Organização Pan-Americana da Saúde Série Saúde Ambiental 2 ISBN 978-85-87943-95-8
9 788587 943958
Enfoques ecossistêmicos em saúde: perspectivas para sua adoção no Brasil e países da América Latina
Organização Pan-Americana da Saúde Organização Mundial da Saúde Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde Fundação Oswaldo Cruz
Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
Série Saúde Ambiental 2
Brasília 2009
2009 © Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS / Ministério da Saúde. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que seja citada a fonte e não seja para venda ou qualquer fim comercial. Tiragem: 1ª edição – 2009 – 1.000 exemplares Série Saúde Ambiental 2 Elaboração, distribuição e informações: Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS/OMS Setor de Embaixadas Norte, Lote 19 CEP: 70800-400 – Brasília-DF – Brasil
Fundação Oswaldo Cruz Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia Rua Terezina, 476, Adrianópolis Manaus – AM. CEP: 69.057-070 Internet: http://www.amazonia.fiocruz.br/
Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca Avenida Leopoldo Bulhões, 1480, Manguinhos Rio de Janeiro – RJ, CEP: 21041-210 Internet: http: //www.ensp.fiocruz.br
Organizador Carlos Machado de Freitas – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Colaboração Antonio Levino – Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia Brani Rozemberg – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Carlos Corvalán OPS/OMS – Representação Brasil Carlos Machado de Freitas – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Daniel Forsin Buss – Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz Jean Remy Daveé Guimarães – Instituto de Biofísica – UFRJ Josino Costa Moreira – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Leandro Luiz Giatti – Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia Marcelo Firpo de Souza Porto – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Marcus Vinícius Polignano – Faculdade de Medicina – UFMG Marisa Soares – Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz Paulo Chagastelles Sabroza – Escola Nacional de Saúde Pública – Fiocruz Sergio Luiz Bessa Luz – Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia Revisão Mara Lucia C. Oliveira – Representação da OPAS/OMS no Brasil Caroline Habe – Representação da OPAS/OMS no Brasil Capa, Projeto Gráfico e Diagramação All Type Assessoria Editorial Ltda Impresso no Brasil/Printed in Brazil
Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação da Organização Pan-Americana da Saúde – Representação do Brasil Organização Pan-Americana da Saúde. Enfoques ecossistêmicos em saúde – perspectivas para sua adoção no Brasil e países da América Latina. / Organização Pan-Americana da Saúde. – Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2009.
44 p: il.
ISBN 978-85-87943-95-8
1. Ecossistema - Brasil. 2. Saúde Pública - Brasil. I. Organização Pan-Americana da Saúde. II. Título. NLM: QH 541.15.E265
Sumário 5
Apresentação
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Introdução
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As duas grandes vertentes dos enfoques ecossistêmicos
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Enfoques ecossistêmicos e saúde pública – um breve panorama para o Brasil
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Enfoques ecossistêmicos nas revistas de saúde pública da América Latina
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Enfoques ecossistêmicos em saúde – resumo das apresentações do workshop de Manaus
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Perspectivas para adoção dos enfoques ecossistêmicos em saúde
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Referências
Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
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Enfoques ecossistêmicos em saúde –Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina1 Siglas AES ASE AM Bird C CAP CETAM DDT EEP ENSP FMI FUNASA GTA Hg IDRC ILMD MEA MeHg N ODM OMC OMS OPAS/OMS PB PCB PLUPH PNUMA PR PSF SARS SCIELO Se SIG SOHO SP SUS UFMG UFPA UFRJ USP UQAM VPSRA
Abordagem Ecossistêmica em Saúde Abordagem da Saúde de Ecossistemas Amazonas Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento Símbolo químico do Carbono Comunidade Ampliada de Pares Centro de Ensino Tecnológico do Amazonas Dicloro-Difenil-Tricloroetano Escola de Engenharia de Piracicaba Escola Nacional de Saúde Pública Fundo Monetário Internacional Fundação Nacional de Saúde Grupo Técnico de Apoio Simbolo quimico do mercúrio International Development Research Centre Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazônia Milleniun Ecosystem Assessment Cloreto de metil mercúrio Símbolo químico do nitrogênio Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Organização Mundial do Comércio Organização Mundial da Saúde Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde Símbolo químico do chumbo Policloretos de Bifenilo Poor Land Use - Poor Health Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Paraná Programa de Saúde da Família Severe Acute Respiratory Syndrome A Scientific Electronic Library Online Símbolo químico do selênio Sistema de Informação Geográfica Self Organizing Holarquic Open São Paulo Sistema Único de Saúde Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal do Pará Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade de São Paulo Université du Québec à Montreal Vice-Presidência de Serviços de Referência e Ambiente
1 Texto elaborado para o Workshop Abordagem Ecossistêmica em Saúde, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2008 no Instituto Leônidas e Maria Deane da Fundação Oswaldo Cruz (ILMD – FIOCRUZ), na cidade de Manaus em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS) Representação Brasil.
Apresentação A Representação da Organizaçăo Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) no Brasil, em parceria com o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazônia (ILMD/FIOCRUZ/MS) apresenta o segundo volume da série de publicações sobre Saúde Ambiental com o título “Enfoques ecossistêmicos em saúde – perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina”, produzido como subsídio aos debates realizados no workshop sobre “Abordagem Ecossistêmica em Saúde” realizado em Manaus nos dias 18 e 19 de novembro de 2008. O workshop, realizado pelo ILMD/FIOCRUZ/MS em parceria com a OPAS/OMS, contou com a participação representantes de 15 instituições federais, estaduais e locais, atuantes nas áreas de saúde e meio ambiente da região Amazônica e de estudiosos e pesquisadores dos temas de saúde e enfoques ecossistêmicos. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio foi desenvolvida entre 2001 e 2005, para compreender melhor as consequências de mudanças nos ecossistemas sobre o bem-estar humano e para estabelecer a base científica das ações necessárias à melhoria, à conservação e ao uso sustentável dos ecossistemas e suas contribuições para o bem-estar humano. O enfoque ecossistêmico faz a conexão da gestão ambiental com a compreensão holística da saúde humana, considerando os fatores sociais, econômicos e culturais inerentes a um ecossistema O objetivo do evento foi conhecer melhor a proposta de avaliação ecossistêmica e sensibilizar os profissionais que atuam na área de saúde para a sua aplicação visando conhecer como as mudanças nos serviços dos ecossistemas influem no bem-estar humano. Espera-se, com esta edição, contribuir, no Brasil e em outros países da região, com os gestores e trabalhadores das áreas de saúde e ambiente, bem como representantes da sociedade interessados na questão e para que se busque uma atuação mais efetiva de todos voltada para a proteção da saúde.
Diego Victoria Representante da OPAS/OMS no Brasil
Roberto Sena Rocha Diretor do Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazônia
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Fonte: www.fmc.am.gov.br/floresta amazonica1.jpg Vista áerea floresta Amazônica
Introdução Segundo uma síntese preparada pela OMS dos resultados da Avaliação Ecossistêmica do Milênio1, impulsionada pelas Nações Unidas com o propósito de conhecer e avaliar as consequências das relações existentes entre meio ambiente e bem-estar humano, a questão que se procurou responder foi “por que os ecossistemas são importantes para a saúde humana”, estando a resposta associada ao fato de constituírem os sistemas de suporte, as diversas formas de vida, incluindo a espécie humana (Corvalan, Hales, McMichael, 2005). Esse esforço resulta da constatação de que os serviços de ecossistemas são indispensáveis para o bem-estar e a saúde dos humanos em qualquer lugar, envolvendo complexas relações causais entre mudanças ambientais e saúde humana, que são indiretas e envolvem diferentes escalas espaciais e temporais, sendo dependentes de inúmeras forças de mudanças (OPS, 2005). Podemos considerar que o documento citado constitui um grande esforço de uma trajetória que, particularmente na passagem do século XX para o XXI, procura cada vez mais compreender e solucionar os problemas resultantes das ações humanas nas mudanças na estrutura e funcionamento dos ecossistemas. Este esforço em um momento que se constata que a partir da segunda metade do século XX, se por um lado as ações humanas sobre os ecossistemas propiciaram benefícios para o bem-estar e a saúde, por outro vem resultando em custos crescentes, com degradação de 60% dos serviços dos ecossistemas, exacerbação da pobreza e crescentes inequidades sociais e ambientais. É neste contexto que os enfoques ecossistêmicos em saúde vêm ganhando proeminência nos países da América Latina, constituindo um potencial para os modos de compreensão e busca de soluções na saúde pública e, por conseguinte, exigindo uma análise crítica de suas limitações. Feola e Bazzani (2002), do Escritório Regional para América Latina e Caribe (situado no Uruguai) do Centro Internacional de Investigações para o Desen-
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O documento “Ecossistemas e Saúde Humana: alguns resultados da Avaliação Ecossistêmica” é uma síntese elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e traduzida para o português pela Representação da OPAS/ OMS no Brasil,
Ecossistemas e Saúde Humana: alguns resultados da Avaliação Ecossistêmica do Milênio1 A Avaliação Ecossistêmica do Milênio foi desenvolvida entre 2001 e 2005, para avaliar as consequências de mudanças nos ecossistemas sobre o bem-estar humano e para estabelecer também a base científica das ações necessárias à melhoria, à conservação e ao uso sustentável dos ecossistemas e suas contribuições para o bemestar humano. A avaliação baseia-se nas vinculações entre os ecossistemas e o bem-estar humano, em particular os serviços dos ecossistemas, ou seja, os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Esses incluem o provimento de “serviços” como o abastecimento de água e alimentos; a madeira e a fibra; serviços que afetam o clima, as inundações, a seca, as doenças, os resíduos e a qualidade da água; serviços culturais, que proporcionam benefícios recreativos, estéticos e espirituais; e serviços de apoio, como aquele dado à formação de solos, a fotossíntese e o ciclo nutricional. A espécie humana, enquanto se adapta às mudanças ambientais por meio da cultura e da tecnologia, depende, em última instância, plenamente do fluxo de serviços dos ecossistemas. A Avaliação Ecossistêmica do Milênio trata de avaliar como as mudanças nos serviços dos ecossistemas influem no bem-estar humano. Supõe-se que o bemestar humano tem constituintes múltiplos. Eles incluem a saúde, considerada como sentir-se bem e ter um ambiente físico circundante saudável, o ar limpo e o acesso à água limpa; o material mínimo para uma vida boa, as formas de vida seguras e adequadas, alimentos suficientes a todo momento, a moradia, o vestuário, e o acesso a produtos; as relações sociais, incluindo a coesão social, respeito mútuo e capacidade de ajuda a outros, especialmente às crianças; a segurança, o acesso seguro aos recursos naturais e a outros recursos, a segurança pessoal, e a vigilância dos desastres naturais ou provocados pelo ser humano; por fim, a liberdade de escolha e de ação, incluindo a oportunidade de alcançar o que um indivíduo valoriza como ser e fazer.
1 O processo de Avaliação Ecossistêmica do Milênio, impulsionado pelas Nações Unidas, é um grande esforço da comunidade científica para conhecer e avaliar as consequências das relações existentes entre meio ambiente e bem-estar humano, o qual gerou grandes informes, que podem ser acessados no endereço http://www.maweb. org/en/index.aspx. Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
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Por que os ecossistemas são importantes para a saúde humana? Fundamentalmente, os ecossistemas constituem sistemas de apoio à vida do planeta – para as espécies humanas e para todas as outras formas de vida. A necessidade biológica do ser humano de ter alimento, água, ar puro, abrigo e uma condição climática relativamente constante é básica e inalterável. Os serviços dos ecossistemas são indispensáveis para o bem-estar de todas as pessoas, em todos os lugares do mundo. As relações de causa e efeito entre as mudanças ambientais e a saúde humana são complexas, por serem frequentemente indiretas, deslocadas no espaço e no tempo, e dependentes de várias forças modificadoras.
Figura: Relação entre os serviços dos ecossistemas e seus impactos no bem-estar humano, com ênfase na saúde
Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
volvimento (Canadá), iniciam as reflexões finais da publicação “Desafios y Estrategias para la Implementación de um Enfoque Ecosistémico para la Salud Humana em los países em Desarrollo: reflexiones a propósito de las consultas regionales realizadas” com um enunciado que chama a atenção para os desafios que se colocam para este tipo de abordagem: 8
O enfoque ecossistêmico para a saúde humana (ecosaúde) apresenta muitos desafios, pois atravessa as fronteiras tradicionais da investigação. De fato, constitui-se em um novo enfoque que conecta a gestão ambiental integrada com uma compreensão holística da saúde humana, considerando os importantes fatores sociais, econômicos e culturais
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inerentes a um ecossistema. (Feola & Bazzani, 2002:67) Da citação do texto de Feola e Bazzani (2002), podemos inferir que o enfoque ecossistêmico em saúde representa, como abordagem integrada, importantes possibilidades de aplicação nos países da América Latina e também desafios no que se refere às possibilidades de trabalho integrado para o diagnóstico e gestão dos problemas ambientais e de saúde. Tomando por base este texto, assim como outros que vêm procurando abordar estes enfoques nos seus aspectos teóricos e conceituais, como também práticos e de investigação, tanto no Brasil (Possas, 2001; Minayo, 2002; Freitas, 2007) como em outros países (WRI, 2000), principalmente Canadá (Waltner-Toews, 2004; Lebel, 2003), consideramos que os mesmos envolvem pelo menos três pressupostos: 1) para ser integrado, envolvem a reunião de informações diversas, que possibilitem demonstrar as interfaces entre bens e serviços dos vários ecossistemas que devem ser equilibradas com as metas ambientais, políticas, sociais e econômicas; 2) para resultar em propostas de gestão ambiental integrada, envolvem a formulação de políticas públicas amplas e instituições mais efetivas para implementar as mesmas;
3) para ser mais holístico na compreensão dos problemas e resultar em gestão ambiental mais efetiva, devem envolver a participação do público na gestão dos ecossistemas, particularmente as comunidades locais. Com base nestes três pressupostos, organizamos este texto para fornecer subsídios para a reflexão sobre as perspectivas de adoção desses enfoques no Brasil, em especial, e na América Latina, de modo geral. Na primeira parte, descrevemos e comparamos as duas vertentes que se encontram na base do debate teórico e metodológico sobre os enfoques ecossistêmicos: (a) Abordagem de Saúde de Ecossistemas (ASE); (b) Abordagem Ecossistêmica em Saúde (AES). Na segunda parte, realizamos uma breve análise da produção científica brasileira, tendo como base artigos, livros e capítulos livros. Na terceira parte, analisamos a produção científica tendo como base artigos publicados em revistas de saúde pública da América Latina. Na quarta parte, apresentamos o resumo dos trabalhos apresentados no workshop Abordagem Ecossistêmica em Saúde, realizado nos dias 18 e 19 de novembro de 2008 no Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz Amazônia, Manaus. Na última parte, a partir destes elementos e subsídios, fazemos breve balanço dos enfoques ecossistêmicos no Brasil e na América Latina.
Foto: All type Assessoria Editorial
Vitória Régia Fonte: www.fmc.am.gov.br
As duas grandes vertentes dos enfoques ecossistêmicos De acordo com Freitas e col. (2007), podemos identificar na atualidade duas grandes vertentes que estão na base dos estudos que adotam um enfoque ecossistêmico. Uma valoriza fortemente o desenvolvimento de modos de mensuração que permitam identificar sinais e sintomas de como as mudanças nos ecossistemas podem afetar a saúde dos mesmos e, por conseguinte, apresentam o potencial presente ou futuro de afetar a saúde humana (Rapport, 1998a; Jorgensen e col., 2005; Aron & Patz, 2001). A outra valoriza fortemente o desenvolvimento de abordagens contextuali-
zadas e participativas para compreensão e busca de soluções acerca de mudanças nos ecossistemas de determinados lugares (aldeias, vilarejos, pequenas cidades, por exemplo) e suas consequências sobre a saúde das comunidades locais (Kay e col., 1999; Waltner-Toews, 2004; Lebel, 2003). A primeira privilegia a construção de informações científicas que subsidiem a tomada de decisão. A segunda privilegia a construção coletiva de informações, de modo que os atores locais possam participar de modo mais qualificado das demandas ou mesmo das tomadas de decisões.
Têm ocorrido mudanças nos ecossistemas? E quais são as implicações para a saúde humana? A estrutura e o funcionamento dos ecossistemas do mundo foram mais rapidamente modificados na segunda metade do século 20 do que em qualquer outro período da história da humanidade. Os seres humanos estão alterando de forma fundamental – e, de certo modo, irreversível – a diversidade da vida na terra em um grau significativo de irreversibilidade. No geral, e para a maioria dos países, as mudanças causadas aos ecossistemas do mundo, em décadas recentes, propiciaram benefícios substanciais para o bem-estar humano e para o desenvolvimento. Muitas das alterações mais significativas nos ecossistemas foram essenciais para satisfazer as necessidades crescentes de alimento e água; essas alterações ajudaram a reduzir a proporção de pessoas desnutridas e a melhorar a saúde humana. Entretanto, tais ganhos foram obtidos a custos crescentes na forma de degradação de diversos serviços dos ecossistemas, aumento do risco de alterações não-lineares e de larga magnitude em ecossistemas e exacerbação da pobreza para um certo número de pessoas, contribuindo para o crescimento das iniquidades e disparidades entre grupos de pessoas. Existem grandes desigualdades no acesso aos serviços dos ecossistemas. Entre os países e dentro de cada um deles, a pobreza é um determinante básico de subnutrição e doenças causadas pela falha no saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e drenagem) e outros serviços públicos. Muitas pessoas e locais afetados de forma nociva por mudanças nos ecossistemas e declínio nos serviços dos ecossistemas são altamente vulneráveis e mal equipados para enfrentar as perdas ainda mais profundas de serviços dos ecossistemas. As mudanças promovidas pelo homem nos ecossistemas e em serviços dos ecossistemas dão forma tanto às ameaças às quais as pessoas e locais são expostos como à vulnerabilidade dessas pessoas e locais a tais ameaças. Entre os grupos altamente
vulneráveis estão aqueles cujas necessidades de serviços dos ecossistemas já excederam a disponibilidade desses serviços, tais como pessoas carentes do fornecimento adequado de água limpa e habitantes de áreas com produção agrícola em declínio (incluindo uma série de regiões da África). As regiões que enfrentam os maiores desafios para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) coincidem em grande parte com as regiões que enfrentam os maiores problemas relacionados ao suprimento ecologica mente sustentável de serviços dos ecossistemas. Muitas destas regiões incluem grandes áreas de terras secas, nas quais uma combinação de população em crescimento e degradação do solo está aumentando a vulnerabilidade das pessoas tanto às mudanças econômicas como ambientais. A vulnerabilidade foi também aumentada pelo crescimento de populações em ecossistemas sob riscos de desastres tais como inundações e secas. As populações estão crescendo em áreas de baixada à beira-mar e em ecossistemas de terras secas. Em parte como consequência do crescimento dessas populações vulneráveis, o número de desastres naturais (inundações, secas, terremotos, etc.) que requerem assistência internacional quadruplicou nas últimas quatro décadas. A redução da saúde e do bem-estar humano tende a au mentar a dependência imediata dos serviços dos ecossistemas, e a pressão adicional resultante pode prejudicar a capacidade desses ecossistemas de prover tais serviços. À medida que o bem-estar diminui, as opções disponíveis para que as pessoas regulem o seu uso dos recursos naturais em níveis sustentáveis também diminuem. Isso, por sua vez, faz aumentar a pressão sobre os serviços dos ecossistemas, e pode criar uma espiral descendente de pobreza crescente e degradação ainda maior desses serviços de ecossistema.
Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
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Abordagem da Saúde de Ecossistemas (ASE) A ASE busca ser uma ciência integrativa, procurando ir além das fronteiras do estresse ecológico, um campo voltado estritamente para os aspectos biofísicos dos problemas ambientais. Procura integrar ciências naturais (dimensão biofísica), sociais (dimensão socioeconômica) e da saúde (dimensão da saúde humana), utilizando como recurso a metáfora do ecossistema como um paciente, que implica: 1) diagnosticar as disfunções dos ecossistemas, por meio do monitoramento de sinais e indicadores, com o objetivo de identificar riscos de deterioração, distinguindo os ecossistemas “saudáveis” (desejáveis) daqueles considerados “patológicos” (indesejáveis); 2) oferecer opções para mudanças de estado dos ecossistemas, focalizando a estratégias preventivas a fim de reduzir custos de intervenções pós-danos, assim como perdas de oportunidades econômicas, de riscos à saúde humana e de rupturas sociais por conta da degradação ambiental ocorrida (Rapport, 1998b; Rapport, 1998c).
Inundação Amazônia 2009. Foto: Ana Fischer, SVS/MS.
Como uma ciência integradora, a ASE busca superar os limites das abordagens dominantes econômicas (centrada nos preços de mercados que refletem a escassez atual de recursos naturais e não considerando as consequências para gerações futuras), ecológicas (tendência a deixar a sociedade e atividades econômicas de lado, sendo ambas vistas como forças “exter12
Investiação ambiental. Foto: Leandro Giatti.
nas”) e das engenharias (busca de soluções pontuais baseadas em estratégias de comando e controle). A integração proposta pela ASE se faz através da análise de diferentes dimensões e atributos. Em relação às dimensões são consideradas quatro grandes estratégias de análise. Na dimensão biofísica são avaliadas as estruturas e funções dos ecossistemas, investigando fatores associados aos ciclos de nutrientes, fluxos de energias, diversidade, dominância de espécies biológicas, ciclos e sequestro de substâncias tóxicas e a diversidade de habitats. Na dimensão socioeconômica, os aspectos econômicos e sociais são tratados de forma conjunta, enfatizando as diferenças na capacidade produtiva dos ecossistemas, assim como a atribuição de diferentes valores para o meio ambiente pelas populações, que repercutem diretamente nas políticas econômicas dos países, independentemente do estágio de desenvolvimento em que se encontrem. Na dimensão saúde humana é estabelecido o nexo causal entre doenças e riscos à saúde humana e o desequilíbrio do estado de saúde dos ecossistemas, independentemente de serem doenças infectocontagiosas ou crônico-degenerativas. E, por último, no que consideram dimensão espaço-temporal, são abordadas as diferentes respostas dos ecossistemas às variadas formas de estresse, sejam uni ou multicausais, ao produzirem mudanças de efeito cumulativo e/ou sinérgico afetando a viabilidade do sistema. Por exemplo, sinais de disfunções observados em componentes isolados em escala local em uma análise tradicional e reducionista podem acabar por considerar o ecossistema em questão como saudável. Entretanto, padrões complexos inerentes às respostas dos ecossistemas sob estresse podem significar, em larga escala espacial e temporal, disfunções que tornam o mesmo ecossistema não saudável (exemplo das atividades agrícolas no nível local que podem se
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transformar em impactos para todo o sistema agropecuário) (Rapport, 1998b; Rapport, 1998c). Em relação aos atributos, a ASE sugere oito critérios/ indicadores para a saúde de ecossistemas aplicáveis na integração das dimensões explicitadas. Os três primeiros critérios/indicadores (vigor, resiliência e organização) são caracterizados por sua origem predominantemente biológica e permitem avaliar estrutura e funções dos ecossistemas, sendo considerados os componentes primários da saúde de ecossistemas. Os demais critérios/indicadores representam a capacidade de gestão, planejamento e sustentabilidade das medidas de mitigação e de compensação tomadas pela sociedade frente a situações de danos ambientais (Rapport, 1998b; Rapport, 1998c). Os oito atributos são descritos no Quadro 1. O emprego da metáfora do paciente na ASE constitui requisito fundamental para o sucesso dessa aborda-
gem, funcionando como uma poderosa ferramenta de comunicação com o público em geral. Sua importância reside na possibilidade de ampliação da noção de saúde individual e/ou coletiva para a compreensão e avaliação da saúde dos ecossistemas, assim como, a dependência da saúde individual à saúde do ecossistema em que esteja inserida. Essa nova percepção da saúde acarreta tanto no exercício de integração das ciências naturais e sociais, como traz à tona discussões que objetivam a melhor compreensão da complexidade associada ao comportamento dos ecossistemas sob as diversas pressões que nele incidem (Rapport, 1998a). A ASE entendida como uma proposta de integração de ciências une duas perspectivas distintas: (a) uma “científica” com a finalidade principal de elucidar como um determinado ecossistema funciona, analisando possíveis padrões desejáveis (saudáveis) dos ecossistemas mediante o uso de indicadores quantitativos multidisciplinares; (b) uma “valorativa” em que
Quadro 1: Atributos da Abordagem da Saúde de Ecossistemas Nome do critério/indicador
Definição do critério/indicador
Vigor
Energia ou atividade de um ecossistema. Embora o estresse dos ecossistemas esteja associado com menor vigor em termos de produtividade e potência/rendimento, isto não significa que quanto mais alta a potência/rendimento, mais saudável será o ecossistema, pois esta pode depender de subsídios externos.
Resiliência
Capacidade de um sistema enfrentar o estresse e retornar ao estado anterior, quando o estresse diminui ou termina.
Organização
Inter-relação entre os diferentes elementos bióticos e abióticos de cada ecossistema. Ecossistemas sob estresse demonstram redução da riqueza de espécies, poucas relações simbióticas e mais espécies oportunistas entre seus elementos.
Manutenção dos Serviços dos Ecos- Critério para avaliação da saúde de ecossistemas. Refere-se às funções que beneficiam sistemas as comunidades humanas, tais como provisão (alimentos, água potável, recursos genéticos, etc.), regulação (do clima, dos ciclos das águas, etc.), suporte (formação dos solos e ciclos de nutrientes) e culturais (lazer e turismo, valor espiritual e religioso). Opções de Gestão
Ecossistemas saudáveis oferecem maior diversidade de potenciais de usos, tais como colheitas/safras de recursos renováveis, recreação e provisão de água para consumo humano. Ecossistemas sob estresse não oferecem muitas opções de uso ou não conseguem manter/suportar tais opções por longos períodos.
Subsídios Reduzidos
Ecossistemas saudáveis não requerem um aumento de subsídios para manter sua produtividade. Na agricultura, o trabalho e o uso de agrotóxicos e combustíveis fósseis são insumos adicionais. Subsídios também ocorrem na forma de incentivos econômicos que encorajam a exploração de recursos naturais, sem que a produção obtida internalize os custos ambientais e de saúde. Geralmente, esses custos tendem a ser repassados para a sociedade e não para os empreendimentos que degradam.
Danos aos Sistemas Vizinhos
Ecossistemas podem prosperar a expensas de outros. Ocorre quando os resíduos ou contaminantes de uma determinada região são transportados para além de suas fronteiras, ocasionando danos em ecossistemas não geradores dos mesmos.
Efeitos Sobre a Saúde Humana
A saúde humana pode ser uma medida sinóptica da saúde do ecossistema. Ecossistemas saudáveis são caracterizados pela sua capacidade de sustentar populações humanas saudáveis.
Fonte: Adaptado de Rapport, 1998b Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
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Como os ecossistemas podem mudar no futuro? E quais seriam as implicações dessas mudanças para a saúde humana? Em todos os quatro cenários da Avaliação Ecossistêmica, as projeções de mudanças indicam o crescimento significativo no consumo dos serviços dos ecossistemas, uma perda contínua da biodiversidade e uma degradação progressiva de alguns serviços dos ecossistemas. • Durante os próximos 50 anos, as projeções indicam que a demanda por alimentos deve crescer entre 70 e 80 por cento, e a demanda por água entre 30 e 85 por cento. Em países em desenvolvimento a captação de água deve aumentar significativamente. • A segurança alimentar não será alcançada, de acordo com os cenários da Avaliação Ecossistêmica, até o ano de 2050, e será difícil erradicar a subnutrição infantil, apesar do aumento no suprimento de alimentos e de dietas mais diversificadas. • Uma severa deterioração dos serviços provenientes dos recursos de água doce (tais como habitat aquático; produção de pescado; abastecimento de água para domicílios, indústrias e agricultura) é encontrada nos cenários afetados por problemas ambientais. Menos severa, mas também digna de nota, é a deterioração prevista nos cenários que são mais proativos em relação aos problemas ambientais. • Prevê-se que perdas de habitats e outras mudanças nos ecossistemas levem a um declínio na diversidade de espécies nativas locais até o ano de 2050. Nos cenários mais promissores relacionados à saúde, o número de crianças subnutridas é reduzido, e o peso de doenças epidêmicas tais como HIV/Aids, malária e tuberculose também diminui. Uma melhoria no desenvolvimento e na distribuição de vacinas poderia permitir às populações lidar melhor com a próxima pandemia de influenza, ao mesmo tempo em que o impacto de doenças novas, como a SARS, deve ser também limitado por medidas de saúde pública bem coordenadas. Em um dos cenários menos promissores, as condições sociais e de saúde de países ricos e pobres divergiriam, e uma espiral negativa de pobreza, saúde em declínio e ecossistemas degradados poderia se desenvolver. As mudanças nos ecossistemas podem ocorrer em escala de tal magnitude que adviriam efeitos catastróficos sobre os processos econômicos, sociais e políticos dos quais depende a boa saúde humana. Por exemplo, a disseminação da insegurança com relação aos alimentos, após mudanças climáticas intensas, falência das instituições e degradação progressiva do solo poderiam agravar as desigualdades e levar a conflitos generalizados. Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
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consideram-se valores, interesses e direitos sociais, que subsidiados pelo monitoramento de indicadores, permitiria a avaliação de saúde ecossistêmica para os possíveis cenários futuros do comportamento atual (Rapport, 1998b; Rapport, 1998c).
Abordagem Ecossistêmica em Saúde (AES) A proposta apresentada pela AES envolve três aspectos fundamentais: a teoria dos sistemas complexos, a hierarquia entre diferentes agrupamentos (hólons) e a dinâmica dos ecossistemas frente às diferentes escalas (espaciais e temporais) e aspectos que devem ser utilizados para seu estudo e compreensão. A AES parte da premissa que as manifestações de doença e de saúde ocorrem em contextos socioecológicos complexos, caracterizando os ecossistemas como sistemas holárquicos abertos auto-organizáveis (SOHO – self organizing holarquic open). Essa abordagem busca determinar elos entre a saúde humana e as atividades ou eventos que perturbam o estado e a função ecossistêmica (Waltner-Toews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). O arcabouço teórico-metodológico desenvolvido na AES foi delineado em função da complexidade inerente aos sistemas spcioecológicos que envolvem um conjunto de agrupamentos hierárquicos em múltiplas escalas (espaciais e temporais) que tendem a se organizar em círculos de retro-alimentação sociais e ecológicos. O que se objetiva ao analisar esta complexidade é identificar pontos críticos de instabilidade que, por vezes, podem resultar na emergência espontânea de novas estruturas e formas de organização que conduzem a mudanças abruptas dos sistemas e podem resultar desde pequenas alterações até tragédias ambientais envolvendo o surgimento de pragas ou epidemias (Waltner-Toews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). Nessa visão, as incertezas são inerentes aos sistemas socioecológicos e conduzem a uma abordagem direcionada principalmente para os problemas ecossistêmicos e de saúde locais e regionais. Baseia-se no pluralismo metodológico e incorpora fortemente os princípios da participação social, de modo que, embora a metodologia proposta possua algumas diretrizes básicas, a construção da abordagem de investigação e análise dos ecossistemas, bem como a proposição de estratégias de gestão e políticas públicas, concentra-se nos processos de aprendizagem social e colaborativa
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entre especialistas e atores sociais locais (Waltner-Toews, 2004; Kay e col., 1999).
vida, preocupações e perspectivas futuras (WaltnerToews, 2004; Lebel, 2003).
A participação e os processos de aprendizagem social e colaborativa podem conduzir a um tipo de gestão adaptativa, que surge como uma alternativa e ao mesmo tempo como um complemento à gestão antecipatória tradicional. Na gestão adaptativa, as diferenças entre como o futuro realmente se revela e como foi antecipado que ele se revelaria, são vistas como oportunidades de aprendizagem. O enfoque adaptativo da AES presume que as decisões em torno das questões ambientais envolvem o mapeamento da visão de como os territórios ou os ambientes devem co-evoluir como uma entidade auto-organizada. Esse caminho também permite identificar quais são os atores e interesses sociais em jogo, histórias de
Embora, assim como a ASE, a AES considere também atributos/indicadores que permitam identificar se um ecossistema se encontra saudável ou não, sua metodologia se encontra centrada no processo, estabelecido em quatro etapas articuladas, conforme pode se verificar na Figura 1. Nas etapas descritas abaixo, são considerados dois aspectos fundamentais: 1) as fronteiras de um ecossistema e/ou problema ambiental são constituídas através da negociação entre os diferentes atores sociais envolvidos; 2) os papéis e as responsabilidades dos diferentes atores sociais são definidos a cada passo. Esses dois aspectos exigem daqueles que se dedicam a esta abordagem a definição de regras claras de negociação, modos de envolver nos momentos
Figura 1: Diagrama das Etapas da Abordagem Ecossistêmica em Saúde Apresentando a situação: o ponto de partida
Análise de:
Apresentando questões: queixas e/ou pesquisas/ agendas
Questões: Ecológicas, Sociais e de Saúde
A história dada: ecológica, física, social, econômica, governança, etc.
Diferentes atores, equipe de pesquisa, e outros interessados
Tomadores de decisões, políticos e outros com poder de decisão
Ações e aprendizado colaborativo:
Monitorando e avaliando indicadores: está se tornando melhor
Implementação: mudança a visão em ações
As pessoas e suas histórias: Múltiplas estórias sociais e ecológicas, quadros e descrições do sistema
Descrições e narrativas do sistema: desenvolvendo uma compreensão sistêmica:
Desenho de uma abordagem adaptativa para implementação da nova visão e do aprendizado colaborativo Busca de soluções: diálogos transversais, negociando trad-offs, criando visões, narrativa futura coletiva
Análise do sistema: Qualitativa: quadros, modelos conceituais, diagramas do sistema, diferentes perspectivas através das escalas Quantitativa: simulações, SIGs, modelos matemáticos
Síntese do sistema: Qualitativa: narrativas, estórias possíveis, trad-offs, oportunidades e constrangimentos Quantitativa: cenários, trad-offs, custos e benefícios
Fonte: adaptado de Waltner-Towes e col., 2002
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apropriados os diferentes atores com interesses conflituosos, modos de resolver os conflitos e estratégias para manter a participação dos atores até o fim do processo (Waltner-Toews, 2004; Lebel, 2003). A primeira etapa do processo consiste em definir a situação/problema (articulando uma agenda sobre problemas que devem ser compreendidos e resolvidos) envolvendo a comunidade local, e a partir daí, desenvolver uma narrativa sobre as mudanças-chave, tendências e padrões, presentes e passadas, percebidas e identificadas pela comunidade e pesquisadores. Essa etapa, que não é exaustiva e oferece um rico contexto, fornece uma base que permite compreender como um determinado sistema socioecológico chegou ao presente estado (Waltner-Toews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). A segunda etapa envolve a análise de três componentes: 1) os diferentes atores sociais e interesses envolvidos; 2) as questões socioecológicas; 3) as estratégias de políticas públicas e governança. A análise dos diferentes atores sociais e interesses não só procura identificar quem pode e deve tomar parte nas diferentes etapas de pesquisa e de gestão do problema, mas também as diferentes “versões” da realidade, representando a pluralidade de perspectivas de uma variedade de grupos. Essa análise fornece elementos para incorporar e recon-
Reunião comunidade Fonte: www.manuelzao.ufmg.br
ciliar os diferentes atores sociais e interesses na agenda de pesquisa e gestão. A análise das questões socioecológicas ocorre a partir de técnicas participativas que envolvem os diferentes atores e permite identificar problemas e oportunidades de gestão dos mesmos. Através desta análise identificam-se tanto as variáveis endógenas e exógenas de cada questão e suas interações com outras questões, como também os elementos-chave que os atores locais consideram importante na descrição do sistema e que representarão elementos para mudanças ou manutenção do status quo. A análise de políticas públicas e governança devem permitir descrever um contexto mais amplo e as estruturas relevantes para as mesmas que constranjam ou facilitem a capacidade local de lidar com os problemas. Fornece elementos para identificar, em um contexto mais amplo, o necessário a ser transformado para facilitar a busca de metas sustentáveis pelas sociedades locais (Waltner-Toews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). O resultado das duas etapas é uma série de narrativas, quadros e descrições de como o sistema socioecológico está e também uma visão do que deve mudar na situação atual. Estas narrativas, nas suas várias formas, servem de base para um processo mais formal de desenvolvimento de uma compreensão sistêmica da situação (Waltner-Toews, 2004; Kay e col., 1999).
Que ações são necessárias para tratar as consequências das mudanças nos ecossistemas em relação à saúde humana? Há duas formas de se evitar doenças e danos causados pela ruptura dos ecossistemas. Uma delas é prevenir, limi tar ou gerenciar os danos ambientais; a outra é promover qualquer alteração que seja necessária para proteger os indivíduos e as populações contra as consequências das mudanças nos ecossistemas. Dois aspectos precisam ser considerados a fim de se entender os potenciais impactos negativos sobre a saúde das mudanças nos ecossistemas: a vulnerabilidade atual (e provavelmente também futura) das populações e suas futuras capacidades de adaptação. Esses dois aspectos estão intimamente relacionados. As forças que colocam as populações em risco (tais como a pobreza e altas cargas de doenças) em muitos casos também reduzem a capacidade dessas populações de prepararem-se para o futuro. Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
A terceira etapa é de desenvolvimento de uma compreensão sistêmica das descrições e narrativas do sistema socioecológico. Envolve dois componentes, a análise quantitativa e qualitativa do sistema e a síntese das descrições do sistema, que permitem compreender como as várias narrativas interagem com cada uma para criar o que reconhecemos como sistema. A análise do sistema consiste essencialmente na construção de um modelo conceitual que descreve espacialmente e temporalmente quais são os elementos-chave da situação e como estes se encontram interconectados e inter-relacionados, identificando os importantes processos que conformaram a mesma. Esta análise pode iniciar de modo qualitativo e por vezes simples, fornecendo importantes insights e sugestões para ações e, quando dados e informações estão disponíveis, inclui análises quantitativas chegando a envolver modelos estatísticos, simulações e análises espaciais. A síntese das descrições do sistema objetiva reconstruir um modelo do sistema como um todo e analisá-lo em termos de saúde e sustentabilidade, identificando quais são os pontos-chave de interseção entre os vários submodelos e as narrativas futuras (cenários) que constituem a base da elaboração de hipóteses sobre os prováveis resultados de intervenções particulares. Esses modelos e narrativas futuras tornam-se a base das políticas públicas que sejam capazes de considerar as múltiplas perspectivas e metas envolvidas e possibilitar aos tomadores de decisões definirem um leque de opções de gestão factíveis e balancear as inter-relações entre os
aspectos sociais, econômicos e ecológicos (WaltnerToews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). Com a descrição e compreensão do sistema socioecológico em mãos, inicia-se a quarta etapa, que consiste nos seguintes componentes: 1) trabalhar com os diferentes atores relacionados ao ecossistema para encontrar caminhos que permitam negociar elementos que se intercambiam; 2) projetar abordagem adaptativa para implementar um aprendizado colaborativo; 3) implementar mudanças; 4) monitorar e avaliar as mudanças, de modo que se possa aprender com elas. O objetivo dessa etapa é colocar em ação um processo adaptativo e colaborativo de aprendizagem para a sustentabilidade do ecossistema e da saúde (WaltnerToews, 2001 e 2004; Kay e col., 1999). Ao mesmo tempo em que se ampara nas correntes compreensões sobre sistemas complexos, AES se pretende participativa e prática, tanto no modo como formalmente analisamos e sintetizamos a compreensão de sistemas multidimensionais, como nos aspectos referentes às intervenções e monitoramento das mesmas, bem como os ajustes necessários. Como podem ser priorizadas as ações que tratam das consequências para a saúde humana das mudanças nos ecossistemas? A priorização das ações que tratam das consequências para a saúde humana das mudanças nos ecossistemas deve refletir as prioridades e os valores de todos aqueles que são afetados pelas ações propostas. As decisões finais sobre a priorização, portanto, devem ser tomadas ou pelos próprios indivíduos ou por seus representantes políticos legítimos, e baseadas nesses valores. Avaliações científicas podem fundamentar esse processo de tomada de decisão. As avaliações da carga de doenças, conduzidas no contexto de uma Avaliação de Impacto na Saúde, são apropriadas para a agregação desses impactos, os quais surgem por meio de uma série de mecanismos. Tais avaliações podem, potencialmente, ajudar no estabelecimento de prioridades e tomada de decisões no contexto de mudanças em ecossistemas. Entretanto, devem ser consideradas apenas como um dos componentes da evidência, já que não podem responder totalmente pela complexidade das causas, pelas escalas de longo prazo e pela irreversibilidade potencial. Essas propriedades importantes precisam ser incluídas nas considerações finais sobre qualquer resposta a mudanças ecológicas. Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
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Foto: All type Assessoria Editorial
Enfoques ecossistêmicos e saúde pública – um breve panorama para o Brasil No Brasil, em livros ou capítulos, ou mesmo em revistas, encontramos textos que vêm tratando dos enfoques ecossistêmicos em saúde desde pelo menos 2001. Possas (2001), no artigo Social ecosystem health: confronting the complexity and emergence of infectious diseases, trata da complexidade de transição epidemiológica e aponta que esta deve envolver simultaneamente os aspectos sociais e ecológicos na compreensão da emergência e reemergência de doenças infecciosas. Para a autora, analisadas em uma perspectiva que integre o social e o ecológico, as doenças emergentes e reemergentes vêm colocando uma série de desafios para a saúde pública nos níveis nacional e global. A autora argumenta que as abordagens tradicionais e isoladas são insuficientes para enfrentar a complexidade dos problemas, exigindo-se uma abordagem transdisciplinar, denominada de “ecossistema social e
saúde”, a qual deve incorporar distintas perspectivas em um referencial teórico abrangente. Minayo (2002), no início do capítulo “Enfoque ecossistêmico de saúde e qualidade de vida” do livro Saúde e Ambiente Sustentável: estreitando nós, considera o “enfoque ecossistêmico de saúde como uma das possibilidades de construção teórico-prática das relações entre saúde e ambiente nos níveis microssociais, dialeticamente articulados a uma visão ampliada de ambos os componentes” (Minayo, 2002:173). Nesse texto, a autora chama a atenção para muitas das possibilidades desse enfoque, que, além de integrado, prevê ampla participação social na análise dos problemas ambientais e na busca de soluções a eles relacionadas. Entretanto, ela considera que, para um enfoque que se pretende integrado, existem ainda desafios metodológicos e de caráter operativo, que devem ser trabalhados para a viabilização de respostas aos problemas teóricos centrais
Projeto Caruso. Foto: Jean Remy.
Freitas (2005), no capítulo de livro publicado “As Ciências Sociais e o Enfoque Ecossistêmico em Saúde”, publicado no livro organizado por Minayo e Coimbra Críticas e Atuantes – Ciências Sociais e Humanas em Saúde na América Latina realiza uma reflexão sobre os desafios das Ciências Sociais nas questões relacionadas à saúde ambiental, tendo como base o enfoque ecossistêmico de saúde. Procura problematizá-lo e refletir sobre suas interfaces com as ciências sociais a partir da perspectiva de integrar uma compreensão que envolva os aspectos biofísicos com os sociais, mas que isto não resulte em um empobrecimento das teorias sociais sobre os problemas ambientais, como vem ocorrendo na atualidade e na maioria dos estudos que adotam enfoques ecossistêmicos em saúde.
Criadouro de mosquitos Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
do mesmo. Entre esses desafios cita, como exemplos, diagnósticos e análises sociológicas e antropológicas dos problemas em questão, incluindo fatores históricos, econômicos, culturais, sociais, de exercício do poder, da atividade produtiva e reprodutiva. Augusto, Carneiro e Martins (2005) organizaram um livro intitulado “Abordagem Ecossistêmica em Saúde – Ensaios Para o Controle de Dengue”, que tem um capítulo específico, de autoria de Abrahão (Abrahão, 2005: 137-145), dedicado ao tema do livro e intitulado “Dengue, abordagem ecossistêmica”. Para o autor, as epidemias de dengue constituiriam muito mais a evidência da crise ambiental e social do que qualquer outra coisa. Essa forma de compreensão exigiria uma abordagem ecossistêmica em substituição ao modelo químico dependente, de modo a se respeitar os sistemas ambientais de suporte a vida através de projetos interdisciplinares, trans-setoriais e a ação ativa, inteligente e contínua das redes participativas e sociais sobre os condicionantes socioambientais.
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Gomez e Minayo (2006) procuram situar historicamente as abordagens da saúde para os problemas de saúde ambiental desde o século XVIII, para apontar as propostas de mudanças no paradigma da área da saúde que são ressaltadas no Modelo Lalonde (Canadá) e na Carta de Otawa. A partir daí, apresentam a abordagem ecossistêmica que vem sendo desenvolvida principalmente no Canadá e que possuem, dentre suas vantagens, compreender os problemas de modo contextualizado e em sua complexidade; envolver os diversos atores sociais, “empoderando” sujeitos a partir da participação social e adotar perspectivas inter e transdisciplinares. Os autores destacam que não existe um paradigma estabelecido como método científico para esse enfoque, de modo que pode-se considerar que é muito mais um modelo e uma metáfora que envolve todos os envolvidos como construtores do mesmo. Por fim, Freitas e col. (2007) realiza uma revisão dos artigos científicos publicados em revistas de saúde pública da América Latina. Considerando os detalhes dos resultados, que nos trazem mais elementos para reflexão, tratamos dos mesmos no próximo item. Porém, antes de passar para o próximo item, é importante destacar dois aspectos. O primeiro é que há uma nítida tendência de vinculação dos enfoques ecossistêmicas em saúde adotados nos textos citados com a perspectiva proposta pela AES. O segundo é que há uma predominância de trabalhos de caráter teórico e conceitual, havendo uma carência de textos que resultem de trabalhos empíricos.
Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
Enfoques ecossistêmicos nas revistas de saúde pública da América Latina Nesse item, damos continuidade à análise realizada por Freitas (2007) sobre estudos que tivessem as palavras ecohealth, ecosystem ou ecossistema ou como termos do assunto, realizados por pesquisadores da América Latina ou sobre seus países, publicados nas revistas latino-americanas de saúde pública disponíveis no Scielo (http://wwww.scielosp.org). Um refinamento deste levantamento foi realizado em dois suplementos especiais dos Cadernos de Saúde Pública sobre abordagens ecossistêmicas em saúde, sendo os volumes 17 (An ecosystem approach in human health: communicable and emerging diseases, 2001) e 25 (Ecosystem approaches to controlling vector-borne diseases: dengue and chagas disease, 2009), já que, principalmente neste último volume, alguns artigos, ainda que adotando essas abordagens, não tinham no título, resumo ou palavras-chave nenhuma dos descritores utilizados para busca. Esse levantamento realizado do modo mais amplo possível e não se limitando somente ao resumo, título ou palavras-chave, pois focou no assunto, nos revela um quadro, ainda que não exaustivo, importante para refletirmos sobre os potenciais, limites e desafios desses enfoques em nossos países. Foram identificados 45 artigos cobrindo um período entre 2000 e 2009, publicados principalmente nos Cadernos de Saúde Pública (N=36), vindo em seguida a Revista de Saúde Pública (N=5) e Ciência & Saúde Coletiva (N=2) e um em outras duas revistas (Revista de Salud Publica e Revista Cubana de Salud Publica). Cerca de um quarto dos artigos (N=11) tratou o ecossistema como um lugar que foi modificado e tornouse propício às doenças com a presença dos vetores e dos agentes patogênicos, 10 eram estudos epidemiológicos em que o ecossistema é uma variável ambiental (do total de estudos, apenas 2 tratavam de agentes químicos, no caso mercúrio), 6 tinham como referência o enfoque da ecologia de vetores; 2 faziam a interface entre a ecologia de vetores e o ecossistema como lugar modificado; 2 eram estudos de avaliação de programas ou de conhecimento da população adotando questionários combinados com dados quantitativos sobre o ambiente e os problemas de saúde. Por fim, 14 artigos
Foto: All type Assessoria Editorial
adotavam enfoques ecossistêmicos que, em maior ou menor grau, tinham como pressupostos combinar: (1) reunião de informações diversas, que possibilitem demonstrar as interfaces entre bens e serviços dos vários ecossistemas que devem ser equilibradas com as metas ambientais, políticas, sociais e econômicas; (2) formulação de políticas públicas amplas e instituições mais efetivas para implementar as mesmas; (3) participação do público na gestão dos ecossistemas, particularmente as comunidades locais. Dos 14 artigos que adotaram enfoques ecossistêmicos, um quarto (N=5 foram de caráter teórico-conceitual, sendo 2 por pesquisadoros de instituições brasileiras (Possas, 2001; Freitas, 2007) e 3 por pesquisadores de instituições do Canadá (Nielsen, 2001; Waltner-Toews, 2001; Boischio e col., 2009). Os outros artigos que envolveram trabalho de campo estavam distribuídos geograficamente do seguinte modo: 7 publicados por pesquisadores de instituições da América Latina, tais como Peru (Murray & Sánchez-Choy, 2001), Colômbia (Carrasquilla, 2001; Rojas, 2001), Paraguai (Rojasde-Arias, 2001), Argentina (Sosa-Estani e col., 2001), Equador (Breilh, 2007), Cuba (Díaz e col., 2009); 1 publicado por pesquisador de instituições da Suécia (Follér, 2001). O último, embora publicado em uma revista de saúde pública da América Latina não era de
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International Development Research Centre (IDRC) do Canadá, seja para as pesquisas, seja para a publicação de seus resultados em dois suplementos especiais dos Cadernos de Saúde Pública. Se por um lado indica um claro estímulo do IDRC à pesquisas adotando este enfoque, também revela uma certa dependência desta agência financiadora.
Reunindo informações diversas Comunidade andina. Foto: All type Assessoria Editorial
pesquisadores do continente ou sobre países do mesmo, envolvendo a cooperação entre pesquisadores do Quênia, Suíça e Itália (Baumgärtner e col., 2001). Os dados acerca do levantamento nas revistas científicas específicas de saúde pública na América Latina revelam que a palavra ecohealth, ecosystem e ecossistema só recentemente vem sendo incorporada (os artigos mais antigos datam de 2000) e que na maioria dos artigos o ecossistema não é tratado de forma sistêmica, mas como uma variável ou lugar do vetor (ecologia de vetores), do hospedeiro, do agente patogênico, da doença e da intervenção. Podemos afirmar que ainda é pequena a produção científica expressa na forma de artigos que tratem de considerar a interface ecossistemas e saúde humana, sendo ainda restrita a que integra esta interface por meio do desenvolvimento de enfoques ecossistêmicos em saúde. Chama a atenção o caso brasileiro, já que ao mesmo tempo que concentra grande parte da produção científica em suas revistas, com dois números especiais sobre o tema, é também o país que carece da publicação de estudos de campo que tenham adotado esse enfoque. Assim, podemos constatar que embora os enfoques ecossistêmicos para a saúde humana venham cada vez mais ocupando espaço na agenda de pesquisas orientadas para a solução de problemas de saúde ambiental, ainda há poucos trabalhos desenvolvidos e resultados de pesquisas de campo. Sobre isto chama a atenção que cerca de um terço dos artigos identificados utilizando este enfoque (5 em 14) sejam de caráter teóricoconceitual, o que pode significar que nos encontramos ainda em uma fase de formulação e divulgação desses enfoques e não de uma elaboração resultante do acúmulo de trabalhos envolvendo pesquisas de campo. Chama também a atenção que dos 14 artigos, 12 tenham envolvido diretamente o financiamento do 22
A maioria dos artigos envolveu a reunião de informações diversas, que podem ser classificadas em dois grandes grupos. O primeiro grupo trata das principais variáveis que foram tratadas nos mesmos. Nesse grupo, encontramos em primeiro lugar as variáveis ambientais, ecológicas ou relacionadas ao ecossistema, tratando-as como: fontes de recursos naturais; paisagem modificada que desregula a relação dos humanos com o ecossistema e favorece as doenças; como resultado das interações entre os diversos aspectos que regulam os ecossistemas e propiciam ou não o surgimento de doenças, como chuvas, umidade, temperatura, aquecimento global, El Nino, La Nina, etc. Além destes foram encontradas também as econômicas, sociais e culturais, além das doenças como indicador do contexto do ecossistema, bem como sobre os impactos para a redução de doenças após intervenções que envolviam desde aspectos culturais e sociais, até as relacionadas ao contexto do ecossistema.
Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
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O segundo grupo trata das principais escalas que foram tratadas nos mesmos. No nível mais próximo dos indivíduos, encontramos abordagens que trataram da familiar/doméstica/residencial. A partir daí, as escalas consideradas trataram da vizinhança, da aldeia, da comunidade, da paisagem, do município, da região, do país e mesmo da escala global (principalmente para mudanças climáticas). Em relação às escalas é importante observar que tanto a ASE como a AES tratam das trabalhadas nos artigos. Entretanto, o enfoque da AES, privilegia muito mais a interface entre os níveis doméstico/residencial e vizinhança/aldeia/comunidade/paisagem, de modo que, ainda que se refiram as outras escalas, as locais predominam. Porém, como observado no Millenium Ecosystem Assessment (MEA, 2005), uma avaliação completa das interações entre os humanos e ecossistemas requer uma abordagem multi-escala, de modo a permitir que a análise das forças exógenas a um dado local ou região permitam avaliar o impacto diferencial das mudanças nos ecossistemas sobre o bem-estar humano e a saúde, e apontar para respostas diferenciadas e combinadas nas diferentes escalas. Assim, o fato de os estudos analisados centrarem-se na escala local, embora importante, surge como ainda limitado para a busca de soluções dos problemas. Nos artigos, dos oito atributos considerados na ASE, apenas os efeitos sobre a saúde humana foram efetivamente considerados, tendo sido doenças específicas, como doença de Chagas, malária, leishmaniose e dengue o ponto de partida da maioria dos estudos. Em menor grau a manutenção dos serviços dos ecossistemas, atributo que vem emergindo como um critério chave para avaliação da saúde de ecossistemas, foi considerado, assim mesmo de forma bastante limitada. Serviços de ecossistemas é um atributo que se refere às funções que beneficiam as comunidades humanas, tais como suporte (formação dos solos e ciclos de nutrientes, produção primária), provisão (alimentos, água potável; combustíveis, fibras, compostos bioquímicos, recursos genéticos), regulação (clima, ciclos de águas e purificação da mesma, doenças, enchentes, secas, e degradação dos solos) e culturais (recreação e turismo, valor espiritual e religioso, educacionais, herança cultural e sensação de lugar). Vem sendo considerado em programas como o MEA e incorporado pela Organização Pan-Americana da Saúde e Orga-
Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
nização Mundial da Saúde (OPS, 2005) em atributos chaves para a consideração dos aspectos de saúde e de bem-estar humano. De acordo com o documento Ecossistemas e Saúde Humana: alguns resultados da Avaliação Ecossistêmica do Milênio: A Avaliação Ecossistêmica do Milênio trata de avaliar como as mudanças nos serviços dos ecossistemas influem no bem-estar humano. Supõe-se que o bemestar humano tem constituintes múltiplos. Eles incluem a saúde, considerada como sentir-se bem e ter um ambiente físico circundante saudável, o ar limpo e o acesso à água limpa; o material mínimo para uma vida boa, as formas de vida seguras e adequadas, alimentos suficientes a todo momento, a moradia, o vestuário, e o acesso a produtos; as relações sociais, incluindo a coesão social, respeito mútuo e capacidade de ajuda a outros, especialmente às crianças; a segurança, o acesso seguro aos recursos naturais e a outros recursos, a segurança pessoal, e a vigilância dos desastres naturais ou provocados pelo ser humano; por fim, a liberdade de escolha e de ação, incluindo a oportunidade de alcançar o que um indivíduo valoriza como ser e fazer. Tendo como referência os documentos do MEA (2005) e da OPS (2005), podemos concluir que a relação saúde, bem estar e serviços de ecossistemas é bastante complexa e exige a reunião de informações diversas sobre os ecossistemas e os aspectos sociais, econômicos e culturais nos quais os humanos se inserem. Dos 7 artigos que envolveram trabalho de campo de pesquisadores de instituições da América Latina (Murray & Sánchez-Choy, 2001; Carrasquilla, 2001;
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Rojas, 2001; Rojas-de-Arias, 2001; Sosa-Estani e col., 2001; Breilh, 2007 e Díaz e col., 2009), foram capazes de reunir um conjunto de informações bastante diversas e, ainda que de modo bastante geral, demonstraram as interfaces entre bens e serviços dos vários ecossistemas e suas interfaces com aspectos econômicos, sociais e culturais. É importante observar que, embora esses aspectos não sejam exclusivos da AES, sua própria abordagem favorece que sejam tratados de modo mais contextual. O maior limitante destes artigos se refere exatamente ao fato de, apesar de citarem outros níveis de escalas ou dimensões ecológicas, não as terem trabalhado de modo articulado com os outros, centrando-se nos locais. Apenas 2 artigos buscaram estabelecer relação dos problemas locais com a dinâmica global (Murray e Sanchez, 2001; Breilh, 2007). De qualquer modo, para que se possa avançar na reunião de informações diversas e construir indicadores numa abordagem ecossistêmica, Freitas e col. (2007) argumentam que existem ainda barreiras para serem superadas nos países da América Latina, tanto em relação a quantidade de dados disponíveis, como também a sua qualidade, que acabam por limitar o potencial de reunião de informações diversas, um dos pressupostos de abordagens integradas como os enfoques ecossistêmicos. Estas barreiras são: 1) a pouca tradição e restrita disponibilidade de dados ambientais e de ecossistemas, comparado com dados sociais ou econômicos (Jannuzzi, 2004; IBGE, 2008); 2) dados e medições idealmente específicos para um ecossistema em questão, apresentam limitações para serem extrapolados para outras escalas (bioregiões, ecodistritos) e não costumam ser facilmente enquadrados nos limites políticos-administrativos de municípios ou estados. (Niemeijer, 2002); 3) a fragilidade institucional (ausência ou precariedade dos recursos humanos, técnicos e financeiros necessários) que tem como consequência tanto a inexistência ou mesmo descontinuidade dos programas de monitoramento dos ecossistemas, como a baixa qualidade de muitos dos dados disponíveis. Além destas barreiras, existe ainda uma questão geral que é a dificuldade de determinação de valores ou estados de saúde de ecossistemas que sejam tomados como referência, já que muitas vezes envolve julga24
Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
mentos subjetivos sobre o que deve ser considerado “normal” ou “aceitável”.
Formulando mudanças nas instituições e nas políticas O segundo pressuposto considera que um enfoque ecossistêmico necessariamente envolve a formulação de políticas públicas amplas e instituições mais efetivas para a implementação das mesmas. A idéia básica é que conhecido o problema através da reunião de informações diversas, este conhecimento deve estar conectado com o que fazer acerca do mesmo. Isto envolve formular um conjunto de políticas ou medidas – intervenções legais, econômicas, financeiras, institucionais e sociais – que reduzam ou eliminem os impactos diretos e indiretos sobre os ecossistemas e que direta e indiretamente afetam a saúde e o bem estar humano (Freitas e col., 2007). Esta idéia básica se encontra presente nas duas vertentes abordadas neste texto, a ASE e a AES Dos 7 artigos analisados, 3 centraram-se no diagnóstico dos problemas ambientais, não propondo mudanças institucionais ou mesmo formulando políticas pú-
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blicas voltadas para a prevenção e controle do problema. Os outros 3 artigos conectaram diagnóstico com propostas de mudanças institucionais e formulação de políticas públicas, sendo que quase todos centraramse na escala residencial/comunidade, indo no máximo até a escala municipal. Mesmo artigos que incluíram a escala global (Murray e Sanchez, 2001; Breilh, 2007), não avançaram em proposições sobre a necessidade
Quais são as implicações sobre políticas de ação das ameaças que as mudanças nos ecossistemas apresentam à saúde humana? Medidas para garantir que a sustentabilidade ecológica proteja os serviços dos ecossistemas, e portanto venha a beneficiar a saúde humana a longo prazo. Quando uma população é afetada por doenças relacio nadas à pobreza e à falta do “direito fundamental” – direi to de acesso cultural ou socialmente determinado a recur sos essenciais como abrigo, alimento ou água limpa –, o provimento desses recursos deve ser a prioridade máxima da política de saúde pública. Onde danos à saúde são causados, direta ou indireta mente, pelo consumo excessivo de serviços dos ecossiste mas (tais como alimentos e energia), reduções substanciais no consumo trariam benefícios importantes para a saúde, reduzindo simultaneamente a pressão sobre os sistemas de sustentabilidade humana. Populações crescentes e economias crescentes estão associa das a um maior consumo. Isso aumenta certos riscos à saú de, tais como excessos alimentares e inatividade física, assim como aumentam as pressões globais sobre os ecossistemas. • A implementação de melhores sistemas e práticas de trans porte pode levar à redução de lesões, ao aumento da ativida de física nas populações sedentárias e consequentemente à redução da obesidade e das doenças cardiovasculares, bem como reduções na poluição do ar em uma localidade e emis são de gases causadores do efeito estufa. • A integração de políticas nacionais de agricultura e se gurança alimentar com os objetivos econômicos, sociais e ambientais de desenvolvimento sustentável poderia ser alcançada, em parte, ao se assegurar que os custos am bientais e sociais de produção e consumo sejam mais fielmente refletidos no preço dos alimentos e da água. A redução do consumo reduzido de produtos animais em países ricos resultaria em benefícios para a saúde huma na e para os ecossistemas. Políticas intersetoriais, que promovam o desenvolvimento ecologicamente sustentável e direcionem forças motrizes subjacentes, serão também essenciais. A Agenda 21 e a
de mudanças nas instituições que operam em escala regional ou global (PNUMA, OMS, Bird, Banco Mundial, FMI, OMC, etc.) e cujas decisões afetam o nível local, assim como intervenções para a reorientação da política e economia global (que reconhecidamente contribuem para aguçar a pobreza e gerar problemas globais, como mudanças climáticas e a perda da biodiversidade).
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimen to descrevem uma abordagem abrangente do desenvolvi mento ecologicamente sustentável, que incorpora políticas intersetoriais. As seguintes estratégias são de relevância específica para a saúde humana: • Estratégias de mitigação que reduzem e redirecionam as alterações nos ecossistemas, melhorando simultanea mente a saúde humana. • Estratégias de adaptação, a fim de reduzir os efeitos da ruptura dos ecossistemas na saúde (tratando dos impac tos diretos, indiretos e de longo prazo na saúde humana). • Ações integradas para a saúde, tais como a avaliação do impacto dos principais projetos, políticas e programas de desenvolvimento, bem como a análise dos indicadores es tatísticos para a saúde e o desenvolvimento sustentável. • Inclusão da saúde nos esforços de planejamento para o desenvolvimento sustentável, tais como a Agenda 21, em acordos ambientais e de comercialização multilate rais e em estratégias de redução da pobreza. • Melhoria na colaboração intersetorial entre diferentes es feras de governos, instituições governamentais e ONGs. • Iniciativas internacionais de desenvolvimento de capa cidades, que avaliem as ligações entre saúde e meio am biente, e usem o conhecimento adquirido para dar res postas mais efetivas às ameaças ambientais, em termos de políticas de ação nacionais e regionais. • Disseminação de conhecimento e boas práticas sobre ganhos na saúde obtidos por meio de uma política de ação intersetorial. A degradação atualmente em curso dos serviços de ecossis temas é uma barreira significativa para o alcance dos Obje tivos de Desenvolvimento do Milênio. A utilização ecologi camente não-sustentável dos serviços dos ecossistemas ele va o potencial de mudanças ecológicas graves e irreversíveis. As mudanças nos ecossistemas podem ocorrer em escala de magnitude tal que produzam um efeito catastrófico sobre os processos econômicos, sociais e políticos dos quais a es tabilidade social, o bem-estar humano e a boa saúde são dependentes. Isso sugere que uma abordagem preventiva com relação à proteção ambiental configura-se como a mais apropriada para proteger e melhorar a saúde. Incertezas ine vitáveis sobre o impacto das mudanças ambientais globais na saúde pública não devem servir de desculpa para o adia mento na tomada de decisões sobre políticas de ação.
Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
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Envolvendo a participação do público na gestão Como já apontado, para os enfoques ecossistêmicos a participação do público na gestão dos mesmos, particularmente as comunidades locais, é considerado um elemento essencial. Na ASE, a participação do público, embora seja considerada importante, não é desenvolvida como elemento integrante de sua metodologia. O pesquisador é o principal formulador das hipóteses e analista dos resultados. Na AES, ao contrário, a participação é considerada elemento integrante. O pesquisador procura envolver os diferentes atores na formulação de hipóteses e análises dos resultados, tendo por base a perspectiva de envolver processos de aprendizagem social e colaborativa entre especialistas e atores sociais locais que conduzam à gestão adaptativa dos problemas. Dentre os 7 artigos publicados por pesquisadores de instituições latino-americanas, a maioria envolveu a participação direta do público ou da comunidade local na pesquisa. Em mais da metade, a participação se deu predominantemente no momento do desenvolvimento de estratégias de prevenção pontuais e locais, centradas na educação e com a participação da comunidade ocorrendo durante a elaboração dos materiais educativos e na produção e distribuição das telas protetoras de mosquitos para a prevenção da malária.
Serviços dos ecossistemas e saúde humana ÁGUA DOCE
A água doce é um recurso essencial para a saúde humana; ela é utilizada para produzir alimentos, para se beber, lavar, cozinhar e para a diluição e reciclagem de resíduos. Globalmente, a quantidade de água disponível por pessoa caiu de 16.800 m3/pessoa/ano, em 1950, para 6.800 m3/ pessoa/ano em 2000. Um terço da população mundial vive em países que vivenciam preocupações, de moderadas a altas, associadas à água, e essa fração está crescendo à medida que cresce a demanda da população e a demanda per capita por água. As principais consequências disso são impactos negativos na produção de alimentos, na transmissão de doenças e no desenvolvimento econômico. Mais de 1 bilhão de pessoas enfrentam carência no abastecimento de água limpa e segura, enquanto 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso a um saneamento básico adequado. Isso tem provocado uma contaminação microbiológica generalizada da água potável. Doenças infecciosas associadas à qualidade da água tiram até 3,2 milhões de vidas a cada ano, aproximadamente 6% das mortes em
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Em outros 3 artigos deste universo (Murray e col., 2001; Breilh, 2007; e Díaz e col., 2009) a participação de membros da comunidade surge como inerente à metodologia adotada, envolvendo membros das comunidades como atores ativos desde a coleta de informações. Nesse artigos, a ampla participação, desde as etapas iniciais e que se encontra mais próxima da AES, serviu de base para promover um amplo diálogo entre os membros da comunidade e deu início ao processo de construção de um ambiente no qual a comunidade pode, nos estudos de Murray e col. (2001) e Díaz e col. (2009), organizar e planejar um plano de ação para a resolução futura dos problemas, sendo isso previsto como etapa seguinte no estudo de Breilh (2007). Assim, embora a participação do público seja crucial na implementação dos enfoques ecossistêmicos, ela ainda não é uma prática efetiva na maioria dos estudos, que ainda tendem a considerar a participação limitada a programas de educação para mudanças de hábitos e atitudes. Além, disto devemos também considerar que esta é bastante complexa por dois motivos. Primeiro por envolver tanto uma grande diversidade e conflitos de valores. Segundo, por ocorrer em contextos de pobreza e iniquidade social que caracterizam muitas localidades dos países da América Latina, onde questões de sobrevivência muitas vezes se impõem sobre questões referentes à melhoria da qualidade ambiental ou mesmo integridade dos ecossistemas (Freitas e col., 2007).
todo o mundo. A carga de doenças causadas pela falta de água e por saneamento e higiene inadequados totaliza 1,7 milhão de mortes e a perda de mais de 54 milhões de anos de vida saudável. Já é bem sabido que investimentos em geração de água potável e em melhores condições saneamento têm relação direta com uma melhoria da saúde humana e da produtividade econômica. Cada pessoa precisa, para consumo e higiene, de 20 a 50 litros de água por dia, livres de contaminantes nocivos químicos ou microbiais. Permanecem desafios substanciais para o fornecimento desse serviço básico a amplos segmentos da população humana.
ALIMENTOS
Em países pobres, especialmente nas áreas rurais, a saúde das populações humanas é altamente dependente dos serviços dos ecossistemas produtivos locais para a obtenção de alimento. A produção acumulada de alimentos é atualmente suficiente para satisfazer as necessidades de todos. Ainda assim, da população mundial atual de pouco mais de 6 bilhões de pessoas, cerca de 800 milhões têm deficiência alimentar de proteínas, enquanto um número
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semelhante está superalimentado. Além disso, pelo menos um bilhão de pessoas experimentam deficiência crônica de micronutrientes. Em comunidades urbanas mais ricas, a dependência humana dos ecossistemas para nutrição é menos evidente, mas, em última análise, não menos fundamental. O desequilíbrio nutricional entre ricos e pobres tem sido impulsionado antes de mais nada por fatores sociais, embora fatores ecológicos possam desempenhar um papel de importância cada vez maior no futuro. A produção de alimentos não acompanhou o crescimento populacional em muitos países. A subnutrição está fortemente relacionada com a pobreza, e nos países mais pobres, cerca de um quarto da carga de doenças está relacionada à desnutrição infantil e materna. Em todo o mundo, a subnutrição é responsável por aproximadamente 10% da carga de doenças. Nos países mais ricos, os riscos relacionados a dietas (principalmente sobrealimentação) em combinação com a falta de atividade física são responsáveis por cerca de um quarto da carga de doenças. Apesar de causar o esgotamento dos recursos locais, os ganhos no fornecimento total de alimentos (além de água, madeira e outros serviços de abastecimento) têm sido frequentemente alcançados pela expansão da produção para novas regiões. Hoje, essas opções já foram, em grande parte, exauridas. O fornecimento de alimento suficiente para uma população prevista de 8 a 9 bilhões de pessoas exigirá investimentos na diminuição da pobreza ou uma profunda redistribuição de recursos. Há importantes permutas que devem ser feitas, dentre diversas utilizações possíveis das terras produtivas. Incluir considerações sobre a saúde da população ao se pesar as escolhas disponíveis pode vir a ter implicações importantes na formulação de políticas de ação.
MADEIRA, FIBRAS, COMBUSTÍVEL
A geração de energia causa uma série de impactos à saúde. A poluição do ar exterior (em ambiente aberto) agrava as doenças de coração e de pulmão. A poluição do ar interior (em ambiente fechado), proveniente da queima de biocombustível em locais de aquecimento e cozimento com pouca ventilação, causa uma quantidade significativa de doenças respiratórias entre adultos e crianças. Cerca de 3% da carga global de doenças pode ser atribuída à poluição do ar em ambientes fechados causada por essa fonte. Em áreas onde a demanda por madeira superou o fornecimento local, e onde as pessoas não têm condições de usar outras formas de geração de energia, há uma vulnerabilidade crescente a doenças e desnutrição pelo consumo de água contaminada por microorganismos, pela exposição ao frio e pelo consumo de comida mal cozida. Mulheres e crianças pobres em comunidades rurais são frequentemente os mais afetados pela escassez de lenha para combustível. Muitas pessoas precisam percorrer longas distâncias a pé, procurando e transportando lenha (e, com frequência, água), tendo, portanto, menos tempo e energia para as atividades de cultivo, preparação de alimentos e frequência à escola. Por essas razões, suprimentos adequados de energia são fundamentais para o desenvolvimento sustentável.
PRODUTOS BIOLÓGICOS
Bilhões de pessoas em todo o mundo dependem em parte ou totalmente de produtos coletados nos ecossistemas para propósitos medicinais. Mesmo quando medicamentos sintéticos (que frequentemente provêm de fontes naturais) estão disponíveis, a necessidade e a demanda por produtos da natureza persiste. Alguns dos produtos farmacêuticos mais conhecidos originados de fontes naturais incluem analgésicos (por exemplo, aspirina), medicamentos para o coração (digitálicos) e quinino.
MANEJO, PROCESSAMENTO E DESINTOXICAÇÃO DE NUTRIENTES E RESÍDUOS
Qualquer redução nos níveis de nutrientes pode prejudicar a fertilidade do solo levando a uma redução na produção de alimentos, o que, por sua vez, afeta negativamente o estado nutricional das famílias. Já está comprovado que deficiências nas dietas (tanto de macro como de micronutrientes) prejudicam o crescimento físico e mental das crianças. Portanto, isso pode prejudicar a subsistência de agricultores, e também limitar as opções existentes para os seus filhos. Os seres humanos também são colocados em risco pela eutroficação (como na proliferação de algas) e pela presença de produtos químicos inorgânicos e poluentes orgânicos persistentes nos alimentos e na água. Isto pode ocorrer quando o acesso aos mananciais leva à contaminação por causas naturais (como ocorreu com a contaminação da água por arsênico em poços tubulares em Bangladesh), ou onde as ações humanas resultam na liberação de substâncias químicas tóxicas no meio ambiente (por exemplo, pelo uso de agrotóxicos). Substâncias químicas tóxicas podem causar uma série de efeitos adversos à saúde, em vários sistemas de órgãos do corpo humano. Alguns produtos químicos presentes em efluentes industriais ou utilizados como agrotóxicos, tais como PCBs, dioxinas e DDT, podem atuar, em baixos níveis de exposição, como “disruptores endócrinos” que interferem na fisiologia humana normal, debilitando a resistência a doenças e a reprodução humana.
CONTROLE DE DOENÇAS INFECCIOSAS
A magnitude e a direção da incidência alterada de doenças infecciosas devidas a mudanças nos ecossistemas dependem dos ecossistemas específicos, do tipo de mudança no uso do solo, da dinâmica de transmissão específica da doença e da susceptibilidade das populações humanas. Fatores antropogênicos que influenciam em particular o risco de doenças infecciosas incluem: destruição ou invasão do habitat natural, especialmente por meio de desmatamento e construção de estradas; mudanças na distribuição e disponibilidade de águas superficiais, como, por exemplo, pela construção de represas, irrigação e desvio de cursos d’água; mudanças no uso de terras agrícolas, incluindo a proliferação tanto de gado como de plantações; depósito de poluentes químicos, incluindo nutrientes, fertilizantes e agrotóxicos; urbanização desordenada ou expansão urbana exagerada; variabilidade e mudança climática; migrações e viagens/comércio internacionais; e a introdução humana, intencional ou acidental, de agentes patogênicos.
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SERVIÇOS CULTURAIS, ESPIRITUAIS E RECREACIONAIS DOS ECOSSISTEMAS
Os serviços culturais podem ser menos tangíveis do que serviços materiais, porém são altamente valorizados pelas pessoas em todas as sociedades. As pessoas obtêm diversos benefícios não-materiais dos ecossistemas. Isto inclui instalações recreativas e turismo, apreciação estética, inspiração, uma noção de lugar e valor educacional. Há práticas tradicionais ligadas aos serviços dos ecossistemas que desempenham um papel importante no desenvolvimento do capital social e na intensificação do bem-estar social.
REGULAÇÃO CLIMÁTICA
Cada um dos serviços ecológicos mencionados nas seções anteriores é sensível ao clima, e será, por esse motivo, afetado por mudanças climáticas antropogênicas. Embora as mudanças climáticas possam ter alguns efeitos benéficos para a saúde humana, a maioria dos efeitos esperados será provavelmente negativa. Efeitos diretos, tais como o aumento da mortalidade em consequência de ondas de calor, são os mais prontamente previstos, mas é provável que os efeitos indiretos causem impactos generalizados maiores. A saúde humana provavelmente sofrerá o impacto indireto de alterações induzidas pelo clima na distribuição de ecossistemas produtivos e na disponibilidade de suprimentos de água, alimentos e energia. Essas mudanças, por sua vez, irão afetar a propagação de doenças infecciosas, os estados nutricionais e os padrões de assentamento humano.
Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
Prevê-se que os eventos climáticos extremos aumentarão, incluindo inundações, tempestades e secas, além da elevação do nível do mar, como resultado da mudança do clima. Esses fenômenos têm efeitos locais e, às vezes, regionais, tanto diretamente, com mortes e lesões, quanto indiretamente, pelo desequilíbrio econômico causado, danos à infra-estrutura e deslocamento de populações. Isso, por sua vez, pode provocar aumento nos casos de doenças transmissíveis como resultado de aglomerações, falta de água limpa e de moradia, estados nutricionais pobres e efeitos adversos à saúde mental. Em todo o mundo, o número anual absoluto de pessoas mortas, feridas ou desabrigadas por causa de desastres naturais está crescendo. Uma forte razão para isso é a crescente ocupação das costas e planícies aluviais expostas a eventos extremos. Estudos de casos em escala local mostraram que a degradação ambiental reduziu a capacidade dos ecossistemas de amortecerem condições climáticas extremas, como no caso da diminuição da capacidade dos recifes de coral e mangues de estabilizar as linhas costeiras e limitar os efeitos destrutivos de tempestades marítimas. Em muitas áreas, as únicas terras disponíveis para as comunidades pobres têm poucas defesas naturais contra os extremos climáticos. Fonte: “Ecosistemas y bienestar humano: Síntesis de la salud Un informe de la Evaluación de los Ecosistemas del Milenio (EM)” (Corvalan et al, OMS 2005)
Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
Enfoques ecossistêmicos em saúde – resumo das apresentações do workshop de Manaus O workshop foi realizado, como parte do projeto Abordagem ecossistêmica para o desenvolvimento de indicadores e cenários de sustentabilidade ambiental e de saúde na cidade de Manaus/AM – 20202. O evento foi coordenado pela Fiocruz e ENSP e contou com apoio da Representação da OPAS/OMS Brasil.
projetos em desenvolvimento na Região Amazônica ou projetos que adotaram abordagens alinhadas com os enfoques ecossistêmicos em saúde, estando os resumos das mesmas imediatamente após a síntese das apresentações da manhã do primeiro dia.
No primeiro dia, toda a parte da manhã foi dedicada à abertura e a três apresentações focando as grandes questões ambientais e de saúde que podem ser enfrentadas a partir de enfoques ecossistêmicos em saúde e os aspectos teóricos e conceituais sendo estas: Ecossistemas e saúde; Perspectivas para a abordagem ecossistêmica no Brasil; e Fundamentos teóricos e metodológicos para a abordagem ecossistêmica. A parte da tarde deste dia e da manhã do segundo dia foi dedicada aos painéis com apresentação de alguns
Carlos Corvalan, OPAS/OMS
2 Este projeto é financiado no âmbito do edital “Cidades Saudáveis: Saúde, Ambiente e Desenvolvimento”, pela Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Ministério da Saúde.
Ecossistemas e saúde
A apresentação demonstrou como várias doenças possuem alta atribuição ambiental resultando em uma carga ambiental das doenças que possuem como “causas das causas” mudanças ambientais globais (urbanização, uso de energia, etc) que alteram os ecossistemas e seus serviços como provisão de água ou alimentos com qualidade e regulação do clima global e regional. Essas mudanças, combinadas com as desigualdades sociais e econômicas, gerando iniquidades, resultam em uma carga ambiental das doenças que afeta de modo desproporcional as populações mais pobres, principalmente as que vivem nos países mais pobres.
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ciais que influem sobre a saúde humana (diagnósticos); 2) reconhecimento dos fatores sociais, ambientais e econômicos; 3) busca de convergência em torno de respostas integradas aos problemas; 4) implementação de pesquisas e intervenção (pesquisa-ação); 5) fortalecimento da articulação entre pesquisas e políticas públicas; 6) disseminação de experiências, intercâmbios e “treinamentos”. Tendo como referência essas bases, foi apresentado o Projeto do IDRC em parceria com a VPSRA da Fiocruz (2005-07): International Training Program on Ecosystem Approaches for Environmental Pollution Assessment and Management.
Perspectivas para pesquisa em Abordagem Ecossistêmica no Brasil Josino Moreira, Fiocruz
Fundamentos teóricos e metodológicos para a abordagem ecossistêmica
A apresentação iniciou observando o reducionismo presente nas abordagens disciplinares que com sua hierarquia clássica dos níveis de organização da natureza acabam por remover o objeto de estudo de seu contexto, não abordando os sistemas complexos e suas propriedades emergentes. Nesse quadro, a abordagem ecossistêmica em saúde, baseada na gestão integrada para a sustentabilidade e melhoria da saúde e bem-estar das comunidades, apresenta um grande potencial de superar esse reducionismo. Isto porque procura avaliar as interações sociais e ecológicas nas análises dos determinantes da saúde, entendidos numa perspectiva sistêmica, como parte de um contexto socioecológico complexo dentro de escalas temporal e espacial, em resposta aos problemas de saúde. Foram destacados três elementos essenciais nessa abordagem:
A apresentação parte da hipótese fundamental desta abordagem, que é a de que a saúde comunitária requer a atuação sobre seus determinantes sociais, ecológicos e econômicos através de uma gestão participativa do ecossistema e baseada em um enfoque holístico da saúde. A missão de promover comunidades saudáveis, por meio da gestão apropriada de seus ecossistemas, baseiase na investigação e fortalecimento de capacidades locais para produzir conhecimentos, com a finalidade de compreender para atuar. Essa hipótese e missão teriam como bases a ênfase na compreensão da estrutura dos ecossistemas dos quais a população depende para sua subsistência, já que considera que comunidades saudáveis encontram-se em ecossistemas saudáveis. Isto faz com que esta abordagem proponha: 1) identificação de um conjunto interativo de fatores ecológicos e so-
1) a produção do conhecimento transdisciplinar, e que incorpora conhecimentos científicos e não científicos, envolvendo a colaboração entre pesquisadores de diferentes disciplinas e os grupos acadêmicos e não acadêmicos interessados nos problemas sob investigação; 2) o fato de tratar-se de abordagem orientada para ação, de modo que os problemas a serem estudados emergem através de consulta e interação entre os envolvidos (acadêmicos e não acadêmicos) e suas soluções são de uso social, práticas efetivas e sustentáveis; 3) é reflexiva envolvendo a proposta de operar em um fluxo contínuo entre a geração de conhecimento e suas aplicações em um processo que permite que os grupos se dissolvam e que novos grupos sejam formados durante o processo.
Favela – Rio de Janeiro. Foto: Maria Pia Quiroga. Acervo OPAS/OMS
Brani Rosemberg, Fiocruz
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Em seguida, apresentou um resumo da experiência da Fiocruz na indução de projetos transdisciplinares em saúde e ambiente. Concluiu observando a importância da Região Amazônica e as perspectivas para pesquisa em abordagens ecossistêmicas em saúde, considerando algumas características regionais, como: elevada dinâmica das alterações (desmatamento, etc) e seus efeitos sobre o clima e a biota; a diversidade sociocultural e biológica (plantas e animais); a importância hidrológica; a geração de energia: hidrelétricas e termoelétricas; a agricultura e pecuária (uso de fertilizantes alteração dos ciclos normais de C, N, água, etc) e o uso de agrotóxicos; importância mineralógica.
Mapeamento Integrado e participativo das dinâmicas sócioambientais do Assentamento de Rio Pardo
Sergio Luiz Bessa Luz (Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazônia)3
Este projeto tem ênfase na aplicação de estratégias da Abordagem Ecossistêmica de Saúde para o estudo de dois grupos de doenças: i) causadas por microorganismos transmitidos pela água e por alimentos (bactérias, vírus e parasitos) e ii) arboviroses (vírus transmitidos por vetores). A hipótese central é de que a transmissão destes patógenos não é homogênea na comunidade: distintas combinações de fatores sociais e ecológicos configuram situações de risco diferencial. As análises comparativas investigam as dinâmicas de circulação de agentes patogênicos em diferentes unidades de paisagem (floresta, roça, vila), em agrupamentos geográficos de moradias (ramais, estradas vizinhais) ou em distintos grupos humanos (definidos em relação à idade, gênero, atividades econômicas, formas de uso da água etc.). O reconhecimento da complexidade do sistema e incertezas inerentes requer estratégias transdisciplinares e participativas para a resolução dos problemas ambientais e de saúde. O desenho básico da pesquisa busca entender essas dinâmicas partindo da observação de três situações-piloto distintas, escolhidas por ocuparem posições diferenciadas em um gradiente sócio-ecológico: 1 – áreas com baixo grau de antropização; 2 – áreas com moderado grau de antropização e 3 – áreas com alto grau de antropização.
3 Apresentação resultante do projeto “Mapeamento integrado e participativo das dinâmicas socioambientais do assentamento de Rio Pardo”, financiado pelo convênio IDRC/Fiocruz, tendo como participantes Daniel Buss (IOC-Fiocruz) Ricardo Agum (CPqL&MD-Fiocruz), Fernando Abad-Franch (CPqL&MD-Fiocruz) e Sérgio Luz (CPqL&MD-Fiocruz).
Enchentes localizadas da Amazônia. Foto: Ana Fischer, SUS/MS
O local do trabalho foi área 1 descrita acima, no Assentamento rural de Rio Pardo, Presidente Figueiredo (AM), distante 200 km de Manaus, com aproximadamente 160 casas e população de 700 pessoas, a opção pela área se deu por fatores sociais, ecológicos e de ordem estrutural e política - está localizada em uma área de colonização recente e pouco modificada. O objetivo geral foi implantar um processo participativo de mapeamento integrado das características e dinâmicas sócio-ambientais e do perfil de incidência de arboviroses e de doenças de veiculação hídrica em uma área com baixo grau de antropização na Amazônia central. Os objetivos específicos eram: 1) estimular a construção coletiva da história sócioambiental da área; 2) realizar um levantamento das comunidades de vetores de arboviroses, determinando as taxas de infecção natural nos vetores mais abundantes; 3) realizar uma avaliação da qualidade das águas de abastecimento e dos igarapés (incluindo um levantamento de agentes patogênicos bacterianos, virais e parasitários), utilizando uma metodologia integrada e participativa; 4) definir o perfil de incidência de doenças diarréicas agudas (de etiologia bacteriana, viral e parasitária) e arboviroses (Alphavirus, Flavivirus e Bunyavirus) e determinar os principais fatores ambientais e sociais moduladores do risco epidemiológico; 5) desenvolver, testar e aprimorar uma proposta metodológica integrada e participativa para aplicar nas fases seguintes do projeto. Dos cinco objetivos específicos, concluímos o primeiro com a construção do vídeo-documentário participativo VOZES DE RIO PARDO, no qual um grupo de moradores construiu a narrativa da história do as-
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Fonte: http://www.pbase.com/lucianoea/holambra_2006&page=8
sentamento utilizando o recurso do audiovisual. Os objetivos 2, 3 e 4 podem ser considerados no conjunto de medidas que foram discutidas com os Assentados, uma vez que os pontos de captura de mosquitos, bem como as amostras para a análise das águas foram levantados em oficinas e grupos focais que visavam a discussão desses tópicos considerando a idade, gênero, atividades econômicas e local de moradia. As análises de água e parasitoses foram discutidas com a população, possibilitando a apropriação de nossas informações por parte deles, mas como oportunidade de conhecer o grupo estudado. Podemos concluir que os primeiros estudos indicam que a problemática local pode ser percebida com maior nitidez quando a visão dos mesmos é considerada. O trabalho ganhou agilidade quanto à compreensão dos Assentados com o nosso trabalho, bem como a visualização da possibilidade de resolução de problemas locais por meio de parcerias. Consideramos que o trabalho se encontra em fase de implantação e que a melhoria nos canais de informação visa à plena participação dos agentes locais.
Abordagem ecossistêmica em saúde: uma perspectiva para o controle da transmissão da esquissostomose
Marisa da Silveira Soares (Instituto Oswaldo Cruz – Fiocruz)4
A esquistossomose é um problema de saúde pública que persiste no Brasil, sobretudo pelas dificuldades no controle da transmissão. Alimentando esse quadro,
4 Apresentação resultante do projeto com mesmo título, tendo como participantes Marisa da Silveira Soares, César L. P. A. Coelho da Silva, Magali G. Muniz Barreto e Denise A. Borges, do Laboratório de Avaliação da Promoção da Saúde Ambiental (IOC – Fiocruz); Célia Maria Thomé do Departamento de Saúde (Holambra, SP); Rita Silva do Instituto Adolfo Lutz; Marcelo F. de Souza Porto (CESTEH – ENSP – Fiocruz). 32
destacam-se fatores como: saneamento precário; vasta distribuição dos hospedeiros intermediários, favorecida por barragens, irrigação etc.; disseminação do parasito devido a migrações e ao turismo; precariedade sócio-ecológica das periferias urbanas; competição com outras endemias por recursos escassos; problemas de diagnóstico e de adesão da população em situações de baixa endemicidade; desconsideração das representações sociais para o controle; falhas na educação em saúde; pessimismo devido a experiências prévias e a descrença no poder público; conflitos de interesses e dificuldades de diálogo entre a população, cientistas, gestores etc. Atuando em variadas combinações, estes e outros fatores costumam caracterizar situações complexas, repletas de incertezas e conflitos, que dificultam a tomada de decisões para o controle da esquistossomose. As recomendações correntes para esse enfrentamento, ainda que norteadas pela idéia de múltiplas perspectivas e variados aspectos a considerar, se fundamentam apenas no paradigma biomédico, que é insuficiente para lidar com a complexidade dos processos saúdedoença. São raros os trabalhos científicos que assumem a perspectiva da complexidade. Considerando que essa insuficiência do paradigma biomédico contribui para a persistência da esquistossomose no Brasil, e repensando as alternativas de modelos de compreensão e intervenção para o controle da transmissão dessa endemia, a “Abordagem Ecossistêmica em Saúde” oferece uma perspectiva promissora. Com esta percepção, foi realizado um estudo de caso na Estância Turística de Holambra (SP), município da Grande Campinas, com cerca de oito mil habitantes, que têm como principal atividade econômica o agronegócio, focado na floricultura. Essa escolha teve, dentre outros motivos, a presença de casos autóctones, importados e, principalmente, duvidosos, o grande número de imigrantes de áreas endêmicas, a existência de dados oficiais que apontam 100% de cobertura do PSF e do tratamento de esgotos, a virtual presença de “vontade política” no município e no estado, além da ampla distribuição de moluscos hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni devido à rede de coleções hídricas para atender ao agronegócio. Os estudos iniciais visaram à análise do contexto em que a esquistossomose ocorre em Holambra e à identificação de atores e condições para a formação de uma Comunidade Ampliada de Pares (CAP) reunindo pesquisadores, técnicos, voluntários da população,
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representantes de setores municipais e estaduais, de setores da economia, da política, da Sociedade Civil etc. Foram realizados pesquisa documental, observação direta, entrevistas, grupos focais, inquéritos sorológicos, epidemiológicos, malacológicos e parasitológicos e análises de água. Finalizada esta etapa, houve Oficinas para analisar o caso e iniciar um processo de avaliação da qualidade dos resultados pela CAP. Os resultados mostraram grande potencial de exposição da população aos vetores da esquistossomose, por fatores sanitários, ecológicos, sociais, econômicos, culturais etc. Por outro lado, evidenciaram intensa contaminação dos recursos hídricos por agrotóxicos, o que constitui barreira à transmissão dessa endemia. Convém destacar que tal poluição química representa sérios riscos ao ambiente e à saúde humana. Outras constatações relevantes foram: 1) desigualdade no acesso de diferentes grupos de trabalhadores ao SUS e ao controle da esquistossomose; 2) intensa rotatividade de trabalhadores e mobilidade populacional, com percursos variados, que geralmente incluem áreas endêmicas e que envolvem aspectos de difícil previsibilidade, inclusive relacionados ao modelo de desenvolvimento brasileiro; 3) dificuldade de incluir na CAP os interesses dos indivíduos sem acesso ou visibilidade para o SUS; 4) escassez de “capital social”; 5) dificuldade de formação de uma CAP em época de eleições.
Abordagem ecossistêmica para o desenvolvimento de indicadores e cenários de sustentabilidade ambiental e de saúde na cidade de Manaus/AM – 2020 Carlos Machado de Freitas (Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz)5
O projeto possui como antecedentes teóricos e metodológicos estudos de cenários realizados no setor ambiental, mas ainda incipientes no setor saúde e
5 Apresentação resultante de projeto com mesmo nome, financiado pelo no âmbito do edital “Cidades Saudáveis: Saúde, Ambiente e Desenvolvimento”, pela Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, tendo como participantes Leandro Luiz Giatti, Antonio Levino da Silva Neto, Marcilio Sandro Medeiros, Mírcia Betânia Costa e Silva e Maria Bernadete Ribeiro Chagas do ILMD – Fiocruz; Carlos Machado de Freitas, Marcelo Firpo de Souza Porto, Paulo Chagastelles Sabroza e André Sobral da ENSP – Fiocruz.
tem como objetivo geral desenvolver uma abordagem ecossistêmica para o desenvolvimento de indicadores e cenários de sustentabilidade ambiental e de saúde para o nível municipal. Como objetivos específicos: 1) oferecer subsídios para a construção de indicadores de sustentabilidade ambiental e de saúde em perspectiva ecossistêmica que permitam identificar as condições atuais e tendências a partir da reunião de informações de base municipal e de fácil acesso para pesquisadores e o público em geral; 2) oferecer subsídios para a construção de indicadores para o monitoramento das consequências para o bem-estar humano das mudanças nos ecossistemas; também a partir da reunião de informações de base municipal e de fácil acesso para pesquisadores e o público em geral; 3) construir cenários considerando mudanças plausíveis nas forças motrizes primárias e secundárias e identificar quais serão as consequências para os ecossistemas, seus serviços e o bem estar humano a partir da análise das condições e tendências, bem como de entrevistas e grupos focais com atoreschave nos setores saúde e ambiente; 4) a partir da análise das condições, tendências e cenários elaborar proposições de respostas para a sustentabilidade ambiental e de saúde considerando um conjunto de políticas ou medidas – intervenções legais, econômicas, financeiras, institucionais, sociais ou cognitivas – que impactem o estado e o funcionamento atual dos ecossistemas, envolvendo um planejamento municipal que afete as forças motrizes indiretas, diretas e o bem-estar humano.
Monitoramento biológico e a participação pública na gestão de bacias hidrográficas
Daniel Forsin Buss (Instituto Oswaldo Cruz da Fiocruz)6
O trabalho teve como objetivos a padronização de métodos de biomonitoramento, a popularização da ciência e o envolvimento público na gestão de recursos hídricos através de informações produzidas pelo monitoramento biológico. Teve como bases a Lei 9.433/97, acerca da gestão descentralizada e estímulo à participação pública nos processos de gestão de recursos hídricos, bem como o Decreto 2.519/98 em 6 Apresentação resultante do “Programa Agente das Águas – monitoramento participativo de avaliação da qualidade ambiental de rios da Bacia Hidrográfica do Paraná 3” tendo como participantes do grupo de pesquisa Daniel F. Buss, Caroline Cichoski, Michelli Ferronato e Simone F. Benassi, sendo executado pelo Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental (IOC – Fiocruz).
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que o Brasil assume compromissos relacionados à Convenção sobre Diversidade Biológica. Para o monitoramento biológico deveriam ser desenvolvidos indicadores internacionalmente aceitos, considerando os diferentes aspectos do manejo dos recursos hídricos para os atores sociais, de forma que seus resultados fossem compreendidos e relacionados a outras áreas. Foi este princípio que norteou o desenvolvimento de técnicas de bioindicadores da qualidade da água de rios em Protocolos de Bioavaliação Rápida. Simultaneamente o projeto envolveu um programa de monitoramento participativo, nascendo este de diversas dificuldades: das comunidades em ter acesso às informações e à participação; do Poder Público em ter instrumentos eficazes para avaliação ambiental; das instituições de pesquisa em se aproximar do público ao qual suas pesquisas se destinam. A combinação resultou no desenvolvimento de um processo de avaliação do nível taxonômico possível para identificação por voluntários, por meio de um curso para alunos e professores, formando Agente das Águas nas seguintes localidades: 1) RJ: Guapimirim, Paracambi, Eng. Paulo de Frontin, Nova Friburgo, Rio de Janeiro; 2) ES: Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá; 3) PR: Comunidades do rio Xaxim e Sabiá (municípios de Matelândia, Medianeira e Céu Azul); rio Toledo e rio Lopeí (município de Toledo). Esse processo teve como resultados a legitimação e formação de redes e contribuiu para a resolução de problemas ambientais em localidades onde estes foram detectados.
Projeto Caruso: Contaminação por mercúrio na Amazônia Brasileira
Jean Remy Daveé Guimarães (Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro)7
O projeto teve início em 1994 e envolveu várias comunidades ao longo do Rio Tapajós, sendo na Fase 1 de S. Luís do Tapajós a Santarém, na Fase 2 Brasília Legal a Cametá, na Fase 3 S. Luís do Tapajós a Aveiro. Ao longo do tempo este estudo de longo prazo se organizou do seguinte modo: 1) 1994 estudo preliminar de determinação de características espaciais e temporais do ecossistema; 2) 1994-1996 identificação da origem, distribuição, transmissão, exposição humana e efeitos à saúde; 3) 1998-2000 busca de soluções com a comunidade, sendo de curto prazo (práticas de consumo de peixe); médio prazo (incorporação de Hg em peixes – metilação); longo prazo (sistemas agroflorestais); 4) 2000 re-avaliação da exposição e saúde; 5) 2003-2005 regionalização do estudo a 13 comunidades sobre 300 km do rio Tapajós (Hg, alimentação, Hg e MeHg em cadeias alimentares); 6) 2005-2008 Hg e visão, Hg x funções cardiovasculares, Selênio como modulador do efeito do Hg; redes de comunicações sociais. As intervenções envolveram: 1) oficinas de trabalho na comunidade (mulheres, pescadores, agricultores, autoridades locais) para discutir sobre os resultados; 2) campanha na escola e na vila: comer mais peixes que não comem outros peixes, distribuição de cartazes com os níveis de Hg das espécies locais; 3) trabalho com um grupo de 30 mulheres da comunidade para analisar os hábitos alimentares e sua variação temporal; esta atividade durou 12 meses e era coordenada pela parteira da comunidade. Após a intervenção, a avaliação da saúde da população constatou que em relação a motricidade houve melhoria de 10% na destreza manual e no teste de movimento alternado (Teste Branches). Enquanto 64% apresentavam movimentos desordenados em 1995, em 2000 este percentuais foram reduzidos para 32%. Entretanto, altos níveis de Hg continuam associados
Projeto Caruso. Foto: Jean Remy. 34
7 Apresentação resultante do Projeto Caruso 1994-2006, financiado pelo International Development Research Centre (IDRC – Canadá), envolvendo como instituições acadêmicas a Université du Québec à Montreal (UQAM), Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo como participantes coordenadores Marc Lucotte, Donna Mergler, Robert Davidson, Jean RD Guimarães, Maria da Graça P. Sablayrolles, Marucia Amorim, Frederic Mertens, Johanne Saint Charles, Carlos Jose S. Passos e Delaine Sampaio.
Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
a disfunções visuais na população. Os próximos passos envolverão projetos com atores sociais locais para gestão agroflorestal que minimize a erosão dos solos e a lixiviação de Hg, e também traga alternativas economicamente viáveis ao corte e queima (projeto PLUPH); inclusão e aprofudamento dos novos conhecimentos sobre o efeito do consumo de frutas e o planejamento de práticas agrícolas e alimentares; avaliação acerca de Se x Hg, efeitos sobre a visão; efeitos cardiovasculares; avaliação de Pb em sangue (casas de farinha); biogeoquímica do Hg no ambiente e a cadeia alimentar, relação entre Hg em solos e Hg em águas. Apesar dos avanços, até o momento ainda há muito que fazer para obter resultados conclusivos.
Projeto Manuelzão – Saúde, ambiente e cidadania – Bacia do Rio das Velhas
Marcus Vinícius Polignano (Faculdade de Medicina – UFMG)8
O Projeto MANUELZÃO/UFMG9 há 12 anos vem desenvolvendo um modelo de abordagem ecossistêmica tendo a bacia hidrográfica do rio das Velhas (Minas Gerais – Brasil) como a unidade de estudo. A bacia é formada pelo conjunto de afluentes dispersos em 51 municípios que drenam as suas águas para a calha principal. Nela habitam 4.800.000 pessoas e milhões de outros seres da biodiversidade. O Projeto Manuelzão foi idealizado por professores do internato rural da Faculdade de Medicina da UFMG em 1997, tendo como premissas: a saúde não é basicamente um problema médico, mas decorrência da qualidade de vida e ambiente; o modelo “assistencial de saúde” tem um compromisso muito maior com a indústria da doença do que com a promoção de saúde; a porta de entrada de um verdadeiro sistema de saúde tem que ser a promoção de saúde – melhoria da qualidade de vida e ambiental; as ações antropocêntricas vem provocando desequilíbrios ambientais e comprometendo a existência da biodiversidade, incluindo o próprio ser humano; é necessário construir uma nova relação homem/natureza centrada no biocentrismo – condição básica para dar suporte à vida e à saúde coletiva; a construção da relação saúde-ambiente per-
8 Apresentação resultante do Projeto MANUELZÃO, coordenado por Marcus Vinícius Polignano, Apolo Heringer Lisboa e Thomaz da Mata Machado (Faculdade de Medicina – UFMG) 9 www.manuelzao.ufmg.br
Projeto Manuelzão. Rio das Velhas. Foto: Clarissa Dantas.
mite incorporar a visão sistêmica dentro da gestão das políticas de saúde buscando a intersetorialidade e interdisciplinaridade. A abordagem ecossistêmica em saúde apresenta novas possibilidades para o entendimento e análise das questões ambientais e um novo enfoque para a noção de saúde para além do paradigma biomédico. A vantagem deste enfoque, base para a elaboração de modelos adaptativos em saúde e sustentabilidade, tem como premissa que uma sociedade sustentável deve manter-se no contexto de um sistema ecológico maior do qual é parte. Essa abordagem possibilita a percepção da relação saúde/ambiente de uma forma mais sistêmica, daí o foco do projeto MANUELZÃO na bacia do Rio das Velhas, pois representa uma unidade socioambiental de diagnóstico, de planejamento, de organização, de ação e de avaliação de resultados. A bacia permite integrar natureza e história, ambiente e relações sociais, delimitando uma área e possibilitando que um complexo sistema social seja referenciado na biodiversidade dos corpos d’água da bacia. Ao fazer este mo-
Rio das Velhas. Foto: Projeto Manuelzão.
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vimento entende-se que o homem não pode ser destituído das suas relações socioambientais, e que o setor “saúde” não pode destituir o homem das suas relações culturais com a natureza. Coloca-se na ordem do dia a discussão da integralidade da questão da saúde, entendida não com a visão assistencialista, mas dentro da visão humanista e planetária. O homem é um ser planetário que depende de relações ambientais complexas para viver e ter saúde, e ao mesmo tempo interfere no contexto socioambiental provocando impactos importantes para a sua própria vida e das demais espécies existentes no planeta. Segundo Lisboa10, “o eixo temático: ‘saúde, ambiente e cidadania’, abre espaço para questionar o conceito hegemônico de considerar saúde como um produto da indústria e dos serviços de atenção aos doentes. Esta hegemonia ideológica da ‘indústria da doença’ está perpetuando um modelo social excludente, incompatível com a saúde coletiva e associada com a alta lucratividade dos setores mais mórbidos da economia. Saúde está correlacionada com a qualidade de vida, e qualidade de vida com o ambiente e o caráter das relações sociais”. Ainda segundo Lisboa “o paradigma antrópico de domínio da natureza ignorou duas questões: que a natureza associa o ser humano ao restante da fauna e flora; e que as atuais relações sociais excluem a maioria dos seres humanos das conquistas sociais e técnico-científicas, cassando suas cidadanias e o direito à saúde. Nes-
Saneamento em área indígena. Foto: Leandro Giatti.
10 Lisboa, A.H. Concepção do Projeto Manuelzão. In: Projeto MANUELZÃO/ UFMG. Conceitos para uma prática de saúde e cidadania. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 36
tas relações, o dinheiro é que confere cidadania. Este paradigma entrou em confronto antagônico agudo com o ambiente e a sociedade, ameaçando a vida da atual e das futuras gerações. As doenças também são sinais e sintomas de uma crise paradigmática. O estoque de saúde nesta sociedade está muito abaixo do aceitável” A saúde, como uma afirmação positiva e não simplesmente como a negação da doença, deve ser vista como a expressão máxima da qualidade de vida e ambiente. O paradigma da determinação socioambiental da saúde conduz a uma nova proposta de inscrever a saúde como campo de conhecimento na ordem da interdisciplinaridade e, como prática social na ordem da intersetorialidade. Um grande desafio de um projeto de abordagem ecossistêmica é definir um objetivo pontual comum, que seja simples e ao mesmo tempo dê conta de responder a complexidade da abordagem. No caso do Projeto MANUELZÃO o objetivo definido foi a volta do peixe ao rio. Este é o indicador biológico. A volta dos peixes ao rio significa que: os esgotos estão sendo tratados; o lixo está tendo um destino adequado; as leis de uso e ocupação do solo estão sendo obedecidas; as cidades estão cuidando melhor da gestão das águas; as pessoas estão mais sadias; a civilização terá se educado melhor, e aprendido a ser mais solidária com o planeta Terra e o futuro das novas gerações. Para viabilizar os seus objetivos o projeto montou uma equipe transdisciplinar que produz um conjunto de ações, a saber: mobilização social com criação de Núcleos MANUELZÃO envolvendo sociedade civil, iniciativa privada e poder público; educação ambiental nas escolas e comunidades da bacia; pesquisas relacionadas ao biomonitoramento, saúde e ambiente e outras; fomento às políticas públicas saudáveis; comunicação (edição de jornal, site, publicações científicas, produção de mapas, cartilhas); expedições culturais e científicas pelos rios; participação institucional nos Comitês de bacia do rio das Velhas e no São Francisco; ação cultural (Festivelhas). Numa avaliação geral afirma-se que o projeto tem contribuído para a discussão e implementação de políticas públicas no âmbito da bacia do rio das Velhas no sentido de consolidar ambientes saudáveis e sustentáveis para o ser humano e a biodiversidade, revertendo o processo de degradação da bacia e interferindo na mentalidade civilizatória que o gerou.
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Desenvolvimento de uma pesquisaação em comunidade indígena na leitura da abordagem ecossistêmica
Leandro Luiz Giatti (Instituto Leônidas e Maria Deane da Fiocruz Amazônia)11
A sede do Distrito de Iauaretê, com uma população multi-étnica de 2.706 habitantes distribuídos em dez vilas, é o segundo maior pólo de concentração humana no Município de São Gabriel da Cachoeira. Localiza-se a noroeste do Estado do Amazonas e destaca-se em termos de urbanização em terra indígena, processo motivado por oferta de atenção à saúde, ensino e emprego. O crescimento populacional, as práticas sanitárias dos indígenas e a precariedade em saneamento básico constituem um quadro peculiar e relevante em saúde pública. Com foco em necessidades por melhorias sanitárias e em hábitos saudáveis, esta pesquisa objetivou a construção de conhecimentos envolvendo saber local e científico, bem como o envolvimento entre a população local e instâncias governamentais para implementação de saneamento básico. O método utilizado foi o da pesquisa-ação iniciado em 2005 com reuniões nas vilas componentes e aplicação de atividades participativas para diagnóstico dos problemas e proposição de soluções, para isso foram aplicados mapas falantes, painéis com fotos feitas pelos próprios indígenas, entrevistas, palestras e debates, envolvendo aproximadamente 300 pessoas12. Análises de água, de solo e de parasitoses intestinais foram procedidas enquanto estudo de condições sanitárias locais. A partir de 2007, com base em um relatório síntese produzido, foi oferecido um curso de mobilização social para 30 moradores, tendo como meta a apropriação dos produtos e articulação dos alunos com o processo de tomada de decisão. Constatou-se que 89,2% das fontes de água disponíveis estavam contaminadas, que ocorriam elevadas prevalências de parasitoses intestinais (69,3%) e que em 57%
11 Apresentação resultante do projeto “Pesquisa-ação no Distrito de Iauaretê do Município de São Gabriel da Cachoeira: Proposta de melhorias sanitárias e de hábitos”, financiado pela Fundação Nacional de Saúde e tendo como participantes: Aristides Almeida Rocha (Faculdade de Saúde Pública – USP), Maria Cecília Focesi Pelicioni (Faculdade de Saúde Pública – USP), Leandro Luiz Giatti (CPqL&MD – Fiocruz); Leonardo Rios (Escola de Engenharia de Piracicaba – EEP), Luciana Pranzetti Barreira (Faculdade de Saúde Pública – USP), Luciane Viero Mutti (Centro de Ensino Tecnológico do Amazonas – CETAM), Renata Ferraz de Toledo (Faculdade de Saúde Pública – USP), Silvana Audrá Cutolo (Faculdade de Saúde Pública – USP), Geraldo Juncal Junior (Grupo Técnico de Apoio – GTA). 12 Toledo RF, Pelicioni MCF, Giatti LL, Barreira LP, Cutolo AS, Mutti LV, Rocha AA, Rios L. Comunidade indígena na Amazônia: metodologia da pesquisa-ação em educação ambiental. O Mundo da Saúde 2006; 30(4): 559-569.
Comunidade indígena. Foto: Leandro Giatti.
de amostras de solo encontrava-se alguma forma parasitária – cistos, ovos ou larvas; além disso, também foram localizados e caracterizados os depósitos irregulares de resíduos sólidos do local. Os resultados do estudo das condições sanitárias e de indicadores da saúde ambiental local foram discutidos com participação comunitária e assim, promoveram meios para que os moradores se apropriassem das informações. Apesar de ser verificado o conhecimento sobre transmissão de doenças como malária, diarréias e verminoses e sobre a relação de causa e efeito de agravos no tocante à inexistência de saneamento, esses saberes eram re-significados na cultura indígena, prevalecendo sobre eles um pano de fundo mítico13. Os instrumentos participativos adotados permitiram envolver os habitantes locais e realizar intervenções educativas com o processo de discussão sobre os problemas sanitários locais. Também foi registrada certa organização política e institucional e preocupação com a solução da problemática, nesse contexto, a realização do curso para 30 moradores locais, tornou acessível informação técnica passível de subsidiar uma militância em favor do direito ao ambiente saudável. Durante a pesquisa, iniciou-se um processo de coleta regular de lixo e ocorreu a participação dos indígenas em discussões sobre rede de abastecimento de água em construção pelo poder público. Participantes do projeto contribuíram em discussões locais do plano diretor municipal, com foco no saneamento básico. O método de pesquisa-ação desenvolvido foi considerado compatível com premissas da abordagem ecossistêmica, e bastante adequado para o enfrentamento da problemática local por se constituir com base em um estudo interdisciplinar, possibilitando o envolvimento dos indígenas e posterior interlocução e envolvimento de esferas governamentais.
13 Giatti LL, Rocha AA, Toledo RF, Barreira LP, Rios L, Pelicioni MCF, Mutti LV, Cutolo SA. Condições sanitárias e socioambientais em Iauaretê, área indígena em São Gabriel da Cachoeira/AM. Ciência & Saúde Coletiva 12 (6): 1387-99, 2007.
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Foto: All type Assessoria Editorial
Perspectivas para adoção dos enfoques ecossistêmicos em saúde O primeiro item deste texto descreve e compara as duas vertentes que se encontram na base do debate teórico e metodológico sobre os enfoques ecossistêmicos: (a) Abordagem de Saúde de Ecossistemas (ASE); (b) Abordagem Ecossistêmica em Saúde (AES), com o objetivo de melhor distinguir como os ecossistemas vêm sendo tratados na sua interface com os problemas de saúde. Ao realizar uma breve análise da produção científica brasileira e da produção científica publicada nas revistas de saúde pública da América Latina, constata-se que, até o momento, há uma tendência de os enfoques baseados na AES serem mais dominantes; ainda que a maioria apresente pouco desenvolvimento no que se refere aos aspectos de formulação de estratégias de gestão e políticas públicas, sendo isso bem mais acentuado quando se trata de envolver uma efetiva participação do público. No segundo item, é realizada uma breve análise da produção científica brasileira, ficando evidente tanto a nítida tendência de vinculação das abordagens propostas com a AES, como também a predominância de trabalhos de caráter teórico e conceitual. Nenhum dos textos resultou diretamente de investigações de campo, ainda que cada um dos autores tivesse experiências nesse tipo de trabalho, mesmo que não envolvessem diretamente estudos adotando enfoques ecossistêmicos. No terceiro item, a breve análise da produção científica tendo como base artigos publicados em revistas de saúde pública da América Latina evidencia importantes aspectos relacionados aos três pressupostos básicos dos enfoques ecossistêmicos em saúde. O primeiro é que ainda há limitações nos estudos no que se refere a reunião de informações diversas sobre as variáveis (ecológicas, políticas, sociais, culturais, econômicas e de saúde) e escalas (do local ao global) que possibilitem demonstrar de modo integrado as interfaces entre os ecossistemas e a saúde humana. O segundo é que propostas de gestão ambiental integrada, formulação de políticas públicas amplas e instituições mais efetivas para implementar as mesmas ainda não se encontram
incorporadas a totalidade dos estudos que adotam os enfoques ecossistêmicos em saúde. O terceiro é que a participação do público na gestão dos ecossistemas e dos problemas de saúde, particularmente as comunidades locais, ainda que seja um pressuposto, ainda é pouco desenvolvida, sendo raros os estudos em que a participação ocorre do diagnóstico à formulação de estratégias para a gestão dos problemas. No quarto item, os resumos das apresentações nos revelam uma diversidade e riqueza de trabalhos que vem se aproximando ou mesmo adotando aspectos teóricos e metodológicos dos enfoques ecossistêmicos, principalmente a AES. Também contribuem para trazer à tona uma série de questões levantadas pelos debatedores do primeiro (Marcelo Firpo de Souza Porto) e segundo dias (Paulo Chagastelles Sabroza) e que constituem desafios para os enfoques ecossistêmicos em saúde. Um primeiro aspecto é a questão do tempo e da historicidade. A quase totalidade dos trabalhos tende à congelar o tempo ao período de estudo, não tratando dos processos de mudanças nos ecossistemas e seus serviços, bem como do processo saúde-doença como resultantes de um processo histórico, que se mantido em seus aspectos estruturais, tenderá a perpetuar ou mesmo agravar muitos dos problemas analisadas. Um segundo aspecto é a questão do espaço e das escalas. Grande parte dos estudos são realizados em áreas não-urbanas, não havendo conexão entre estas e as áreas urbanas cuja “pegada ecológica” vai muito além das mesmas. Além disto, é raro encontrar estudos que conectem as mudanças que ocorrem no nível local nos ecossistemas e seus serviços, bem como do processo saúde-doença, com as mudanças ecológicas, sociais e econômicas que ocorrem no nível global. Estes dois primeiros aspectos levam a um terceiro, que é a tendência da grande maioria do estudos adotando enfoques ecossistêmicos em saúde não tratarem as questões relacionadas aos poderes políticos e eco-
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nômicos que são exercidos sobre os territórios, bem como os conflitos socioambientais oriundos dos mesmos. Predominam abordagens localistas que acabam por não discutir os determinantes sociais presentes nos modelos de desenvolvimento que desde o nível global atingem o nível local, contribuindo para que determinadas populações em territórios específicos arquem com grande parte dos custos sociais, ecológicos e sanitários dos mesmos. E, por fim, o terceiro aspecto se desdobra em um quarto, que se relaciona aos conflitos sociais em torno das diferentes perspectivas e interesses. Cientistas, sociedade civil e gestores são atores que possuem diferentes vivências, linguagens, formações, interesses e perspectivas, não sendo automático e nem livre de conflitos a adoção de enfoques que permitam os mesmos trabalharem conjuntamente para reunir informações diversas e gerar políticas públicas para a solução dos problemas. O aprofundamento da compreensão dos problemas de modo contextualizado e através de uma comunidade ampliada de pares, que permita o engajamento com realidade local e revele as complexidades e vulnerabilidades da mesma envolve sempre um pro-
Foto: Mara Oliveira. Acervo OPAS/OMS
cesso de negociação e, por conseguinte, de conflitos, ainda muito pouco abordados na maioria dos estudos. Um maior desenvolvimento e aplicação de enfoques ecossistêmicos em saúde como uma abordagem integrada deve envolver os seguintes aspectos. Uma ampla revisão dos estudos realizados a partir de pesquisas de campo, de modo a permitir um desenvolvimento teórico, conceitual e metodológico que permita identificar as lacunas teóricas, conceituais e metodológicas para uma formulação mais consistente dos enfoques ecossistêmicos em saúde que vá além do somatório das duas vertentes existentes (ASE e AES). Um contínuo e monitorado investimento para pesquisas que adotem efetivamente os três pressupostos dos enfoques ecossistêmicos em saúde (reunião de informações diversas, formulação de políticas públicas com mudanças nas instituições e participação efetiva do público) em diferentes escalas e com uma gama diversificada de variáveis ecológicas, sociais, econômicas, culturais e de saúde, permitindo que o desenvolvimento teórico, conceitual e metodológico seja desenvolvido com base no diálogo oriundo entre as tensões entre o empírico e o teórico-conceitual-metodológico.
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Participantes do workshop Alexandre de Souza Vieira Ana Felisa Hurtado Guerrero Ana Paula de Souza André Sobral Antonio Levino da Silva Neto Brani Rozenberg Carlos Corvalán Carlos Machado de Freitas Cristiane Barbosa Daniel Buss Deuzilene Marques Salazar Edila A. F. Moura Érika Luciene Almeida Soares Evelyne Marie Therese Mainbourg Fabian Bezerra de Oliveira Fernando Abad-Franch Israel Brito de Souza Jarine Rodrigues Reis Jean Remy Daveé Guimarães Josino Costa Moreira
Leandro Luiz Giatti Marcelo Firpo Porto Marcilio Sandro de Medeiros Marcio Augusto R. Halla Marco Aurélio Quintanilha Margareth Monteiro Maria Luiza Garnelo Pereira Marisa Soares Marlene Mineiro Pereira Michele Alves Mircia Betânia Costa e Silva Patrícia de Góes Cruz Paulo Chagastelles Sabroza Reinaldo César Santos Zuardi Renata Ferraz de Toledo Ricardo Agum Ribeiro Roberto Sena Rocha Rodrigo Rego Barros Caruso Virginia da Silva Almeida Martel
Impresso em Papel Reciclado
Enfoques ecossistêmicos em saúde – Perspectivas para sua adoção no Brasil e em países da América Latina
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Organização Pan-Americana da Saúde Série Saúde Ambiental 2 ISBN 978-85-87943-95-8
9 788587 943958
Enfoques ecossistêmicos em saúde: perspectivas para sua adoção no Brasil e países da América Latina