ENTREVISTA

Ano II No 17 Setembro/2017 Informativo jurídico especializado ENTREVISTA Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho O que o senhor acha das alterações...
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Ano II

No 17

Setembro/2017

Informativo jurídico especializado

ENTREVISTA Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho

O que o senhor acha das alterações que a Lei nº 13.465/2017 provocou no regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis? Em linhas gerais, estou satisfeito com as modificações. Me parece que a ideia do legislador foi dar maior estabilidade e segurança ao sistema. Acho que o regime jurídico está fortalecido. Não estou afirmando que o regime da Lei nº 9.514/97 era ruim – até porque esta lei foi um marco -, mas quero significar que haviam pontos passíveis de melhora. Acho que a nova lei tem seus méritos quanto ao ponto. É possível citar um exemplo? Sim. Acho significativa a inserção do § 3º - A ao

art. 26 da Lei nº 9.514/97. O dispositivo determina que quando, por duas vezes, o Oficial de Registro de Imóveis ou de Registro de Títulos e Documentos ou o Serventuário por eles credenciado houver procurado o intimando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita motivada de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, retornará ao imóvel, a fim de efetuar a intimação, na hora que designar. Complementa, ainda, dizendo que subsidiariamente aplica-se o quanto previsto nos arts. 252, 253 e 254 do Código de Processo Civil vigente. A nova sistemática está em perfeita consonância com o espírito do novel diploma processual. Antes da alteração, se ocorresse impossibilidade de intimação do fiduciante pessoalmente pelo Oficial (das Serventias de Registro de Imóveis ou de Títulos e Documentos), e mesmo em face da certa ocultação, restava ao fiduciário a tentativa de ciência por meio da publicação de editais. Não é preciso dizer que tal procedimento, além de demorado, traz custos relevantes. O mesmo se diga do também acrescentado § 3º - B. Reza que nos condomínios edilícios ou outras espécies de conjuntos imobiliários com controle de acesso, a intimação de que trata o § 3-A poderá ser feita ao funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência. Frise-se, entretanto, que a presente providência é cabível apenas nos casos de suspeita de ocultação. Em face das alterações promovidas, qual o próximo passo quanto ao tema? Com as novas regras, em especial à sistemática implantada para a intimação do fiduciante, será necessário revisitar os contratos de alienação ARISP JUS 1

fiduciária para que passem a operar à vista disso. De uma maneira geral, a ideia foi mesmo superar os gargalos que o sistema encontrava (com o regime original da Lei nº 9.514/97), precisamente nesta fase de notificação para o procedimento extrajudicial. É muito comum, no Brasil, a criação do chamado condomínio em lote. Como a Lei nº 13.465/2017 trata do assunto? Na verdade, o tema é complexo e demandaria maiores considerações. Mas é preciso dizer que esse condomínio em lote, ou loteamento fechado, ganha agora, com a lei, tratamento especial e específico para a sua criação, o que se fez por meio da inclusão, no Código Civil, do art. 1.358-A. Permite o artigo existir, em terrenos, partes designadas de lotes que são propriedade exclusiva e partes que são propriedade comum dos condôminos. A fração ideal de cada condômino, então, poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição. Veja-se que até então só se falava em condomínio em lote a partir do desmembramento ou loteamento e, agora, considera-se adequadamente a unidade autônoma inserida no condomínio em lote, mas sem parcelamento. O novo regramento, ainda, trata do loteamento de acesso controlado, figura que deixará à cargo do Município a regulamentação do controle de acesso. A matéria é nova e, certamente, demandará, ainda, maiores ponderações. Mas, inegavelmente, é digna de nota e representa avanço no sistema.

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ARTIGO BREVE APONTAMENTO SOBRE AS FUNÇÕES REGISTRAIS Por Ricardo Dip

1. Define-se “função” o papel próprio que um órgão exercita em um sistema de atividades interdependentes. Consoante a maior ou menor gradação do sistema (é dizer, a estimativa de subsistemas numa conjugação de sistemas sobrepostos, ou ainda doutro modo conexionados) é frequentemente possível apreciar de modo variado a divisão dos papéis ou atividades de diferentes órgãos em sistema de interdependência. Isto pode considerar-se quanto às funções registrais: de logo, por exemplo, à conta bastante geral de estimálas no âmbito das atividades públicas (englobadamente as atividades estatais e as públicas não estatais, comunitárias), e aí, presente a divisão clássica entre funções executiva ou administrativa, legislativa e jurisdicional, situar o domínio próprio das funções registrais −que a maior parte da doutrina entende residir na esfera da função administrativa. De maneira um tanto mais restrita, se quisermos, podemos também incluir as funções registrais no território das funções de publicidade jurídica, pondo-as no

condomínio de atividades com os tabelionatos (de notas e de protesto) e mesmo com as funções publicitárias do Judiciário e da Administração pública. 2. Mas não menos −e nisto deteremos aqui nossa tratativa− poderíamos especializar essa busca de divisão e considerá-la dentro nos limites do próprio organismo registral, tomando em linha de conta a diferenciação entre, pois, de um lado, os registros públicos, e, de outro, as notas (propositadamente abdiquemos de opinar sobre a posição tabelional ou registrária da atividade de protesto de letras e títulos, bem como cotejar os registros com o organismo judicial e o público-administrativo). Essa diferenciação é palpável: o notário, em certo sentido, é uma testemunha pública, a quem incumbe formalizar títulos jurídicos; ele recepciona a vontade dos clientes, concilia-os, medeia-os, capta fatos, a estes percepciona-os, compreende-os, interpreta-os também com normas por ele compreendidas, textualiza documentos, assina, ao fim, uma garantia presumida de legitimidade. Deste modo, o objeto notarial é a vontade dos clientes e sua formalização jurídica. Diversamente, o registrador já não recebe de maneira direta a mera vontade dos clientes do notário, mas, isto sim, recepciona a documentação dessa vontade, agregando-lhe nova forma. Também ele, o registrador, compreende e interpreta fatos e normas; todavia, a forma aplicada mediante o registro é sempre uma forma segunda em relação à do documento original representativo da vontade dos clientes. Daí que o objeto do registro não seja essa apontada vontade, mas a inscrição (fatos, atos e negócios jurídicos) e sua publicidade: o registrador registra fatos para publicar situação. (Saliente-se o relevo da função publicitária, que é a mais acercada do objeto terminativo do registro; surpreende haja quem demande a transferência dessa função a organismos extrarregistrais, qual fora ela de menor importância para o sistema de registro).

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Assim, o notário e o registrador embora qualifiquem juridicamente os mesmos fatos, atuam uma qualificação sucessiva, com objeto distinto e que não é de mera recorrência: o registro não constitui uma segunda instância notarial. Com efeito, os fatos que o notário afirma ter captado e percebido por seus próprios sentidos externos −o que corresponde ao que se designou já por “autenticidade autêntica” (Núñez Lagos)− não são sindicáveis na esfera extrajurisdicional. Equivale a dizer que sobre esses fatos não pode instaurar-se nenhum juízo de qualificação registral, sem embargo de que caiba ao registrador qualificar o título à luz da legalidade, incluso apreciando os requisitos próprios da formação documentária. Não se trata, pois, de uma revisão, mas de uma qualificação autônoma. 3. Embora, num organismo ou sistema, a função (munus, officium, ergon) deva distinguir-se de sua finalidade (telos, finis), é certo que, de algum modo, a finalidade ilumina e alimenta a função: é dizer que o princípio (ou causa) intencional da função é a finalidade do organismo, e a função, uma causa eficiente de seu fim. Desta maneira, as atividades dos órgãos −dentro num organismo ou sistema− reputam-se funções (e não meramente usos ou efeitos) exatamente quando e porque são atividades dirigidas intencional ou teleologicamente ao bem comum desse organismo. Ora, o ofício dos registros públicos −registros públicos que constituem uma função social necessária− especifica-se em receber títulos (fatos, atos, negócios) e, qualificando-os, dar publicidade à situação jurídica que lhes corresponda, seja ela situação pessoal (registro de pessoas físicas ou jurídicas), seja real (registro de coisas móveis ou imóveis), conservando os assentos redigidos e, sendo o caso, os documentos que lhes deram ensejo. Esses indicativos de sua especificação consagram o destino intencional dos registros públicos a satisfazer a segurança jurídica, de tal sorte que as atividades todas que, por seus órgãos, tendam, propositadamente, a este fim de asseguração jurídica, devam reputar-se “função registral”. 4

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4. As funções do registro imobiliário são as de: (i) recepcionar títulos, (ii) prenotá-los para assegurar o direito posicional in itinere, (iii) qualificá-los juridicamente, (iv) inscrevê-los em assentos permanentes, (v) conservar estes assentamentos e a documentação que se imponha à sua custódia, (vi) dar-lhes publicidade jurídica e (vii) gerenciar ou governar as atividades do organismo registral (com efeito, governo é dispor as partes de um organismo).

Dessas funções, a maior parte é de natureza técnica (ou poiética), ao passo que uma, a de qualificação jurídica, é de caráter prudencial (de prudência jurídica ou jurisprudência). Aquelas −receber títulos, inscrevê-los para garantir a prioridade, inscrevê-los de maneira permanente, conservar os livros registrais e documentos, dar publicidade aos assentos do registro (e outros documentos) e gerenciar os cartórios− são atividades próprias da “arte registral”, ou seja, atividades que em em aplicar a reta razão, segundo determinadas regras e destrezas, em vista da satisfação do fim ou bem comum do registro (segurança jurídica). Há muito, neste passo, de arte produtiva de uma utilidade: o que é próprio das artesanias ou ofícios mecânicos, submetidos à recta ratio faciendorum, à reta razão das coisas que se fabricam, que se produzem: trata-se aqui, com efeito, de aplicar a recta ratio à produção de coisas exteriores. Diferentemente, a qualificação registral é uma aplicação da recta ratio à ação imanente singularizada num caso. Não se cuida já, pois, da reta razão do fazer (recta ratio faciendorum), senão que da reta razão do agir (recta ratio agibilium), de modo que não se trata

propriamente de “arte” (embora não falte que se fale, sem inteira propriedade, numa “arte da prudência”). Ora, o que distingue as atividades humanas em imanentes e produtivas é exatamente a matéria, mas as duas, a atividade de prudência e a atividade de arte, são subordinadas ao governo da razão: pela arte, dirige-se racionalmente “o que se tem de fazer”, “o que se tem de produzir”, o belo (arte na acepção de estética) ou o útil (a técnica); pela prudência, dirige-se racionalmente a ação humana imanente, vale dizer, interior, à margem da produção de coisas exteriores (pouco importando que a apreciação e decisão imanentes possam ou devam ser exteriorizadas). Pode por aí entender-se a razão de a técnica registral não impedir alguma interferência da potestade reguladora não legislativa (para o caso brasileiro, a potestas regiminis do Judiciário −vidē a parte final do § 1º do art. 236 da Constituição federal de 1988 e o inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994; sed contra: art. 21 dessa mesma Lei n. 8.935), mas, diversamente, também se pode entender o motivo de que a essa potestade regulatória não caiba, faltando-lhe, no mais, expressa competência constitucional, intervir na esfera da prudentia tabularii −prudência registral−, porque, não fora assim, então essa potestade atuaria não sobre regras referentes à produção de coisas exteriores, mas sobre a própria vontade do actante no plexo de uma ação singular imanente. O lapso manifesto em que se recai com alguma frequência está em tomar o juízo de qualificação registral não já como um juízo (é dizer, o produto intelectual da segunda operação do entendimento, inferido conclusivamente no discurso prático do registrador), mas, sim e erroneamente, como se fora uma proposição, cioè como a só expressão oral ou literal daquele juízo. Daí o equívoco de considerar a qualificação como um produto ou coisa exterior.

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ARTIGO AS NOVAS REGRAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA (REURB) E AS MEDIDAS AMBIENTAIS E SOCIAIS DESTINADAS DOS NÚCLEOS INFORMAIS AO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO E À TITULAÇÃO DOS SEUS OCUPANTES, COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS Por Durval Salge Júnior

O tema deste artigo já descreve, por si, a largueza e especial concepção da Lei Federal nº 13.465 de 11 de julho de 2017, como garantidora dos direitos e garantias individuais e sociais. Em tempos de crise, o conjunto legislativo deve ser voltar, preferencialmente, para as prerrogativas fundamentais, em especial para a dignidade do ser humano, que é o principal destinatário da lei. Partindo dessa premissa, referidos direitos encon6

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tram seu berço na constituição federal, emergindo para as legislações infraconstitucionais seus potentes reflexos. Embora seja o artigo quinto da carta política, a cláusula dita pétrea, não se pode reduzir a importância dos artigos 1º e 6º, que convivem no mesmo espectro positivo da primeira. Pode-se citar, sem medo de falhar, a dignidade, a cidadania, a saúde, a segurança, a educação, a moradia, a assistência aos desamparados, como os direitos políticos e sociais de predileção pontual pelos operadores do direito. Ao falar de direitos sociais, trazemos ao lume a expressão “piso vital mínimo” que foi cunhada por Celso Antonio Pacheco Fiorillo, com base no artigo 6.º alhures mencionado. Seu posicionamento é de suma importância para o contexto jurídico nacional, pois defende direta e incisivamente a cidadania e a respeitabilidade ao ser humano (brasileiro), que vive à margem do processo satisfativo do sistema capitalista. Ouçamos: “Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6.º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, segurança, lazer, dentro outros direitos básicos, indispensáveis ao desfrute de uma vida digna. Dessa feita, temos que o art. 6.º da Constituição fixa um piso vital mínimo de direitos que devem ser assegurados pelo Estado (que o faz mediante a cobrança de tributos), para o desfrute da sadia qualidade de vida”1. Pois bem, a moradia digna congrega justamente duas palavras que se entrelaçam (lar e dignidade). Outras palavras pinçadas do tema deste artigo, também podem ser enfrentadas, constituindo alicerces, quais sejam: meio ambiente, ordenamento territorial urbano, titulação dos ocupantes e núcleos informais. 1 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 53-54.

Os núcleos informais devem preceder a discussão, como sendo aqueles que, genericamente, congregam determinada fatia de pessoas unidas por uma situação comum, mas ainda não fazem parte do pálio das medidas públicas de política social. Pois é justamente nesse ponto que a lei demonstra sua missão, isto é, legalizar referidos núcleos urbanos, trazê-los para a égide formal da sociedade historicamente estruturada. Essa missão não pode se restringir a lei, ela não terá vida prática sem os registradores, os advogados, os juízes, a defensoria pública e o ministério público, dentre outros. A primeira medida é política, pois cabe ao poder público identificar os núcleos urbanos informais, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior. Essa efetividade tem por objetivo garantir a função social da propriedade e as medidas da Lei Federal nº 13.465 de 11 de julho de 2017, bem demonstram a vocação de sua gênese. A Lei Federal nº 11.977 de 7 de julho de 2009, já possibilitava que os beneficiários da regularização poderiam se tornar proprietários do imóvel que ocupam, mediante providências relativas à regularização fundiária, com a emissão, inicialmente em nome da mulher, de títulos de legitimação de posse a cada um dos ocupantes, a serem levados a registro cartorial próprio. Esse título, posteriormente, permitia ao seu titular, após 5 (cinco) anos de seu registro, requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião administrativa. Óbvio que a lei ora tratada principia reflexões, veja que o inesquecível doutrinador baiano Orlando Gomes menciona que a propriedade é um direito complexo,

se bem que unitário, consistindo num feixe de direitos consubstanciados nas faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa que lhe serve de objeto2. Em expressiva nota de rodapé, Orlando Gomes perquire sobre o fundamento filosófico da propriedade, que ensinam os jusnaturalistas que há um direito natural do indivíduo à apropriação da coisa. Cita Santo Tomás - uma coisa é o direito de apropriar, outra a gestão da coisa apropriada, assim seria lícito serem próprias as coisas. A utilização, porém, deve ser feita como se as coisas fossem comuns (suma Teológica, II-II, q. 66, a. 2). Essa valorização, inclusive canônica do ocupante, que antes vivia na informalidade, possibilita agora, pelos menos, dar-lhe a sensação que o Estado, enfim, o enxerga além do título de eleitor e de um número nas planilhas censitárias. Como não esquecer as palavras proféticas do mestre Celso Ribeiro Bastos: “Ao lado dos direitos individuais, que têm por característica fundamental a imposição de um não fazer ou abster-se do Estado, as modernas Constituições impõem aos Poderes Públicos a prestação de diversas atividades, visando o bem-estar e o pleno desenvolvimento da personalidade humana, sobretudo em momentos em que se mostra mais carente de recursos e tem menos possibilidade de conquistá-los pelo seu trabalho. Pelos direitos sociais, tornam-se deveres do Estado o assistir à velhice, aos desempregados, à infância, aos doentes, aos deficientes de toda sorte etc..3 Os objetivos da Reurbanização são verbos fortes: I - identificar os núcleos urbanos informais; II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano; III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda; IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda; V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos; VI 2 GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 97. 3 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 259. ARISP JUS 7

garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas; VII - garantir a efetivação da função social da propriedade; VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes; IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo; X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais; XI - conceder direitos reais; XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária. Por ser diploma pluritendencial a Lei nº 13.465 de 11 de julho de 2017, é também destinada para as políticas privadas, como a usucapião administrativa, direito de laje e condomínio em lotes, alterando, dentre outros diplomas, o próprio código civil, que nem tão antiquado está, mas sempre haverá necessidade de um “retrofit”. Voltemos ao meio ambiente, um dos alicerces da legislação, primeiro com o mestre José Geraldo Brito Filomeno que conceitua o meio ambiente, em sentido estrito, como o patrimônio natural e sua relação com o ser vivo.4 Outro consagrado tratadista José Afonso da Silva também nos traz conceito importante, trata-se de “interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida humana”.5 Ora se o meio ambiente traz sadia qualidade de vida para todos, como desvencilhar o tema da dignidade que a lei trará ao ocupante informal que pode sentir a segurança do título trazido com a política de reurbanização? Sinceramente, não se vê tal possibilidade. A dignidade, a titulação, a cidadania, a saída da informalidade, são as graças da lei para parte dos destinatários da lei em epígrafe.

4 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 141. 5 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 3. 8

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O reordenamento territorial, por sua vez, vai congraçar todos, pois contempla a universalidade daqueles que vão gozar de um ambiente geográfica e adequadamente mais organizado. Nesse contexto, torna-se imprescindível o estudo e o debate tema, posto que estabelece novos padrões de direitos e benefícios, uma possibilidade de participação na vida social e política, enfim um fator de integração do ocupante informal ao convívio social, tratado como ser humano digno, participante da marcha da história do seu tempo. BIBLIOGRAFIA BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. BRASIL. Código civil. São Paulo: Saraiva, 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). BRASIL. Lei Federal nº 13.465 de 11 de julho de 2017. BRASIL. Lei Federal nº 11.977 de 7 de julho de 2009. Código de direito canônico. Promulgado pelo pontífice João Paulo II. São Paulo: Loyola., 1983. FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 141. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. GOMES, Orlando. Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1999. SALGE JUNIOR, Durval. Instituição do bem ambiental no Brasil pela Constituição Federal de 1988: Seus reflexos jurídicos ante os bens da União. 1. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.

DECISÕES EM DESTAQUE

Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

ÍNDICE DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 RECURSO ADMINISTRATIVO Nº1004756-32.2016.8.26.0533 - Pág 10

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 RECURSO ADMINISTRATIVO Nº 1041031-18.2016.8.26.0100 - Pág 11

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 RECURSO ADMINISTRATIVO Nº 1005255-45.2016.8.26.0297 - Pág 12

DECISÃO JURISDICIONAL #1 PROCESSO 2016/0228964-5 - Pág 14

DECISÃO JURISDICIONAL #2 PROCESSO 2013/0147016-0 - Pág 15

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DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 CONCLUSÃO Em 2 de maio de 2017, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. (211/2017-E) ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL - Devedor que, intimado pelo Sr. Oficial para purgação da mora, pretende a suspensão do procedimento para debater, administrativamente, aspectos da dívida - Impossibilidade, à míngua de previsão legal - Procedimento previsto pelo art 26 da Lei 9514/97 que apenas prevê, na esfera extrajudicial, possibilidade de purgação integral da mora - Pretensão de redução da dívida que só tem cabimento no âmbito judicial - Recurso Desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Cuida-se de recurso interposto em face de r. sentença que julgou procedente pedido de providência, para afastar a possibilidade de se debater, na esfera administrativa, a legalidade de cláusulas contratuais de alienação fiduciária de bem imóvel. Sustenta o recorrente, devedor fiduciante, que o direito de petição permite que a pretensão de redução da dívida seja veiculada Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Cuida-se de recurso interposto em face de r. sentença que julgou procedente pedido de providência, para afastar a possibilidade de se debater, na esfera administrativa, a legalidade de cláusulas contratuais de alienação fiduciária de bem imóvel. Sustenta o recorrente, devedor fiduciante, que o direito de petição permite que a pretensão de redução da dívida seja veiculada perante o Sr. Oficial, havendo de ser suspenso o procedimento para purgação da mora. Invoca, em seu favor, o art. 17 da Lei 8.159/91. O Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso. E o relatório. A lei 9514/97 não concedeu qualquer margem decisória aos Srs. Oficiais de Registro de Imóveis, acerca do valor devido pelo fiduciante, em alienação fiduciária de imóvel. Com efeito, o procedimento traçado no respectivo art. 26 apenas prevê intimação do devedor fiduciante para purgação da mora, com quitação do valor apontado pelo credor como devido, aí incluídos “a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros 10 ARISP JUS

convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação”. A norma não abre qualquer possibilidade de mediação por parte do Sr. Oficial para realização de acordo que implique redução de parte da dívida, ou para análise de eventuais ilegalidades apontadas pelo devedor. A sede adequada para tanto é a judicial. Lá, sim, há oportunidade para amplo debate acerca dos elementos de constituição do débito, com observância do constitucional direito de petição. Tampouco há norma que ampare a pretensão de suspensão do procedimento administrativo, tal como postulado pelo recorrente ao Sr. Oficial. Na forma do art. 26 da lei 9514/97, o devedor, uma vez intimado, ou bem purga a mora, fazendo convalescer o contrato (art. 26, §5°), ou estará consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário (art. 26, §7°). Reitere-se, almejando afastar os efeitos da mora e discutir a validade de elementos que compõem a dívida em comento, haveria o recorrente de manejar demanda judicial. Como bem decidido pela r. sentença atacada, não é a via administrativa própria a tanto. Por fim, não há mínima correlação entre a hipótese vertente e o direito a requerer certidão de registro sem precisar informar ao oficial ou funcionário o motivo do pedido, tal como previsto no art. 17 da Lei 8.159/91, ventilado pelo recorrente. Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo. Sub censura. São Paulo, 16 de maio de 2017. Iberê de Castro Dias Juiz Assessor da Corregedoria DECISÃO Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 18 de maio de 2017. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2

Nos moldes do art. 213, § 6o, da Lei 6.015/73, que disciplina o procedimento para retificação administrativa de registro imobiliário: “§ 6° Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado transação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias.”

Em 7 de junho de 2017, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo (231/2017-E) REGISTRO DE IMÓVEIS - RETIFICAÇÃO Pretensão de reunificação de lotes, incluindo a via que serve de ligação com a malha viária Área, porém, que não figura em qualquer das matrículas dos lotes adquiridos pela recorrente Dúvida fundada acerca da respectiva titularidade, que bem pode ser da Fazenda Municipal, como via pública Remessa às vias ordinárias, nos termos do art. 213, § 6o, da Lei n.° 6.015/73 Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,Tratase de recurso administrativo tirado em face de r. sentença que julgou improcedente pedido de retificação de registro imobiliário, dando por fundamentada a impugnação apresentada pela Fazenda Municipal e remetendo os interessados às vias ordinárias. A recorrente afirma que a área objeto da impugnação seria de uso comum aos proprietários dos lotes por ela servidos, bastando suprir a omissão a tal fato nas matrículas imobiliárias. Refuta a existência de dúvida fundada acerca da respectiva propriedade, batendo-se pela imediata retificação, ainda em sede administrativa. É o relatório. Cumpre, de início, tecer breve escorço histórico do imóvel em questão. Tratava-se de terreno único, posteriormente loteado. Com o loteamento, abriu-se via que serve de acesso dos lotes à malha viária. O debate cinge-se a delinear quem, seja proprietário da via de acesso que corta os lotes. A recorrente adquiriu todos os lotes e, agora, almeja reunificar o terreno loteado, o que abarcaria a via de acesso. Não obstante, a via em comento não está abarcada pela descrição de qualquer dos lotes. A reunificação buscada implicaria incorporação, aos imóveis da recorrente, de área que não figura nas matrículas. Frise-se que em nenhuma das transmissões de propriedade posteriores ao loteamento houve transferência, a qualquer dos adquirentes, da área correspondente à via em questão. Sustenta a Fazenda Municipal que a via é pública. Quando menos, é de se tomar a impugnação trazida pela municipalidade como merecedora de análise mais aprofundada, inclusive com dilação probatória, antes de se conceder a retificação postulada.

E, na hipótese vertente, pende fundada dúvida acerca da titularidade da via pública, de tal arte que a remessa dos interessados às vias ordinárias era mesmo de rigor. E.

Para o mesmo Norte, aponta a sedimentada jurisprudência do STJ: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO PÚBLICO - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - OFERECIMENTO DE IMPUGNAÇÃO FUNDAMENTADA - ALEGAÇÃO DE INVASÃO DE FAIXA DE TERRA - REMESSA DAS PARTES ÀS VIAS ORDINÁRIAS DETERMINADA PELA CORTE DE ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA. 1. “Existindo impugnação fundamentada e dúvida sobre a área, que depende da produção de provas, inviável a retificação do registro, previsto no Art. 213 da Lei 6.015/73.” (AgRg no REsp 547840/MG, Rei. Ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ 07/01/2005). 2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1156104 / SC, Rei. Min. Marco Buzzi, j. 6/2/14). “PROCESSUAL CIVIL E REGISTRO IMOBILIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL (LEI 6.015/73, ART. 213). PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. INVIABILIDADE ANTE AS IMPUGNAÇÕES APRESENTADAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. Inexiste no v. acórdão recorrido violação ao art. 213, § 4o, da Lei 6.015/73, na redação dada pela Lei n° 9.039, de 1995, vigente à época da decisão proferida na ação, a qual dispunha, claramente, que, existindo impugnação fundamentada do pedido, este não deverá ser apreciado, remetendo-se a parte às instâncias ordinárias, para dedução de sua pretensão em sede de jurisdição contenciosa. 2. Na espécie, pelo menos duas impugnações fundamentadas foram apresentadas ao pedido deduzido na inicial. A discussão acerca da fundamentação dessas impugnações demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é inadmissível em sede de recurso especial, em face da incidência da Súmula 7/ STJ. 3. Recurso especial desprovido.” (REsp 910143 / MS, Rei. Min. Raul Araújo, j. 5/11/13).

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“DIREITO CIVIL. Registros Públicos. Recurso especial. Dúvida suscitada. Interesse legítimo de terceiro. Impugnação fundamentada. Remessa às vias ordinárias. - Se remanesce a dúvida, por meio de impugnação fundamentada de legítimo interessado detentor de possível fideicomisso, averbado de ofício por oficial do registro imobiliário competente, de imóvel em relação ao qual foi requerido posteriormente registro de doação pelos requerentes de retificação , deve o Juiz remeter os interessados às vias ordinárias, em que a contenciosidade permite amplo debate acerca dos direitos subjetivos em contraposição. - Ora, sem a ampla defesa e o contraditório do detentor de interesse legítimo, não remanesce possibilidade alguma de levar-se adiante a dúvida suscitada, tão-só pela via administrativa, que se toma perigosamente nociva àquele que sequer foi citado para a lide, permitindo-se que o procedimento de jurisdição voluntária seja equivocadamente utilizado em detrimento do possível direito de terceiro. Recurso especial provido.” (REsp 678371 / MG, Rei. Min. Nancy Andrighi, j. 14/10/08) Ante o exposto, o parecer que submeto a Vossa Excelência propõe, respeitosamente, que se negue provimento ao recurso. Sub censura. São Paulo, 12 de junho de 2017.

DECISÃO Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se. São Paulo, 13 de junho de 2017. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 CONCLUSÃO Em 29 de junho de 2017, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador PEREIRA CALÇAS, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. (255/2017-E) ENFITEUSE - REGISTRO POSTERIOR À ENTRADA EM VIGOR DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 IMPOSSIBILIDADE PRECEDENTE DO E. CNJ. À luz do art. 2.038 do Código Civil de 2002, inviável o registro de enfiteuse depois de 1/11/03, ainda que o título que a veicula seja anterior. Precedente do E. CNJ. Inviabilidade, porém, de cancelamento dos registros já efetuados, que exigem que os interessados sejam partes da lide. A exigência de comprovação de quitação do laudêmio, na forma do item 59, j, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ, para registro de transferência da propriedade, não prevalece para hipóteses em que a enfiteuse, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não esteja registrada. Recurso parcialmente provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça, Cuida-se de recurso administrativo tirado de r. sentença que julgou improcedente pedido de providência para cancelamento de registros de enfiteuse lavrados depois da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Sustentou o recorrente que o art. 2.038 da lei Civil expressamente impede que se lavre, depois de 11/1/03, registro de enfiteuse, ainda que o título tenha sido pactuado antes daquela data. Requereu cancelamento de todos os registros de enfiteuse lavrados sob vigência do Código Civil de 2002, além de ordem para que o Sr. Registrador abstenha-se de efetuar registro de enfiteuse, bem como de exigir comprovação de pagamento de laudêmio para registrar título de transferência de propriedade, nas hipóteses em que a enfiteuse não esteja registrada. O Ministério Público opinou pelo parcial provimento do recurso. É o relatório. À luz do art. 2.038 do Código Civil: “Art. 2.038. Fica proibida a constituição de enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil anterior, Lei n° 3.071. de l°de janeiro

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de 1916. e leis posteriores.”

O cerne da contenda está em definir se a enfiteuse considera-se constituída com a mera contratação hipótese em que o registro seria possível, mesmo depois de 11/1/2003 ou somente com o registro, que, pois, ficaria vedado a partir daquela data. Nos moldes do ordenamento pátrio, é o registro que constitui direitos reais sobre imóveis. Até então, há apenas direito pessoal, a surtir efeito somente entre as partes contratantes. Pertinentes os magistérios de Francisco Eduardo Loureiro: “O terceiro sistema, denominado misto ou eclético, foi o acolhido em nossos Códigos de 1916 e atual. Para nós, o registro é constitutivo do direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos.” (Código Civil Comentado, SP: Manole, 10a ed., p. 1.127)

Assim é que a adequada intelecção do art. 2.038 resulta na vedação ao registro de novas enfiteuses, depois de 11/1/03, data da entrada em vigor do Código Civil. E é justamente para acertamentos como o registro das enfiteuses contratadas até então que se presta o prazo ânuo de vacatio legis, consideravelmente generoso, aliás, na hipótese vertente. Analisando o artigo em comento, Nelson Rosenvald esclarece: “O dispositivo veda a constituição de enfiteuses e subenfiteuses particulares a partir de 11.01.2003. Todavia, em respeito à situações jurídicas consolidadas na vigência do CC/1916, preserva as enfiteuses já registradas na conformidade de suas normas.” (Código Civil Comentado, SP: Manole, 10a ed., p. 2.266).

Para o mesmo Norte aponta a orientação do Egrégio Conselho Nacional de Justiça, ao declarar nulo o Provimento 10/2013 da Altiva Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Piauí, que permitia, mesmo depois de 11/1/03, registro de enfiteuses lavradas sob a égide do Código Civil pretérito. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA PARA REGISTRO DE ENFITEUSES APÓS O ADVENTO DO NOVO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE. ANULAÇÃO DO PROVIMENTO N. 10/2013 DA CORREGEDORIA- GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. I. O Código Civil vigente (art. 2.038) proibiu a constituição de novas enfiteuses e subenfiteuses civis, restando somente as administrativas e as civis constituídas sob a égide do Código Civil de 1916, ao qual se subordinam. A constituição de enfiteuses, por sua vez, só se opera pelo registro, antes do que existe apenas mero negócio jurídico. II. O Provimento n. 10/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Piauí, ao autorizar o registro tardio de “enfiteuses

fáticas”, contraria o disposto no artigo 2.038 do Código Civil. III. A permissão contida no ato administrativo atacado também afigura-se danosa à segurança jurídica da questão fundiária e registrai daquele Estado, porquanto transfere aos titulares de Cartórios de Registros de Imóveis a extraordinária tarefa de verificar e atestar a regularidade de enfiteuses supostamente conferidas (de fato) até 11 de janeiro de 2003, data da vigência do atual Código Civil, dando azo a possíveis fraudes, conluios e “grilagens”. IV. O ato administrativo impugnado perpetua indefinidamente a possibilidade de constituição (registro) de enfiteuses, bastando que o interessado “convença” o cartorário de que o negócio jurídico foi celebrado antes da vigência do atual Código Civil. V. Essa permissão toma-se ainda mais preocupante quando se leva em conta a possibilidade de registro de enfiteuse de terra pública, com base em documentos supostamente antigos, em procedimento sintético e interno de uma serventia extrajudicial, em evidente risco para o erário. VI. Pedido julgado procedente para declarar nulo o Provimento n. 10/2013 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Piauí.” (PCA 0007097-27.2013.2.00.0000, Rei. Conselheiro Rubens Curado, j. 2/12/14)

Na situação em berlinda, todavia, afigura-se inviável, à míngua da presença dos interessados em qualquer dos polos da lide, cancelar os registros de enfiteuse em análise. Com efeito, eventual decisão, ainda que administrativa, afetaria, de imediato, direitos de enfiteutas e senhorios, a impor as respectivas presenças como partes da demanda. Resta obstar que novos registros de enfiteuse sejam lavrados. De outro bordo, determina o item 59, j, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ: “59. As escrituras relativas a bens imóveis e direitos reais a eles relativos devem conter, ainda: j) nas escrituras relativas à transferência do domínio útil, a referência ao comprovante de pagamento dos três últimos foros anuais, se a enfiteuse recair sobre propriedade privada;”

Não obstante, na esteira do quanto reiteradamente decidido no âmbito desta ínclita Corregedoria Geral, a comprovação de quitação dos três últimos foros anuais só será essencial para que se lavre escritura de transferência de propriedade ou domínio útil nas hipóteses em que a enfiteuse “estiver devidamente registrada no fólio real, constando da respectiva certidão imobiliária” (Autos n.° 112/2006, parecer da lavra do MM. Juiz Assessor Roberto Maia, 13/3/06). Na ocasião, também se fez remissão a decisões no mesmo sentido nos autos CG 1.635/95 (Santa Adélia) e CG 146/91 (Bebedouro): “Finalmente, tais julgados observaram ser diferente a hipótese de não haver sido registrado o aforamento por inércia, desídia ou omissão do interessado (o senhorio direto que não apresentou o ARISP JUS 13

título instituidor da enfiteuse ao fólio real). Nestes casos, nenhuma providência caberá ao tabelião ou ao oficial registrador, que não exigirão comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento de laudêmio.”

Por todo o exposto, o parecer que, respeitosamente submeto à apreciação de V. Exa é no sentido de se dar parcial provimento ao recurso, para determinar ao Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Jales que se abstenha de: a) proceder a novos registros de quaisquer títulos com pactuação de enfiteuse particular, nos moldes do art. 2.038 do Código Civil; b) exigir comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento do laudêmio, quando observar que, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não há registro da enfiteuse. Sub Censura. São Paulo, 6 de julho de 2017 Iberê de Castro Dias Juiz Assessor da Corregedoria DECISÃO Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou parcial provimento ao recurso, para determinar ao Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Jales que se abstenha de: a) proceder a novos registros de quaisquer títulos com pactuação de enfiteuse particular, nos moldes do art. 2.038 do Código Civil; b) exigir comprovação de resgate do aforamento ou do pagamento do laudêmio, quando observar que, por inércia, desídia ou omissão do interessado, não há registro da enfiteuse. Publique-se. São Paulo, 7 de Julho de 2017. PEREIRA CALÇAS Corregedor Geral da Justiça

DECISÃO JURISDICIONAL #1 Processo AgInt no AREsp 975206 / BA AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2016/0228964-5 Relator(a) Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI (1145) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 27/04/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 04/05/2017 Ementa AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGISTRO PÚBLICO. AVERBAÇÃO. PROTESTO CONTRA A ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS. PROVIMENTO LIMINAR DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. REEXAME. SÚMULAS N. 7/STJ E 735/STF. NÃO PROVIMENTO. 1. Valendo-se do poder geral de cautela, pode o magistrado determinar, de ofício, providência que lhe pareça cabível e necessária ao resultado útil do processo. No caso dos autos, determinou-se a averbação de protesto contra a alienação de imóveis em processo no qual se postula a nulidade de testamento e doações. 2. O STJ, em sintonia com o disposto no enunciado da Súmula 735 do STF, entende que, via de regra, não é cabível recurso especial para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em razão da natureza precária da decisão, sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada ou revogada pela sentença de mérito. Apenas violação direta ao dispositivo legal que disciplina o deferimento da medida autorizaria o cabimento do recurso especial, no qual não é possível decidir a respeito da interpretação dos preceitos legais que dizem respeito ao mérito da causa. Precedentes. 3. Ainda que cabível, em tese, o recurso especial, seria imprescindível o reexame do contexto fático e probatório dos autos para a verificação dos pressupostos ensejadores da medida, providência inviável nesta instância em face da Súmula 7 do STJ, conforme a jurisprudência pacífica desta Corte. 4. Agravo interno a que se nega provimento. Acórdão A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Referência Legislativa

alienação.

LEG:FED SUM:****** ANO:**** ***** SUM(STJ) SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007.

3. Desse modo, o presente conflito de competência é circunscrito à definição do Juízo perante o qual devem prosseguir os atos tendentes à satisfação do remanescente do crédito derivado de contrato de alienação fiduciária em garantia, visto que a consolidação da propriedade do bem dado em garantia, e sua consequente e necessária alienação, não foi suficiente para a quitação integral da dívida. 4. Segundo a doutrina e os precedentes específicos desta Corte, no caso de alienação fiduciária em garantia, consolidada a propriedade e vendido o bem, o credor fiduciário ficará com o montante arrecadado, desaparecendo a propriedade fiduciária. Eventual saldo devedor apresenta natureza de dívida pessoal, devendo ser habilitado na recuperação judicial ou falência na classe dos credores quirografários. 5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da Recuperação Judicial.

LEG:FED SUM:****** ANO:**** ***** SUM(STF) SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SUM:000735. Veja (REALIZAÇÃO DE PROVA POR INICIATIVA DO JUIZ - PODER GERAL DE CAUTELA). STJ - REsp 507167-SC, REsp 11260-SP (MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA). STJ - AgInt no AREsp 920494-RJ.

DECISÃO JURISDICIONAL #2 Processo CC 128194 / GO CONFLITO DE COMPETENCIA 2013/0147016-0 Relator(a) Ministro RAUL ARAÚJO (1143) Órgão Julgador S2 - SEGUNDA SEÇÃO Data do Julgamento 28/06/2017 Data da Publicação/Fonte DJe 01/08/2017 Ementa CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUÍZO DA EXECUÇÃO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DEVEDOR FIDUCIANTE EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE PELO FIDUCIÁRIO. VENDA DO BEM. EXTINÇÃO DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA. VALOR ARRECADADO INSUFICIENTE PARA O PAGAMENTO DA DÍVIDA. SALDO DEVEDOR. NATUREZA QUIROGRAFÁRIA. SATISFAÇÃO DO REMANESCENTE DA DÍVIDA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. A princípio, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bem móvel ou imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, consoante disciplina o art. 49, § 3º, da Lei 11.101/2005. 2. Porém, no caso dos autos, o bem alienado fiduciariamente em garantia já foi objeto de apreensão judicial e adjudicado ao exequente, com a consolidação da propriedade e sua posterior

Acórdão Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do conflito negativo para declarar a competência do Juízo de Direito de Jandaia - GO, Juízo da Recuperação Judicial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, julgado prejudicado o exame dos embargos de declaração opostos por Piran - Sociedade de Fomento Mercantil Ltda. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator. Afirmou suspeição a Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Sustentou oralmente o Dr. Marcelo Alves de Oliveira, pela interessada PIRAN - SOCIEDADE DE FOMENTO MERCANTIL LTDA. Referência Legislativa LEG:FED LEI:011101 ANO:2005 ***** LF-05 LEI DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL E DE FALÊNCIA ART:00049 PAR:00003

JUDICIAL

E

Veja (ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA - VENDA DO BEM - VALOR ARRECADADO INSUFICIENTE PARA O PAGAMENTO DA DÍVIDA - SALDO DEVEDOR - CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO). STJ - REsp 847759-MG, REsp 5250-SP, REsp 5925-RS. (RECUPERAÇÃO JUDICIAL - JUÍZO DA EXECUÇÃO E JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - ATRIBUIÇÃO). STJ - CC 145027-SC, CC 112799-DF. ARISP JUS 15

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