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Análises Espectrais de Concentrações de Gases de Efeito Estufa no Quaternário Francisco Franklin Sousa Rios, Alexandre Araújo Costa Universidade Estadual do Ceará – Av. Paranjana, 1700 – Fortaleza-CE, Brasil. Email: [email protected] ABSTRACT During the Quaternary, Earth’s climate alternated between relatively long cold periods (glacials) and relatively short warm periods (interglacials). During glacial periods, the concentration of greenhouse gases, especially carbon dioxide and methane, reduced dramatically, as shown by studies on ice cores. In this work, we investigate the spectral properties of the time series of the concentration of these two chemical species for the last 800,000 years, in order to discuss the potential role of linear and non-linear responses of the climate system to orbital forcing. PALAVRAS-CHAVE: Paleoclima, Gases de Efeito Estufa, Análise Espectral

1-INTRODUÇÃO A última década do século XX foi a mais quente de todo o período de registros instrumentados de temperatura, que se iniciou em meados do século XIX. Todos os 10 anos da década de 1990 se encontram entre os 15 mais quentes do século passado. Os 6 anos mais quentes do século XX pertencem aos anos 90. Que tais fatos não são usuais no contexto recente (pós-Revolução Industrial) é inconteste, mas é importante verificar como a variabilidade climática atual se compara com aquela em escala de séculos ou milênios. Assim, apenas a reconstrução dos dados de clima anteriores à era instrumental pode permitir uma avaliação segura da magnitude do aquecimento ora verificado, bem como uma quantificação precisa da contribuição antrópica para ele. No que diz respeito à relação entre a concentração dos gases de efeito estufa (GEEs) e temperatura, reconstruções paleoclimáticas apresentadas no AR4, o 4o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, 2007), mostram que a relação entre dióxido de carbono e temperatura é bem estabelecida, com o crescimento das concentrações de GEEs acompanhando os períodos mais quentes. Na escala de tempo de dezenas a centenas de milhares de anos, a variabilidade climática é fortemente governada pelos chamados ciclos de Milankovitch, que correspondem a variações periódicas na excentricidade da órbita terrestre (período de aproximadamente 100 mil anos), na inclinação do eixo de rotação (aproximadamente 41 mil anos) e na posição do periélio (precessão, com período aproximado de 23 mil anos). Ainda há um debate em torno da relação entre o início e término dos períodos glaciais e estes ciclos. Acredita-se que os gases de efeito estufa, com destaque para dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), introduzam um efeito adicional (e importante) de retroalimentação positiva no sistema climático. Dados de “ice cores” do continente Antártico mostram que as concentrações desses gases são significativamente reduzidas durante os períodos glaciais (menos de 200 ppm de CO2 e cerca de 400 ppb de CH4), elevando-se durante os períodos interglaciais, aproximando-se de 300 ppm de CO2 e ultrapassando 600 ppb de CH4). Outros efeitos de retroalimentação positiva, como o associado ao vapor d'água, completam o quadro

de oscilação entre dois estados inteiramente distintos, como os encontrados em perídos glaciais e interglaciais. Em função deste papel cumprido pelos GEEs na regulação do clima do Quaternário, com as oscilações entre períodos glaciais e interglaciais, é importante investigar como as concentrações destes gases variaram ao longo desse período. Neste trabalho, foram analisados dados de “ice cores” para aferir a variabilidade temporal dessas concentrações. 2-MATERIAIS E MÉTODOS 2.1. Dados de concentrações de GEEs: Os dados de concentrações de GEEs utilizados no presente projeto estão disponíveis no "site" de Paleoclimatologia do National Climatic Data Center (NCDC), vinculado à NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration). Em nossas análises, são destacadas as seguintes séries temporais de concentrações de GEEs: Metano - sítio EPICA Dome C, período de 0-800 KYr, descrita por Loulergue et al. (2008); Dióxido de Carbono - Vostok, período de 0-440 KYr, descrita por Petit et al. (1999), Pepin et al. (2001) e Raynaud et al. (2005); Dióxido de Carbono - Dome C, período de 393-664 KYr BP, descrita por Siegenthaler et al. (2005) e Dióxido de Carbono - Dome C, período de 611-800 KYr BP, descrita por Lüthi et al. (2008). 2.2. Tratamento e Análise Os dados de concentração de GEEs foram interpolados para assegurar uma homogeneidade na série, sendo a interpolação feita para intervalos de 100 anos. Em seguida, efetuou-se uma análise de Fourier destas séries, com vistas a reproduzir o resultado de Loulergue et al. (2008) que aponta uma forte relação entre a variabilidade dessas concentrações e a periodicidade da inclinação do eixo e excentricidade. Por fim, calculou-se a transformada ondaleta das séries de concentrações de CO2 e CH4 utilizando como função de base a função de Morlet. Em seguida, foi feita uma análise comparativa do comportamento das séries temporais de concentrações de GEEs. Tal análise visou primeiramente reforçar a hipótese de que a variabilidade dessas concentrações é explicada por variações orbitais. 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 sugere uma concordância entre a variabilidade nas concentrações de gases de efeito estufa e os ciclos orbitais terrestres (Ciclos de Milankovitch). Máximas concentrações de GEEs tendem a coincidir com os máximos de excentricidade. A Figura 2 mostra espectros de freqüência das concentrações de CO2 (2a) e CH4 (2b), obtidos através de uma análise de Fourier feita nas séries de dados de Ice-Cores. Verifica-se a presença marcante de frequências próximas às dos ciclos de Milankovitch nos picos de freqüência dos gráficos: 17 KYr, 37 KYr e 82 KYr para o dióxido de carbono e 22 KYr, 36 KYr e 79 KYr para metano (respectivamente comparáveis com os ciclos de Milankovitch da excentricidade, inclinação e precessão, ou seja, ~100 KYr, ~41KYr, ~19-23 KYr). A diferença maior entre os picos espectrais e os ciclos orbitais se dá exatamente no período mais longo que, na verdade se aproxima mais de dois ciclos de inclinação e 4 ciclos de precessão, o que reforça a idéia de que o forçante climático da excentricidade é pequeno (Ridgwell et al. 1999). É também possível perceber que há amplitudes significativas em outras bandas de frequência, com periodicidade milenar ou multi-milenar (sub-orbital). Podem ser identificadas bandas em torno das frequências de 1,5 KYr e 9 KYr para o dióxido de carbono (além de uma banda bastante larga aproximadamente entre 2,5 e 5,5 KYr) e em torno das frequências de 4,5 KYr e 9-10 KYr para o metano. Sabe-se que o período de 1,47 KYr é o de ocorrência das

oscilações de Dansgaard-Oescheger que foram bastante marcantes no último período glacial (e quem sabe em glaciais anteriores).

Figura 1: Gráfico comparativo mostrando parâmetros orbitais como, excentricidade, obliqüidade, precessão e concentração dos gases de efeito estufa CO2 e CH4.

Figura 2: Espectros de Freqüência de CO2 e CH4.

A Wavelet (ou ondaleta) é uma função capaz de decompor e descrever outras funções no domínio da frequência, de forma a podermos analisar estas funções em diferentes escalas de freqüência e de tempo. As funções wavelet são ferramentas poderosas para a análise de sinais e compressão de dados. As transformadas wavelet das séries temporais de concentrações de dióxido de carbono e metano são mostradas na Figura 3. Escalas entre 64 e 128 kyr são dominantes em ambos os casos, novamente indicando o papel de oscilações com período em torno de 100 kyr (mais provavelmente múltiplos picos de precessão do que um único ciclo de excentricidade, conforme discutido anteriormente). É perceptível, ainda, que a série de metano apresenta um sinal mais intenso da obliqüidade (entre 32 e 64 kyr), enquanto a série de dióxido de carbono apresenta uma maior contribuição de freqüências mais baixas. Importante destacar o pico de amplitude na escala da obliqüidade, particularmente na wavelet do metano, há aproximadamente 600 kyr.

Figura 3: Séries temporais de dióxido de Carbono e metano, com os espectros de Wavelet. Os níveis de contorno são escolhidos de modo que 75%, 50%, 25% e 5% da potência wavelet está acima de cada nível, respectivamente. A região hachurada é o cone de influência. É mostrado ainda o espectro de potência wavelet global. Referência: Torrence, C. GP e Compo, 1998: Um Guia Prático de Análise Wavelet. Bull. Amer. Meteoro. Soc., 79, 61-78.

4 - CONCLUSÕES Como esperado, a variabilidade na concentração dos gases de efeito estufa mostra uma marcada influência dos ciclos orbitais. Os períodos que correspondem a modos de variabilidade de maior amplitude são ~82 KYr, ~37KYr e ~17KYr para o dióxido de carbono e ~79 KYr, ~36KYr e ~22KYr para o metano, períodos similares aos ciclos de Milankovitch. Conforme discutido por outros autores (Ridgwell et al. 1999, Maslin e Ridgwell 2005), não é possível, porém, associar diretamente a oscilação de mais baixa freqüência à excentricidade, sendo ela mais provavelmente uma resposta não-linear à precessão. Vale ressaltar, no entanto, que a assinatura do ciclo de obliqüidade também aparece, especialmente na série do metano, tendo eventualmente dominado a variabilidade em 600 kyr (próximo ao final da transição conhecida como “revolução do Plistoceno médio” (MPR – Mid-Pleistocene Revolution, Maslin e Ridgwell 2005) O estudo paleoclimático aqui apresentado também nos sugeriu ainda que além da influência dos ciclos orbitais nas concentrações de gases de efeito estufa, podem existir modos de oscilação livre do próprio sistema climático que se refletem nessas concentrações. Verificamos a presença, no espectrograma de CO2, de amplitudes em períodos entre 1.0002.000 anos, 2.500-5.500 anos e 8.000-10.000 anos. No caso do CH4, encontramos oscilações com entre 3.000-6.000 anos e entre 9.000-10.000 anos, escalas ditas sub-orbitais. 5-AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pelo financiamento através do projeto CONBINE (Convecção no Nordeste Brasileiro: Interações em Múltiplas Escalas, Processo 62.0057/2008-4) e à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP) pela concessão de bolsa de Iniciação Científica ao primeiro autor. Os dados paleoclimáticos são disponibilizados pelo National climate data center (NCDC), vinculado à NOAA, através do website http://www.ncdc.noaa.gov/paleo/paleocean.html.

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