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Capítulo do livro Aspectos da Lingüística Aplicada, organizado por Fortkamp, Mailce BM & Tomitch, Leda MB. Florianópolis: Insular (pp. 33-47), 2000.
CRISE, TRANSIÇÕES E MUDANÇA NO CURRÍCULO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE LÍNGUAS
José Carlos Paes de Almeida Filho
1. Introdução
Os cursos de Letras, tradicionais formadores de professores de línguas para as escolas secundárias, estejam eles localizados em faculdades ou universidades públicas e privadas, vivem hoje um estado flagrante de crise1 e uma promessa de renascimento. A cena comum dos cursos de Letras combina os efeitos de uma redução das motivações naqueles que poderiam vir a ser novos professores com a super-oferta de vagas em cursos convencionais de qualidade incerta ou altamente variável.
Além desses três
fatores ocorre ainda o da estagnação dos currículos que não conseguem acompanhar novas demandas da vida contemporânea aos profissionais da área da linguagem. Um fator complicador é o fato de que ensinar qualquer disciplina se tornou no último quartel do século XX uma ocupação de menor prestígio e ainda mais ao nível da educação fundamental e média. Enquanto as idéias e ações inovadoras não chegam ao cenário carente, cabe a nós o sacrifício de lidar com o (velho) sistema atual e o desafio de pensar o novo. Formar profissionais na esfera da linguagem indica um campo de trabalho amplo e não somente o preparo de futuros professores para ensinar línguas, ainda que esta seja possivelmente a área mais visível no curso de Letras e de emprego mais seguro em nosso tempo. Outras questões importantes que envolvem a linguagem no cotidiano fora da sala
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A crise se revela já nas estatísticas oriundas do ENC (Exame Nacional de Cursos (Provão) no ano de 1998. Para as 38000 vagas nos vestibulares há o contraponto de apenas 17000 formandos nesse mesmo ano, menos da metade do potencial de entrada. Dos 369 cursos inscritos no ENC em 1998, somente 109 foram avaliados com A e B. A avaliação C, indicadora de um nível pouco recomendável, foi atribuída a 147 cursos. Os cursos avaliados com as reprovações explícitas de D e E somaram nada menos do que 108. Cinco cursos não puderam receber qualquer conceito.
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de aula englobam as relações sociais mediadas pela linguagem (por exemplo as relações entre homem e mulher, entre funcionários institucionais e pessoas do público, entre membros de seções de uma empresa), as relações entre os sistemas de serviços na sociedade, a produção e revisão de textos na imprensa, indústria, comércio e empresas, lexicografia, criação, crítica e estética (literária, teatral, televisiva). Abrangem também as questões de tradução e secretariado bilingüe, estas duas, há duas décadas, sendo já exploradas como terminalidades em cursos de Letras do país. Acrescenta-se a esse leque de opções o trabalho de docência e pesquisa universitárias, aberto àqueles que se qualificam em cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado). Embora essas sejam todas opções de ocupação para profissionais da linguagem, muitos dos candidatos acabam por optar pela formação de professores de línguas nos programas de licenciatura acoplados aos cursos de Letras como os conhecemos hoje no país. No âmbito da formação de professores trabalha-se com a certificação inicial do professor de língua(s) nos cursos de Letras, mas poder-se-ia perfeitamente ampliar essa esfera de interesse fazendo já previsões nesses cursos para os requisitos da formação permanente, em serviço, de formadores em níveis imediatamente posteriores à graduação, no aperfeiçoamento, na especialização, no mestrado e no doutorado, alcançando além das disciplinas introdutórias à Lingüística Aplicada. O velho currículo de Letras é amiúde encontrado com grandes espaços dedicados a estudos literários e lingüísticos, quando não filológicos, restando uma porção menor, desequilibrada, do tempo curricular para as lições, até há pouco obrigatórias, de Latim, para os estudos da língua vernácula, das línguas estrangeiras, da Lingüística Aplicada, da cultura brasileira, das oficinas de linguagem, entre outras.
As disciplinas de língua
propriamente ditas ficam sempre aquém em espaço curricular ao necessário para viabilizar uma formação de alto desempenho no âmbito da linguagem. Nessas condições , um público predominantemente feminino, há décadas, encontra cada vez mais dificuldades em combinar a velha fórmula curricular com o mundo real cada vez mais exigente, complexo de um mercado de trabalho em fluxo e do universo de interesses cada vez mais sofisticados do mundo de hoje. Por exemplo, além dos conhecimentos específicos da área, os empregadores hoje buscam pessoas
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bem informadas e que possuam cultura geral;
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que tenham flexibilidade em áreas diferentes afins;
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saibam resolver problemas antes mesmo que algum superior os perceba;
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que estejam em constante evolução, que façam cursos;
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que discutam com clareza;
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que respondam rapidamente com soluções originais;
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que tenham mentes abertas;
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que combinem cursos com inglês
(e/ou outra língua estrangeira de amplo
alcance), com vivência no exterior e com domínio de uso do computador.
Uma educação universitária verdadeira (formação de fato acompanhada de treinamento em procedimentos específicos para enfrentar o cotidiano profissional e, em particular, a condução do complexo processo real de ensinar línguas) na área dos estudos da linguagem deveria certamente aprofundar os sentidos de formar um profissional competente e competitivo na área, e deveria igualmente contar com uma compreensão da importância da linguagem na educação formal em geral (desde a alfabetização), nos negócios, turismo, meios de comunicação e nas relações sociais/institucionais específicas mediadas pela linguagem. Na forma como são hoje conhecidos, os cursos convencionais de Letras não podem mais corresponder às exigências do mundo profissional. Mas ao mesmo tempo em que se observam manifestações de crise nos cursos de Letras, a sociedade brasileira emite sinais de um renascimento de interesse do público pela área da linguagem. Entendemos que esses sinais podem estar levantando entre nós uma promessa de renovação do velho currículo de Letras criado pela primeira vez em 1931 por ocasião da Reforma Educacional Francisco Campos já no primeiro governo Vargas.
Nesses 70 anos de cursos de Letras, a inovação maior pela introdução da
lingüística como grande componente curricular já está a clamar por continuidade de reforma e são os sentidos dessa reforma que queremos reconhecer nas exigências e desdobramentos da vida contemporânea na esfera da linguagem. A promessa discernível nos sinais mais evidentes de um renascimento de interesse do público por uma formação em Letras está contida
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•
na valorização de uma cultura geral que prepara os egressos para opções de vida melhor e um leque crescente de oportunidades de trabalho (que cruzam com outras profissões e campos laborais);
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na capacidade de uso competente da L1 (o Português) e de outras línguas no país e além fronteiras;
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na crescente iniciação dos estudantes de graduação à pesquisa básica e principalmente à aplicada que abre avenidas para a produção do conhecimento novo na descrição das línguas e na compreensão dos processos de aprender e ensinar línguas, de traduzir, etc;
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na percepção de que o aluno de Letras não serve apenas para homenagear grandes autores mas também para ser crítico e principalmente produtor de novas ficções ou experiências estéticas com a linguagem e de novas textualizações não-ficcionais.
A Lingüística Aplicada, entendida como corpo de conhecimentos teóricos oriundos da investigação aplicada na área da linguagem produzida ao nível de complexidade com que os problemas e questões são identificados na vida real, poderia seguramente oferecer alternativas aos planejadores curriculares preocupados em formar professores de línguas (em pré serviço) e outros profissionais no campo da linguagem.
Na seção seguinte
retomarei esse potencial da Lingüística Aplicada para a renovação dos cursos de Letras em pormenor. Por hora, é necessário reconhecer que a territorialidade hoje reinante na academia não permite mudanças rápidas na direção de inserir, sem mais e reais dificuldades, disciplinas e atividades orientadas para o conhecimento de base aplicada no campo da linguagem e para o ensino de línguas em particular. Nas seções 2 e 3 deste trabalho tratarei especificamente da opção magistério nos cursos de Letras, visto que se trata do nascedouro de futuros professores de língua(s) (materna e estrangeiras, incluindo o Português Língua Estrangeira) para as escolas e universidades. Nesse sentido, são traçadas no texto as linhas de análise para explicar a aguda crise enfrentada hoje pelos cursos de Letras e as propostas para orientar a
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(re)construção curricular como um plano aberto e codificado de experiências válidas no âmbito do trabalho com a linguagem, em geral, e no da formação de professores de línguas especificamente.
2. Reformulação do currículo
Dentro do universo de estudos do curso de Letras, as universidades, faculdades e departamentos deveriam eleger a formação de professores como uma prioridade estratégica de formação de quadros para a educação nacional.
Os programas de
Licenciatura vigentes em nossas instituições de nível superior não têm merecido nenhum tipo de atenção especial nos âmbitos do ensino e da investigação tanto de parte das instituições quanto das políticas de fomento à pesquisa, com a exceção da FAPESP que, desde 1996, vem apoiando a pesquisa aplicada no âmbito do ensino fundamental e médio. Cada vez que é apontada uma questão limitadora nesse âmbito, surge invariavelmente a idéia de reformular o currículo.
As transições (superficiais) nas
discussões (dificeis) que em geral se obtêm, acabam por subtrair e/ou adicionar horas/aula semanais, trocar nomes de disciplinas, introduzir modificações metodológicas (quanto a procedimentos e recursos) e de perspectiva teórica de tratamento dos temas nas disciplinas.
Todas as alternativas ficam circunscritas à disponibilidade do corpo
docente já empregado.
Por isso também é lamentável que as reclamações e as
necessidades de mudanças profundas no plano de estudo dos alunos de Letras não sejam encaradas como urgentes e merecedoras de reflexão-ação conseqüente. As mudanças eventualmente implementadas nos currículos são freqüentemente tópicas ou burocráticas mesmo em instituições tidas como exemplares no país. Muitas discussões exaltadas se dão em assembléias com professores e alunos às vezes ressentidos uns com os outros, não faltando as intervenções apaziguadoras com gestos que acomodam a superfície. A morosidade reconhecida na evolução do curso de Letras se deve a causas e fatores variados que se combinam em configurações distintas em cada caso.
Para
começar, é preciso distinguir a ação de natureza conservadora inercial típica das instituições. O passado cultural colonial do país favorece também uma postura cartorial de obter permissão e credenciamentos, os quais, uma vez concedidos, garantem uma
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existência longa de "protegida independência".
Escondidos na liberdade de cátedra,
nessa autonomia descansada (de freqüente alienação)
e freqüentemente sem
compromisso, estão os esquemas típicos das “reformas” intermitentes.
Fala-se de
reformas, faz-se movimento em torno da urgência em produzir mudanças e algumas medidas transicionais são finalmente aprovadas. Não são raras as modificações externas paliativas para que as coisas permaneçam as mesmas em essência, acalmando assim as discussões acaloradas e as “exacerbadas” expectativas. No interior dos cursos, muitas vezes, o pacto da mediocridade permite ao professor promover o aluno sem que tenha condições de passar, e o aluno, por sua vez, retribui não perturbando a acomodação do professor. Uma simbiose maléfica que se aproveita da lei do mínimo esforço, do corporativismo e da territorialidade (muitas vezes feudalista) entre as ciências departamentalizadas acaba por marcar fortemente a formação (distorcida) do aprendiz. Todo esse esquema se nutre ainda do passado cultural brasileiro valorizador dos conhecimentos letrados despregados da vida prática. As (belas)Letras e o Direito sempre fascinaram as elites coloniais do país, uma pelo adorno prestigioso nos salões e outra pela preservação dos valores e lugar social de classe já conquistados. A falta de formação na investigação aplicada voltada para as reais questões que afetam a vida social, com exceção dos cursos de Medicina e Saúde Pública que ousaram resistências já no século passado, comprova a natureza das raízes das nossas elites culturais não comprometidas com a construção do bem-estar coletivo (cf. Teixeira, 1989). Conseguir um diploma a qualquer custo, uma licenciatura ainda que sem lastro, é meta reforçada com a proliferação de cursos “universitários” de baixa qualidade consentidos (embora com crescentes restrições atualmente) pelos órgãos educacionais. A abundância de oferta de vagas nas instituições privadas (pagas pelo aluno, portanto), muitas das quais funcionando em condições precárias, só aumenta a agudeza da crise de motivação (e não de vocações, como freqüentemente se crê) pela qual atravessam as profissões da linguagem, entre elas e principalmente, a de ensinar línguas. A alternativa de orientar as verdadeiras discussões a partir das necessidades e interesses dos alunos de Letras num Brasil real de hoje é, portanto, mais do que elaborar um rol de críticas e apontar limitações nos colegas e programas. A verdadeira mudança, e
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não meros remendos, deveria exigir um repensar dos objetivos, terminalidades, focos ou ênfases filosófico-científicos dos conhecimentos reputados como essenciais na formação dos profissionais da linguagem, do corpo docente já existente nos departamentos e setores, dos departamentos que abrigarão os mestres e doutores nas faculdades e centros. Sem dúvida, esse repensar terá de ser produzido não somente pelo próprio corpo docente e estudantes reunidos em assembléias ou a partir de levantamentos de opiniões mas também, e principalmente, por avaliadores especialistas externos para evitar vícios como o corporativismo, bandeiras de grupos fervorosos, endogenia e seus resultados perversos na estagnação nas concepções e alienação dos interesses dos alunos e da sociedade. Não será suficiente, depois, comunicar aos alunos e autoridades as propostas e suas justificativas num cenário de mudanças.
Necessitamos antes interpretar os
interesses e as necessidades do público, e ainda explicar de modo convincente porque se recomendam tais e quais mudanças por feixes coerentes de concepções filosóficas de abordagem da formação de universitários na área de Letras e de futuros profissionais da linguagem.
3. As mudanças e as competências do professor
Quando visamos a formação de professores nos cursos de Letras, a tarefa de propor mudanças curriculares com fundamentação teórica a partir de dados reais do contexto de um curso X, implica sistematicamente prover experiências em disciplinas ou nos seus interstícios que cubram pelo menos três dimensões de competências do professor: lingüístico-comunicativa (incluindo as subcompetências sócio-cultural, estratégica, metalinguística, lúdica e estética), competência aplicada (abarcando a subcompetência teórica e emergindo do diálogo entre a teoria sabida e a prática implícita que se vive), e uma competência formativo-profissional (para a compreensão da própria história de ensino de línguas, do valor, do potencial e dos deveres do professor de línguas). Essas competências podem ser visualizadas na Fig. 1 abaixo.
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Fig. 1. Competências do Professor de LE
A competência lingüístico-comunicativa se refere aos conhecimentos, capacidade comunicativa, e habilidades específicas na e sobre a língua-meta que o aluno de graduação necessita desenvolver. Essa competência está baseada no conhecimento e atuação profissional e social para/nos processos relevantes da linguagem na docência. A familiaridade com as condições culturais e efeitos artísticos e lúdicos da criação na línguameta eqüivale à esfera de ação de
três subcompetências socio-comunicativas.
Na
abordagem comunicativa pode ser de grande valia uma competência adicional de conteúdo que prepara o professor para ensinar corpos de conhecimento que não só os de linguagem e no processo de (re)criar esses conhecimentos possa ensinar a língua-alvo. É assim, por exemplo, no ensino interdisciplinar e temático dos temas tranversais sugeridos nos PCN. A competência aplicada, por sua vez, é a capacidade, hoje grandemente valorizada, que o professor desenvolve para viver profissionalmente aquilo que sabe teoricamente e que sabe dizer aos pares e público quando necessário. Para desenvolver competência aplicada não é suficiente aumentar o número de disciplinas, nem tampouco a carga horária das mesmas.
Melhor seria eleger um tipo de teoria (de produção de
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conhecimentos) que servisse melhor ao propósito de saber sobre e saber fazer ao mesmo tempo. É recomendável nesse sentido, por exemplo, que se inclua no currículo pelo menos dois semestres de Lingüística Aplicada, tomando-a não somente em seu sentido mais tradicional e limitado de aplicação de teoria lingüística.
Nessa disciplina seriam
criados os eixos para as modificações conceituais e mudança da prática profissional à luz dos conceitos discutidos. No cotidiano profissional de hoje é comum a sensação de desilusão com “soluções dos teóricos” ante o pouco progresso visível da qualidade do ensino de línguas frente aos olhos e expectativas crescentes de alunos e autoridades. A aplicação de teoria lingüística foi acoplada à linha da “melhor e mais moderna metodologia” para “aplicar” resultados de comparações, deduções e conselhos práticos. Ante os débeis resultados, não é rara a busca de soluções mágicas (isso eu faço bem, os alunos adoram o meu curso, isso dá resultados - algo de bom haverá!), dogmáticas (se não se agir assim não haverá sucesso, sempre ensinei assim e os alunos sempre aprenderam!), da moda (a última palavra) ou por receitas (a infalível fórmula). O caminho da Lingüística Aplicada (vide Cavalcanti, 1986, Almeida Filho, 1991; e Moita Lopes, 1996, entre outros), pelo contrário, informa e forma o professor para detectar questões da prática que serão estudadas em investigações e projetos segundo um corpo teórico crescente da própria Lingüística Aplicada. Desse corpo teórico se formarão novas hipóteses para investigação, outras propostas de soluções e contribuições de novos conhecimentos de relevância para o ensino e outros fins. O lugar da explicação de tudo através da teoria lingüística ou de outras ciências e dos métodos prontos será substituído pela busca de traços que caracterizam as concepções de linguagem (e L2), do trabalho realizado, de aprender e ensinar línguas em aulas verdadeiras de professores reais, gravadas e transcritas para explicar porque se ensina como ensina.
As mudanças
poderão assim sobrevir, por partes, às transições e ajustes do processo complexo de ensinar-aprender línguas ou do trabalho efetivo em outra terminalidade.
Essa é a
perspectiva da abordagem, de uma verdadeira filosofia de trabalho com a linguagem que orienta todo o processo e da qual o futuro profissional necessita tomar consciência antes de ser certificado e sair a campo para o trabalho (vide sobre o conceito de abordagem e sua importância, Almeida Filho, 1993, Almeida Filho, 1997 e Almeida Filho, 1999).
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Uma competência profissional, por fim, tem a ver com a consciência que o professor desenvolve sobre seu valor real e potencial enquanto profissional. Em estudos recentes (Alvarenga, 2000) observamos que esta competência é mobilizadora das outras no sentido de que um crescimento nela propicia maiores condições de engajamento do profissional em esforços por crescer nas outras competências previstas no modelo. Até aqui, apontamos que os cursos de Letras contemporâneos amealham expectativas da formação tradicional (e ainda altamente importante) de professores de línguas como seu núcleo duro, mas se abrem também, gradativamente, a uma franja de novas ou relativamente novas possibilidades de formação para as quais o currículo deve responder com provisão de disciplinas ou atividades.
É esse o caso de preparação,
mesmo que introdutória, à revisão de textos, à produção de textos para a mídia, à tradução, à dublagem, às tecnologias computacionais, etc. Uma reforma curricular nos estudos da linguagem deveria minimamente cobrir esses domínios através de disciplinas, enfoques e procedimentos em uma busca de formação inicial (sempre incompleta, por princípio) de um profissional incomodado, íntegro, crítico, perceptivo, ativo, flexível e competitivo em sua esfera de ação. Vejamos no quadro a seguir (Fig. 2) uma possível materialização de currículo onde as premissas que discutimos até aqui foram contempladas minimamente na forma de disciplinas obrigatórias ou eletivas.
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Fig. 2. Composição de um Currículo de Letras que contempla os argumentos expostos neste artigo formação geral universitária com ênfase na linguagem
Formação geral
Leit. Prod. Textos
Formação do professor específica
Lingüística (fonologia, Aplicada sintaxe,
Ling. Lit.
Teoria Competência Compet. Compet. lingüísticoAplicada Profissional comunicativa (viagens
a semântica)
Lit. Estr.
eventos +
Oficina de Textos
Oficina de Oralidade História do
Port. LE
Lit. Bras.
Trad.
Cultura Bras.
Análise do Discurso
Lit. Port. Análise do Hist. da Texto Língua Latim Estrangeira
| trabalho de Disciplinas de Prática de reflexão) Língua, Ensino + lingüística e Estágio teoria literária + + História do Oficinas (Disc. do PGL) ensino • Filosofia de LE • Psicologia do adolescente •
Estrutura
de
ensino História da Lg. Port.
Teatro Televisão cinema
Gramática Tradicional
e
funcionamento do Ensino Fundamental e Médio
de L1
Computador e Novas tecnologias Iniciação `a pesquisa
Linguagem não-verbal ! Uso lúdico da linguagem
Culturas de línguas estrangeiras
Distúrbios da fala
Obs.: As disciplinas podem cobrir de modo flexível as sugestões da grade combinando-as e oferecendo-as eventualmente como disciplinas opcionais/eletivas. Um recurso prático a ser
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incorporado ao currículo é a disciplina Tópicos em Letras (I, II, III) que pode acolher, segundo as necessidades, várias das matérias e atividades sugeridas na grade.
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4. Ações de estímulo à profissão e considerações finais Outras ações deveriam seguir-se quando já tivéssemos conseguido introduzir modificações de raiz na estrutura e funcionamento dos currículos de Letras.
Deveria
haver prêmios, expressões de reconhecimento e estímulo salarial por trabalho contínuo com alunos na sala de aula, por trabalho experimental responsável e por ensino exemplar (aceitando-se estagiários em projeto colaborativos, por exemplo). Aumentos nos salários por puro tempo de serviço seriam, sem dúvida, desaconselháveis, ou mínimos, se inevitáveis. As escolas e universidades poderiam intensificar seus projetos tomando-se a si mesmas como objetos de investigação. É desanimador reconhecer a que ponto de estancamento pode chegar o ensino ao longo de gerações. As escolas devem merecer nosso interesse político em fazer delas lugares de pesquisa e de excelência no sentido de permitir que seus alunos trabalhem ao máximo das suas capacidades de aprender. Os professores de Prática de Ensino de Línguas (Estrangeiras ou Materna) e de Estágio Supervisionado,
vinculados
preferencialmente
à
Faculdade
de
Letras
e
não
automaticamente, como soe ocorrer, às Faculdades de Educação, deveriam igualmente buscar os meios de absorver os avanços obtidos em investigação aplicada concentrados na Lingüística Aplicada/área de ensino-aquisição de línguas.
A convivência dos
professores de Prática de Ensino/supervisores do estágio com colegas pedagogos responsáveis pelas outras disciplinas do Programa Geral da Licenciatura assegura o trânsito
entre
as
orientações
de
Letras/Lingüística/
Lingüística
Aplicada e
de
Educação/Pedagogia. Parte da nossa energia necessita ser preservada para que possamos oferecer apoio às associações de professores, que valorizam o trabalho do professor promovendo o seu aperfeiçoamento e exigindo compensação por atividades profissionais de qualidade. É imperativo reivindicar melhoras nos planos de carreira sem privilegiar os anos de trabalho neles mesmos e deixando de computar o principal: os avanços em especialização, habilidades lingüísticas e consciência profissional demonstrados na prática.
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É
imprescindível
submeter
sempre
nosso
ensino
à
opinião
externa
e
ocasionalmente à crítica (por critérios) de nossos colegas e alunos nas instituições onde atuamos. Os professores de línguas, assim como os outros professores, não podem chegar à plenitude profissional sem anos iniciais de sólida e bem orientada formação na carreira, porém logo após seu ingresso na profissão, necessitam para sempre de cuidados constantes, supervisão, respeito, oportunidades de crescimento - e por que não admiti-lo melhor remuneração pelo seu trabalho. O professor seguramente necessita de cuidadosa iniciação formadora (mesmo que não esteja realmente "formado" ao formar-se!) nos cursos de graduação, durante o Programa Geral de Formação de Professores (a Licenciatura) e depois permanentemente ao longo da vida profissional. O responsável maior pela educação permanente é o próprio professor (a partir do entendimento a ele propiciado pela sua competência profissional) mas seus interlocutores e parceiros serão os professores-pesquisadores das universidades com programas de pós-graduação em pesquisa aplicada na área da linguagem, as associações de professores e órgãos públicos de assessoria ao professor e à docência. É hora de ação bem informada no repensar da formação inicial dentro dos cursos de Letras e de agir com este texto refletindo com os colegas nos encontros profissionais, no bojo das instituições e nas assessorias como forma de iniciar respostas aos desafios.
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