As mulheres e os homens da Igreja Universal do Reino de Deus - Uel

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Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 27 a 29 de maio de 2014 GT12 - Gênero e Religiosidades –Coord. Cláudia Neves da Silva

As mulheres e os homens da Igreja Universal do Reino de Deus Fernanda Vendramini Gallo* Resumo: O presente trabalho é um esforço de entendimento dos estudos de gênero e religiosidades, por meio,de um estudo sobre as mulheres e os homens na Igreja Universal do Reino de Deus. Destaca-se a figura feminina, suas conquistas e limitações no campo religioso. Este, ainda marcado pela desigualdade entre os gêneros. Palavras-chave: Igreja Universal do Reino de Deus; Gênero; Religiosidades.

1 Introdução

Leda Machado nos alerta que "gênero não é o mesmo que sexo" (MACHADO, 1999, p.15) De maneira que, jamais podemos reduzir homens e mulheres ao seu caráter biológico, pois, as próprias classificações masculino/feminino são produções historicamente construídas (MACHADO, 1999 e SAFFIOTI,1994). "Gênero foi proposto como alternativa ao termo sexo, pois homens e mulheres são categorias sociais historicamente produzidas e não devem ser reduzidas a uma categoria biológica" (MACHADO, 1999, p.15).Por serem construções sociais e históricas, podemos afirmar que estas variam conforme o tempo e o espaço, não permitindo classificações fixas/universais. Assim como nos alerta Saffioti (1994), é preciso entender a diferença entre homens e mulheres como fruto do convívio social mediado pela cultura, afirmando que, "devido às relações de gênero socialmente construídas, mulheres e homens desempenham diferentes papéis sociais" (MACHADO, 1999, p.16). A mulher geralmente ligada à sua função biológica, o papel de geradora (mãe) e construtora de um lar. Nos termos de Machado (1999), a mulher é a reprodutora. Já o homem, assume o papel de produtor, cujo trabalho não é doméstico, mas sim, remunerado. De acordo com Rosaldo (1995), há uma tendência em alguns estudos feministas em evidenciar as esferas "domésticas" ou "familiares" em suas pesquisas, pois são

*Universidade Estadual de Londrina, pós-graduanda, [email protected] .

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lugares em que a mulher tem destaque e importância†. Porém, diz a autora, é impossível entender a mulher sem relacioná-la ao homem. O erro de tal tendência é omitir a assimetria sexual. Homens e mulheres ocupam espaços diferentes na sociedade (evitando generalizações), o homem está ligado à arena pública, de tomada de decisões, a coletividade e vida extra familiar. Às mulheres, são reservados a vidano lar e a reprodução, que contribui para a não identificação como grupo. Diz Rosaldo

em resumo, doméstico / público enquanto uma descrição genérica parece combinar bem com o que sabemos sobre os sistemas de ação ligados ao sexo e as justificativas culturais para o prestígio masculino (ROSALDO, 1995, p.14) . Assim como o doméstico e o público, a mulher é vista como oposto do homem, e quase nunca como parceira e/ou competidora em meio a um processo social. Rosaldo (1995) nos alerta, que se pretendermos entender as mulheres, suas conquistas e limitações, devemos adotar a visão teórica que concebe a relação mulher/homem em um contexto social amplo.

Os papéis que os sexos desempenham contribuem para e são, por sua vez, moldados por todas as outras desigualdades do seu mundo social (...). Em todo caso, as formas que o gênero assume - e assim, as possibilidades e implicações de uma política sexual - devem ser primeiro interpretadas em termos sociais e políticos, que falam de relações e oportunidades que os homens e as mulheres desfrutam, para então compreender como elas podem vir a estar opostas em termos de interesses, imagens ou estilos (ROSALDO, 1995, p.33).

Para Flávia Biroli (2010), essa divisão entre público e privado está presente no pensamento político desde o século XVII, e permanece até hoje - mesmo sem a devida problematização - por meio das análises da relação Estado e sociedade, vida doméstica e não doméstica, e outras mais.



Para maior aprofundamento nessa temática, sugiro, entre outros importantes escritos, "Gênero, o público e o privado" (2008) publicado na Revista Estudos Feministas (v.16, n.2) de Susan Moller Okin. "Justice, gender and the family" (1989) e "Women in Western political thought" (1979) ambos da mesma autora; e, Seyla Benhabib "El ser y el outro en la ética contemporânea: feminismo, comunitarismo y posmodernismo" (2006).

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2. Mulheres e homens na Igreja Universal do Reino de Deus

Segundo Maria das Dores Machado (2005), a conversão religiosa acontece de forma distinta por homens e mulheres. Os problemas e as motivações são diferentes entre os gêneros. Enquanto os homens procuram a religião buscando soluções para as dificuldades financeiras, desemprego, saúde, ou seja, dificuldades que ameaçam a identidade masculina predominante na sociedade brasileira; as mulheres vão em busca de ajuda para os problemas familiares. O discurso atrai mais as mulheres que procuram, entre outras coisas, maneiras de provocar mudanças na vida sexual do casal (muitas vezes marcada pelo adultério masculino), por meio de ensinamentos de conduta religiosa. Evangelizar o parceiro e com isso, aumentar sua participação no lar e sua fidelidade, resulta na melhora da autoestima feminina. Machado (2005) defende a reconfiguração das subjetividades femininas e masculinas no pentecostalismo, ou seja, acredita na modificação de posturas, pensamentos, desejos, e outros mais, motivados pelo discurso pentecostal. Como dito, homens e mulheres passam a adotar o pentecostalismo por motivos diferentes. Contudo,

O reforço à submissão da mulher também se estende aos homens da comunidade, no sentido de serem estimulados a aderirem às formas de conduta tradicional (moral e sexualidade). Eles devem ser dóceis, tolerantes e preocupados com o bem-estar da família (MIRANDA, 2009, p. 59).

A redefinição da subjetividade feminina ocasiona um estímulo ao processo de independência da mulher com relação aos filhos e ao marido. Ou seja, ao participar dos cultos e desempenhar papéis como o de obreira,por exemplo, a mulher sai do ambiente privado do lar e passa a se redefinir enquanto mulher-obreira no espaço público. Suas funções vão além do cuidar da casa, do marido e dos filhos. Miranda (2009) destaca o século XX como marco na transformação do papel feminino na religião. Para a autora as principais contribuições para esta reconstrução

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social foram o movimento feminista, as transformações econômicas e sociais, e a releitura da tradição patriarcal religiosa pela Teologia Feminista‡.

A tradição judaico-cristã apresentou, ao longo de sua trajetória, a mulher como um ser inferior e submisso ao homem. Seu legado foi responsável pelo sufocamento de uma via feminina na teologia, na doutrina e na autoridade no cristianismo (MIRANDA, 2009, p.26).

Para Furlin (2011), a Teologia Feminista ocasiona uma desconstrução do discurso hegemônico androcêntrico, uma vez que revisa e desnaturaliza a mulher na sociedade e religião, pois estas ainda são excluídas dos papéis de liderança e das funções de maior posição nas hierarquias institucionais (MIRANDA, 2009). No Brasil e América Latina, esta Teologia surgiu por volta dos anos de 1970 e 1980 no contexto das lutas femininas e organizações de mulheres.

Essa Teologia se afirmou no confronto crítico com as instâncias do Feminismo moderno. A sua emergência no ambiente eclesial trouxe questionamentos para as práticas estruturais vigentes no Cristianismo, tais como: a ocultação das mulheres na construção do discurso teológico; a hierarquização social dos sexos; a apropriação masculina do sagrado; o controle das práticas, dos discursos, das crenças e das representações simbólicas por parte de um único sujeito-masculino (FURLIN, 2011, p.141).

Bandini nos apresenta dados surpreendentes, segundo a pesquisadora, na IURD 81% dos fiéis são mulheres enquanto somente 19% são homens, o que corresponde a uma proporção de quatro mulheres para cada homem (2008). Paradoxalmente a esta estatística, vemos a figura feminina excluída do poder eclesiástico. A história da Igreja Universal é marcada pelo trabalho oculto feminino, porém, a identidade sobre as representações sociais é predominante masculina, de maneira que as atividades produzidas limitam as capacidades femininas, tornando- as invisíveis perante ao homem. Mesmo com a maioria dos fiéis sendo mulheres, a Igreja Universal desempenha um papel dúbio, por,



A Teologia Feminista, surge como um conjunto saberes, produzidos em diferentes áreas acadêmicas. Desenvolvida por mulheres , que muitas vezes não encontram-se ligadas à alguma instituição religiosa, a Teologia é tentativa de rompimento com o discurso antrocentrico religioso, utilizando como categoria analítica, conceitos de gênero.

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estimular a entrada no mercado de trabalho, fomentar o ativismo político e apoiar candidaturas das fiéis nas disputas eleitorais, ao mesmo tempo que mantém um controle sistemático sobre o processo de ascensão das mulheres na hierarquia religiosa e na formação de lideranças políticas femininas (MACHADO, 2005, p.395).

A Igreja Universal possui um modelo de organização eclesiástico vertical composto, em ordem decrescente, pelo líder Bispo Edir Macedo; Conselho Mundial de Bispos; Conselhos de Bispos do Brasil; Conselho de Pastores; pastores titulares; pastores auxiliares; e, por fim, os obreiros (BANDINI, 2008).

O modelo de governo eclesiástico vertical não é democrático porque os pastores não tomam decisões, não administram os recursos que arrecadam, os fiéis não escolhem seus líderes, os pastores não escolhem as cidades onde moram e não decidem pelo seu destino e pelo de sua família. (BANDINI, 2008, p.119).

As mulheres na IURD desempenham o papel de fiéis, esposas de pastores e raramente de pastoras. De acordo com Bandini, existem dois tipos de modelo a serem seguidos pelas mulheres§ da Igreja Universal, o modelo tradicional e o modelo moderno. O modelo tradicional é caracterizado pelo trabalho como auxiliar do marido, dos pastores e da comunidade. O modelo moderno, é marcado pela tentativa de adequação às novas formas sociais, que impulsionam as identidades femininas contemporânea. Em suas práticas, encontramos a participação feminina na mídia e na política (BANDINI, 2008). Mesmo com a crescente participação da mulher iurdiana na política, são os homens jovens e brancos, as figuras públicas da Igreja (BANDINI, 2008). Afirma a pesquisadora, "a IURD tenta flexibilizar a moral e os costumes, porém sem alterar a estrutura de poder patriarcal e hierárquico típico da denominação" (BANDINI, p. 122, 2008).

Considerações finais:

§

O modelo tradicional, geralmente é desempenhado pelas mulheres fiéis que não possuem vínculos com pastores, bispos e outros homens com cargos eclesiásticos. Já o modelo moderno, é referente às mulheres, esposas de pastores, bispos ou com grande destaque na instituição por diversos motivos. Porém, isto não é regra.

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O pentecostalismo é marcado pelo rosto feminino. Maioria nos assentos das fileiras dos cultos, as mulheres vem conquistando mais espaço no interior das instituições religiosas, ocupando cargos como obreiras (no caso da Igreja Universal), conselheiras (geralmente quando casada com pastores) e até pastoras. Como consequência, há a valorização da mulher na esfera pública -além lar-, do aumento da auto estima e da autonomia com relação ao homem. Em contrapartida, ocorre uma aproximação do homem à esfera privada, ao passo que, o discurso religioso incentiva sua participação nos assuntos familiares, como, educação dos filhos, fidelidade conjugal e outros mais. Porém, mesmo diante destas modificações, não existe nas igrejas pentecostais ou neopentecostais um discurso feminista, muito menos, igualdade de gêneros. A religiosidade, inclusive, na Igreja Universal, continua contribuindo para perpetuação da desigualdade de gênero.

Referências bibliográficas

BANDINI, Claudirene Aparecida de Paula. Costurando certo por linhas tortas : um estudo de práticas femininas no interior de igrejas pentecostais. Tese (Doutorado em Sociologia), UFSCar, São Carlos, 2008. BIROLI, Flávia. Gênero e Família em uma sociedade justa. Sociologia e Política, v.18, n.36, p. 51-65, 2010. FURLIN, Neiva. Teologia Feminista: uma voz que emerge nas margens do discurso teológico hegemônico. Rever, Ano. 11, n. 01,p. 139-164, jan/jun, 2011. MACHADO, Leda Maria Vieira. A incorporação de gênero nas políticas públicas: perspectivas e desafios. São Paulo: Annablume. 1999. MACHADO, Maria das Dores Campos. Mulheres: da prédica pentecostal ao debate sobre sexualidade, saúde reprodutiva, aborto e planejamento familiar. In: SCHPUN, Mônica Raisa (org.). Gênero sem fronteiras. Florianópolis: Mulheres, p. 169-203, 1997. ______.Representações e Relações de gênero nos grupos pentecostais. Estudos Feministas. Florianópolis, Ano. 13, n. 2, p. 387-396, maio/agosto, 2005. MACHADO, Maria das Dores & MARIZ, Cecília. “Mulheres e prática religiosa nas classes populares: uma comparação entre as igrejas pentecostais, as Comunidades Eclesiais de Base e os grupos carismáticos.” Revista Brasileira de Ciências Sociais, Ano. 12, n. 34, p. 71-87, 1997. MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 1999. 6

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MIRANDA, Fernanda Honorato. Religião e mulher: liderança feminina no Pentecostalismo evangélico. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2009. ROSALDO, Michelle. O uso e o abuso da antropologia: reflexões sobre o feminismo e o entendimento inter-cultural. Horizontes Antropológicos, ano 1, n.1, p. 11-36, 1995. SAFFIOTI, Heleieth. Posfácio: conceituando o gênero. In: SAFFIOTI, Heleith I. B. &MUÑOZ-VARGAS, Mônica (orgs). Mulher brasileira é assim. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1994.

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