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CRISE, CRÉDITO E POLITICA FISCAL: O SINGULAR CASO BRASILEIRO José Roberto R. Afonso 1 Janeiro de 2012
Introdução No início de 2011, o cenário econômico internacional tinha se deteriorado definitivamente com a crise aberta na Europa, as dificuldades dos Estados Unidos para crescer e a possível desaceleração da economia chinesa, dentre outros fatores. Voltaria a se repetir a crise de 2008/2009? Mais do que isso, seriam aplicadas novamente as respostas então dadas pela política econômica? O Brasil não está no foco da crise, muito pelo contrário, atrai cada vez mais capital estrangeiro e elogios da comunidade financeira internacional. As projeções para seu crescimento econômico, porém, mostram que o seu dinamismo está aquém da média das economias emergentes. Consideradas as divulgadas pela UNCTAD para avaliar a superação da crise anterior e as novas turbulências ao início de 2012, e se tomado o crescimento médio de 2005/2008 como base (reproduzida na Tabela 1), é esperado que o Brasil venha a acumular uma expansão de 18,1% até 2013 contra 30,5% das economias emergentes – o resultado só é muito bom em contraste com o pífio desempenho das economias desenvolvidas, que crescerão apenas 3% ao longo dos cinco anos citados, o que reduz a projeção de crescimento mundial para apenas 10% no mesmo período (ver UNCTAD, 2012).
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Economista do BNDES, cedido ao Senado Federal, doutor em economia pela UNICAMP.
Trabalho apresentado ao 24º Seminário Regional de Política Fiscal, no painel Fiscalidad y Desarrollo, organizado pela CEPAL, em 25/1/2012, em Santiago do Chile. Reproduz parcialmente argumentos e textos do livro digital do autor, Crise, Estado e Economia Brasileira. Os economistas Kleber Castro, Marcia Monteiro e Vivian de Almeida deram apoio nas pesquisas. Como de praxe, as opiniões são exclusivamente do autor, e não das instituições a que está vinculado. Sítio do autor: www.joserobertoafonso.com.br
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Tabela 1 CRESCIMENTO ECONÔMICO COMPARADO (UNCTAD): BRASIL - 2005/2013 Variação Anual Brasil America Latina e Caribe Economia em Desenvolvimento Países de Alta Renda média Economias Desenvolvidas Mundo Índice (Base 2005/2008) Brasil America Latina e Caribe Economia em Desenvolvimento Países de Alta Renda média Economias Desenvolvidas Mundo
20052008a 4,6 5,0 6,9 7,5 1,9 3,3 20052008a 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
2009 -0,6 -2,1 2,4 1,2 -4,0 -2,4
2010b 7,5 6,0 7,5 7,3 2,7 4,0
2011c 3,7 4,3 6 6,1 1,3 2,8
2012c 2,7 3,3 5,6 5,5 1,3 2,6
2013c 3,8 4,2 5,9 6,0 1,9 3,2
2009 99,40 97,90 102,40 101,20 96,00 97,60
2010b 106,86 103,77 110,08 108,59 98,59 101,50
2011c 110,81 108,24 116,68 115,21 99,87 104,35
2012c 113,80 111,81 123,22 121,55 101,17 107,06
2013c 118,12 116,50 130,49 128,84 103,09 110,49
Fonte primária: UNCTAD (apenas taxas). Notas: (a) média anual; (b) preliminar; (c ) projeções
O cenário brasileiro comparado ao internacional estimula discussões sobre como o País enfrentou a última crise e se a mesma resposta de política econômica pode vir a se repetir diante das novas turbulências. Antecipa-se que uma singularidade dessa experiência foi o crédito - tanto como estopim para provocar a crise e depois a superar, quanto para amarrar a política fiscal, a monetária, a cambial e, também a creditícia, uma vez que foi decisivo nesse processo a atuação dos bancos públicos à custa do endividamento do tesouro nacional.
Crise de 2008/2009 A deterioração da economia internacional já estava em curso desde 2007 e o Brasil passou ao largo da desaceleração até o terceiro trimestre de 2008.2 A leitura oficial na época era que a crise só poderia chegar ao Brasil pela via do campo fiscal, 2
É interessante registrar que, comparada com as maiores economias do mundo, a brasileira foi a última a registrar uma desaceleração da taxa de crescimento (no terceiro trimestre de 2008), enquanto a reversão da expansão nos demais países já tinha começado entre o segundo trimestre de 2007 (caso do México e do Canadá) e o primeiro trimestre de 2008 (Alemanha e Zona do Euro). Se foi bom a economia brasileira ter desacelerado bem depois das demais economias, isso, contudo, não evitou que o tombo fosse forte e rápido. A diferença entre a variação do produto no trimestre em que foi constatada retração pela primeira vez e no quarto trimestre de 2008 foi de -3,6 pontos no Brasil (com apenas um trimestre de diferença), igual à desaceleração registrada na Coreia e somente melhor que a queda do Japão (-4,5%). Nos Estados Unidos e na Zona do Euro, a mesma diferença foi de apenas 0,6% e -2,1%, respectivamente (SENADO, 2010, p.142).
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como acontecia no passado. O diagnóstico era de que no exterior a crise tinha origem no crédito e nenhum analista internacional suspeitava que as finanças públicas pudessem ter disparado a crise financeira, que veio a se tornar global. Mesmo sabendo que no Brasil o crédito era decisivo para a aceleração que a economia experimentava desde meados da década, não se associou a causa da crise do exterior com o que viria acontecer no Brasil. Melhor explicando, quando atravessava uma das melhores fases de crescimento das últimas décadas, a crise financeira global de 2008/2009 chegou ao país na forma de uma súbita interrupção da concessão de crédito, o que provocou rapidamente uma das recessões mais profundas, porém, também das mais curtas3. Assim, a crise chegou de vez ao Brasil em setembro de 2008, na esteira da falência do Lehman Brothers, com rápida deterioração das contas externas. Se o Real era uma das moedas que mais tinham se apreciado antes da crise, tornou-se uma das moedas que mais rápida e drasticamente se desvalorizaram e, pior, das que sofreram maiores oscilações – o câmbio despencou puxado pela queda dos preços das commodities. O crédito internacional foi interrompido para os emergentes (no caso do Brasil correspondia a cerca de 20% da oferta de crédito doméstico), afetando especialmente o setor exportador brasileiro. As perdas com derivativos cambiais criaram uma súbita e intensa incerteza sobre o desempenho da economia brasileira no curto prazo, que praticamente paralisou o crédito e restringiu a liquidez, mesmo para quem estava muito voltado para o mercado interno. Se os derivativos afetaram outras economias emergentes, como Coréia do Sul, México e Polônia, possivelmente nestes países essas perdas não tiveram tanta dimensão e nem provocaram tantos efeitos colaterais para o resto da economia, ao contaminar câmbio e crédito, como ocorrido no caso brasileiro.4 Segundo autoridades monetárias, as perdas podem ter superado os US$ 37 bilhões, isto considerando que somente uma parte das operações era registrada5. 3
Para uma análise das causas e da saída da crise no Brasil, dentre outros, ver: OECD (2009); Carvalho (2009);, Tavares (2009); Mello (2011); e as coletâneas da AKB (2008) e (2010), bem como de Giambiagi; Barros (2009). Tabulação no anexo estatístico apresenta evolução dos principais indicadores macroeconômicos no Brasil entre 2006/2010. 4
O país chegou a merecer citação particular em estudos publicados pelo Bank for International Settlements (BIS) – ver Jara; Moreno; Tovar (2009) e BIS (2010). 5
A surpreendente estimativa das perdas com derivativas cambiais foi realizada pelo banco central: O movimento inicial de ajuste na taxa de câmbio, natural em vista do peso das matérias-primas na pauta exportadora e do aumento global da aversão ao
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Se o diagnóstico era de uma crise focalizada, a estratégia brasileira para seu enfrentamento também seria concentrada em mobilizar poucos instrumentos, mais na área financeira e quando muito na fiscal, porém, sem promover qualquer mudança estrutural. Ao contrário do que se passou na maioria dos outros países, nenhuma alteração legislativa de maior vulto foi aprovada – na verdade, sequer foi proposta ou apreciada. Não se aproveitou a oportunidade para tentar resolver outros problemas estruturais que atrapalhavam a economia brasileira, nem foram levantados questionamentos em torno dos instrumentos de política econômica até então mobilizados. Se a crise era vista como global apenas por se desenrolar no exterior; no Brasil, foi percebida como financeira – talvez até menos do que isso, percebida basicamente como uma crise do crédito e bancária (afinal, o sistema financeiro brasileiro era tido como menos exposto à crise). Assim, percebendo o impacto profundo da crise internacional na saúde financeira do Brasil, no início de 2009, o governo federal anunciou que adotaria uma política fiscal anticíclica. Porém, as medidas que tiveram realmente esse caráter podem ser consideradas limitadas, principalmente se comparadas à política monetária e a de crédito6. O estímulo fiscal foi reduzido, concentrado na renúncia de
risco, foi ampliado, no caso brasileiro, pelos efeitos da exposição corporativa a derivativos cambiais. Após pesquisa sobre a posição das instituições financeiras com seus clientes e o cruzamento das mesmas na CETIP S.A. – Balcão Organizado de Ativos e Derivativos (CETIP) estimou-se que o delta dessas exposições estaria próximo de US$ 37 bilhões ao final de setembro de 2008. Esta estimativa seria levada em conta na definição de aspectos da estratégia de gestão de crise adotada pelo BC. (MESQUITA; TORÓS, 2010a, p.7). 6
Uma avaliação das políticas brasileiras de enfrentamento da crise com base em regressões sobre os efeitos de cada uma de suas políticas sobre o consumo das famílias, o investimento fixo e a demanda agregada, bem assim da eficácia das mesmas políticas em relação aos setores mais apoiados, concluiu que a fiscal foi ineficaz para reativar os negócios (até mesmo na análise setorial da venda de automóveis, móveis e eletrodomésticos – mais impactados pelas medidas monetárias): Os resultados empíricos mostram que a política fiscal não foi importante na recuperação do nível de atividade econômica, ao contrário, grosso modo, das políticas monetária e creditícia. É importante ressaltar que, além de a política fiscal ter gerado possivelmente um benefício mínimo, ela proporcionou um elevado custo, com a elevação da dívida pública resultante do maior déficit fiscal nominal. Deixando uma proposta para futuras pesquisas, devem-se considerar as implicações relativas à utilização de políticas fiscais expansionistas. O benefício, no curto prazo, como pode ser depreendido das análises empíricas, foi mínimo, porém o custo, mesmo no curto prazo, não foi negligenciável. De uma perspectiva de longo prazo, a elevação das despesas, principalmente aquelas de caráter permanente (salários, previdência etc.), ou a redução da arrecadação demandarão esforços
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receitas e focado em alguns setores (notadamente automobilística), ao contrário das outras economias emergentes (em que se privilegiou o incremento dos investimentos fixos governamentais, ainda que estes tenham crescido no Brasil, mas em variação pequena diante daqueles países). Tais medidas (surpreendentemente) teriam explicado pouco da recuperação do consumo e da própria economia, em que pese o bom desempenho destas duas variáveis macroeconômicas. Inegavelmente, o crédito foi decisivo, seja para travar repentinamente a economia brasileira, seja para sua retomada, tanto, que é possível dar-lhe status de novo e quarto pilar da política econômica – de modo que o tripé virou uma espécie de quatrilho. O Brasil caiu num arranjo que combinou aumento do crédito bancário com aportes fiscais, o que também contribui para elevar a dívida pública para um patamar razoavelmente elevado – e que só não se apresenta pior porque a economia voltou a crescer a ritmo intenso. Neste contexto, o crédito merece uma análise à parte pela sua importância crescente na política econômica da última década, e, sobretudo, por ter sido decisivo por provocar a crise e, também, por permitir que fosse superada. Aliás, o papel contra cíclico dos bancos públicos, especialmente do BNDES, foi destacado até em panorama traçado pelo Fundo Monetário para a América Latina (IMF, 2010, p.46) – que comenta também os casos do Chile e da Costa Rica. Além disso, tal ativismo creditício teve implicações e inter-relações importantes com a política fiscal, por conta dos notórios aportes do Tesouro Nacional aos seus bancos. A crise financeira global virou uma crise de crédito no Brasil. Essa é a síntese que se pode fazer da sequência de ações do governo diante da crise. As reações monetárias tiveram mais dimensão e impacto na economia do que as fiscais, mas o crédito se tornou um elo comum entre elas. Desde a perda forçada da receita de impostos até os sucessivos aportes fiscais para bancos públicos, o crédito, em suas diferentes manifestações, sempre esteve no centro da crise nacional. Contextualizando, o crédito experimentou forte expansão no meio da década7: estava abaixo de 25% do PIB no meio de 2004 e cresceu 13 pontos do
adicionais de ajuste fiscal poderão retirar recursos necessários ao investimento privado. (MOREIRA; SOARES, 2010, p.78) 7
Outras estatísticas divulgadas pelo BACEN que serão utilizadas neste trabalho compreendem as de política monetária e operações de crédito do SFN e as do mercado aberto, objeto de notas mensais disponíveis em: http://bit.ly/dyksDk e http://bit.ly/grj5aT, respectivamente, bem como de séries históricas acessadas a partir de: http://bit.ly/5wM00K .
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produto em apenas quatro anos (chegou a 38% do PIB em julho de 2008). No mesmo período, taxas de juros recuaram e os instrumentos (e mesmo os atores) foram mudando sensivelmente – com destaque para o crédito pessoal, puxado pela figura do consignado (vinculado aos salários). O crédito teve múltiplos e relevantes papéis no comportamento mais recente da economia. Primeiro, ele contribuiu fortemente para o crescimento acelerado que a produção brasileira experimentou até o terceiro trimestre de 2008, acima de seu padrão histórico mais recente, de modo que se expandia na véspera da crise numa velocidade de três a dez vezes maiores que o PIB.8 Segundo, quando uma súbita crise de confiança parou o crédito, ele foi decisivo para o país mergulhar num período recessivo, que foi o mais profundo desde os anos 80, mas também um dos mais curtos. Terceiro, para uma rápida saída e aceleração progressiva e contínua da produção, a partir de meados de 2009, o crédito foi imprescindível. Não custa repetir, mais uma vez, que a motivação desta crise no Brasil nada teve a ver com o crédito para o setor público – nem interno, muito menos envolvendo a dívida pública externa. Pelo contrário, até ter se deflagrada a crise, as finanças públicas brasileiras apresentavam uma situação particularmente favorável em termos da convenção prevalecente – o superávit primário seguia alto, a carga tributária tinha crescido mesmo depois de extinta a CPMF, e a dívida líquida do setor público vinha apresentando trajetória decrescente. Mas pelo lado do crédito ao setor privado, espraiada incertezas e crises no exterior e disparado o câmbio no Brasil, as perdas ocorridas com derivativos cambiais e, sobretudo, as dúvidas provocadas ajudaram a agravar o cenário de encilhamento e súbito mergulho na depressão9.
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Ressalte-se que no mesmo mês da quebra do Lehman Brothers era impressionante o ritmo de crescimento do crédito no país, inclusive beneficiando mais pessoas físicas do que jurídicas, tendência que foi retomada (e mesmo mais acentuada) tão logo arrefeceu o encilhamento do crédito. Estes vinham promovendo uma enorme evolução do crédito para pessoas físicas e, sobretudo, para pessoas jurídicas, tendo por base em ambos os casos o alargamento dos prazos dos financiamentos, sem contrapartida de ampliação de prazos do lado da captação de recursos. Para se ter ideia do boom de crédito que se desenvolvia na economia no momento anterior à crise internacional, basta observar que em setembro de 2008 o crédito crescia 45,0% e 17,9%, respectivamente, para pessoas jurídicas e pessoas físicas, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. (ALMEIDA, J.S., 2010, p.58) 9
Corrobora essa tese, a seguinte leitura: ... a crise de expectativas negativas atingiu, num primeiro momento, o investimento. Esse componente mais instável do gasto privado vinha se
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O Brasil não foi diferente das economias avançadas, que dessa vez estavam no epicentro da crise mundial. Tanto aqui, quanto lá, o estopim da crise não foi fiscal. Isso contrariou ou surpreendeu, de autoridades monetárias até analistas acostumados a esperar que o passado sempre se repita. Contudo, foi ignorado que no Brasil as contas cambiais estavam (e ainda continuam) misturadas com as fiscais e que o acúmulo de reservas internacionais foi tão intenso que inverteu totalmente o impacto do câmbio sobre as contas públicas. Ao contrário de 2002, uma maxidesvalorização cambial não mais provocaria uma disparada da dívida pública e do déficit nominal: ao final de 2008, muito pelo contrário, a mesma dívida caiu drasticamente – e tudo isso sem que tivesse havido qualquer mudança no cenário fiscal. Se subitamente o setor público ficou mais solvente e líquido do que no passado, a incerteza que foi travar literalmente o crédito nacional emanou toda do setor privado. Do lado dos bancos, a exacerbada preferência pela liquidez levou a transferência de depósitos a aplicações para bancos públicos e, quando bancos privados, para os de grande porte, o que afetou sobremaneira as instituições de médio e pequeno porte, muitas vezes dependentes de recursos externos. Do lado das empresas, a grande dúvida era em torno das perdas com derivativos cambiais que as cercavam; sem crédito nem mesmo para giro, o impacto imediato foi travar os investimentos e até desaceleração produção. A reação monetária veio à frente (no Brasil como no resto do mundo), mas, como já foi dito, aqui foi predominante (a resposta fiscal no Brasil foi tímida e torta
expandindo a taxas elevadas, sob os auspícios do otimismo empresarial e da anterior expansão das facilidades de financiamento. Explicamos: no período de crescimento pré-derrocada do Lehman, o setor bancário privado incrementava fortemente o crédito de curto prazo, enquanto o incipiente mercado de capitais – ações e debêntures – fortalecia o funding das empresas, embora, como de hábito, com clara concentração nas empresas de maior porte e reputação. O BNDES acompanhou esse processo e se constituiu, com sua capacidade de prover crédito de longo prazo, em fator importante na composição do mix de financiamento. Deflagrada a crise financeira, a queda do investimento foi brutal, pois a maioria das empresas cortou imediatamente seus programas de inversão e as fontes privadas de financiamento – bancos e mercado de capitais – se retraíram rapidamente. Muitas empresas também sofreram sérios prejuízos com as operações em mercados futuros cambiais (target forward) realizadas antes da crise. As instituições privadas de crédito e os mercados de capitais, como é crucial, reproduziram seu comportamento inerentemente prócíclico. (BELLUZO; ALMEIDA, 2010).
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em relação aos demais países, sobretudo, emergentes). Compreendendo desde a irrigação de liquidez no sistema bancário; passou pela postura mais ativa do banco central no mercado cambial e pela (retardada) redução da taxa de juros; até as medidas específicas para recuperar a confiança nos bancos de menor porte. Porém, só quando os bancos públicos assumiram uma postura mais agressiva nos seus respectivos nichos de ação é que foram invertidos os sinais que ditavam os rumos do crédito, passando da recessão para o crescimento acelerado e em um período relativamente curto. Na medida em que as novas concessões foram retomadas, a produção voltou a acelerar e o crescimento se generalizou, entre setores e demandas – embora seja fato que, no caso do consumo, praticamente não caiu no período recessivo. À parte, é possível registrar uma especulação. Se antes do crédito, a reação monetária tivesse sido disparada mais cedo (caso da redução dos juros), se ao lado do crédito, a resposta fiscal fosse mais qualificada (caso de privilegiar o esforço temporário de formação de capital no lugar de compromissos permanentes), e se o próprio crédito público tivesse sido mais focado no fomento e dispensado de atender outras e opacas funções, quem sabe o desempenho da economia brasileira não pudesse ter se aproximado mais aos dos outros grandes emergentes, que desaceleraram, mas nunca retroagiram10? O crédito foi tão importante para a economia brasileira nesse período, que poderia receber o mesmo status dos outros pilares da política econômica, como desenhado e seguido desde a crise do final dos anos 80. O tal tripé foi montado na seguinte sequência cronológica: o regime de câmbio flutuante (para substituir o câmbio fixo e contrariando o currency board que era pedido no exterior), o regime de metas de inflação (ainda que inicialmente dificilmente tenham sido cumpridas) e o regime de responsabilidade fiscal (o único dos três instrumentos regulado em lei complementar). Esse tripé permaneceu até hoje, mas, a cada dia, fica mais claro que 10
Uma resposta está nesta conclusão: A ampliação do crédito pode ser considerada fator ativo mais relevante para a retomada do crescimento da economia a partir do segundo trimestre do ano passado. Se o Brasil tivesse se aproximado mais de outros países em termos de arrojo na execução de políticas fiscais e de juros, como no caso da China e dos países desenvolvidos, talvez sua economia nem tivesse entrado em recessão e teria acumulado crescimento no ano crítico de 2009. (ALMEIDA, J.S., 2010, p.60)
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passou a contar com um quarto pilar: a importância que o crédito veio a ganhar na política econômica brasileira na primeira década deste século transformou aquele tripé em uma espécie de quatrilho. Como no filme brasileiro homônimo, tais pilares se misturam e interagem de forma intensa e permanente: um influencia o outro, mas, ao mesmo tempo, é pelos outros influenciados. A entrada do crédito não mudou esse cenário e, em particular, resultou numa interface especialmente intensa com o fisco durante e depois da crise.
Bancos Públicos na Economia Brasileira Voltando à virada provocada pelo crédito na economia, cabe aprofundar a análise na interação entre crédito e fisco, que remete as atenções para os bancos públicos. Antes de tudo, cabe observar que esse segmento por vezes é tratado de forma genérica sem atentar para algumas de suas peculiaridades no Brasil. Primeiro, a presença de bancos públicos no sistema bancário não é uma excentricidade brasileira: embora não sejam comuns entre as economias avançadas, marcam presença nas grandes economias emergentes e, por vezes, tem um peso relativo nas captações e nas aplicações até maior que no Brasil – inclusive no caso dos demais países do chamado BRIC (grupo de economias emergentes que abrange também Rússia, Índia e China), como evidenciado no Gráfico 1.11 Gráfico 1 COMPOSIÇÃO DO ATIVO TOTAL DO SISTEMA BANCÁRIO SEGUNDO CONTROLE DAS INSTITUIÇÕES, EM PAÍSES SELECIONADOS – 2009 - em % do ativo total
Fonte: Compilado de The Economist (2010). Tradução nossa.
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Ver Micco e Panizza (2004); UNCTAD (2008, pp.90-93); The Economist (2010); WEO/IMF (2010, p.46); e Gupta; Kochhar; Panth (2011).
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Na resposta à crise, vários países lançaram mão desses bancos. No caso dos países ricos, é possível especular que, caso seus governos dispusessem de bancos, talvez os tivessem utilizado também para realizar algumas das ações de suporte financeiro conduzidas pelas autoridades monetárias ou intervenções que passaram pelo orçamento fiscal. Segundo, o setor financeiro estatal, basicamente controlado pela União, compreende instituições com atuação bastante diferenciada: tanto bancos comerciais, de grande porte e atuação no chamado varejo - como o Banco do Brasil e a Caixa (o primeiro com atuação mais marcante no crédito ao setor rural e o segundo na habitação); e bancos de desenvolvimento, um de caráter nacional – o BNDES – e outros regionais – como os Bancos do Nordeste e da Amazônia (BNB e BASA) 12. Terceiro, as instituições públicas, desde que foram criadas, sempre foram alicerçadas em cima de recursos de origem fiscal, basicamente recursos (genuinamente) primários: originários da arrecadação corrente de impostos e contribuições; vinculados constitucionalmente (40% do PIS/PASEP aplicados no BNDES, 3% do IR/IPI para os fundos constitucionais das três regiões menos desenvolvidas, e outros fundos menores – como o da marinha mercante; como também no caso do FGTS, que não passa pelo orçamento da União, e é gerido pela Caixa); repassados regularmente e segundo critérios definidos em lei, inclusive para sua aplicação; prescindidos de dotações incluídas no orçamento da União (classificados como inversão financeira dentre as despesas de capital); e contabilizados como haveres financeiros do Tesouro13. Por esse motivo, a Constituição de 2008 inovou ao adotar o conceito de “agências financeiras oficiais de fomento” (art.165, § 2º) no capítulo que trata dos orçamentos públicos: isto não exigiu discriminar naquela peça cada empréstimo concedido por um banco público, mas sim que as estratégias e as políticas de aplicação devem ser apontadas em linhas gerais na lei anual de diretrizes orçamentárias (LDO). 12
Para análise global do sistema, ver: Marcolino; Carneiro (2010); e Jayme; Crocco (2010). Já para uma discussão específica sobre eficiência, ver Paula; Faria (2009). 13
Na apuração da DLSP realizada pelo BACEN, há quase duas décadas, os repasses do FAT para o BNDES são contados como deduções para apurar a dívida líquida e nunca tinham sido objeto de maiores contestações. O mesmo se aplica aos fundos e programas (caso dos fundos constitucionais regionais e de setoriais – como os da marinha mercante, de desenvolvimento e de inovação). Há anos, antes de estourar a crise, também eram consideradas, dentre as deduções, os créditos para instituições financeiras estatais – inclusive os que passaram a ser identificados com os instrumentos híbridos. De qualquer forma, a fonte dos recursos, o processo fiscal e o volume de créditos são muito diferentes das operações extraordinárias realizadas em resposta à crise global.
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Quarta peculiaridade, capitalização é um termo que tem sido usado genericamente nos debates mais recentes, porém, é bom atentar para as diferenças entre instrumentos jurídicos e operações orçamentárias ou contábeis. Em princípio, esse seria o caso em que o Tesouro aumentaria o capital do seu banco (ou empresa), um aporte de recursos a fundo perdido, em troca de assumir uma posição em ativo permanente (se adquiriu participação acionária). Outro caso é o Tesouro conceder um financiamento para o banco ou empresa que controla (como poderia e faz para empresas privadas – caso dos produtores rurais e dos exportadores), um aporte a ser retornado, em que se assume um haver financeiro de longo prazo. A concessão extraordinária de crédito pelo Tesouro aos bancos oficiais (basicamente o BNDES) é que foi mobilizada intensamente na resposta à crise. Havia uma especial motivação estatística, dentre outras: produzia um efeito fiscal neutro mesmo quando custeada pela emissão de títulos14. Ainda que esta emissão aumente a dívida, o cômputo do crédito concedido anula aquele tal efeito, ao menos no momento da concessão, quando incidirem os juros e se as taxas forem diferentes, haverá um descompasso entre ativos e passivos. 14
É curioso mencionar que, diante do forte impacto da crise e da imperiosidade em se acionar o BNDES na resposta, logo ficou claro que ele precisaria de aportes extraordinários de recursos, sendo que em reportagem baseada em declarações do Ministro do Planejamento se chegou a pensar em outras e igualmente atípicas fontes para aquele banco – desde o repasse do swap do FED ou créditos de organismos até mesmo o recurso ao mercado interbancário. .... Como reforço de fundos, o Tesouro Nacional emprestou R$ 30 bilhões para o banco este ano. Em 2009, Bernardo diz que não será possível contar com recursos orçamentários para encorpar a instituição, até porque a União terá de gastar com outras políticas anticíclicas para não deixar que o crescimento econômico capote. [...] O Banco Central poderá, segundo o ministro, fazer mais uma liberação de compulsórios, desta vez sobre depósitos à vista, para viabilizar captações do BNDES no mercado interbancário. O modelo se assemelha ao compulsório liberado para a compra de carteiras de crédito de pequenas e médias instituições. A diferença é que a nova opção de saque de compulsório seria vinculada à aquisição de Certificados de Depósitos Interbancários de emissão do BNDES. [...] Já os recursos do Fed que o Brasil, México, Cingapura e Coréia do Sul tiveram acesso representam operações de "swap" com o banco central americano, para ajudar o país a enfrentar problemas de falta de liquidez em moeda estrangeira no mercado doméstico. Não há qualquer decisão oficial de sacar esses US$ 30 bilhões e o BC até prefere não utilizá-los, mas, em caso de necessidade, o ministro do Planejamento acredita que poderão ser alocados no BNDES. O Fed, como remuneração, receberia exatamente o que o BNDES cobrar do setor privado, explicou. Além dessas iniciativas, o ministro aponta prováveis empréstimos tomados junto aos organismos internacionais, como Banco Mundial e BID ... (SAFATLE, 2008)
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Se num primeiro momento, as concessões passaram despercebidas do debate público nacional (até porque já eram feitas, mas em montante reduzidíssimo ou em caráter bem pontual), depois suscitaram muitas discussões e divergências. O foco das atenções girou em torno dos subsídios. Na verdade, os subsídios assumiram duas formas: implícitos, pelo já citado diferencial entre a taxa paga dos títulos federais que serviriam de funding do crédito extraordinário aos bancos públicos e a taxa por estes cobrada; e explícitos, pela aplicação de uma taxa fixa em linhas privilegiadas operadas pelas mesmas agências oficiais, em que a diferença para o custo de captação dessas instituições foi coberta pelo Tesouro. Nos últimos meses já foi promovido um intenso debate em torno dos custos e benefícios dos créditos do Tesouro para o BNDES, focado no diferencial entre as taxas de juros da dívida mobiliária federal e a dos créditos concedidos por aquele banco15. Porém, voltando à peculiar forma dita de “capitalização” dos bancos públicos, à parte se ela se prestou a atenuar ou esconder o impacto fiscal, inclusive dos subsídios, vale comentar, ainda, que poucos atentaram que em grande parte só foi viabilizada uma expansão de crédito pelos bancos públicos por conta de mudanças na regulação bancária, que também adotou uma regra excepcional (até mais do que a fiscal): enquadrar tais créditos como instrumentos híbridos de modo que puderam ser somados ao capital social normal para fins de calcular o patrimônio líquido de referência, indicador crucial para balizar os limites prudenciais de atuação do respectivo banco, em atenção aos acordos de Basiléia16. Entre as várias medidas excepcionais adotadas pelas autoridades monetárias e econômicas, é provável que a de maior impacto financeiro tenha sido uma das mais pontuais ou discricionárias de todas: a que permitiu apenas ao BNDES, e tão somente para financiar a PETROBRAS, que o controle de crédito fosse feito por empresa (inscrição no CNPJ) e não pelo grupo empresarial, como sempre foi e continua sendo a boa regra prudencial 15
Sobre esse intenso debate, menciona-se, dentre outros: a defesa do mecanismo por BNDES (2010), Coutinho (2009a) e (2009b) e, especialmente, por Pereira; Simões; e Carvalhal (2011), e também Pereira; Simões (2010); as críticas às operações por Schwartsman (2010a) e (2010b), Pastore (2010) e Almeida, M. (2009). 16
Especificamente sobre a regulação bancária no Brasil e o seu papel no enfrentamento da crise, ver Sobreira; Paula (2010). Os autores julgam que as reformas implantadas desde a criação do Plano Real ajudaram a consolidar um bom sistema de supervisão bancária e, no caso da reação à crise, não comentam as exceções referidas no texto para bancos públicos, até porque não consideram que as mudanças de regras foram importantes para a expansão creditícia pós-crise. Concluem que: “The relaxation of prudential regulation does not seem to be positively related to the increase of credit supply. Actually, banks seem more prone to be engaged in more risk operations as a consequence of the relaxation in the regulation.” (SOBREIRA; PAULA, 2010, p.92).
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daquele banco público e de todos os outros bancos, bem como a boa regra supervisora do banco central brasileiro e de todos os outros países17. Não fosse a autoridade monetária brasileira dar esse tratamento singular a tais créditos, para contar como se capital fosse, os bancos públicos teriam dificuldade para demonstrar o atendimento dos limites de expansão de seus empréstimos18.
A Expansão Creditício-Fiscal A resposta à crise não passou por uma atuação em bloco ou única dos bancos públicos, até por conta de suas especializações diferenciadas - algumas puderam influenciar mais o consumo, enquanto outras induziram o investimento.19
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Não custa recordar brevemente a evolução das decisões do CMN. Em caráter geral, a Resolução BACEN nº 2827, de 30/3/2001 definiu as regras do contingenciamento e fixou um montante máximo de crédito do setor público para o sistema financeiro nacional. Para fins de supervisão e prudência, cada instituição financeira não podia destinar a todo o setor público mais do que 45% do valor do patrimônio de referência e não mais que 25% a um único cliente, público ou privado. Em caráter excepcional, a PETROBRAS inicialmente foi autorizada a contratar crédito extra limite pelas Resoluções nº 3439, de 30/1/07 (R$ 5,6 bilhões) e nº 3628, de 30/10/08 (R$ 8 bilhões), mas depois foi excluída definitivamente do contingenciamento pela Resolução n º 3647, de 26/11/2008, além de ter sido mudada a regra de exposição bancária pela Resolução nº 3.615 de 30/09/2008 (autorizou o BNDES a considerar cada uma das subsidiárias da PETROBRAS como um cliente distinto e não computar a participação do banco nas empresas para fins de cálculo da referida exposição). Sobre o fim de limite para PETROBRAS, assim foi noticiado pelo Ministério da Fazenda: ... O governo agora autoriza a PETROBRAS a recorrer ao mercado doméstico sem limites específicos. “A partir de agora, a PETROBRAS terá mais flexibilidade, ou no mercado doméstico ou no externo, para contratar operações e com isso viabilizar os seus programas de investimento”, comentou o secretário-adjunto do Tesouro Nacional [...] ele esclareceu, no entanto, que do ponto de vista fiscal a PETROBRAS continua com as mesmas metas de resultado primário. Todas as regras fiscais relacionadas com o cumprimento de primários permanecem, segundo o secretárioadjunto. Ele explicou ainda que os limites que a PETROBRAS terá que seguir são os das instituições financeiras e dos valores previsto no PDG, apresentado ao Ministério do Planejamento anualmente. (ver: http://bit.ly/9VjZyU). 18
É curioso registrar que a utilização dos bancos públicos como instrumento de combate à crise não mereceu reparos de quem, por princípio ou por tradição, não valorizava ou mesmo criticava sua função – as autoridades monetárias e as entidades representativas das instituições financeiras privadas. Para dirigentes do BACEN, a ação daqueles bancos contribuiu para recuperar a liquidez e retomar o crédito e o consequente aumento da fatia de mercado durante a crise, foi aceito naturalmente, pois “... não foi fenômeno inédito, nem foi caso isolado frente à experiência internacional recente”. (MESQUITA; TORÓS, 2010, p.15)
14
A primeira reação dos bancos públicos (em particular, do BNDES) foi ajudar na intensa reestruturação empresarial e patrimonial que se deu no ápice da crise – ora para equacionar ou atenuar as perdas com derivativos cambiais, ora para adquirir carteiras de crédito de outros bancos privados20, ora para dar saída a bancos privados ou aplicadores de empreendimentos abalados pela crise21, ora para dar saída de capitais externos repatriados por matrizes mais abaladas pela crise22.
Sobre a atuação dos bancos públicos diante da crise, ver: Coutinho (2009b); Sant’Anna; Borça; Araújo (2009); Carneiro (2010); Almeida, J.S. (2010); Carvalho; Oliveira; Tepasse (2010); Sobreira; Paula (2010); Oreiro; Paula; Basilio (2010); bem como IMF (2010, p.46), dentre outros. 19
20
O BNDES, mais uma vez, assumiu papel central nesse processo de reestruturação empresarial: ... o apoio financeiro do BNDES também foi relevante para viabilizar a compra de empresas no exterior por parte de empresas nacionais e por financiar absorções ou associações entre empresas nacionais. Com isso, em vários segmentos da atividade econômica emergiram da crise grupos nacionais com muito maior porte e poderio financeiro. Essa consequência da crise poderá vir a condicionar positivamente em um futuro próximo a inserção de empresas brasileiras no exterior e sua capacidade inovadora, dois traços que as empresas nacionais, sabidamente, deixam a desejar. (ALMEIDA, J.S., 2010, p.58)
21
Essa atuação dos bancos públicos, numa espécie de parceria diferenciada com os bancos privados, imperiosa como reação à crise, contrariaria a ideia mais simplista (ou mesmo ideológica) que esperaria sempre concorrência entre eles - quando contradição de interesses. ... não é lícito subestimar o papel da interação entre os bancos privados e o sistema público de crédito na reabilitação do ritmo de atividade logo no primeiro semestre de 2009. Em uma situação em que os bancos privados procuravam reaver os financiamentos que haviam concedido ao setor empresarial, o aumento das operações por parte das instituições públicas evitou o que, de outra forma, seria inevitável: uma grave crise de crédito que levaria a economia a uma recessão muito mais duradoura. [...] A recessão brasileira deflagrada pela crise internacional foi contida. (BELLUZO; ALMEIDA, 2010) ... quando Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal ampliam suas operações de crédito no auge da crise, a ampliação de market share oriunda de tal expediente além de constituir importante instrumento contra cíclico à disposição do governo, impacta a rentabilidade futura dos demais bancos. Isto porque em um setor com notada presença de economias de escala a participação relativa no mercado é uma importante variável estratégica. (OREIRO; PAULA; BASILIO, 2010, p.66). 22
Empresas multinacionais com operações no Brasil podem ter trocado parte das fontes de seus projetos no País, deixando de trazer investimentos estrangeiros diretos e substituindo por captações no mercado nacional: As informações que chegam ao governo são de que várias companhias multinacionais, que normalmente buscariam recursos no mercado internacional para financiar novas plantas no país, estariam, agora, preferindo tomar financiamentos junto ao BNDES. Enquanto o crédito no exterior continua caro, aqui a oferta é abundante e o custo mais barato. [...]
15
Passada
a
reação
mais
imediata
à
crise
e
adotadas
medidas
governamentais de forma um pouco mais planejada e organizada, os bancos comerciais públicos concentraram esforços em expandir o crédito para pessoas físicas – como o crédito consignado, para aquisição de veículos e o habitacional (que nem sempre foi para imóvel novo ou popular). Feitas essas considerações conceituais e conjunturais sobre o papel dos bancos públicos no Brasil, vale focar as atenções no ponto em que mais interessa a uma análise fiscal: mensurar como a expansão recente do crédito esteve interconectada com a dívida pública. A hipótese examinada aqui é a de que muito da retomada do crédito no país depois da crise foi liderada pelos bancos públicos, mas, para tanto, eles precisaram captar recursos excepcionalmente junto ao Tesouro Nacional, que, por sua vez, o fez a custa de expandir a dívida pública; e muito dessa expansão foi absorvida pelo mercado financeiro que preferiu concentrar suas aplicações no curtíssimo prazo (por intermédio das chamadas operações compromissadas). Para fundamentar essa tese, vale comparar a posição de algumas variáveis fiscais e creditícias entre dois pontos antes e depois da crise – isto é, entre agosto de 2008, um mês antes da quebra do Lehman Brothers, e dezembro de 2011, o último mês de referência das estatísticas divulgadas pelo BACEN, conforme evolução retratada na Tabela 2.
Há o temor, assim, de que a polêmica injeção de recursos do Tesouro Nacional no BNDES esteja contribuindo para um enfraquecimento das contas do balanço de pagamentos. [...] O BNDES, consultado, não confirmou se há esse movimento, mas disse que os empréstimos do banco são destinados a investimentos que geram empregos no Brasil e, até por determinação constitucional, lá não se faz distinção entre empresas nacionais ou estrangeiras. A exigência do banco é que os projetos sejam bons, as garantias exigidas sejam apresentadas e que se enquadrem na política operacional da instituição (como exigência de conteúdo nacional, por exemplo). (SAFATLE, 2010).
16
Tabela 2 EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA E DE CRÉDITOS DO SISTEMA FINANCEIRO – DEZEMBRO 2000 / DEZEMBRO 2011 - saldos ao final do mês em % do PIB Variáveis
Dez/00 Dez/05 Ago/08 Dez/08 Dez/09 Dez/10 Dez/11 DÍVIDA PÚBLICA E DEDUÇÕES Deduções de Créditos Governamentais Dívida Mobiliária na Carteira do Banco Central Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) Dívida Mobiliária em Mercado Dívida Pública Mobiliária Federal em poder do público (DPMFI) Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG-metodologia pós 2008) Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG-metodologia até 2007) OPERAÇÕES DE CRÉDITO Recursos Discricionários Instituições Financeiras Públicas Total do Sistema Financeiro Nacional
Ago/08Dez/11
8,5% 11,0% 47,7% 33,7% 43,0% 52,2% 63,2%
9,8% 15,6% 48,2% 44,3% 46,7% 56,4% 67,7%
8,5% 13,8% 42,5% 41,3% 51,6% 56,2% 59,6%
8,9% 16,3% 38,0% 41,1% 51,6% 57,4% 63,0%
11,9% 19,7% 41,5% 42,7% 56,4% 60,9% 66,6%
14,0% 18,7% 39,1% 42,2% 49,4% 53,4% 64,4%
14,5% 18,2% 36,5% 42,8% 50,7% 54,3% 64,2%
6,0% 4,4% -6,0% 1,5% -0,9% -1,9% 4,6%
11,5% 12,0% 27,4%
9,5% 10,4% 28,3%
10,8% 13,1% 38,4%
11,7% 14,7% 40,5%
14,4% 18,4% 44,4%
15,6% 18,9% 45,2%
17,6% 21,4% 49,1%
6,8% 8,3% 10,7%
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN (notas da política fiscal e de crédito, bem assim séries históricas). Deduções de Créditos Governamentias compreendem valores abatidos na apuração da DLSP: recursos do FAT na rede bancária; créditos concedidos para instituições financeiras oficiais (instrumentos híbridos e ao BNDES), aplicações de fundos e programas financeiros, e créditos junto às estatais. DPMFI em poder público calculada pelo BACEN na nota do mercado aberto (tabela 11), inclui operações compromissadas.
Pelo lado do crédito, sempre em proporção do PIB, o total de crédito bancário no País saltou de 38,4% em agosto de 2008 para 49,1% em dezembro do PIB, com um incremento de 10,7 pontos do produto depois da crise, dos quais 77% explicados pelas instituições públicas (ou 64% no caso dos recursos discricionários). Pelo lado fiscal, entre as deduções contadas no cálculo da dívida líquida, o total de créditos ofertados pelo governo federal cresceu em 6 pontos do produto entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, quando alcançou a casa de 14,5% do PIB. Nesse período, se a dívida no conceito líquido diminuiu em 6 pontos do produto, no conceito bruto restrito (usado pelo BC e computadas apenas operações compromissadas) caiu 1,9 pontos, mas no outro conceito bruto clássico (usado no resto do mundo e que inclui toda carteira de títulos no banco central) a variação foi no sentido oposto e houve aumento de 4,6 pontos do produto. A vinculação entre expansão creditícia e fiscal foi ainda mais acentuada no auge e na saída da crise: se fosse considerada apenas a variação entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, cresceram em 5,5 pontos do PIB os créditos concedidos pelo governo federal enquanto, do lado do crédito, aumentou em 5,8 pontos o saldo de operações das instituições financeiras públicas e em 6,9 pontos de todo sistema bancário, revelando uma aproximação ainda mais estreita entre tais variações. O crédito concedido pelo governo federal que mais cresceu depois da crise foi o que envolve empréstimos extraordinários ao BNDES: aumento em 6,6 pontos do PIB
17
desde agosto de 2008 até acumular saldo de 7,72% do produto em dezembro de 2011.23 Destaca-se à parte como está composto o total de créditos acumulados pelo governo federal (14.5% do PIB), ao final de dezembro de 2011 e em proporção do PIB: 7.7% em créditos extraordinários aos bancos federais (dos quais, 7.3 pontos para o BNDES); 3.8% em repasses regulares do FAT para rede bancária (mais uma vez, concentrados no BNDES); 2.4 em aplicações em fundos e programas (como os fundos de desenvolvimento regionais e setoriais), dentre outros. O crédito governamental consolidado comparado ao concedido pelo sistema bancário indica uma equivalência de 82% dos financiamentos com recursos discricionários, 68% do conjunto de instituições financeiras públicas e 29% do crédito global. Nesses cálculos não foram computadas as relações intragoverno – em particular, a rolagem da dívida estadual e municipal pelo Tesouro Nacional: o saldo a receber em dezembro de 2011 era de 10,9% do PIB. Se somados aos créditos antes citados para o resto da economia, se chega a um haver financeiro total de 25.4% do PIB, equivalente a pouco mais da metade do crédito bancário global. Na prática, o Tesouro Nacional se tornou o maior provedor individual de recursos para crédito do país, porque, diretamente (como no caso do setor rural) ou indiretamente (ao emprestar para os bancos oficiais), virou o maior financiador ou mesmo a maior instituição financeira individual da economia brasileira. A evolução na presente década tanto dos volumes das operações de crédito do sistema financeiro pelas instituições públicas (chegou a 21.4% do PIB em dezembro de 2011) ou com recursos direcionados (17.6%) pela ótica bancária, quanto do montante dos créditos concedidos pelo governo central aos bancos federais (14.5%), é apresentada em proporção do PIB no Gráfico 2. Fica visível como a crise foi um divisor d´água e como as tendências das três curvas estão claramente vinculadas entre si desde meados de 2009 quando foi iniciada a liberação de empréstimos extraordinários pelo Tesouro Nacional ao BNDES. 23
Os empréstimos extraordinários ao BNDES não devem ser confundidos com aqueles regularmente repassados e originário de receitas primárias. O principal crédito corrente abrange os recursos do FAT: as transferências para os bancos federais (basicamente, o BNDES) montam a 3,81% do PIB ao final de 2011, com uma redução de 0,67 pontos do produto desde agosto de 2008, em direção oposta (decrescente) a dos créditos extraordinários provenientes do Tesouro (crescentes), refletindo a deterioração financeira do fundo. O segundo grande crédito corrente abrange aplicações em fundos e programas financeiros (especialmente para desenvolvimento regional ou setorial), da ordem de 2,41% do PIB em dezembro de 2011, aqui com incremento de 0,34 pontos do produto desde o início da crise em agosto de 2008.
18
Gráfico 2 EVOLUÇÃO DOS CRÉDITOS GOVERNAMENTAIS DO TESOURO NACIONAL E DOS CRÉDITOS DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E COM RECURSOS DIRECIONADOS NO SISTEMA FINANCEIRO: JANEIRO 2001/DEZEMBRO 2011 - saldos ao final do mês em % do PIB 20
18
16
14
12
10
8
Créditos Gov.Central para Bancos
Op.Crédito-Rec.Discricionários
Op.Crédito-Inst.Financ.Públicas
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN.
Cabe agora vincular crédito à dívida. Isso ocorre porque os mencionados créditos extraordinários concedidos pelo Tesouro Nacional depois da crise tiveram por fonte primária de recursos a dívida mobiliária. A colocada em mercado cresceu em 1,5 pontos do produto entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, quando chegou a 42,8% do PIB, ou seja, uma variação bem aquém da expansão em 6 pontos dos créditos governamentais. A análise do endividamento público no País, porém, precisa considerar também o que é colocado no mercado pelo banco central ao executar a política monetária. É uma forma indireta de um governo se endividar, com menos transparência e abreviado o perfil de vencimento da dívida. Depois da crise, só foi acelerado um processo que já era antigo no Brasil: a dívida mobiliária na carteira do banco central saltou de 11% para 18,7% do PIB, entre dezembro de 2000 e 2011, num ritmo duas vezes mais rápido do que cresceu a dívida mobiliária em mercado, que passou de 33,7% para 42,8% no mesmo período.
19
O próprio BC já adota um conceito mais abrangente de dívida, chamada de pública mobiliária federal em poder do público (DPMFi),
24
em que considera
também o chamado mercado aberto. O Gráfico 3, a seguir, ilustra sua evolução na última década e deixa bem claro como sua expansão coincide com o auge da crise. Gráfico 3 EVOLUÇÃO DOS TÍTULOS EM PODER DO PÚBLICO (DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA FEDERAL INTERNA MAIS OPERAÇÕES DE MERCADO ABERTO)– DEZEMBRO 2000 / DEZEMBRO 2011 - saldos ao final do mês em % do PIB 60%
55%
50%
45%
40%
35%
DPMfi
Operações Mercado Aberto
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN.
À parte, chama-se a atenção para as operações compromissadas, cujo saldo, em dezembro último, já tinha recuado para 8.3% do PIB (computado apenas o extra mercado, como faz o BC na DLSP) . Esse nível já tinha chegado a ser o dobro cerca de dois anos antes (16,3% em janeiro de 2010), coincidindo a sua expansão com a liberação máxima de empréstimos compulsórios para combater a crise e fornecer liquidez ao sistema, porém, ao que tudo indica, os bancos preferiram manter os recursos aplicados voluntariamente no mesmo BC, que a eles ofereceu operações
24
É interessante observar que o BACEN utiliza um conceito de Dívida Pública Mobiliária Federal (DPMFi) em Poder do Público na nota do mercado aberto, em que soma os títulos colocados pelo Tesouro Nacional com as operações compromissadas por ele realizadas – ver tabela 11 da nota sempre disponível em: http://bit.ly/grj5aT.
20
compromissadas, enquanto os liberava dos depósitos compulsórios. De qualquer forma, somados títulos em mercado com o mercado aberto, a DPMFi estava em 50,7% do PIB ao final de 2011. Em que pese à contenção no período pós-crise, é importante lembrar que coincide com o movimento recente de acelerada expansão dos depósitos compulsórios remunerados (como será discutido a seguir). A relação entre créditos concedidos pelo governo central, de um lado, e diferentes dimensões da dívida pública, de outro, se mantiveram razoavelmente estáveis até eclodir a crise global – conforme ilustrado no Gráfico 4, a seguir. Gráfico 4 EVOLUÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE CRÉDITOS DO GOVERNO FEDERAL PARA INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS E O SALDO DE DÍVIDAS PÚBLICAS – EM % DO PIB: DEZEMBRO 2000 / DEZEMBRO 2011 37%
32%
27%
22%
17%
12%
Créditos/DPMFi PP
Créditos/DLSP
Créditos/DBGG(ant)
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN.
Na década de noventa, antes da resposta à crise, havia uma tendência a reduzir a razão entre créditos e dívidas dos governos. A partir da metade de 2009, as curvas se inclinaram e passaram a crescer rapidamente, de modo que, ao final de dezembro de 2011, o agregado de créditos concedidos pelo governo central equivalia a 22% da dívida bruta (DBGG), a 29% da dívida mobiliária federal em poder do público e a 40% da dívida líquida (DSLP), historicamente os índices mais altos de tais razões – em agosto de 2008, os mesmos eram de 16%, 19% e 14%, respectivamente.
21
Menciona-se ainda que a vinculação entre ativismo creditício e fiscal no pós-crise foi acompanhada de mudanças importantes. No caso da dívida pública, não é diferente a magnitude pelos diferentes conceitos (a bruta é obviamente superior à líquida), como descolou também as tendências da dívida pública brasileira nas três diferentes metodologias,25 conforme ilustrado no Gráfico 5 a seguir. Gráfico 5 EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA EM DIFERENTES METODOLOGIAS: EM % DO PIB - DEZEMBRO/2000 A DEZEMBRO/2011 - saldos ao final do mês em % do PIB 80%
75%
70%
65%
60%
55%
50%
45%
40%
35%
#REF!
#REF!
#REF!
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN. Saldos ao final do mês em % do PIB
Contados apenas os títulos em poder do público, houve uma mudança expressiva no perfil da dívida mobiliária federal, com uma clara tentativa de abandono da SELIC - ainda mais quando ficou nítida a tendência de que as autoridades monetárias reduziriam sua taxa. Do incremento do montante da DPMFi 25
A diferença entre as duas metodologias de apuração da dívida pública envolve o tratamento dispensado aos títulos públicos do Tesouro Nacional em mãos do BACEN: na metodologia por este adotada a partir de 2008, é computado como dívida apenas o total de operações compromissadas; já na antiga metodologia, era considerada toda carteira de títulos do BACEN. Esta segunda é a mais adotada pelos outros países – quer dizer, é assim que aparece a posição brasileira no Monitor Fiscal, um levantamento bastante abrangente e atualizado do FMI. Sempre lembrando que a dívida bruta se refere ao chamado governo geral, que não abrange o BACEN, as empresas estatais e os bancos públicos.
22
em R$ 593 bilhões entre agosto de 2008 e dezembro de 2011, observa-se que 50% foram explicado pelos títulos prefixados, 29% pelos vinculados a índice de preços e 17% pelas operações de mercado aberto e, contra apenas 11% da taxa SELIC.26 É defendido tal movimento a pretexto de que a gestão da dívida ficaria menos vulnerável ou exposta as eminentes oscilações de taxas decorrentes da política monetária, porém, o custo da dívida seguiu alto e o prazo médio pouco se alterou. Uma contrapartida desse maior endividamento público indireto, com um encurtamento no pós-crise escondido por trás da carteira do BC, é a liquidez do setor privado brasileiro. No período, análises de balanços das grandes empresas revelam que cresceram os índices de liquidez e caíram os de endividamento, com ligeira mudança de rota no auge da crise, indicando que a preferência pela liquidez (das empresas e das famílias) constitui uma opção quase que estrutural na economia brasileira e tem como contrapartida o maior endividamento público. O setor privado saiu da crise melhor do que antes de ter nela entrado. Para fundamentar essa tese, vale mencionar análise dos principais indicadores contábeis trimestrais extraídos da consolidação de 193 empresas realizada pelo GRUPO DE CONJUNTURA FUNDAP (2010), no qual se podem destacar os seguintes resultados. Destacam-se os seguintes aspectos: - no caso do índice de liquidez corrente, para o total da amostra, oscilou entre 1,52 e 1,58 de setembro de 2007 para igual mês de 2008 (ou seja, no auge da crise, foi confirmada a preferência exacerbada por liquidez diagnosticada por Keynes); depois, o mesmo índice caiu ligeiramente para 1,55 em 2009; e saltou para 1,70 em 2010 (o melhor resultado em quatro anos). Se esse foi o resultado para o total de empresas, outro foi o resultado se computada apenas a indústria (mesmo excluída a PETROBRAS): a liquidez não caiu nem mesmo com a crise (saltou de 1,77 para 1,98 entre setembro de 2007 e 2009) e apresenta o índice mais alto entre todos os setores (2,08 ao final de setembro de 2010); - não só as grandes empresas optaram por ficarem mais líquidas, como tiveram por estratégia reduzir o grau de endividamento líquido, medido em proporção do capital: para a amostra de empresas, o índice passou de 0,35 e 0,34, em setembro de 2007 e 2008, para 0,40, ao final do mês de 2009, indicando a opção por dívida no auge da crise; entretanto, tal movimento foi rapidamente desfeito e o índice caiu para 0,32 em setembro de 2010. Por setor, mais uma vez sobressaem os indicadores das empresas da indústria (excluída a PETROBRAS): a razão dívida líquida/capital próprio despencou de 0,50 em setembro de 2007 para 0,33 em setembro de 2010,
26
Variações calculadas a partir da tabela divulgada pelo BACEN relativa à exposição da DPMFi na chamada nota mensal do mercado aberto.
23
indicando que a saída da crise também foi uma saída industrial em relação à dívida bancária.
Neste contexto, uma hipótese forte é que, no conjunto, o setor privado permaneceu e até aumentou sua preferência pela liquidez, que tradicionalmente resulta no Brasil em maiores aplicações em títulos do governo, diretamente, ou via compromissadas, ou via depósitos compulsórios. Se a crise global exacerbou essa preferência, ela foi respaldada e servida pelo elevado endividamento dos governos brasileiros, que, por sua vez, alimentou uma maior concessão de crédito para os bancos oficiais e, destes, para o setor privado, tendo beneficiado muito mais as famílias do que as empresas. Em um claro círculo vicioso, essa hipótese é de que o funding privado foi parar nos cofres do governo que se endividou para ofertar o funding que faltava para expandir crédito e a economia. Talvez mais tenha se substituído fontes do que movido a demanda agregada – ao menos, não funcionou pela via dos investimentos fixos, como se verá adiante.
BNDES em Destaque O ativismo creditício estatal, na prática, se confundiu com uma expansão fiscal, o que demanda uma atenção particular às relações e contas do BNDES. A reação à crise nos bancos federais não começou por sua atuação clássica de concessão de empréstimos, mas sim pelo eventual socorro emergencial de bancos públicos a outros bancos (que pode ter passado pela cobertura de posições a descoberto no mercado interbancário até a conhecida compra de carteiras de créditos, quando não de participações acionárias) e mesmo às empresas produtivas. Se BB e Caixa podem ter sido mais importantes para suprir o mercado interbancário, que já não funciona em condições normais no Brasil, quanto mais em meio a uma crise financeira global, o BNDES foi decisivo para estancar o impacto no setor produtivo provocado pelas perdas com os chamados derivativos cambiais tóxicos, cuja dimensão do impacto foi dada pelo próprio presidente daquela instituição: “Esse processo afetou seriamente cerca de 200 empresas, sendo umas 60 a 70 em estado dramático no último trimestre de 2008. A solução para isso consumiu todo o ano de 2009. Foi um longo trabalho de reestruturação em que tecemos uma cooperação não visível com o mercado de crédito. Ou seja, houve uma função qualitativa na nossa atuação em 2009. Em alguns casos o BNDES não precisou aportar recursos, mas foi essencial como coordenador das soluções. Em
24
meados de 2009, percebemos, primeiro, que os principais problemas estavam resolvidos, ou endereçados, pelo menos; e segundo, que a economia estava recuperando o nível de confiança. Neste contexto uma decisão fundamental foi lançar o PSI (Programa de Sustentação do Investimento), pelo qual nós oferecemos linhas com juros extremamente atraentes para induzir a antecipação de decisões no investimento, com o objetivo de recuperar mais cedo o investimento privado”. (COUTINHO, 2011, p.413).
O BNDES já tinha histórica experiência não apenas como fornecedor (quase monopolista) do crédito bancário de longo prazo, como também de ativo participante no mercado de capitais, comprando e vendendo importantes posições acionárias em grandes empresas públicas e privadas.27 Assim pode e precisou usar dessa gama variada de instrumentos na resposta à crise. Foi amplamente noticiado o socorro prestado pelo BNDES para fusões de empresas dos setores de alimentos e de celulose, quanto de frigoríficos e etanol. Recentemente, o presidente do banco, Luciano Coutinho, deu seu testemunho dessa reação inicial à crise. “E houve, além disso, uma atuação qualitativa, de coordenação da banca, sobre a qual devo ser cauteloso em falar, porque é algo delicado. Com efeito, busquei articular o BNDES com a banca privada, para evitar que ela entregasse à própria sorte empresas que 27
Sobre a atuação do BNDES que envolve sua participação minoritária em empresas no País, Lazzarini; Musacchio (2010) realizaram uma avaliação detalhada de 296 intervenções (equity purchases) realizadas entre 1995 e 2003, além de um levantamento bibliográfico exaustivo. Our fixed-effects regressions show that BNDES’s purchases of equity lead to increases in return on assets and investment in fixed assets. Finally, we find that the positive effect of BNDES’ equity purchases is reduced when the target firms belong to state-owned and private pyramidal groups. Therefore, our argue that having development banks owning minority stakes can have a positive effect on performance as long as they promote long-term investments and are shielded from governmental interference and potential minority shareholder expropriation. (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2010, p.1) Embora o período analisado seja anterior à crise global, atenta-se que o pior desempenho na atuação do banco no mercado de capitais envolveria justamente aquelas empresas (estatais e grandes privadas) que foram fortemente apoiadas pelo BNDES na resposta à crise. Because the negative coefficient of the interaction with state-owned is much smaller than the coefficient of the interaction with privatedomestic, our results are consistent with the view that political interference in state-owned enterprises may diminish or negate potential efficiency gains from BNDES’ allocations. In other words, the advantage of reduced political inference accompanying a development bank’s minority stakes may be neutralized when the bank targets companies in which the government is a majority owner. Our data thus suggest that a development bank’s equity purchases may be more effective in the case of firms that do not belong to groups and least effective in the case of firms that belong to state-owned companies that are part of state-owned business groups. (LAZZARINI; MUSACCHIO, 2010, p.14)
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ficaram seriamente avariadas com perdas de derivativos de câmbio. Naquele momento, era indispensável essa coordenação para evitar que um jogo individualista por parte dos bancos resultasse em uma deterioração geral da carteira de todos. Uma parte do problema decorria do fato de que o banco que tinha uma fatia pequena dos créditos de uma determinada empresa, ficava tentando a tirar sua parte, a resgatá-la. O credor grande, que tinha uma fatia relevante, não podia fazer isso porque sabia que iria asfixiar a empresa. Se todos os bancos que tivessem fatias pequenas buscassem sair ia ser um problema grave. Daí a ideia de o BNDES coordenar, para que os bancos atuassem conjuntamente. Alguns bancos pequenos premidos por falta de funding no interbancário tiveram que pular fora, e foi necessário suprir o espaço deles, coordenadamente. Várias grandes empresas exportadoras foram obrigadas a absorver grandes prejuízos com derivativos alavancados. Nos defrontamos com um sério problema. O BNDES não podia entrar para cobrir os prejuízos, dando saída para os bancos causadores desses prejuízos, nem tampouco o BNDES podia realizar essas operações devido ao chamado efeito de moral hazard, pois privilegiaria os controladores imprudentes. Em geral, foram poucos os bancos que ofereceram esses derivativos e induziram a essas perdas. Para equacionar os prejuízos foi necessário interromper o processo cumulativo de perdas, negociando uma taxa de câmbio de encerramento das posições de modo a estabelecer um montante devido e partir para o seu financiamento a prazo. O BNDES deixou claro que esta pré-condição era essencial e que os bancos responsáveis pela venda desses derivativos tinham a obrigação de equacionar o refinanciamento dos prejuízos. Só após obtido isto interviemos e, quando necessário, reestruturando o controle para poder capitalizar e criar empresas capazes de voltar a investir.” (COUTINHO, 2011, p.413)
Em que pese a inegável atuação do BNDES, é bem possível que a desnacionalização de algumas empresas (e mesmo de setores) pode ter cumprido função semelhante ao apoio financeiro estatal no pós-crise. Lembrando que os investimentos estrangeiros no Brasil bateram recordes históricos nessa fase, sem a desestatização da década anterior e, agora, beneficiando especialmente setores como os de extração mineral e de petróleo e gás, mas também envolvendo indústrias químicas e metalúrgicas, tendo como novidade uma intensa presença chinesa. Passada a fase da reação, focada na reestruturação empresarial, se pode dizer que veio a fase seguinte, em que o BNDES expandiu seu crédito graças a já comentada captação de recursos de forma extraordinária e intensa junto ao Tesouro. É interessante concentrar a análise na função crucial do BNDES: o suporte à taxa de investimento nacional. A evolução histórica do crédito aportado pelo BNDES e da formação bruta de capital fixo (FBCF) é apresentada na Tabela 3, a seguir.
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Tabela 3 EVOLUÇÃO DO CRÉDITO CONCEDIDO PELO BNDES, DO CONCEDIDO PELO TESOURO AO BNDES, DOS DESEMBOLSOS DO BNDES, DA FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO E SEUS COMPONENTES ESTIMADOS– 2001/2011 - em % do PIB Operações Crédito BNDES (Saldo/BC)
Ano
Crédito Extra Investimento Total Desembolso Tesouro para FBCF Desembolso BNDES para BNDES Alavancado BNDES FBCF (Saldo/DLSP) pelo BNDES
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
5,42% 6,32% 5,89% 5,67% 5,78% 5,87% 6,01% 6,90% 8,74% 9,49% 10,22%
-0,33% -0,80% -0,80% -0,92% -0,78% -0,42% -0,25% -1,17% -3,99% -6,28% -7,31%
1,94% 2,53% 1,97% 2,05% 2,19% 2,17% 2,44% 3,00% 4,21% 4,47% 3,36%
1,10% 1,04% 0,94% 1,10% 1,09% 1,11% 1,41% 1,60% 2,21% 2,23% 2,22%
1,90% 1,76% 1,55% 1,75% 1,93% 1,87% 2,18% 2,49% 4,08% 3,84% 4,19%
Média 2001/08 Média2009/11 Var.2011-08
5,98% 9,48% 3,32%
-0,68% -5,86% -6,14%
2,29% 4,01% 0,36%
1,17% 2,22% 0,62%
1,93% 4,04% 1,70%
FBCF Nacional
Ano
FBCF Governos (IPEA)
FBCF Setor Privado
FBCF Setor Privado SEM BNDES DIRETO
FBCF Nacional
17,03% 16,39% 15,28% 16,10% 15,94% 16,43% 17,44% 19,11% 18,07% 19,46% 19,47% 16,71% 19,00% 0,36%
FBCF Setor Privado SEM BNDES ALAVANCADO
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Média 2001/08
17,03% 16,39% 15,28% 16,10% 15,94% 16,43% 17,44% 19,11% 18,07% 19,46% 19,47% 16,71%
1,89% 2,21% 1,51% 1,63% 1,62% 2,00% 1,79% 2,25% 2,38% 2,85% 2,30% 1,86%
15,14% 14,18% 13,77% 14,46% 14,32% 14,43% 15,65% 16,86% 15,69% 16,61% 17,17% 14,85%
14,04% 13,13% 12,83% 13,36% 13,22% 13,32% 14,24% 15,26% 13,49% 14,38% 14,95% 13,68%
13,25% 12,41% 12,22% 12,71% 12,39% 12,57% 13,48% 14,37% 11,62% 12,76% 12,98% 12,92%
Média2009/11 Var.2011-08
19,00% 0,36%
2,51% 0,05%
16,49% 0,30%
14,27% -0,31%
12,45% -1,40%
Fontes: SCN-IBGE, AP/DEORÇ. BNDES: dados da AP/SUP. FBCF Administração Pública: IPEA (até 2010) e projeção própria; sem BNDES. Saldos: Dívida Pública - créditos para BNDES (SEM FAT); Operações de Crédito - total do BNDES.
Comparados créditos concedidos com os recebidos, chama-se a atenção inicialmente para uma diferença importante nos fluxos no pós-crise. Entre o final de 2008 e de 2011, o total de crédito concedido pelo BNDES aumentou em 3,3 pontos do
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produto (chegando ao estoque recorde de 10.2% do PIB no ano passado). Mas, os empréstimos extraordinários que esse banco tomou junto ao Tesouro Nacional cresceram em 6,1 pontos do produto no mesmo período (fechando o último ano com um estoque de 7,3% do PIB). Vários fatores explicam porque nem todo recurso captado se transformou em empréstimos: além da natural defasagem por conta de se financiar tradicionalmente grandes projetos de investimentos e com desembolsos ao longo de muitos meses e até anos, já foi mencionado que o BNDES teve uma atuação intensa no processo de reestruturação patrimonial das empresas brasileiras, especialmente por conta da crise de derivativos cambiais, e tais transações no mercado acionário não integram o crédito bancário tradicional, captado pela estatística do banco central. Não há como negar que uma parcela importante dos recursos captados pelo BNDES junto ao Tesouro acabou voltando ao mesmo Tesouro sob diferentes formas de receitas – seja o que pode ser considerado um fluxo normal de recolhimento de tributos28 e de dividendos (mas que cresceram sobremaneira nos últimos anos), seja por transações atípicas, como a compra junto ao Tesouro de ações da PETROBRAS e de dividendos futuros da ELETROBRAS. 29 Concentrando as atenções nas operações de crédito, observa-se na primeira parte da Tabela 3 que: o total desembolsado pelo BNDES mal chegou à casa de 2,5% do PIB antes da crise financeira global; já subiu para 3% em 2008; cresceu mais um ponto em 2009; bateu o recorde com 4,5% em 2010; e recuou para 3,3% em 28
O caso dos tributos apurados pelo BNDES é ilustrativo desta observação - que parece escapar até mesmo aos analistas que criticam o excesso de dependência do Tesouro Nacional em relação aos dividendos pagos pelas estatais. Por exemplo, o resultado dos tributos no primeiro semestre, caiu de R$ 1,8 para 1 bilhão entre 2008 e 2009, refletindo o impacto da crise, mas depois disparou para R$ 2,5 bilhões em 2010, ou seja, um incremento nominal de +43% em apenas dois anos, de modo que, em apenas metade do último ano, já foram apurados R$ 2,1 bilhões entre imposto de renda e contribuição lucro (ver informe em: http://bit.ly/hY5h5O ). 29
Se a triangulação foi explícita no caso da capitalização da PETROBRAS em setembro de 2010, suscitou a dúvida de quanto tal tipo operação heterodoxa explicou dos créditos anteriormente concedidos pelo Tesouro aos bancos públicos. O pretexto de estimular o setor produtivo em resposta à crise acabou permitindo a criação de um círculo vicioso. O Tesouro emitiu títulos como fonte de recurso de empréstimos que concede a seus bancos, porém, este não usou integralmente tal crédito para aumentar os seus desembolsos, e, de uma forma ou de outra, acabou devolvendo parte ao próprio Tesouro. Além da compra de receitas futuras (como de dividendos a serem pagos por empresas estatais que raramente distribuíram lucros ou por ações advindas da venda do óleo que ainda está no fundo do mar), o retorno dos recursos também ocorre se houver aumento de dividendos e (o que é menos reparado) junto dos tributos sobre lucros (IRPJ e CSLL), inclusive decorrentes da própria operação (em face de eventual diferença de taxas, ainda mais quando tais créditos foram concretizados mediante a entrega de títulos da dívida, cuja remuneração difere dos juros cobrados no respectivo mútuo).
28
2011. Aqui se misturam operações de diferentes tipos, inclusive apoio às exportações, reestruturação e mesmo o giro associado a projeto, que foi intensificado como resposta à crise. Isolados apenas aqueles desembolsos que efetiva e diretamente impactaram a FBKF, 30 observa-se que estes nunca chegaram à casa de 1,5% do PIB antes da crise, subiram para 1,6% em 2008 e alcançaram um novo patamar de 2,2% do produto e aí se estabilizaram no triênio 2009/2011 (registrando, à parte, que sozinho o setor de petróleo recebeu 0,77 pontos do produto em 2010). Por si só, a distância entre o desembolso total e o impactante da FBKF já revela que nem todo esforço afeta diretamente a taxa nacional de investimento: na média dos realizados entre 2008 e 2011, apenas 55% financiaram diretamente maquinário e construção.31 É curioso que, em anos anteriores, quando era menor o orçamento do BNDES, ele foi proporcionalmente mais focado no investimento fixo.32 A comparação entre os desembolsos específicos do BNDES para FBKF e seu volume nacional mostra como o pós-crise foi muito mais marcado por aumentar a dependência da economia em relação ao BNDES do que pelo tão sonhado e ansioso incremento na taxa de investimento nacional. Na segunda parte da Tabela 3, é possível constatar que a razão FBKF/PIB nacional caiu em 1 ponto do PIB em 2009 e, depois, se recuperou e chegou à casa de 19.5% do produto, em 2010 e possivelmente também em 2011. Comparadas as taxas de 2008 e 2011, se verifica que a nacional aumentaria em 0.36 pontos do produto. Como os desembolsos do BNDES para FBKF subiram em 0.62 pontos entre esses
30
Os desembolsos do BNDES diretamente vinculados à FBKF são levantados pela Área de Planejamento daquele banco a partir das operações diretas excluído o que não é investimento fixo (como capital de giro, saneamento financeiro, exportações e mercado de capitais), agregada ainda a linha para compra de equipamentos via agentes financeiros (FINAME) e as voltadas para equipamentos importados. O investimento alavancado é apurado pela razão entre o valor desembolsado e a taxa de participação do BNDES no total investido em cada projeto. Observa-se que, por vezes, documentos do BNDES apontam outros índices de contribuição para FBKF por usarem metodologia diferente daquela aplicada pela fonte primária aqui adotada. 31
Não custa registrar, mais uma vez, que uma hipótese importante para explicar como, mesmo crescendo o tamanho (absoluto) do BNDES no ano de auge da crise, diminuiu o seu espaço (relativo) para a formação da FBKF, é o esforço realizado pelo banco por intermédio das chamadas operações estruturadas (inclusive para socorrer as empresas que mais duramente foram afetadas pela crise, como no caso das que sofreram pesadas perdas com derivativos cambiais). 32
Em 1995, por exemplo, os desembolsos para FBKF chegaram a responder por 73% do total desembolsado pelo BNDES, embora estas equivalessem a apenas 1,01% do PIB, o mais baixo da era do pós-real. Ou seja, no em que foi menor o tamanho do banco, ele foi proporcionalmente mais clássico que nunca.
29
anos, se deduz, por simples diferença, que a taxa do resto da economia encolheu 0.26 pontos. Se for considerado que cálculos do banco apontam que o investimento por ele alavancado (ou seja, quando computadas também as outras fontes de recursos do projeto que apoiou), cresceu em 1.7 pontos do produto no período, se infere que a razão FBKF/PIB do resto da economia encolheu em 1.3 pontos. À parte, vale comentar a evolução do setor público. No caso da FBKF realizada diretamente pelas administrações públicas, a expectativa é que pouco tenha se alterado nestes três anos: depois de subir 0.5 pontos do produto desde 2008 e chegar a melhor marca do pós-Real de 2,8% do PIB em 2010, projeções iniciais para 2011 apontam uma reversão33 - que pode ter derrubado a taxa para nível próximo ao de 2008. A mesma evolução se passou com empresas estatais federais, os resultados a alteração deve ter sido pequena: a execução do seu orçamento de investimento34 revelou um incremento de 1.7% do PIB em 2008 para casa de 2.2% em 2009/2010, mas caiu para 2% em 2011 – ou seja, três anos depois, o incremento desse gasto foi de irrisórios 0.2 pontos do produto, apesar de todo esforço promovido pela PETROBRAS no pré-sal e do crédito levantado - aliás, para financiar investimento mesmo, ele só foi relevante em 2009 (0.9% do PIB); nos demais anos, os empréstimos para tal fim mal chegaram a 0.2 pontos do produto, contradizendo a tese de que as estatais seriam excluídas do controle de metas fiscais para induzir maiores inversões. Portanto, mesmo depois de a economia ter se recuperado, o investimento fixo que não passa pelo BNDES ainda está longe do nível a que chegou pouco antes da crise, o que, antes de tudo, confirma como a retomada do investimento e a própria expansão da economia no longo prazo dependeu do BNDES e, ao mesmo tempo, como este se tornou tão dependente do Tesouro Nacional. Isto tudo se passou apesar de não ter sido integralmente convertido em FBKF todo o recurso fiscal que, em caráter extraordinário, foi emprestado para aquele banco – melhor sinal de que precisou desempenhar outras funções que não apenas a de um clássico fornecedor de fundos para projetos de investimentos fixos. 33
O IPEA discutiu se a diminuição da taxa de investimento público em 2011 seria atípica no comunicado em: http://bit.ly/xSvw1r , quando apurou que essa taxa no primeiro semestre caiu de 2,85 para 2,60% do PIB entre o de 2010 e o de 2011. 34
Demonstrativos bimestrais do orçamento de investimentos das empresas estatais e do crédito concedido pelas agências oficiais de fomento são publicados no portal do DEST, órgão do Ministério do Planejamento, em: http://bit.ly/wgjq0q
30
Cabem agora algumas observações complementares sobre a expansão creditícia movida pelo BNDES. É importante ressaltar que ela não se limitou a aumentar as aplicações diretas do banco - como se poderia depreender de algumas notícias ou mesmo críticas a sua atuação. A ação direta praticamente cresceu tanto quanto os repasses para seus agentes financeiros, que compreendem praticamente todo o resto do sistema bancário. Segundo as estatísticas de crédito do BACEN, o total de crédito do BNDES saltou de 6.1% do PIB ao final de agosto de 2008 para 10.2% em dezembro de 2011, ou seja, um incremento de 4.1 pontos do produto, em apenas três anos e meio e equivalente a 40% do aumento do crédito global. Parcela desse aumento, de 1.9 pontos do produto, envolveu mais repasses do BNDES para as demais instituições financeiras. Aliás, isso também indica que o BNDES também pode ter vindo a dar suporte a outros bancos estatais, como o BB e a Caixa, inclusive para apoio a programas de governo com garantia da União e nem sempre contabilizados como desembolsos35. A resposta à crise estreitou os laços de relacionamento financeiro entre o BNDES e o resto do setor público, tanto pelo lado da fonte de recursos, dada a brutal dependência de captações extraordinárias junto ao Tesouro, como também pelo lado do uso, pela concentração de ações do BNDES em outros bancos e empresas.36 A dependência do BNDES em relação aos citados empréstimos extraordinários se tornou tão alta que em setembro de 2011, segundo o informe contábil do sistema, o saldo dos recursos do Tesouro (R$ 293 bilhões) já era mais que o dobro do saldo acumulado junto ao FAT (R$ 142 bilhões), depois de duas décadas 35
Quando o BNDES apresentou suas ações de 2009, destacou em separado um repasse de R$ 2,4 bilhões para o BB, o BACEN esclareceu (ao Senado devido à audiência em 20/4/2010) que aquele montante fazia “... parte de uma dotação total de até R$ 5 bilhões de transferências do BNDES ao Banco do Brasil para uso exclusivo para fins da linha Programa de Crédito Especial Rural (Procer) que ... financia o capital de giro das agroindústrias, cooperativas agropecuárias, indústrias de máquinas e equipamentos agrícolas. A diferença ... é que as liberações não foram realizadas a cada crédito do BB, mas de forma agregada, reembolsando o BB pela carteira de crédito contratada. Outra diferença é que a liquidação financeira não foi em espécie, mas em títulos públicos federais.” 36
Uma análise de fontes e usos do BNDES pode se valer dos balanços, demonstrações e informes, contábeis e financeiros, disponibilizados no seu portal na internet em: http://bit.ly/zC48pC Em particular, relatórios trimestrais sobre a aplicação dos créditos extraordinários captados junto ao Tesouro, encaminhados ao Congresso, são divulgados pelo BNDES em seu portal na internet em: http://bit.ly/ehfZR6. Aliás, independentemente da fonte de recurso, a discriminação das principais operações contratadas pelo BNDES desde 2008 (segundo área, incluindo repasses, e por nome e CNPJ do tomador, resumo do projeto, data e montante) também está disponível no mesmo portal em: http://bit.ly/h7Elen. Considera-se que, essa iniciativa constitui um passo muito relevante em termos de transparência bancária, que nem sempre se repete em outros bancos brasileiros, e talvez nem mesmo nos bancos similares de caráter multilateral.
31
de repasses constitucionais obrigatórios e regulares. Mesmo somando o captado junto a organismos e bonds, o captado de forma emergencial era 1,8 vezes maior que a soma das fontes regulares.37 A outra faceta do pós-crise no BNDES foi sua maior exposição ao resto do setor público. O informe financeiro trimestral de setembro de 2011 registrava que as transações com outras entidades governamentais38 resultavam em um ativo total de R$ 75,5 bilhões, isto equivale a 13% do ativo total do banco. Tal saldo era 2,6 vezes superior ao mesmo montante registrado no informe de junho de 2009: como esse incremento supera em muito a grande operação realizada com a PETROBRAS naquele ano, é possível inferir que outras grandes transações foram realizadas com demais entidades estatais – e as maiores são o BB, a Caixa e a ELETROBRAS. Pela dimensão das transações realizadas, vale dedicar uma análise particular as relações entre BNDES e PETROBRAS. Em uma das primeiras reações do governo à crise, as autoridades fiscais excluíram tal empresa da abrangência do setor público que estava submetido aos limites de dívida e a meta de resultado fiscal e, que teve mais efeito prático, as autoridades monetárias excepcionalmente autorizaram que a exposição de crédito do BNDES à PETROBRAS não fosse contada para todo o grupo empresarial e sim por cada um de seus estabelecimentos.39 Daí resultou em forte apoio creditício daquele banco à petroleira: o seu passivo junto ao BNDES40 em setembro último era de R$ 38,7 bilhões, 5 vezes maior do que os R$ 7,7 bilhões devidos em junho de 2008.41
37
Para recuperar um histórico das finanças do BNDES, é fortemente recomendado ver Giambiagi; Rieche; Amorim (2009). 38
Segundo o balanço do BNDES, as outras entidades compreendem tanto instituições financeiras federais (como BB, Caixa, BNB) e empresas (como PETROBRAS e ELETROBRAS), quanto fundos públicos (como o FAT, o Fundo do PIS/PASEP, o da Marinha Mercante – FNM e o de Garantia da Competitividade – FBPC). Do lado dos ativos, as transações compreendem “fundos, debêntures, operações de crédito e repasses, dividendos e JSCP e outros créditos a receber”. Ver transações no item 25.3 do balanço ou item 22.3 do informe trimestral, disponíveis em: http://bit.ly/ggK4ic. 39
Na prática, a flexibilidade na regulação bancária (liberando a exposição do BNDES) foi mais importante do que a excepcionalidade fiscal (à exclusão da PETROBRAS), pois pouco útil seria dispensar esta empresa de qualquer limite para tomar financiamentos domésticos se, além daquele banco estatal, não havia outro capaz de oferecer volume, prazo e taxas. 40
A evolução das transações da PETROBRAS com outras entidades governamentais registradas nas informações trimestrais prestadas à CVM disponíveis em: http://bit.ly/c4lHqv. 41
Contra o BB, os saldos eram menores (de R$ 2 para R$ 11,9 bilhões, no mesmo período) mas salto maior (6 vezes, sempre nominal). No agregado, só contra esses dois bancos federais, o passivo da petroleira subiu 5,2 vezes e superou R$ 50 bilhões em setembro último.
32
O vínculo atual entre as duas citadas entidades federais pode ser de caráter vital. Como o BNDES fechou setembro com um patrimônio líquido de R$ 56,4 bilhões e patrimônio de referência de R$ 94,1 bilhões, aquele montante de dívida reportado pela PETROBRAS nessa data equivalia a 69% e 40% de tais indicadores patrimoniais. Se ainda for considerada a participação societária declarada pelo banco naquela estatal de R$ 38,2 bilhões em setembro último, dobrava a exposição nominal do BNDES na PETROBRAS (para R$ 76,9 bilhões), a ponto de superar em 36% o patrimônio líquido daquele banco, e um único cliente passou a equivaler a 82% do seu patrimônio de referência. De certa forma, é possível dizer que a ativa atuação do BNDES no enorme processo de reestruturação patrimonial que marcou a reação inicial à crise no Brasil não se limitou ao suporte ao setor privado, como também estreitou os lanços entre bancos e empresas estatais a um ponto que pode ser considerado umbilical. Um banco se tornou mais dependente de seu controlador como nunca foi pelo lado do passivo, ao mesmo tempo em que se expôs de forma capital a um único cliente pelo lado do ativo, mas cujo controlador era comum. Uma pergunta que poderia ser feita é: se não teria sido mais fácil o controlador apoiar diretamente a empresa e não precisa usar um banco como intermediário? Se a referida empresa controlada tinha sócios privados e não se queria mexer na sua estrutura de controle, por que depois acabou esta sendo alterada de forma mais radical e até controvertida com a capitalização de campos de petróleo para futura exploração? Enfim, como parte do resultado da ação do governo em resposta à crise internacional, o BNDES não só aumentou sua presença como um provedor de fundos para o investimento fixo e para a reestruturação empresarial, dentre outras ações de fomento para o setor privado, quanto se tornou mais presente como financiador do resto do setor público - em especial, da empresa estatal de petróleo e das demais instituições financeiras federais. 42 Com base nos cenários descritos nos parágrafos anteriores, cabe a seguinte pergunta: como o BNDES pode continuar do mesmo tamanho que chegou ao início 42
Na fase inicial de resposta do BNDES à crise, e mesmo depois de polêmicas em torno de sua expansão, é curioso notar que seu espaço diminuiu no sistema financeiro nacional: o seu peso relativo no total de empréstimos diminuiu da casa de 24% no biênio 2002/2003 para a de 20% no biênio 2009/2010, segundo Mantega (2010, p.16). Isto significa que, antes da crise, o banco não tinha conseguido acompanhar o ritmo de expansão mais acelerado do resto dos bancos e que, diante da crise, também não conseguiu transformar em aumento de desembolsos para Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) todo o crédito que captou de forma extraordinária junto ao Tesouro Nacional.
33
desta década sem os aportes extraordinários do Tesouro? Cenários foram traçados em detalhes por Lamenza, Pinheiro e Giambiagi (2012), para mostrar as alternativas aquele banco estatal até o final desta década. Assim, a expressiva distância entre o que foi captado pelo BNDES junto à União e o que foi por ele desembolsado constitui mais uma nova faceta das interconexões, tão complexas, quanto intrincadas, que já marcavam as finanças públicas, a moeda e o câmbio no Brasil e, agora, com a peculiar resposta à crise, passaram a abranger também o crédito. A ampliação das interconexões não se deu apenas entre políticas, como também institucionalmente, em particular dentro do próprio setor público, porque, depois da crise, passaram a sustentar posições financeiras ainda mais expressivas entre si. Portanto, não se trata apenas do eventual aumento da presença estatal na economia (como ocorreu em quase todas as partes do mundo diante do enfrentamento dessa crise). Aumentaram, sobremaneira, as relações cruzadas dentro do próprio setor público, tanto em termos de fluxos (caso das concessões de financiamentos, transações com ativos, incluindo ações, pagamento de dividendos, recolhimento de tributos, antecipações de receita, dentre outros), quanto de estoques (caso das participações acionárias, do saldo de operações de crédito, dentre outros).
O Quatrilho da Política Econômica Não resta a menor dúvida de que para a saída da crise no Brasil o crédito foi decisivo na recuperação da economia e que os bancos públicos atuaram como locomotivas43. É possível levantar uma hipótese ainda mais forte sobre tal atuação: as instituições financeiras federais tiveram que atuar na reação à crise financeira global na economia brasileira exercendo papéis ou funções que em tese poderiam caber às autoridades monetárias, e até mesmo às autoridades fiscais – aliás, suposição essa que cresce se levada em conta a atuação dessas autoridades nas economias avançadas no enfrentamento da crise global44.
43 44
Este ponto é bem explorado por OREIRO; PAULA; BASILIO, 2010.
É possível citar como próxima dessa suposição a seguinte conclusão sobre a atuação dos bancos públicos, estruturalmente concentrada em certos nichos do mercado de crédito nacional e conjunturalmente com um fundamental papel contracíclico:
34
Do banco nacional de desenvolvimento até os maiores bancos comerciais estatais brasileiros foi preciso: fornecer funding, a começar entre uns aos outros e especialmente aos bancos privados (inclusive no mercado interbancário); injetar capitais e comprar carteiras de empréstimos e até mesmo participações acionárias, inclusive de empresa produtivas; e mesmo conceder empréstimos que podem ter excedido os limites impostos pela prudência bancária, quando não até o bom senso (incluindo a exposição a um único cliente se aproximar do próprio capital do banco). O ativismo do segmento bancário federal brasileiro contrastou e pode ter até ter compensado com a atuação menos agressiva das autoridades monetárias e fiscais brasileiras, ainda mais cotejadas às congêneres estrangeiras, especialmente das economias avançadas. O Brasil atravessou a crise como que seguindo, ao pé da letra, um roteiro traçado por Keynes sete décadas atrás. Traduzindo, no auge da crise, o tesouro nacional se endividou no Brasil - no melhor perfil de “devedor de última instância” para estimular o crédito e conseguir reativar economia na crise de 2008/2009 - os bancos públicos foram os “emprestadores de última instância” das empresas e assim dos demais bancos – como bem descrito em entrevista do Presidente do BNDES ao final de 2011 (ver Coutinho, 2011). Mas, superada a crise, o quadro deveria ser outro. Quando empresas optam por privilegiar as aplicações financeiras de curto prazo em lugar de mobilizar recursos próprios para aumentar os investimentos e a produção, e até os bancos ficam com medo de emprestar para outros bancos, restou emprestar cada vez mais para o governo. Mas esta deveria ser uma solução pontual e temporária enquanto as convenções não fossem restabelecidas. Se o quatrilho rendeu inegáveis e fáceis resultados no curto prazo, por meio da sustentação e depois da forte expansão do consumo, e se logrou sucesso em
Esse resultado específico mostra a importância de se ter bancos públicos competitivos e inseridos dentro de um contexto estratégico de política econômica, de forma que suas ações são complementares à atuação da autoridade monetária. Isto porque, em um ambiente de forte incerteza no qual o crédito se contrai abruptamente, não apenas uma política monetária expansionista é importante para gerar a liquidez necessária ao sistema, mas também a atuação dos bancos públicos, uma vez que suas ações modificam o market share do setor e, portanto, em última análise, impactam a lucratividade e performance dinâmica dos demais bancos. (OREIRO; PAULA; BASILIO, 2010, p.66).
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transformar recessão em crescimento acelerado, no entanto, deixou novas armadilhas no curto prazo e antigos desafios para o médio e longo prazo. É preciso desatar nós que envolvem os instrumentos de política econômica. Agora também o crédito veio a se juntar no emaranhado que já marcava a moeda, o câmbio e as finanças públicas, interconectados em uma teia cada vez mais complexas – quando não confusa e até um tanto quanto perigosa45. Enquanto isso, toda a expansão fiscal e a creditícia experimentada durante as etapas de reação e de resposta à crise não elevaram a taxa de investimento a um patamar mais relevante, nem o nacional, muito menos o governamental – justamente ao contrário das lições ensinadas pela teoria e pelas experiências internacionais. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, pela mera comparação de indicadores de crescimento e fiscais, não é tão diferente o equacionamento que o Brasil e as economias avançadas realizaram se ponderados os desafios estruturais que ambos terão pela frente. Na impossibilidade de se adotar uma saída tradicional de curto prazo, como um ajuste fiscal que passe por cortes drásticos de custeio e de investimentos, caberia montar uma agenda de reformas institucionais pós-crise, para tentar melhorar as expectativas em relação ao horizonte mais largo e, assim, para abrir espaços para rearranjos nos instrumentos de política econômica de curto prazo46. O objetivo de costurar melhor expectativas, a partir da defesa e da adoção de reformas institucionais, visa influenciar especialmente a política monetária, que acaba tendo a primazia dentre os instrumentos utilizados pela política econômica. Tais apostas podem ser renovadas diante do novo cenário econômico, especialmente no resto do mundo. Se crise significa também oportunidade, podem ser renovadas as apostas em favor de reformas e rearranjo na política econômica.
45
Para Belluzzo; Almeida (2010), o câmbio (ou melhor, sua valorização) seria um erro fatal da política econômica que exige mudança nos instrumentos: Mas esse quadro não pode ser alterado sem uma mudança importante no mix fiscal-monetário. A macroeconomia convencional e a versão bastarda do keynesianismo foram incapazes de avançar no desvendamento das mudanças ocorridas nas relações entre a gestão da dívida pública, a “estabilidade monetário-financeira” e a livre movimentação de capitais. Os movimentos de capitais, diga-se, exaltaram o caráter financeiro da taxa de câmbio que, hoje, sobredetermina sua outra dimensão, a de preço relativo. (BELLUZZO; ALMEIDA, 2010) 46
Teses defendidas também em Afonso; Mussi (2009); por Mendes (2011) e Mello (2011).
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Perspectivas e Turbulências À parte as questões estruturais, a conjuntura também conspira em favor de mudanças na rota da política econômica. É preciso cuidado redobrado, pois pode ser outra a gestação da crise e diferente deverá ser a resposta. 47 Se antes a crise começou no sistema financeiro (das hipotecas imobiliárias americanas aos derivativos cambiais brasileiras) e o equacionamento passou por um ativismo estatal (dos juros negativos até os grandes investimentos públicos mundo afora, passando pelo farto crédito do tesouro para seus bancos aqui), agora houve uma mudança radical. A fiscalidade se tornou ponto de partida do temporal no exterior, independente da interpretação – para uns, os estímulos fiscais foram arrefecidos ou abandonados antes da hora, já para outros as dívidas públicas se tornaram demasiado grandes ou difíceis de serem gerenciadas. No Brasil a criativa engenharia fiscal também perde fôlego diante da cobrança por transparência e, sobretudo, de continuar expandindo crédito à custa de endividamento público. Em particular, isto implicou em aprofundar os efeitos já sentidos no caso do custo fiscal de carregamento das reservas internacionais: o diferencial de taxas (e também o descasamento de prazos, no caso dos créditos extraordinários) já produziu um efeito líquido e certo, que não deve ser revertido nos próximos anos – a redução da taxa básica de juros (SELIC) não diminuiu no mesmo ritmo os gastos com juros dos governos brasileiros (veja Gráfico 6, a seguir).48 Logo, mesmo que diante de uma crise a política monetária venha a ser novamente relaxada, é certo que, no curto ou médio prazo, isso não abrirá um espaço fiscal para investimentos nos orçamentos públicos.
47
Esta seção compreende parcialmente argumentos desenvolvidos pelo autor com Julio Sérgio Gomes de Almeida, no artigo “Se nova a crise, diferente será a resposta”, publicado no jornal O Estado de S.Paulo, edição de 21/1/2012, disponível em: http://bit.ly/wteAwQ 48
É simbólica a evolução das contas públicas entre 2010 e 2011. O aumento do superávit primário do setor público foi de 0.42 pontos do produto (de 2.7 para 3.11% do PIB), porém, o incremento dos gastos com juros nominais foi de 0.54 pontos (de 5.18 para 5.72% do PIB), e anulou todo o esforço fiscal do governo, apesar do grande aumento de carga tributária e do contingenciamento do orçamento federal. Ainda sobre os juros, é curioso registrar que a taxa média da SELIC aumentou em 18% entre 2010 (9.78 pontos) e 2011 (11.6 pontos), porém, o total gasto com juros pelo setor público cresceu em 21%, e se considerado apenas o governo federal, aumentou (sic) em 45% (de R$ 56 para R$ 84 bilhões), mais uma evidência de a trajetória do gasto descolou da evolução da taxa básica de juros.
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Gráfico 6 EVOLUÇÃO DAS TAXAS ANUALIZADAS DE JUROS, SELIC E IMPLICITA DA DÍVIDA LÍQUIDA DO SETOR PÚBLICO – JUNHO 2002 A DEZEMBRO 2011 - em % ao ano
Evolução da taxa implícita DSLP e da Selic 30% 25% 20% 15% 10% 5%
Taxa implícita
nov/11
mai/11
nov/10
mai/10
nov/09
mai/09
nov/08
mai/08
nov/07
mai/07
nov/06
mai/06
nov/05
mai/05
nov/04
mai/04
nov/03
mai/03
nov/02
0%
Taxa Selic
Elaboração própria. Fonte Primária: Banco Central.
Em que pese o País conseguir continuar a gerar elevado superávit primário depois da crise (mesmo descontadas receitas atípicas), enquanto a maioria dos demais países sofreu uma acentuada deterioração fiscal, o fato é que continua valendo a mesma restrição que impediu um maior ativismo fiscal: o nível da dívida pública brasileiro é alto, muito acima da média dos países emergentes, conforme ilustrado no Gráfico 7, a seguir.
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Gráfico 7 EVOLUÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA BRUTA DO BRASIL E GRUPO DE PAÍSES – 2005/2015 (PROJEÇÕES DO FMI) - saldo ao final do período em % do PIB 120 112,9
115,1
116,1
116,7 117,2
109,5 110 104,4 97,8
100
90
80
84,7 78,9
78,6
78,1
73,8 70
69,2
66,7
60,4
58,3
65,2
57,5
76,3
76,7
76,6
76,3 76,1
68,5
68,1 60
75,3
66,8
65,0
63,6 60,6
64,0
62,5 60,9
59,0
31,2
30,0
57,2
50
40 40,7
40,4
36,6
36,3
30
34,6
35,9
36,9
34,7
32,7
29,0
20 2005
2006
2007
2008
Brasil
2009
2010
Eco.Avançadas G20
2011
2012
Emergentes G20
2013
2014
2015
2016
Média Geral
Elaboração própria. Fonte primária: FMI, Monitor Fiscal.
Se nem a recente história se repetirá, é preciso arregaçar mangas e começar a desatar o nó que hoje vincula e amarra a nossa fiscalidade aos juros, câmbio e, depois da crise, também o crédito. Apesar de o governo ter se endividado para emprestar aos seus bancos e se assim conseguiu estimular crédito e economia, o novo cenário exige reflexão ou mudança. O crédito total chegou à casa de 49% do PIB ao final de 2011, com um espetacular incremento de 8,6 pontos desde o final de 2008. Deste aumento, porém, apenas 3,4 pontos do produto foram mais empréstimos para pessoas jurídicas, e aí contado foram cotados o BNDES (por hipótese, suposto que só financie empresas e bancos), que, por sua vez, se expandiu em 3,3 pontos no mesmo período. Ou seja, sem o BNDES, o crédito bancário concedido para as empresas no País segue exatamente no mesmo tamanho relativo que estava há três anos. A economia se recuperou, as vendas e o consumo cresceram fortemente, mas especificamente o chamado crédito livre dos bancos para pessoas jurídicas,
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embora que nele predomine operações de giro, taxa de juros muito acima da básica (SELIC) e com spread altíssimo e crescente, que fechou 2008 em 15,73% do PIB, chegou ao final do ano passado em 15,75% do produto. Isto é, toda a expansão do crédito para as empresas do País dependeu única e exclusivamente do BNDES. Sem este, todo incremento do crédito pós-crise beneficiou apenas os indivíduos e financiou basicamente o consumo, inclusive de duráveis. O boom do crédito prosseguiu pós-crise, mas mudou o destinatário em relação à expansão ainda mais acelerada ocorrida antes da crise. Menciona-se que, entre dezembro de 2005 e mesmo mês de 2008, o crédito total tinha crescido de forma ainda mais célere, em 12,2 pontos do PIB, dos quais 7 pontos destinados para empresas (e apenas 1,1 pontos explicado pelo BNDES). O contraste entre a expansão pré e pós crise pode ser visualizada pela evolução do total do crédito no Gráfico 8, a seguir, sendo a curva inferior a do crédito livre para empresas. Gráfico 8 EVOLUÇÃO DO SALDO DE CRÉDITO DO SISTEMA BANCÁRIO POR PRINCIPAIS SEGMENTOS – JANEIRO 2000 / DEZEMBRO 2011 - saldo final do mês em % do PIB 50%
45%
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0% jun/00
jan/01
ago/01 mar/02 out/02
Outros
mai/03 dez/03
jul/04
fev/05
Rural + Habitação
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN.
set/05
abr/06
nov/06
PF Livres
jun/07
jan/08
ago/08 mar/09 out/09
BNDES
PJ Livres
mai/10 dez/10
jul/11
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Mesmo com um sistema bancário tão sólido e que só gostava de emprestar para giro, se o crédito não voltou para os negócios, o que dizer do financiamento ao investimento. A razão FBKF/PIB fechou 2011 em torno de 19.5% do PIB, pouco acima do registrado em 2008. Esta razão no caso das administrações públicas não deve ter se alterado. Já o desembolsado pelo BNDES cresceu em 0.6 pontos nos três anos e, computados também aportes próprios dos seus mutuários (inclusive a PETROBRAS), o investimento alavancado por aquele banco aumentou em 1,7 pontos do PIB. Logo, por dedução, o resto do setor privado, incluindo famílias e demais empresas (não apoiadas pelo BNDES), deve ter cortado investimentos em torno de 1,4 pontos do PIB entre 2008 e 2011 (diante da expansão da construção civil residencial, tal corte deve ter sido ainda maior se ponderadas apenas as empresas). O ativismo creditício estatal teve por maior mérito impedir uma maior deterioração do capital fixo nacional, mas o endividamento público foi insuficiente para expandir o investimento e, por aí, a demanda nacional. É pouco para reverter um cenário de estagnação prolongada que se pinta para a economia brasileira, que vem crescendo abaixo dos emergentes (só é melhor que os países ricos em recessão). Uma alternativa seria reverter gradualmente a estatização do funding ao seguir o redesenho da política monetária – que já ousou e acertou ao baixar a taxa de juros, e agora poderiam repensar os outros instrumentos. A última onda de endividamento público no País não passou pelas colocações tradicionais pelo Tesouro, mas veio disfarçada no manejo da carteira de títulos no banco central, que fechou 2011 em 18,2% do PIB, equivalente a 43% da dívida mobiliária clássica - ver sua evolução recente no Gráfico 9.
41
Gráfico 9 EVOLUÇÃO DE DÍVIDAS DO BANCO CENTRAL: DEPÓSITOS COMPULSÓRIOS REMUNERADOS, OPERAÇÕES COMPROMISSADAS DO BC E SUA SOMA: EM % DO PIB - JANEIRO/2001 A DEZEMBRO/2011 - saldo ao final do período em % do PIB
18%
13%
8%
3%
-2%
Depósitos Compulsórios Remunerados
Operações Compromissadas BC
Dívida BC com Mercado
Elaboração própria. Fonte primária: BACEN.
Por trás da imensa carteira de títulos do BC, se escondem duas formas indiretas de endividamento público. Aliás, na apuração da dívida no conceito líquido (DLSP), ambas são computadas no passivo do BC e, portanto, entram no total da dívida. Já no conceito bruto (DBGG), na metodologia adotada pelo BC desde 2008, apenas as compromissadas são computadas (sob argumento que constituem contrapartida das reservas). Já na metodologia adotada até 2007 e compatível com a prática internacional, toda carteira do BC conta na dívida bruta (até porque o banco central não integra o governo e tudo que este deve àquele deve ser computado). As operações compromissadas são reconhecidas pelo próprio banco central como um endividamento direto (como já dito)49 e voluntário. Recompostos os
49
As operações compromissadas do BC no extra mercado cresceram muito no longo prazo, para esterilizar o acúmulo ascendente e enorme de reservas internacionais: 8.3% do PIB em dezembro último, incremento de 6,5 pontos em relação ao saldo em dezembro de 2005 (e decréscimo de 2,1 pontos desde agosto de 2008). Logo após a crise, tais operações dispararam na medida em que depósitos compulsórios foram liberados (até chegarem a 16.3% do PIB em janeiro de 2010), indicando que a exacerbada preferência pela liquidez também foi exercida pelos bancos brasileiros que optaram
42
compulsórios, o saldo de compromissadas voltou ao patamar anterior da crise, apesar do nível de reservas internacionais ser superior. Isso indica que, recentemente, a opção das autoridades monetárias para enxugar a continuada entrada de divisas (coincidindo com as emissões para financiar o BNDES) foi mudar o mixing de instrumentos de política monetária e passar a usar com mais força a figura dos encaixes obrigatórios. Os recolhimentos compulsórios das instituições financeiras podem ser considerados uma forma disfarçada de endividamento público porque apresentam um traço singular no Brasil – em sua maior parte são remunerados, com juros reais positivos, dos mais altos do mundo. O Gráfico 9 deixa claro que, passada a crise, as autoridades monetárias não voltaram ao nível e à estrutura de exigências anteriores a crise – houve duas mudanças importantes e que passam despercebidas, pois, curiosamente, os bancos (privados) nada reclamaram. A evolução do compulsório é pitoresca: chegaram a 8.9% do PIB em dezembro último contra 4% em agosto de 2008, antes da quebra do Lehman Brothers e da seguinte flexibilização da política monetária, ou seja, um incremento na casa de 5 pontos do produto, dos quais mais de 3 pontos provieram da incidência que passou a se dar sobre os depósitos a prazo. O segundo detalhe é que cada vez mais parcelas de compulsórios passaram a ser remuneradas (a maior parte, pela SELIC): 82% do total de depósitos em dezembro de 2011, quando não chegava à metade antes do estouro da crise. Curiosamente, o discurso oficial, a sensação geral do mercado e mesmo o noticiário tem sido que, passada a crise, o nível de compulsórios voltou para onde estava antes. Porém, as mudanças foram bruscas, não apenas em termos de maior volume, como também na natureza, que passou a ser remunerada e com juros reais elevados. O
pouco
que
se
capta
a
prazo
no
sistema
bancário50
acaba
compulsoriamente preso no banco central, mesmo sem risco, recebendo uma das por manter no mesmo banco central o que este tinha liberado de exigência - apenas trocando voluntariamente de conta (e sem grande alteração de remuneração). 50
Os últimos dados no portal do BCB sobre depósitos a prazo são do final de junho de 2011: o montante emitido chegou a R$ 726,1 bilhões. Algumas de suas principais características eram: 73% do total foi emitido com clausula de resgate antecipado; em termos de prazo, um terço vence em até um ano, 60% em até dois anos e 96% até quatro anos; a concentração da emissão segue a do sistema, de modo que os três bancos de maior captação geram 51% dos depósitos e os dez maiores, 84% do total (aliás, só Banco do Brasil e Caixa respondem por 23% do total). A evolução dos depósitos foi ainda mais curiosa. Em junho de 2011, o montante de depósitos equivalia a 18,19% do PIB. Houve um forte decréscimo em pouco tempo, justamente acompanhando a
43
maiores taxas básicas de juros reais no mundo. Para servir a tal dívida, o banco central precisa se valer de sua carteira de títulos do tesouro, que, por sua vez, acumula em seu ativo crescentes créditos contra bancos estatais, justificados pela falta de funding para financiar projetos de investimentos de longo prazo. Se o Brasil possui um sistema bancário sólido e solvente, um mercado acionário amplo e líquido e o resto do mundo cada vez mais disposto a investir no País, é preciso explorar tais vantagens para financiar o investimento de longo prazo. Falta um mercado de dívidas que suporte tais projetos (o que não falta é mercado de ações no Brasil, mas este é insuficiente – um negócio deve combinar recursos próprios e de terceiros).51 Não seria algo inédito. Novos esquemas de funding já contemplam novos instrumentos financeiros e já lograram bons resultados em alguns setores. Um caso que pode ser considerado de sucesso e poderia servir de paradigma é o da construção civil (imobiliária): tem sido emitidos letras de crédito imobiliário e criado par eles um mercado (até ao pouco de bancos repassarem a seus correntistas, mesmo PF) e, o principal, os recolhimentos compulsórios sobre os depósitos nas cadernetas de poupança são reduzidos para as instituições que optarem por conceder financiamentos habitacionais (por certo, a taxa de remuneração da caderneta, muito aquém da praticada no mercado aberto, constitui um diferencial fundamental que tornou mais interessante conceder empréstimos do que manter o encaixe). A nova faceta do ativismo estatal para uma crise de novos contornos seria liberar funding, criar incentivos para induzir investimentos, e criar um novo padrão de estímulo que substitua aos poucos o vetor crédito/consumo das famílias (até por já estarem razoavelmente endividadas). Se muita renúncia de receita já foi concedida para induzir o consumo e para beneficiar setores muito específicos (como foi o caso da automobilística ou dos eletrodomésticos), seria o caso de redirecionar esforços para conceder incentivos de caráter mais amplo - como para beneficiar a infraestrutura ou mesmo a indústria financeira em geral, desde que a levasse a alongar suas aplicações.
recuperação da economia. No auge da crise financeira, os depósitos tinham chegado a 19.96% do PIB ao final de junho de 2009, crescendo bem em relação aos 15,8 e 12,6 pontos do produto registrados ao final do mês de 2008 e de 2006. 51
Teses aqui expostas tomadas emprestadas de Paulo Vales, consultor e ex-superintendente do BNDES.
44
Mais do que incentivos tributários, aqueles de caráter creditício podem ser mais eficientes, inclusive muito passando por mudança de regulação e de forma de atuação de entidades públicas, o que nem sempre implica em custo fiscal imediato. Uma pré-condição para se refundar um mercado de dívida privado e de longo prazo no País é a oferta de liquidez no prazo mais longo, ou seja, oferecer oportunidade de saída para as instituições ou os investidores que entrarem. Uma questão simplória é porque títulos longos já são emitidos pelo Tesouro Nacional e adquiridos no País e mesmo no exterior, mas papéis de igual prazo de emissão privada não tem a mesma sorte? Porque há uma porta para sair desse papel, a começar pela possibilidade de revender o papel para o próprio Tesouro. Risco, rentabilidade, vários outros fatores também explicam a diferença, mas criar condições de liquidez para novos ou antigos papéis privados e de longo prazo, ainda mais em tempos de crise, seria crucial para se viabilizar um novo esquema de financiamento de longo prazo no Brasil. No novo padrão, as próprias instituições financeiras oficiais podem vir a ser chamadas a exerceram mais funções próprias de um segurador ou ressegurador do que as de um banco clássico – o que as dispensariam de precisarem mobilizar tantos recursos no prazo mais imediato, em troca de oferecerem garantias ao financiador de um projeto de investimento previamente examinado e aprovado por aquele órgão público, que, se quiserem deixar de apoiar tal projeto, o seu crédito poderia ser transferido para a instituição pública (obviamente, mediante negociação de mercado de taxa). As oportunidades existem no Brasil, falta é repensar a política econômica. A formulação e a execução das diferentes políticas que constituem a política macroeconômica no Brasil há algum tempo deixam a desejar, tanto falta coordenação entre as autoridades, quanto inexiste uma institucionalização mínima para harmonizar ações. Não só autoridades e políticas não são coordenadas e harmonizadas, como também entre os economistas, tanto na academia, quanto nas pesquisas, se perdeu o interesse nas análises e nos modelos de consistência macroeconômica. O que de mais avançado se rodava na econometria no Brasil nos anos 1980 desapareceu dos periódicos e dos congressos de economia, embora estes sejam tomados majoritária e crescentemente por modelagens, cada vez mais sofisticadas, por vezes confundindo meios com fins, mas raro é reencontrar algo sobre a consistência no âmbito macro.
45
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ANEXOS ESTATÍSTICOS
Evolução dos Créditos do Governo Central para Instituições Oficiais e da Dívida Mobiliária em Mercado: em % do PIB - Dezembro/2000 a Dezembro/2011
47%
42%
37%
32%
27%
22%
17%
12%
7%
Dívida Mobiliária em Mercado
Créditos e Aplicações em Instituições Financeiras
50
60%
55%
50%
45%
40%
35%
30%
Operações Compromissadas
60%
Divida Mobiliária Tesouro Nacional
Evolução da Dívida Mobiliária em Mercado e da Carteira de Títulos do BC: em % do PIB - Janeiro/2001 a Dezembro/2011
50%
40%
30%
20%
10%
Carteira Títulos BC
Dívida Mobiliária em Mercado
Carteira BC / Divida Mobiliária Mercado
51
Dívida Externa Líquida BC e Dívida Externa Líquida % PIB Dez/2000 a Dez/2011 20%
15%
10%
5%
0%
-5%
-10%
-15%
-20%
Dívida externa líquida % PIB
Dívida externa líquida do BC( % PIB)
Participação do BNDES na Formação Bruta de Capital Fixo
Anos
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 (Previsão)
Desembolso Investimento BNDES para Alavancado FBCF para FBCF
5.164 5.434 7.488 9.095 8.649 11.957 14.298 15.393 15.985 21.385 23.468 26.320 37.484 48.640 71.498 84.083 91.868
10.329 10.858 14.538 17.953 17.118 23.659 24.692 26.071 26.332 34.012 41.436 44.244 57.917 75.545 132.061 144.906 173.367
FBCF
129.297 142.382 163.134 166.174 166.746 198.151 221.772 242.162 259.714 312.516 342.237 389.328 464.137 579.531 585.317 733.712 805.013
Particip. Particip. Investimento Desembolso Total
4,0% 3,8% 4,6% 5,5% 5,2% 6,0% 6,4% 6,4% 6,2% 6,8% 6,9% 6,8% 8,1% 8,4% 12,2% 11,5% 11,4%
8,0% 7,6% 8,9% 10,8% 10,3% 11,9% 11,1% 10,8% 10,1% 10,9% 12,1% 11,4% 12,5% 13,0% 22,6% 19,7% 21,5%
Fontes: SCN-IBGE, AP/DEORÇ - Elaboração AP/SUP OBS: 2008 em diante - Sistema de Contas Nacionais Trimestrais - IBGE. 2011 - previsão do PIB de mercado
PIB
705.641 843.966 939.147 979.276 1.065.000 1.179.482 1.302.136 1.477.822 1.699.948 1.941.498 2.147.239 2.369.484 2.661.344 3.032.203 3.239.404 3.770.085 4.134.607