume e qualidade: o problema é que os doentes andam ao contrário, são cada vez mais velhos, com mais doenças crónicas, com diferentes tipos de necessidades e necessitam de um médico que os aborde de forma global. Esse médico é o pediatra no caso das crianças, o internista no caso dos adultos e o médico de medicina geral e familiar mais na vertente da prevenção, das doenças menos complexas e no ambulatório. A compreensão desta evolução é fundamental para identificar as características do especialista mais adequado para cada doente. Qualquer doente deve ter um médico assistente, seja um pediatra, no caso das crianças, um internista no caso dos adultos, ou um especialista de medicina geral e familiar. São estes médicos que deverão referenciar os doentes para os subespecialistas, para a realização de exames complementares ou para a orientação terapêutica de doenças mais raras ou de doenças mais comuns refractárias a terapêuticas convencionais.

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De uma forma genérica podemos dizer que no ambiente hospitalar, o internista é o melhor médico para lidar com os diagnósticos difíceis, com as doenças sistémicas e com os doentes que apresentam multimorbilidades, particularmente os idosos. Os especialistas de órgão serão mais indicados para tratar doentes mais jovens que sofrem de uma única doença específica desse órgão. Muitas vezes os melhores resultados obtêm-se da cooperação entre os internistas e os outros sub-especialistas (Ayanian JZ, 2002). Os piores resultados obtêm-se quando um sub-especialista actua fora da sua área de expertise. Todos os doentes idosos ou com multimorbilidades deviam ter um internista assistente, enquanto estiverem internados no hospital, independentemente do serviço onde esteja. Este apoio tem um impacto muito positivo nos outcomes dos doentes, como demonstra a literatura. Um exemplo disso são as unidades de ortogeriatria em que este tipo de acompanhamento veio melhorar o prognóstico dos doentes idosos que realizaram cirurgias ortopédicas no hospital (Huddleston JM, 2004). 5.15.

Quando Tudo Falha

Há alguns anos, um homem de 47 anos recorreu à urgência de um hospital central de Lisboa por rouquidão e dificuldade respiratória de início agudo. O doente ia acompanhado mas foi vedada a entrada ao acompanhante. Após a observação no balcão de atendimento foi enviado para a urgência de Otorrinolaringologia, que era no 5º piso desse hospital. Aí, o especialista observou hiperémia da faringe e anotou que a estase salivar impedia a observação da endolaringe. O doente foi medicado com um corticóide IM e teve alta pouco depois com um antibiótico e um anti-inflamatório oral. Começou a descer as escadas e, por volta do 1º piso entrou em asfixia e teve paragem respiratória. O acompanhante, alarmado, foi à procura de alguém e encontrou um maqueiro que foi buscar uma maca, que trouxe o doente pelo elevador para a reanimação, onde o médico de serviço começou a insuflar com um Ambú porque não sabia entubar e pediu ao enfermeiro que chamasse a anestesia, que estava no 5º piso, que finalmente veio e entubou o doente, que naturalmente morreu ao fim de alguns dias em cuidados intensivos. Este é um caso real, em que eu não intervi, que deu origem a uma volumosa indemnização. Se fizermos uma análise de causa-raiz podemos concluir pela existência de vários tipos de falhas: estruturais (urgência de ORL e anestesia muito longe da urgência geral), de comunicação (entre o médico e o acompanhante), de organização (inexistência de uma equipa de reanimação e de um mecanismo de alerta), de avaliação do doente (edema da glote não diagnosticado e

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gravidade da situação não suspeitada) e de competência (médico de serviço na reanimação não sabia proceder a entubação endotraqueal). Este é um caso extremo dos mais comuns de erros diagnósticos: os que ocorrem for causas multifactoriais.

6.

ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR O DESEMPENHO DIAGNÓSTICO

Da mesma forma que tem havido pouca investigação na epidemiologia dos erros diagnósticos, também ao nível da identificação das melhores estratégias para reduzir os erros de diagnóstico tem havido reduzido investimento e é um caminho que não é fácil. Não se podem identificar estratégias eficazes sem compreender a complexidade dos factores que causam os erros de diagnóstico, e este, é um bom exemplo da necessidade de criar pontes entre diferentes áreas do conhecimento, que vão da medicina à psicologia cognitiva, psicologia comportamental, engenharia de sistemas, sociologia das organizações, informática e outros. Assim, em alguns casos, temos que inferir a eficácia das estratégias aplicadas a erros de outra natureza. Como já vimos, quase metade dos erros devem-se a causas combinadas relacionadas com o sistema, o planeamento de processos e falhas humanas, que ocorrem ao longo das diferentes etapas do diagnóstico. Assim, as estratégias devem ser múltiplas e de acordo com a prevalência das causas encontradas em cada área de cuidados. Ao nível do sistema é importante garantir em número, competência e diferenciação os médicos adequados para cada instituição e área de cuidados, com especial relevância para os serviços de maior risco como sejam a urgências, com uma adequada carga de trabalho. É também fundamental criar mecanismos eficazes de referenciação, garantir equipamentos em número e qualidade, suficiência, adequação e portabilidade das tecnologias de comunicação e informação, a continuidade e partilha de informação e registos clínicos, com revisões periódicas, facilitar a comunicação entre clínicos e médicos responsáveis pelos métodos complementares de diagnóstico, proporcionar processos bem desenhados, implementar normas de orientação clínicas, acções de formação, ferramentas de avaliação e monitorização do desempenho nesta área e uma cultura de reporte voluntário de erros e a avaliação destes erros com ferramentas adequadas num ambiente de não culpabilização. Naturalmente que a primeira prioridade e condição para diminuir este tipo de erros é que a promoção da segurança dos doentes seja uma prioridade em cada instituição, para isso é útil o

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enquadramento conceptual designado pelos “7 passos” para a segurança do doente definidos pela Agência Nacional de Segurança do doente (NPSA) do Reino Unido (NPSA, 2009): 1. Promover uma cultura de segurança; 2. Liderar e apoiar os profissionais; 3. Integrar as actividades de gestão de riscos; 4.

Promover a notificação dos incidentes de segurança do doente;

5. Envolver e comunicar com os doentes e população; 6. Aprender e partilhar o que for aprendido sobre o tema da segurança; 7. Implementar soluções para prevenir incidentes de segurança.

Como dizia Don Berwick “Genius diagnosticians make great stories, but they don’t make great health care. The idea is to make accuracy reliable, not heroic.” (Berwick D, 1994). Ou seja, o diagnóstico enquanto outcome tem que ser visto como uma propriedade do sistema, tem que haver uma menor dependência da memória do médico e fomentar uma cultura de avaliação, discussão e compreensão deste tipo de erros. Assim, é fundamental que os erros de diagnóstico sejam encarados como incidentes de segurança e sejam notificados como tal, sendo posteriormente sujeitos a avaliação com ferramentas adequadas como a análise de causa-raiz. Depois é muito importante actuar no nível cognitivo, com estratégias adequadas para evitar as armadilhas heurísticas. Estas estratégias são baseadas nas estratégias de modificação do comportamento dos médicos. Em primeiro lugar a formação que, na sua versão mais formal, a evidência mostra apenas um fraco a moderado impacte na prática profissional. São mais efectivas as acções de formação, incluindo Web based, que vão de encontro às necessidades de formação dos formandos, utilizando métodos interactivos e baseados em prácticas andragógicas ou através de técnicas de simulação. No caso do diagnóstico, tal é conseguido através de um melhor conhecimento dos quadros clínicos ou do uso de testes diagnósticos (Forsetlund L, 2009; French SD, 2010), mas também é muito importante a formação sobre o próprio processo diagnóstico. Apesar de não haver ainda nenhum estudo que tenha provado que o acesso a bases de dados de informação tem impacte sobre os outcomes dos doentes, é mais ou menos intuitivo que não poderá deixar de ter. Esta informação tanto pode estar num livro de bolso, como no ecrã do - 28 -

computador, o fundamental é que esteja acessível quando o médico precisa dela, ou seja quando está em frente ao doente na emergência, na enfermaria, na consulta ou no domicilio dos doentes e tem que tomar decisões. Existem fontes de informação online, como o “up-to-date”, que permitem a resolução de mais de 95% das dúvidas que originam a sua consulta (Isaac T, 2012). As tecnologias de informação e comunicação assumem um papel cada vez mais importante na melhoria do desempenho dos médicos, incluindo a prevenção de erros de diagnóstico, através de sistemas de apoio à decisão assistidas por computador (Garg AX, 2005; Ramnarayan P, 2004), garantindo a partilha de informação clínica, através de sistemas de alerta automatizados, como por exemplo o lembrete para a execução de testes diagnósticos (Liu Q, 2008; Shojania KG, 2011) e facilitando a comunicação clínica entre doentes e médicos. Naturalmente que estas tecnologias só podem ter impacte, como se disse, se estiverem acessíveis nos momentos de tomada de decisão, por isso é muito importante garantir a mobilidade informática. Computadores fixos em salas próprias obrigam a um duplo registo, facilitam erros de transcrição e dificultam o acesso à informação. Não há estudos conclusivos que comprovem o benefício da telemedicina versus consultas presenciais, mas intuitivamente se pode defender que esta é uma boa solução para, em sítios mais distantes e isolados, proporcionar acesso a expertise de uma forma mais rápida e mais barata (Carrell R, 2011). Uma das estratégias propostas mas ainda pouco testadas é a introdução de check-lists para evitar lapsos na colheita da história, no exame objectivo ou no pedido de exames complementares (Ely JW, 2011) A disseminação de materiais informativos impressos não solicitados, enquanto estratégia isolada, parece ter reduzidos efeitos benéficos, particularmente na modificação de processos, mas não há evidência de impacte sobre os outcomes dos doentes (Farmer AP, 2008). Também ao nível da melhoria da utilização de exames imagiológicos para diagnóstico de lombalgias não demonstrou benefício significativo (French SD, 2010). As visitas educacionais do tipo one-to-one, são efectivas de forma consistente, mas têm sido usadas mais na mudança de comportamentos prescritivos (O`Brien MA, 2008). Também a acção dos líderes de opinião locais, eleitos informalmente pelos pares como experts em determinadas áreas, tem demonstrado efectividade nos estudos que se têm debruçado sobre esta estratégia (Flodgren G, 2011). Num estudo que avaliou esta estratégia na melhoria do screening do cancro colo rectal o impacte foi positivo (Wright FC, 2008).

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Aumentar o conhecimento sobre a prevalência dos erros de diagnóstico, nos vários níveis de cuidados e nas várias tipologias de serviços, diversificando as ferramentas e fontes de informação: autópsias, readmissões, inquéritos, revisão de processos clínicos, processos judiciais, reclamações, entre outros, promovendo a compreensão das causas através de ferramentas adequadas, parece-nos uma estratégia fundamental. Apesar disso, os estudos que têm avaliado o impacte da auditoria à prática e o feedback dos resultados têm demonstrado resultados variáveis, mas quando são positivos o seu efeito é fraco a moderado (Jamtvedt G, 2006; French SD, 2010). As mudanças de responsabilidades ou funções nas equipas têm demonstrado uma efectividade moderada a fraca (Smith SM, 2012). Finalmente, a modificação dos comportamentos é mais efectiva se se utilizarem estratégicas múltiplas e combinadas.

7.

AS MENSAGENS MAIS IMPORTANTES

Utilizando estratégias de formação e de modificação dos comportamentos únicas ou, de preferência, combinadas, é muito importante que as mensagens sejam simples e repetidamente passadas para as gerações mais novas. Se é possível sintetizar destacaria 25 recomendações que se dirigem à prevenção das causas mais comuns de erro diagnóstico a nível cognitivo e comportamental: 1. Não é vergonha ter dúvidas, mas é vergonha tomar decisões sobre os doentes sem as ter esclarecido; 2. Os doentes são geralmente a melhor fonte de informação sobre a (s) sua (s) doença (s): Escutar os doentes! 3. Nunca deixar de fazer o exame físico completo na primeira vez e depois com regularidade, porque este continua a ser indispensável para o processo diagnóstico; 4. Conhecer as sensibilidades e especificidades dos achados semiológicos; 5. Pensar primeiro nas doenças mais frequentes e depois nas mais raras, mas nunca descansar se subsistir uma hipótese mais grave; 6. Não confiar na primeira impressão, nem tudo o que parece é. 7. Não confiar na memória: verificar a probabilidade do diagnóstico em casuísticas fiáveis; 8. Procurar e valorizar informações dissonantes que possam pôr em causa o primeiro diagnóstico; - 30 -

9. Requisitar exames fornecendo a informação clínica relevante o mais específica possível; 10. Observar os exames em boas condições técnicas; 11. Valorizar os exames em função do contexto clínico; 12. Ter presente a possibilidade de falsos positivos, falsos negativos e de erros na interpretação dos exames cometidos por quem os relata; 13. Dialogar com os profissionais que executam os exames complementares; 14. As fontes de informação clínica devem estar acessíveis quando o médico precisa, ou seja quando está diante do doente; 15. Perguntar a quem sabe, mas quem sabe também erra; 16. Aceitar as discordâncias dos mais novos, geralmente têm razão! 17. A diferenciação em diferentes áreas, dentro de cada serviço, permite aumentar o conhecimento colectivo da equipa e a sua capacidade de decisão em relação aos doentes; 18. Nunca facilitar com ninguém! Fazer sempre com todos e em quaisquer circunstâncias o que deve ser feito; 19. Nunca fazer consultas de corredor! Isto é particularmente válido para familiares, colegas e amigos; 20. Os registos clínicos são essenciais para a continuidade dos cuidados e para a diminuição dos erros; 21. Para as tomadas de decisão o médico deve previamente rever os registos clínicos; 22. Todos os doentes idosos ou com multimorbilidades deviam ter um internista assistente, enquanto estiverem internados no hospital, independentemente do serviço onde estejam; 23. Os melhores resultados obtêm-se da cooperação entre os internistas e os outros subespecialistas; 24. Os sub-especialistas devem evitar actuar fora da sua área de expertise. 25. Os erros de diagnóstico devem ser notificados como incidentes de segurança.

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8.

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