AS CONFERÊNCIAS E PLANOS NACIONAIS DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO EM NÍVEL FEDERAL: O CASO DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE CULTURA Rodrigo Luppi
Rodrigo Luppi: Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo, pesquisador de participação social na gestão das políticas públicas, com ênfase no planejamento coletivo das políticas públicas. Atualmente trabalha na coordenação nacional da Rede Brasileira de Orçamento Participativo. Resumo: Este artigo visa estudar o planejamento coletivo das políticas públicas, principalmente no Governo Federal, estudando os Planos Nacionais e das Conferências Nacionais de Políticas Públicas por meio do estudo de caso do Plano e da Conferência Nacional de Cultura. Com o fortalecimento e a retomada do papel do Estado como indutor das políticas públicas, incluindo as culturais, (re)abre-se o espaço para participação social na gestão das políticas públicas. Durante o Governo Lula (2003 a 2010), a importância e o papel concedido as Conferências de Políticas Públicas interligadas com os Planos Nacionais de Políticas Públicas foi o grande instrumento de participação social. Dessa forma, estudar estes processo participativo é fornecer instrumentos fortalecê-lo. Palavras-chave: Conferência Nacional de Cultura, participação social, planejamento participativo; National Conference on Culture, Social Participation, Participatory Planning
Este trabalho teve foco no estudo do processo de planejamento coletivo das políticas públicas em nível federal, especificamente no estudo da relação entre as Conferências Nacionais de Cultura (2005 e 2010) e o Plano Nacional de cultura (PNC). Para tal, estudou-se o processo de elaboração do PNC e a participação da sociedade nesse processo, buscando-se identificar as influências da Conferência Nacional de Cultura de 2005 para tal participação. Esse estudo se insere em um contexto de discussão da implementação da gestão participativa em todas as etapas da política pública: Planejamento, Formulação, Implementação e Avaliação. A metodologia utilizada se dividiu em quatro partes: 1. Levantamento teórico bibliográfico sobre a temática de planejamento público e participação coletiva em políticas públicas; 2. Pesquisa documental sobre histórico da I CNC, bem como do PNC e de outros documentos oficiais do Governo; 3. Pesquisa qualitativa com especialistas e atores e gestores participantes do processo de elaboração do PNC e das CNC e; 4. Pesquisa quantitativa com os delegados da II CNC, baseada em um questionário estruturado. A partir dos levantamentos e pesquisas foram elaboradas análises quantitativas e qualitativas, dispostas neste artigo.
Introdução Conforme Dowbor (2003), “hoje, com a necessidade de uma capacidade de gestão social muito mais avançada, ágil e flexível, a simples representação já não é mais suficiente”. Com uma representação falha e insuficiente, naturalmente se cria uma distância entre o Estado e a Sociedade. Mas o que alguns autores nos ensinam, como Hobbes e Marx, por exemplo, é que para além da representatividade falha, o próprio Estado não foi criado para ser representativo. As conseqüências dessa distância são perversas, segundo Edgar Morin. Para ele, “o saber tornou-se esotérico (acessível somente a especialistas) (...) e o conhecimento técnico está igualmente reservado aos experts (...) em tais condições o cidadão perde direito ao conhecimento” (MORIN,2009:19) . No que tange à democracia e à vida em sociedade, Morin adverte que “se ainda é possível discutir num bar a conduta do chefe de estado, já não é mais possível compreender o que deflagra o crash asiático, assim como impedir esse crash de provocar uma crise maior” (MORIN, 2009:20). Como visto acima, Morin considera trágica a restrição da política a um aspecto somente técnico. Para ele, a participação popular na gestão pública deve ser um dos meios de se reverter esse quadro, pois “quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência democrática” (MORIN, 2009:20). A histórica da participação social no Brasil é recente, como veremos ao longo do trabalho, diversos instrumentos institucionais de participação vêm sendo utilizados no Brasil, principalmente em nível municipal, desde a década de 1980 com esse objetivo de não restringir a política à técnica. Muitos desses instrumentos perderam credibilidade ao longo dos anos, outros foram reinventados, mas o fato é que a participação popular que era vista como algo revolucionário, capaz de nos guiar para outro modelo de sociedade, teve suas características alteradas, mudou seu paradigma e hoje se transformou em um aspecto de eficiência e efetividade de gestão (CHAUÍ, 2002). A tomada de decisão concentrada nas mãos de quem não representa os interesses e demandas da sociedade, ou de quem não está disposta a ouvi-la, pode representar uma baixa efetividade e eficácia das políticas públicas, uma vez que se pode priorizar políticas que não são prioritárias para a população. Assim, a tomada de decisão tem grandes chances de ficar apenas circunscrita a aspectos técnicos, com exclusão de diversos atores sociais da discussão sobre os caminhos a seguir e do exercício da plena cidadania.
A história da participação social no Brasil é recente. Diversos instrumentos institucionais de participação vêm sendo utilizados no Brasil, principalmente em nível municipal, desde a década de 1980, com objetivo de não restringir a política à técnica. A incorporação da participação em nível federal feita pelo Governo Lula, desde 2003, chama a atenção por demonstrar os limites e as possibilidades desses instrumentos. As Conferências Nacionais, que não tiveram início no Governo Lula, porém foram aperfeiçoadas e mais utilizadas por esse governo, se transformaram no eixo central do governo para a participação social. Esse avanço não se deu pela invenção de um novo instrumento, mas sim pela melhor e maior utilização de um antigo, as Conferências (AVRITZER, 2009). As Conferências Nacionais são espaços setoriais de deliberação coletiva. Funcionam como assembleias, e tem direito a voto os delegados eleitos em etapas municipais e estaduais, os delegados natos e os indicados pelo poder público. Caracterizam-se, portanto, como um lócus de interlocução entre estado, representado pelos delegados do poder público, e a sociedade civil, representada pelos delegados eleitos nas etapas municipais e estaduais. Nos últimos anos se observa uma aproximação desse instrumento de participação social com um instrumento de planejamento, os Planos Nacionais de Políticas Públicas. Esses planos têm normalmente duração de dez anos e tem vigência sobre mais de dois mandatos executivos e legislativos, tornando-se referências para as políticas públicas do setor. Temos várias experiências já realizadas ou em andamento dessa aproximação entre esses dois instrumentos, são os casos do III Plano Nacional de Direitos Humanos; do II Plano Nacional de Educação; do Plano Nacional de Ciência e Tecnologia; do Plano Nacional de Políticas para Mulheres; do Plano Nacional para População Lésbica Gay Bissexual e Travesti (LGBT); do Plano Nacional de Juventude; do Plano Nacional de Economia Solidária; do Plano Nacional de Cultura, entre outros. Para estudar essa aproximação entre participação e planejamento, utilizaremos a formulação do Plano Nacional de Cultura como estudo de caso. O estudo da aproximação desses dois instrumentos de gestão, as Conferências Nacionais e os Planos Nacionais, a partir do estudo de caso do Plano Nacional de Cultura, é importante para verificar de que forma acontece esse processo de junção da participação com planejamento, quais seus avanços, possibilidades e limites.
As Conferências Nacionais Em meados dos anos 80 se iniciou um processo de democratização, “lento, gradual e seguro”. A Constituição Federal no Brasil consagrou quatorze princípios participativos, com destaque para os mecanismos de participação relacionados à saúde, assistência social, crianças e adolescentes. Isto permitiu nos últimos anos a consolidação de aproximadamente cinco mil conselhos municipais de saúde e dois mil conselhos de assistência social. No entanto, a ascendência de um modelo neoliberal de Estado reduziu o espaço do Estado
na formulação e implementação de políticas públicas, e
“tecnicizou” ao máximo a gestão das políticas públicas (CHAUÍ, 2006). Nos últimos anos tal visão foi revertida, de modo que o Estado voltou a planejar e difundir, por parte do Governo Federal, as Conferências Nacionais de políticas públicas. Desde 2003 mais de 7 milhões de pessoas estiveram envolvidas nas mais de 70 Conferências Nacionais realizadas, o que representa mais de 65% do total de Conferências de toda a história do Brasil (AVRITZER, 2009). As Conferências Nacionais se consolidaram então como um dos pilares do processo de participação popular a nível federal, estabelecendo um processo inovador do ponto de vista do planejamento coletivo de políticas públicas. A inovação não reside nas Conferências em si, mas sim na importância e função dada a elas. Política cultural no Brasil A Cultura é uma das áreas mais atrasadas em estrutura de planejamento, financiamento e gestão. No Brasil não se sabe ao certo quantas prefeituras possuem secretarias de cultura e em quantas a cultura é tratada através de outras secretarias. Mesmo nos municípios que possuem Secretaria de Cultura, a existência da secretaria não é garantia qualidade e prioridade dos assuntos culturais. Apenas no pós-crise de 1929 que começou a se pensar na tríade dos direitos sociais, econômicos e culturais. A Cultura foi colocada, então, como um direito fundamental na vida humana, o que foi concretizado no Brasil pela Constituição Federal de 1988. Pela primeira vez, em 1961, a cultura foi levada em conta no Plano de Metas da nação, apesar de nada ter sido diferente no campo cultural. O período da ditadura militar apresentou alguns elementos diferenciais para as políticas públicas culturais, com o reforço do tecno-burocrático e o esvaziamento da política. Depois disso, no período de redemocratização da sociedade brasileira, um marco específico para a política cultural foi a criação do Ministério da Cultura (MinC) em 1985 (CARVALHO, GAMEIRO, GOULART, 2006).
No governo Sarney, Celso Furtado assumiu o MinC e as políticas se tornam mais democráticas, se reorientam conceitualmente. Em resposta
às pressões da
sociedade por mais recursos para área cultural, formulou-se a lei de incentivo fiscal, a Lei Sarney. Na Constituição de 1988 construiu-se diversos avanços, contudo com a ascendência de Collor e do neoliberalismo houve uma ”implosão do sistema de cultura”, sendo extintos mecanismos, experiências e instituições culturais, como o recém-criado Ministério da Cultura” (CARVALHO, 2002). Ao longo da década de 90 a política cultural se dava usualemente como renúncia fiscal - principalmente por meio da Lei Rouanet - em detrimento do aumento do orçamento do Ministério da Cultura. A área cultural, por ser motivo de conflito de interesses nas sociedades contemporâneas (SERPA, 2007), apesenta dificuldades no estabelecimento de participação, seja na formação de uma estrutura que abarque todos os segmentos ou no enfrentamento de interesses para que se mantenham os rumos da Cultura como estão (SOUZA, 2008). A partir de 2003, no Governo Lula, mudou-se o conceito de Cultura e da atuação do MinC. Pela abrangência da atuação ministerial, fez-se necessário abrir o processo de elaboração das políticas públicas e consolidar uma política cultural de longo prazo, com a pactuação entre diversos atores sociais e entes federativos (RUBIM, 2007). Segundo o entrevistado Gilmar Machado, deputado federal, durante a campanha de Lula houve grande pressão por canais de participação popular. Algumas iniciativas de participação social foram então empreendidas no âmbito do Ministério da Cultura, como os Seminários Cultura para Todos, o Seminário Nacional de Culturas Populares e a redefinição da composição e das atribuições do Conselho Nacional de Política Cultural.
I Conferência Nacional de Cultura (CNC) A Conferência Nacional de Cultura veio como consequência da articulação do Sistema Nacional de Cultura (SNC), sendo convocada por meio da portaria Ministerial 180 de 31 de agosto de 2005. Segundo dados do MinC (2010), na I CNC, realizada em 2005, 1192 municípios realizaram Conferências, cerca de 21,42% do total das cidades brasileiras. Já na II CNC observou-se um significativo avanço no processo participativo nas etapas municipais e estaduais, uma vez que, de agosto a outubro de 2009, aconteceram 3071 reuniões, o que corresponde e mais da metade do total dos municípios do País. Cinco eixos para nortear os debates da I CNC foram elaborados pelo MinC: Gestão Pública e Cidadania; Cultura é Direito e Cidadania; Economia da Cultura; e
Comunicação é Cultura. A I CNC foi importante para a mobilização cultural e construção coletiva do Plano Nacional de Cultura. Além disso, a partir da I Conferência demandou-se a criação do Conselho Nacional de Política Cultural, que inovou por ter uma composição paritária entre governo sociedade e por realizar a eleição dos representantes nos diversos níveis, rompendo com a tradição da indicação política (CARVALHO, GAMEIRO, GOULART, 2006). A I CNC apresentou alguns problemas, como o despreparo de muitas pessoas para o debate, a divulgação falha na mídia, a falta de material para subsidiar a discussão e a ausência de debates setoriais da comunicação de massa e grandes empresários artísticos (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007).
Plano Nacional de Cultura (PNC) O Plano Nacional de Cultura (PNC) foi uma demanda muito presente na I CNC, convocada para subsidiar a sua construção. No contexto de busca de aprimoramento da gestão pública, o PNC se mostra como um mecanismo de planejamento para médio e longo prazo, propulsor de um esforço coletivo para assegurar os direitos culturais aos brasileiros. O PNC foi gerado e construído por meio de diferentes instâncias e espaços de experimentação e participação social desde 2003, se baseando em uma noção ampla e plural de cultura (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2007). A criação do Plano estava prevista no texto da Constituição, a partir de emenda constitucional aprovada em 2005. Refletindo os debates da I CNC, o texto aprovado resultou da consolidação de projetos originais dos deputados Gilmar Machado (PT-MG) e Iara Bernardi (PT-SP). Os três primeiros parágrafos do Plano são simbólicos para a política cultural brasileira, pois mostram sua maturidade. O PNC exige fomento e valorização por parte do Estado inclusive em áreas até então desconsideradas; ressalta o papel regulador, indutor e fomentador do Estado; e reafirma uma concepção ampliada da cultura, que deve ser então considerada em toda sua extensão antropológica, social, produtiva, econômica, simbólica e estética. O Plano deve orientar o país por 10 anos, a partir de 5 principais eixos: Fortalecer a ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais; Incentivar, proteger e valorizar a diversidade artística e cultural; Universalizar o acesso à fruição e à produção cultural; Ampliar a participação da cultura no desenvolvimento
socioeconômico sustentável e; Consolidar os sistemas de participação social na gestão das políticas culturais O PNC foi marcado pelo extenso processo de participação da sociedade na sua elaboração. Como base para o Plano, as deliberações da I CNC foram encaminhadas ao debate público, o que gerou a realização de diversos seminários pelo país e uma consulta pública. Como resultado obteve-se 5 relatórios de contribuições produzidos nos encontros de cada um dos estados e 80 alterações no texto do caderno de diretrizes. O MinC também recebeu pelo seu site mais de 100 contribuições e comentários sobre o texto que subsidiou a votação do projeto de lei do PNC no Congresso Nacional. Após o processo de participação, um caderno com as propostas foi elaborado pelo Conselho Nacional de Política Cultural para subsidiar o debate na Câmara, sendo então anexado ao texto do substitutivo do projeto de lei do PNC. Observa-se na formulação do Plano uma ampla correspondência dos temas tratados com a I CNC. As semelhanças vão desde um aprofundamento de uma noção de Cultura mais ampla, passando pela diversidade cultural, pela reafirmação do papel do Estado como indutor cultural e pela necessidade de financiamento da cultura.
II Conferência Nacional de Cultura Os debates da II CNC seguiram cinco eixos temáticos: Produção Simbólica e Diversidade Cultural; Cidade e Cidadania; Cultura e Desenvolvimento Sustentável; Cultura e Economia Criativa e; Gestão e Institucionalidade da Cultura. No total, foram credenciados 1402 participantes, sendo: 220 Convidados; 216 Delegados Estaduais Governamentais; 23 Delegados Estaduais Natos (Conselhos Estaduais de Cultura); 456 Delegados Estaduais da Sociedade Civil; 60 Delegados Federais; 18 Delegados Natos do CNPC; 151 Delegados Setoriais; 175 Ouvintes; 74 Observadores do MinC e; 9 Palestrantes/Conferencistas. Segundo dados do MinC, todos os estados brasileiro realizaram Conferências e envolveram mais de 200 mil pessoas nas etapas estaduais e municipais. Uma novidade da II CNC foi realização das Conferências Setoriais, que propiciaram um debate que abrangeu todos os segmentos culturais. Um fator desfavorável à representatividade das Conferências foi a pouca presença de artistas profissionais e dos seus sindicatos e associações, sendo o plenário ocupados majoritariamente por movimentos de identidade, representantes das culturas populares, ativistas e militantes socioculturais.
De acordo com o MinC, as prioridades eleitas na Conferência serão tratadas uma a uma, de acordo com sua natureza. Algumas poderão servir para incrementar políticas públicas já existentes, outras podem se transformar em projetos de lei para envio ao Congresso Nacional ou, ainda, integrarem ações interministeriais de estímulo a áreas afins, como cultura e educação. Do ponto de vista conceitual foi possível constatar que se consolidou em praticamente todo o país a concepção que compreende a cultura de forma ampla, em suas dimensões simbólica, cidadã e econômica. Os parâmetros estabelecidos nos editais de seleção de projetos, bem como os processos de discussão pública do PNC, contribuíram para isso. Houve também um amadurecimento institucional que se expressou na programação e temas de Conferências. Por exemplo, a Conferência de Rio Branco (AC) teve como principal tema a avaliação da lei que instituiu o Sistema Municipal de Cultura; a do estado do Acre (AC) discutiu a lei de implantação do Sistema Estadual de Cultura; as Conferências de São Leopoldo (RS), Campo Grande (MS) e São Bernardo (SP) debateram os respectivos Planos Municipais de Cultura . Dessa forma, a II CNC foi avaliada como superior a primeira e serviu para reforçar algumas linhas de atuação já existentes no MinC, como a PEC 150, a reforma da Lei dos Direitos Autorais e da Lei Rouanet, e o Plano do Sistema Nacional de Cultura.
Análise da pesquisa de campo Durante a II CNC realizou- se uma pesquisa quantitativa com os delegados da Conferência. Ao todo foram respondidos 175 questionários, com amostras estratificadas. A realização da pesquisa foi importante para verificar, na opinião dos delegados, qual a postura por parte do governo, quantos participaram da I CNC e da discussão do PNC e como eles avaliam a Conferência. Além disso, identificar qual o perfil dos delegados, se eles possuem proximidade com o governo ou filiação partidária. Os resultados da pesquisa mostram que a maioria dos delegados (67%) são homens. A maioria masculina na representação não é surpresa nesses espaços, visto o fato de que grande parte dos movimento sociais estão ligados com o movimento operário, um espaço amplamente masculino. Contudo, há uma tendência a maior participação feminina nesses espaços, que caminha junto com a luta feminista e a busca por igualdade de gênero no Brasil. Dos delegados entrevistados, 69% são delegados estaduais e 76,5 não participaram da primeira CNC em 2005 (Gráfico I). Dos que participaram da I CNC,
78% foram delegados, e dos que foram delegados 99% foram a II CNC indicados pelo mesmo movimento que a I CNC:
Gráfico I. Participação na I CNC Fonte: Pesquisa de campo II CNC – Elaboração própria Percebe-se que há uma tendência de renovação das representações de uma Conferência a outra, contudo essa tendência pode ser significado da ampliação de cidades abrangidas pelo processo da II CNC, bem como da inclusão dos delegados setoriais. A pesquisa verificou ainda que 60% dos entrevistados disseram ter participado da discussão sobre o Plano Nacional de Cultura, mas a intensidade de participação foi considerada “bastante” por apenas 40% dos que participaram: Esses dados indicam que muitos delegados não participaram, ou participaram pouco, da discussão sobre o PNC, o que demonstra uma dificuldade de prolongamento desse espaço público de discussão envolvendo intensamente a maioria dos atores. Apesar disso, 90% dos entrevistados vêem relação do PNC com as Conferências Nacionais de Cultura. No quesito de participação política, dos delegados entrevistados 70% responderam que possuem outra atividade que consideram política, sendo 85% vinculados a algum movimento e destes 44% dirigentes do movimento. Apenas 26% dos entrevistados são ligados a movimentos que tem relação com o Governo Federal. Apesar da grande maioria possuir outra atuação política além da CNC, 70% não são filiados a partidos políticos. Dos filiados, 42% afirmaram participarem ativamente no partido. Dos que são filiados a partidos políticos, o PT é o que possui mais filiações (45% no total), sendo seguido pelo PCdo B com 15% e PV com 11%:
PT - 45%
PTB - 8%
PPS - 1%
PC do B - 15%
PR - 2%
PHS - 1%
PV - 12%
DEM - 3%
Não Responderam 4%
PSB - 8%
PSDB - 1%
Gráfico II. Distribuição porcentual dos participantes filiados a partidos políticos Fonte: Pesquisa de campo II CNC – Elaboração própria
É possível perceber que os partidos de esquerda são maioria dentro da Conferência, o que se deve inclusive pelas demandas e movimentos culturais estarem historicamente ligados ao campo ideológico da esquerda. Outro fato importante a ressaltar é a presença razoável de partidos que historicamente não tem relação com cultura, mas que compões a base aliada, como o PR e PRB. Mesmo assim, é difícil afirmar que há alguma articulação governista para eleger delegados da base aliada, pois as Conferências ainda são um processo de articulação do núcleo central de governo, ficando sua gerência a cargo dos próprios ministérios. Na definição ideológica, 65% (30% esquerda e 35% centro-esquerda) estão no campo ideológico da esquerda, enquanto apenas 3% se consideram de direita (Tabela 1). Um dado importante é que 24% não responderam a essa pergunta, o que corrobora um crescimento de um sentimento presente em parte da sociedade de não-existência entre divisão esquerda/direita.
Orientação Política
Participantes (%)
Esquerda
30
Centro-Esquerda
35
Centro
5
Centro-Direita
3
Direita
3
Não responderam
24
Tabela 1. Distribuição porcentual da orientação política Fonte: Pesquisa de campo II CNC – Elaboração própria
Ao mesmo tempo, os dados reforçam a perspectiva histórica dos movimentos sociais, culturais e a luta pela participação social e democratização da gestão pública estarem ligada a partidos e ideologias da esquerda. No que tange a avaliação da II CNC, 93% dos delegados declaram sentir abertura para expor suas ideias, e para 94% os organizadores da II CNC estão dispostos a ouvir a sociedade. Ainda, 70% dos entrevistados avaliam muito bem (50% democrática e 20% muito democrática) a atuação do Ministério na Conferência (Tabela 2), e ninguém considerou a atuação como anti-democrática: Atuação do Minc
Opinião dos participantes (%)
Muito democrática
20
Democrática
50
Relativamente democrática
20
Pouco democrática
5
Não responderam
5
Anti-democrática
0
Tabela 2. Avaliação da atuação do MinC Fonte: Pesquisa de campo II CNC – Elaboração própria
86% dos entrevistados acreditam que os delegados estão dispostos a ouvir uns aos outros. Por fim, a pesquisa constatou que 99% avaliam a Conferência como um processo realmente participativo, tendo a II CNC tem nota média de 8,4 (numa escala de 0 a 10). Dessa forma, na visão dos delegados, a Conferência é um processo democrático, em que há abertura para exposição de ideias e debates numa relação boa com o governo.
Considerações finais As conferências são um mecanismo a mais dentro de um leque de espaços de participação popular. Elas abrem espaços para atores tradicionalmente não considerados e contemplados na tomada de decisão, dá voz para aqueles que normalmente não são ouvidos. Outro ponto importante, durante a Conferência, os delegados da sociedade civil e do governo são rigorosamente iguais. Ao estabelecer discussões livres sobre os rumos da política pública, reunindo diversos atores sociais, faz-se também um mapeamento de onde há grandes consensos na sociedade, quais os temas que perpassam todas as Conferências, onde é possível realizar mudanças de forma mais fácil e onde há conflitos. Assim, as Conferências tem a capacidade de produzir consensos e organizar o debate dos dissensos. Qualquer Conferencia deveria ter consensos e dissensos e quanto maior for a sua capacidade de produzir consensos e organizar o debate dos dissensos, maior a riqueza da Conferência. Sempre podemos tirar avaliações positivas das Conferências, pois se houve um grande consenso é mostra de que a sociedade de maneira geral demanda a implementação daquela política. Mesmo quando ocorre o contrário, quando há grande divergência e debate político, esse processo é muito válido pela própria noção e exercício da democracia, pela organização e publicização desse debate. A efetividade das Conferências é algo que é sempre questionado seja por quem acredita que a participação popular é ruim, seja por quem crê que o governo Lula fez uma “participação de brincadeira”. Contudo, apesar de as Conferências terem resultados efetivos a mostrar, é preciso ressaltar que nem sempre a noção utilitarista da participação deva ser foco central da avaliação, pois o exercício da democracia e da participação é positivo e educativo mesmo que não se chegue a consensos. Há, entretanto, pressupostos para que os processos de participação sejam efetivos e democráticos, principalmente as Conferências. É necessário que haja representação dos diversos setores da sociedade, não podendo ser somente canal de apenas uma filiação partidária ou definição ideológica.
É importante, também, que haja mais clareza, transparência e prestação de contas na sequência que o governo dá para cada deliberação das Conferências. Com base em uma pesquisa da Secretaria Geral da Presidência, em que foram entrevistados os coordenadores das Conferências, percebemos que os principais problemas para a efetividade dos resultados estão relacionados à desarticulação entre órgãos ou entre entes da federação, já que 54% dos coordenadores de Conferências apontaram essa dificuldade. 45% acreditam em dificuldades financeiras para inviabilizar as decisões, e 27% mencionam impedimentos institucionais e legais. A falta de reconhecimento e a desmobilização do setor foram apontadas por 18% Segundo pesquisa do IUPERJ, que analisou as Conferências Nacionais nos últimos 10 anos, encontrou-se mais de 3129 propostas legislativas com forte relevância com as diretrizes tiradas pelas Conferências. Dessas, 2600 Projetos de lei e 280 Emendas Constitucionais foram encontradas durante o período do Governo Lula. Contudo, apesar das Conferências serem o carro chefe da participação social em nível federal, foram as mesas de diálogo a ação com maior eficácia dentre os instrumentos nacionais de participação. O diálogo pode resultar de imediato em ações e leis do Governo Federal, como aconteceu em diversos casos desde 2003. Contudo, há dúvidas se as mesas podem ser chamadas de política. Não há institucionalidade desse instrumento, nem tão pouco algum marco regulatório. O Governo chama os “interessados”, mas essa convocatória parte de cima para baixo, pois quem detém o poder de dizer quem é que participa é o Governo. Dessa forma, é claro, pode haver indução de parte do Governo sobre as posições políticas que participam dessa mesa, bem como um modo de legitimação das posições governamentais. Não é dito aqui que o Governo Lula fez uso de tal instrumento para auto-legitimação, mas deve-se ressaltar que processos participativos assim podem induzir à dirigismos. Deve-se lembrar que temos uma democracia recente, e a participação pública no setor federal está apenas no começo de sua implementação. O Governo é formado por várias ilhas comandadas pelas mais diversas ideologias, o que, em Ministérios cujos interesses vão de encontro com as reivindicações participativas, faz com que não haja nenhuma política no sentido de se avançar para uma gestão participativa. As Conferências ainda são vistas com ressalvas por parte da grande mídia e setores empresariais, que se recusam a participar, por exemplo, da Conferência Nacional de Comunicação. A tentativa do Governo em consolidar as Conferências em lei, em que estariam inseridas na Consolidação das Leis Sociais, nem chegou a ir para o papel.
Os avanços desse processo dependem muito da pressão da Sociedade Civil sobre os governos. Contudo, para a efetividade das políticas participativas, sejam elas em quaisquer níveis da Federação, é imprescindível a vontade política do Poder Executivo. A reversão desse quadro é, talvez, um dos maiores desafios para a consolidação de uma gestão participativa no Brasil. É indispensável, também, que a participação social ocorra em todas as etapas da política pública. Hoje ainda se tem um déficit de participação em todas as etapas da política pública, mas principalmente no planejamento e na implementação. Dentro desse contexto, é necessário analisar a I e a II Conferência Nacional de Cultura, que possuem relação intrínseca com o PNC. Enquanto a I CNC (ex-ante PNC) se baseou no pensar a elaboração do Plano, a II CNC (ex-post PNC) pensou em sua consolidação. Observa-se então uma relação entre a I CNC, o PNC e a II CNC. Todos esses instrumentos tratam de forma parecida os desafios da política cultural e pensam a Cultura da mesma forma. Isso demonstra que o processo de participação tem eficácia, pois caso o PNC contradissesse a I CNC, a participação social em sua elaboração teria sido deficiente. De modo geral, houve uma ligação e semelhança entre as pautas defendidas pelo poder público e pela sociedade civil. Isso ocorreu muito pelo fato de setores empresariais, que são os mais afetados pelas políticas mais controversas do MinC, não terem participado das Conferências. Mesmo assim, não se pode acusar as Conferências de serem “chapa-branca, ou favoráveis ao governo. Há entre os críticos aqueles que consideram as Conferências espaços acríticos em que o Governo coopta todos e delibera aquilo que lhe é pertinente. Essa crítica não encontra respaldo quando vivenciamos uma Conferência. A história de luta e o perfil dos delegados não são compatíveis com comportamentos passivos diante do governo. participarem de espaços como as Conferências. Quando analisamos as deliberações das Conferências percebe-se também que as decisões não são de fácil realização para o Governo. No mais, os resultados da pesquisa de campo comprovam que a Conferência não é um espaço acrítico e partidário. A metodologia da II CNC pecou no que se refere ao planejamento participativo. Não se distingue nas mini-plenárias, nem na plenária final, o que é de competência federal, estadual ou municipal; o que demanda recursos, o que é de curto, médio ou longo prazo. Isso enfraquece muito o planejamento efetivo da Conferência e não ajuda a população a cobrar os resultados.
Observa-se, analisando o PNC, que seu processo de elaboração foi realmente participativo, fato admitido até pela equipe técnica da Câmara dos Deputados do PSDB. Ao todo, os deputados e os assessores ouvidos acreditam ser de maior facilidade para aprovação no legislativo a proposta que passou por um processo de participação efetivo. Desse modo, de forma geral, nota-se que a junção de Planos Nacionais de Políticas Públicas com Conferências Nacionais é um processo longe de ser considerado perfeito. É necessário aprimoramentos, que vão desde uma reforma política para melhorar a representação no Brasil até melhores metodologias participativas. Contudo Z Conferências e os Planos Nacionais; se trabalhados em conjunto com os Conselhos de Participação Social, com a pressão da sociedade civil e com governos democráticos; pode, sim, representar a partilha do poder decisório na gestão e planejamento das políticas públicas. Referências AVRITZER, L. (Org.). Experiências nacionais de participação social. São Paulo: Cortez, 2009. CARVALHO, C., GAMEIRO, R., GOULART, S. As políticas públicas da cultura
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