A Mobilização Empresarial pela Inovação: Aprimoramento do Marco Legal
Pedro Wongtschowski São Paulo - 8/4/2011
OBJETIVO • Apresentar propostas de melhorias no marco legal que podem fazer avançar a agenda da inovação: – Aprimoramento da legislação de incentivos fiscais (maior segurança jurídica e maior eficácia dos incentivos); – Aprimoramento dos mecanismos de subvenção, de forma a aumentar sua eficácia e estimular os gastos privados; • Pautar uma agenda de trabalho que estimule ações empresariais de inovação e desenvolvimento tecnológico.
Contexto: melhorias recentes • Várias melhorias recentes no marco legal foram resultados do diálogo entre governo e setor privado – Criação de Subvenção Econômica no âmbito da Lei de Inovação – Incentivos fiscais à inovação no âmbito da Lei do Bem – Criação de regimes especiais para exportação de software – Uso do poder de compra como estímulo à inovação (Lei 12.349/2010) – Desoneração tributária da subvenção à inovação (Lei 12.350/2010) • A prática desde marco legal gerou uma agenda de aprimoramentos – Relatório Demanda das Empresas – 2010 – Entrevistas com empresas que já se beneficiaram com a Lei do Bem – As dez propostas aqui relatadas buscam dar concretude a esta agenda
A Lei do Bem é o principal instrumento de apoio à inovação empresarial. A Lei tem sido eficaz em alavancar o gasto em P&D, na medida em que os investimentos são 6 (seis) vezes superiores à renúncia fiscal concedida. Apesar do ainda pequeno número de empresas que utilizam os incentivos, sua ampliação pode elevar mais do que proporcionalmente os gastos em P&D.
1. Lei do Bem: ampliação dos incentivos
Esse aprimoramento justifica-se pelas enormes desvantagens das empresas brasileiras em relação aos seus concorrentes internacionais, pelos fatores sistêmicos que incidem negativamente sobre a competitividade no Brasil. Proposta: Alteração da legislação de incentivos, permitindo que os dispêndios com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica possam ser abatidos efetivamente em dobro.
Proposta: alteração da Lei do Bem
“Art. 19. Sem prejuízo do disposto no art. 17 desta Lei, a pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor correspondente a até 100% (cem por cento) da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei.”
A inovação tecnológica é uma decisão de longo prazo e o lucro é um resultado do momento. A maioria dos projetos de P&D tem prazo muito superior ao da apuração dos tributos sobre a renda. É preciso reduzir a natureza excessivamente pró-cíclica dos incentivos atuais e da própria política de apoio à inovação, pois o gasto público, incluindo as subvenções econômicas, é também eminentemente pró-cíclico.
2. Incentivos menos pró-cíclicos
Proposta: Alteração da legislação para indicar que o valor que exceder o lucro real e a base de cálculo da CSLL poderá ser aproveitado em períodos posteriores, observando, para tanto, o mesmo procedimento relativo aos prejuízos acumulados em períodos anteriores (utilização limitada a 30% do lucro auferido em cada exercício).
Proposta: alteração da Lei do Bem
“Art. 19. (...) § 5o A exclusão de que trata este artigo fica limitada ao valor do lucro real e da base de cálculo da CSLL antes da própria exclusão. Será permitido o aproveitamento de eventual excesso em períodos de apuração posteriores. No caso do aproveitamento do benefício em exercícios posteriores, a soma da exclusão e da compensação de prejuízos fiscais e da base de cálculo negativa da CSLL será limitada a trinta por cento do valor do lucro líquido do exercício, após a exclusão das despesas em pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica do mesmo exercício.”
O maior problema da Lei do Bem é a limitação dos incentivo às empresas em regime de lucro real. Isso exclui a grande maioria das empresas brasileiras, que operam no regime de lucro presumido ou se valem do Simples. Em 2009, um pouco mais de 540 empresas utilizaram os benefícios da lei do Bem.
3. Ampliar o universo de empresas incentivadas
Proposta: estender o benefício às empresas que operam pelo regime de lucro presumido e às empresas que optam pelo Simples Nacional. Isso implica em tornar o incentivo aplicável também a estas empresas, com a alteração da legislação de IRPJ e da Lei do Simples, criando, por sua vez, a obrigação assessória de escriturar as despesas em P&D destas empresas.
Proposta I: alterar LC 123/06
“ Art. 65-A. As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional poderão, a partir do ano-calendário de 2012, excluir da base de cálculo a que se refere o Art. 18 desta Lei, o valor correspondente a até 200% (duzentos por cento) da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa operacional pela legislação do IRPJ ou assim considerados pela Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005 no capítulo dos incentivos à inovação tecnológica.”
Proposta II: alteração da Lei do Bem
“Art. 19. (...) § 7o A pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido poderá, a partir do anocalendário de 2012, excluir do lucro líquido, na determinação do IRPJ e da base de cálculo da CSLL, nos mesmos termos previstos nesse artigo e nesta lei em relação às sociedades tributadas pelo lucro real, o valor correspondente a 200% (duzentos por cento) da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei.”
O governo coloca restrições à realização de atividades de P&D externas às empresas beneficiárias da Lei do Bem, em função do receio dos incentivos fiscais serem duplicados. Isso gera insegurança na contratação de serviços e vai de encontro a uma tendência observada em vários países de aumentar a cooperação em atividades de P&D, tanto no âmbito de empresas e institutos de pesquisa, com ou sem fins lucrativos, como entre empresas.
4. Permitir a contratação de P&D externa
Proposta: eliminar qualquer restrição para a contratação de outras empresas para a realização de P&D externo, ainda que não tributadas pelo lucro real, deixando claro que o benefício fiscal da Lei do Bem só poderá ser utilizado pelo contratante.
Proposta: alteração da Lei do Bem
“Art. 18. Poderão ser deduzidas como despesas operacionais, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei e de seu § 6o, as importâncias transferidas a quaisquer sociedades, sejam elas tributadas pelo lucro real, lucro presumido ou pelo Simples Nacional de que trata a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do produto resultante.”
A Lei do Bem admite um adicional de 20% de incentivo para despesas relativas a patentes concedidas. Mas é comum que empresas brasileiras aguardem a concessão de uma patente por mais de 8 anos. Com esta demora, as empresas não se sentem estimuladas a contabilizar esse benefício adicional, que se torna inócuo. Em 2009, apenas 0,1% de todos os benefícios eram relativos à concessão de patente ou cultivar.
5. Maior eficácia do incentivo para patentes
Propostas: Que o incentivo seja passível de ser utilizado com base em declaração do INPI de admissibilidade da patente, nos termos previstos no Tratado de Cooperação sobre Patentes. Que os gastos em P&D sejam corrigidos pela Selic. Que a regulamentação da Lei do Bem deixe claro que a proteção pode ser feita em qualquer país e não apenas no Brasil.
Proposta I: alteração da Lei do Bem
“Artigo 19 da Lei 11.196/05 (...) § 9º Para os efeitos do art. 19 § 3º desta Lei serão equiparadas às patentes concedidas aqueles pedidos em relação aos quais o Instituto Nacional da Propriedade Industrial emitir declaração segundo a qual um Relatório Internacional de Busca emitido na forma do art. 18 do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), promulgado pelo Decreto nº 81.742, de 31 de maio de 1978, foi proferido enunciando a viabilidade em tese de patenteamento de pelo menos uma parcela do objeto do respectivo depósito. § 10º Para os efeitos do art. 19 § 3º desta Lei, os valores da soma dos dispêndios ou pagamentos vinculados à pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica objeto de patente concedida ou cultivar registrado serão corrigidos pela Selic, desde o momento de sua apuração até o momento da concessão do benefício fiscal.”
Proposta I: alteração do decreto 5.798/06
“Art. 8º do Decreto 5.798/06 (...) § 4º Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, a pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor de até vinte por cento da soma dos dispêndios ou pagamentos vinculados à pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica objeto de patente concedida ou cultivar registrado no Brasil ou no exterior.”
A subvenção prevista em Lei para contratação de mestres e doutores não tem sido posta em prática. Desde a aprovação da Lei do Bem, houve apenas uma chamada, com baixa demanda e baixo número de empresas beneficiadas. Seria mais efetivo trocar esta subvenção por um incentivo direto, que não dependesse do orçamento fiscal.
6. Incentivo para mestres e PhDs
Proposta: Substituir a subvenção para contratação de mestres e doutores por um dispositivo que permita às empresas abaterem em dobro as despesas com mestres ou doutores dedicados exclusivamente às atividades de desenvolvimento tecnológico na empresa, sem prejuízo do que já previa a legislação do imposto de renda. Tal como previsto na subvenção RH esse benefício teria a duração de 3 anos contatos a partir da data de contratação do pesquisador.
Proposta: alteração da Lei do Bem
“Art. 21. A pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, sem prejuízo do disposto no art. 17 desta Lei, o dobro de todos os dispêndios classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei, com pesquisadores, titulados como mestres ou doutores, contratados ou transferidos, entre os já empregados, internamente pela pessoa jurídica para o exercício de atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica em empresas localizadas no território brasileiro. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo poderá ser utilizado por 03 (três) exercícios contados a partir da contratação ou transferência dos pesquisadores.”
A política de recursos humanos de muitas empresas busca incentivar a progressão interna das pessoas. Muitos integrantes das equipes de P&D iniciaram sua carreira em outras unidades e depois são transferidos para a área de P&D. O incentivo para mestres e doutores nas empresas seria mais eficaz se admitisse esse tipo de transferência interna e levasse em conta que muitas pessoas dedicam-se parcialmente às atividades de P&D.
7. Incentivo para RRHH internos
Propostas: Admitir a possibilidade da transferência interna de pessoal técnico, comprovando-se com o registro profissional a realização de atividade de pesquisa, superando as restrições do incentivo apenas para o pessoal ‘contratado’. Permitir que o pesquisador contratado possa atuar em outras áreas da empresa, eliminado a exigência de dedicação exclusiva para P&D.
Proposta I: alteração da Lei do Bem
“Art. 19. (...) § 1º A exclusão de que trata o caput deste artigo poderá chegar a até 80% (oitenta por cento) dos dispêndios em função do número de empregados pesquisadores contratados ou transferidos, entre os já empregados, internamente pela pessoa jurídica para as atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, na forma a ser definida em regulamento.”
Proposta II: alteração do decreto 5.798/06
“Art. 2º Para efeitos deste Decreto, considera-se: (...) III - pesquisador contratado: o pesquisador graduado, pós-graduado, tecnólogo ou técnico de nível médio, com relação formal de emprego com a pessoa jurídica que atue com dedicação em período igual ou superior a 20 (vinte) horas semanais em atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica; e (...)”
A realização de P&D de muitas empresas demanda aquisição de bens ou serviços no exterior. São gastos como aquisição de insumos, consultorias especializadas, capacitação de pessoal no exterior. A internacionalização das empresas e do P&D reforça este fato. Ainda que a ênfase da Lei do Bem seja o desenvolvimento tecnológico local e este foco deve permanecer, a capacitação tecnológica interna depende destes gastos no exterior.
8. Gastos em P&D com não residentes
Proposta: Admitir que um determinado percentual (10%) das despesas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) seja realizado com não-residentes.
Proposta: alteração da Lei do Bem
“Art. 17. (...) § 12. Observado o limite de 10% (dez por cento) do total de despesas em bens e serviços para cada projeto de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, poderá o contribuinte adquirir bens ou serviços no exterior, desde que destinados exclusivamente a pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica. Os dispêndios e pagamentos com os referidos bens e serviços poderão aproveitar todos os benefícios fiscais indicados nesta Lei. (...)”
Qualquer tipo de subvenção econômica está limitada por Lei a despesas de custeio. Mas em muitos projetos de P&D, há elevados dispêndios em ativos fixos, tais como plantas piloto. Este tipo de incentivo é comum em muitos países e inviabiliza reduzir o risco do investimento em P&D em vários tipos de projetos relevantes para o Brasil.
9. Subvenção para despesas de capital
Proposta: Criar uma modalidade de contribuição de capital para atividades de P&D do setor privado, alterando a legislação federal em diversos aspectos.
Proposta
1. Alterar a Lei 4.320/64,
2. Alterar a Lei de
3. Alterar a legislação do
abrindo a possibilidade de ajuda financeira a empresa na forma de contribuições de capital expressamente autorizada em lei especial.
Diretrizes Orçamentárias de 2011 (Lei 12.309/10), e suas sucessoras, possibilitando a alocação de recursos a entidades privadas na forma de contribuições de capital.
FNDCT (Lei 11.540/07) e a Lei de Inovação (Lei nº 10.973/04), de forma a autorizar a concessão também de contribuição de capital para empresas.
O BNDES é, ao lado da FINEP o principal instrumento de apoio governamental às decisões privadas de P&D e de inovação. Apesar disso, o BNDES/Funtec apóia de forma limitada o setor privado, restringindo à empresa o papel de parceiro de uma instituição sem fins lucrativos, quando o objetivo maior da política industrial é criar competências tecnológicas internas às empresas.
10. Subvenção e Contribuição de Capital do FUNTEC
Proposta: Possibilitar que o Funtec apóie diretamente empresas, na forma de subvenção econômica ou contribuição de capital, na forma já prevista na Lei de Inovação para o FNDCT.
Proposta: MP ou Lei ordinária
“Art. A União, por intermédio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES promoverá e incentivará o desenvolvimento de produtos e processos inovadores em empresas nacionais e nas entidades nacionais de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa, mediante a concessão de recursos financeiros a serem ajustados em instrumentos específicos, destinados a apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento, para atender às prioridades da política industrial e tecnológica nacional. § 1o As prioridades da política industrial e tecnológica nacional de que trata o caput deste artigo serão estabelecidas em regulamento. § 2o A concessão de recursos financeiros, sob a forma de subvenção econômica e contribuição de capital visando ao desenvolvimento de produtos ou processos inovadores, será precedida de aprovação de projeto”
Conclusão
A agenda da inovação tem várias dimensões: P&D pré-competitivo; agendas tecnológicas setoriais; formação de recursos humanos, PME ou comércio exterior, etc. Mas um passo decisivo desta agenda é o aprimoramento do marco legal, que permita monitorar e aprimorar os instrumentos existentes O aprendizado recente, tanto por parte das empresas, como por parte do governo, nos mostram que podemos aprimorar bastante o marco atual de apoio à inovação. O que nos motiva é melhorar o desempenho inovador das empresas, porque os resultados ainda estão aquém do que se poderia esperar ou do que se deseja para o Brasil.