Analise do Relatório do Impacto Ambiental das Usinas ... - ANPPAS

V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil ________________________________________________________ Analise d...
160 downloads 28 Views 64KB Size

V Encontro Nacional da Anppas 4 a 7 de outubro de 2010 Florianópolis - SC – Brasil ________________________________________________________

Analise do Relatório do Impacto Ambiental das Usinas Hidrelétricas no Rio Madeira no Município de Porto Velho/RO Gleimíria Batista Costa (UNIR) Doutoranda em desenvolvimento Regional (UNISC) [email protected] Rosilene Locks (UNIR) Mestre em Administração (UNIR) [email protected] Duilo Souza Matos (UNIR) Mestre em Administração (UNIR) [email protected]

Resumo Há uma crescente preocupação com o tema ambiental no mundo. A discussão sobre gestão ambiental, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável está presente no meio acadêmico, no governo, nas empresas e na sociedade de modo geral. O Brasil atualmente vive um momento de grande crescimento econômico, essa realidade tem demandado grandes investimentos no setor energético, que é regulamentado por uma série de legislações que visam minimizar os riscos sociais e ambientais envolvidos na execução desses projetos. A análise qualitativa do texto contido no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), legalmente exigido para a construção de duas usinas hidrelétricas na região norte do Brasil, constitui a estratégia para se conhecer as realidades sociais depreendidas no documento estudado. Foi orientada qualitativamente através da técnica da análise narrativa. Os resultados apontaram um desalinhamento entre as conclusões do Relatório e as realidades sociais encontradas nos Estudos de Impactos Ambientais (EIA), sintetizadas no documento estudado. Palavras-chave EIA/RIMA; Usinas Hidrelétricas; Desenvolvimento Sustentável

INTRODUÇÃO O Brasil atualmente é visto internacionalmente como um país, onde as leis ambientais são duras, basta verificar notícias contidas em mídias diversas e recentemente publicadas. Essa legislação em muitos casos é apontada como entrave para o desenvolvimento econômico do país, na medida em que se verifica uma perspectiva de tempo muito maior para a realização de projetos que demandam impactos ambientais mais significativos. O que se percebe é uma luta conflituosa entre duas forças sociais, onde uma argumenta a necessidade de desenvolvimento econômico, estrutural e social do país e outra vertente que prega a sustentabilidade ambiental desse desenvolvimento. Nesse contexto atual, essa disputa filosófica é travada no campo da argumentação, assim cada lado apresenta variáveis que justifiquem ou não a execução do projeto, valendo-se de simulações e estudos técnicos que são formalizados em documentos legalmente constituídos, que em tese constroem cenários sociais com a finalidade de se ampliar ou até mesmo conhecer as realidades sociais e ambientais que serão impactadas na execução do projeto. Entre esses documentos que instam fazer um diagnóstico da realidade social com fins de apresentar indicadores argumentativos para a viabilidade de projetos estratégicos com impacto ambiental, encontram-se os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Esses documentos são legalmente exigidos no planejamento de grandes obras estratégicas do governo brasileiro e é um dos instrumentos da política nacional do meio ambiente, foi instituído pela resolução 001/86, de 23 janeiro de 1986. A compreensão dos resultados desses estudos torna-se vital na medida em que se pretende utilizálos como justificativa social para o desenvolvimento de projetos com potencial de impactar positivamente a realidade social de uma região. A proposta dessa pesquisa é avaliar qualitativamente esse importante instrumento de planejamento ambiental, aproveitando uma janela de oportunidade aberta com a construção de duas usinas hidrelétricas no rio Madeira ao norte do Estado de Rondônia. A justificativa para tal estudo demanda antes de tudo, da importância de aspectos como confiabilidade, integridade, neutralidade axiológica, entre outros que, de maneira cabal impactam na qualidade das informações contidas neste instrumento de planejamento governamental, tendo em vista que essas informações serão matéria prima na formulação de políticas sustentáveis na execução de projetos estratégicos e obras públicas. A meta do estudo será materializada formalmente na resposta a seguinte questão: Qual a realidade social depreendida após a leitura do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) das usinas hidrelétricas do rio Madeira?

Essa problemática demanda uma caminhada metodológica com objetivos geral e específicos, logo o objetivo geral do presente estudo é: Analisar qualitativamente as informações contidas no relatório de Impacto Ambiental das usinas hidrelétricas do rio Madeira. Não obstante o rumo traçado pelo objetivo principal, no curso do estudo e de forma preditiva é possível traçar alguns objetivos específicos, sem, no entanto esgotar todas as potencialidades do estudo, são eles: a)

Conhecer as realidades sociais que o texto do relatório propõe;

b)

Verificar se o conteúdo do relatório contempla respostas conclusivas para os principais

questionamentos que legalmente devem conter no instrumento; e c)

Verificar o alinhamento da conclusão apresentada no relatório e as realidades sociais

encontradas no Estudo de Impacto Ambiental. A pretensão dessa pesquisa é contribuir para com a sociedade apresentando uma forma racional de análise do documento estudado contribuindo na socialização do conhecimento e ampliando o aspecto democrático das políticas e decisões públicas no Brasil. Por outro prisma, esse ensaio científico aproxima a comunidade acadêmica dos atores sociais envolvidos na discussão de decisões estratégicas para o país.

METODOLOGIA Esta seção pretende apresentar e discutir os procedimentos analíticos que compõe o método proposto. 

Tipologia da pesquisa

A qualificação técnica da pesquisa traça o DNA estratégico dos procedimentos adotados e como nos informa Creswell (2007, p. 30), “A estratégia fornece uma direção específica para os procedimentos a serem desenvolvidos em uma pesquisa cientifica.” Assim cabe aqui explicitar que este estudo utiliza a estratégia qualitativa como norte metodológico e se caracteriza como descritiva em sintonia com o pensamento de Creswell (2007, p. 88): “Em um projeto qualitativo, o autor vai descrever um problema de pesquisa que possa ser melhor compreendido ao explorar um conceito ou fenômeno”. Assim a natureza exploratória do presente estudo fica ressaltada levando-se em consideração a problemática proposta, pois como informa o mesmo autor a existência da necessidade de explorar e descrever os fenômenos e desenvolver teorias são características básicas de um estudo qualitativo. 

Coleta de dados

Nos procedimentos de coleta de dados observou-se o entendimento de Creswell (2007, p. 189) que diz, “A idéia por traz da pesquisa qualitativa é selecionar propositadamente participantes ou locais (ou documentos, ou materiais gráficos) mais indicados para ajudar o pesquisador a entender o problema

e a questão de pesquisa”. Sendo assim, o documento que caracteriza os dados da presente pesquisa trata-se do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que traz a público os resultados dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) realizados no curso do processo de autorização da construção de duas hidrelétricas ao norte do Estado de Rondônia, no curso do rio Madeira. A escolha desse documento foi propositadamente feita por comportar vantagens metodológicas como: a)

Permite ao pesquisador obter a linguagem e as palavras dos participantes;

b)

Pode ser acessado em um momento conveniente para o pesquisador – uma fonte de

informações discreta; c)

Representa dados refletidos, aos quais os participantes dedicaram atenção para compilar;

d)

Como prova escrita economiza tempo do pesquisador e despesas com transcrição.

Essas vantagens são apontadas por Creswell (2007, p. 192) onde o mesmo autor salienta que esses dados podem ser usados para ampliar as idéias a respeito dos fenômenos estudados. Na caracterização da fonte de dados cabe informar que o conteúdo do relatório tornou-se público em 2005 e contempla os resultados obtidos pelos estudos realizados ao longo de dois anos (2003 a 2005) com o intuito de definir as conseqüências da construção e operação de duas usinas hidrelétricas no trecho do Rio Madeira, compreendido entre a cidade de Porto Velho e a Vila de Abunã, próxima à fronteira do Brasil com a Bolívia. O documento é composto por 82 páginas, sumarizadas em tópicos que caracterizam cada parte do estudo realizado. 

Análise dos dados

A estratégia qualitativa da presente pesquisa demanda um alinhamento coerente na análise dos dados, assim Creswell (2007, p. 194) argumenta que, “O processo de análise de dados consiste em extrair sentido dos dados de texto e imagem, envolve preparar os dados para análise, conduzir análises diferentes, aprofundar-se cada vez mais no entendimento dos dados, fazer representação dos dados e fazer uma interpretação do significado mais amplo dos dados.” E no caso especifico da análise de textos SILVERMAN (2009, p. 145) explicita em seu pensamento que, “quando os textos são analisados, são com freqüência apresentados como versões “oficiais” ou “sensatas” dos fenômenos sociais subjacentes aparentemente encontrados na análise do pesquisador qualitativo” Em consonância com esses pensamentos, os seguintes passos foram seguidos no processo de análise: a)

Organização e preparação dos dados;

b)

Leitura dos dados. (busca de seu sentido geral e reflexão sobre seu sentido global);

c)

Codificação (optou-se por utilizar como categorias, perguntas que dividiram o documento em

campos de idéias que continham sentidos lógicos comuns);

d)

Utilizou-se as categorias para gerar descrições do cenário social em estudo.

e)

Utilizou-se passagens narrativas e tabelas contidas no documento estudado, para transmitir os

resultados da análise; e f)

Extraiu-se significados dos resultados da análise buscando interpretações mais amplas.

Para relatar os resultados optou-se pelo texto narrativo que segundo Creswell apud MILES e HUBERMAN (1984) tem sido a maneira mais freqüente de apresentação de dados e resultados qualitativos.

BASE TEÓRICA Matriz Energética Brasileira – Usinas Hidrelétricas Devido às crises do petróleo de 1973 e 1979, o governo incentivou a massificação do uso de energia elétrica para aquecimento e geração de vapor, com tarifas diferenciadas. O objetivo, além de obter as condições para saldar os compromissos financeiros internacionais assumidos para a construção das hidrelétricas, era também de reduzir a importação de petróleo. Um efeito colateral para os setores produtivos, bem como para os consumidores residenciais ou comerciais brasileiros, foi à forte penetração no mercado de equipamentos elétricos para a produção de calor na forma indireta (DNAEE, 1983). A energia possui um papel primordial como fonte e potencializadora do desenvolvimento. A possibilidade de energia abundante para as indústrias e para o consumo de eletrodomésticos aumentou a importância relativa da energia no país. Desta forma qualquer ameaça de falta de energia significa enorme prejuízo econômico e aborrecimento à população. A energia, por sua vez, corrobora um novo padrão de consumo ancorado nas indústrias de bens de consumo duráveis, com uma crescente demanda energética. Cria-se, portanto, um padrão de consumo e de produção baseado no uso intensivo de energia elétrica, que precisa de constante expansão para o atendimento de demanda. É durante o processo de industrialização que o Estado desloca especial atenção à construção de hidrelétricas que atendam à demanda crescente da energia elétrica enquanto insumo para a indústria e para um padrão de consumo centrado em eletrodomésticos. Furtado (1992, p.7) comenta que “a propagação de novas técnicas, inerentes ao capitalismo, é antes de tudo a difusão de uma civilização que impõe às populações padrões de comportamento em permanente modificação. Trata-se da difusão de todo um sistema de valores que tende a universalizar-se”. Enfim, os padrões de consumo industrial e para uso doméstico estavam sedentos por energia, portanto era necessária a construção

de usinas hidrelétricas. Afinal, o planejamento enérgico posto em prática no país era baseado na hidroernergia e caracterizado por enormes usinas hidroelétricas. Para a Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL, 2007) a energia de fonte hidrelétrica responde por cerca de 91% do total da matriz de produção de energia elétrica no País. O potencial hidrelétrico no país é estimado em 260 GW, distribuído principalmente nas regiões hidrográficas Amazônicas (41%), Paraná (22%), Tocantins (10%, São Francisco (10%), Atlântico Sudeste (6%) e Uruguai (5%). Deste total, 66 GW (cerca de 25%) já estão instalados, distribuídos principalmente nas regiões hidrográficas do Paraná (59%), São Francisco (15%), Tocantins (11%). Pode-se concluir, portanto, que a energia de origem hidrelétrica foi e continuará sendo estratégica para o desenvolvimento do País. Segundo pesquisas feitas pelo sistema Eletrobrás/ Eletronorte (2004), os projetos de infra-estrutura para energia elétrica, embora sejam planejados para benefício direto da sociedade, também causam impactos negativos significativos sobre o meio ambiente e às populações próximas aos empreendimentos. Os impactos de uma usina hidrelétrica sobre o meio ambiente, bem como os efeitos do uso dos recursos naturais em suas áreas de influência, têm diversas magnitudes e abrangências. Os elementos de projeto potencialmente causadores de impacto ambiental ocorrem nas fases de planejamento, construção, enchimento do reservatório, desativação do canteiro de obras e operação do empreendimento. Os impactos ambientais previstos devem ser demarcados no tempo, de forma a permitir que as medidas mitigadoras ou compensatórias possam ser implementadas no momento adequado.

Desenvolvimento Sustentável As discussões sobre o desenvolvimento sustentável tiveram origem a partir do agravamento da crise ecológica, na segunda metade do século XX, época em que o conceito de desenvolvimento significava apenas crescimento econômico. Surge neste período uma percepção de que este modelo de desenvolvimento causava intensa degradação ambiental e, por conseqüência, progressiva escassez de recursos. Era necessária, portanto, a incorporação da questão ambiental aos processos de desenvolvimento (SOUZA, 2000). Desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade tem se tornado um termo comum nos mais diversos campos da atividade humana, com inúmeras interpretações. Pelo seu significado mais simples, de acordo com Merico (1996), sustentabilidade significa tornar as coisas permanentemente disponível ou duráveis. Desenvolvimento sustentável significa, então, discutir a permanência ou durabilidade da estrutura de funcionamento de todo o processo produtivo.

A partir da década de 60, havia o conceito de desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico, dissociando-o da proteção ambiental. A partir da constatação do crescimento dos problemas ambientais, criou-se uma nova visão, por meio dos mecanismos internacionais, de opção pela reforma dos processos de desenvolvimento em atendimento ao conceito de desenvolvimento sustentável (SOUZA, 2000). Por sustentabilidade entende-se que o princípio da precaução, acolhido pelo Brasil em sua Agenda 21, deve ser a razão do desenvolvimento sustentável e que deveria estar presente e ser incorporado pelos tomadores de decisão. A informação, como a importância de disponibilizá-la à sociedade não isenta de responsabilidade qualquer das pessoas que atuem na área ambiental, nem a ausência de informação pode justificar ou mesmo respaldar atitudes que comprometam o meio ambiente. De acordo com Sachs (2002) uma estratégia de desenvolvimento deveria objetivar o aproveitamento racional e ecologicamente sustentável da natureza em benefício das populações locais, incorporando-se a conservação da biodiversidade aos interesses destas populações, sendo necessário adorar padrões negociados e contratuais de gestão da biodiversidade. Assim, o desenvolvimento sustentável requer a harmonização entre objetivos sociais, econômicos e ambientai e, para que a sustentabilidade ambiental seja conquistada, o compasso do desenvolvimento sustentável deve pautar-se pelo princípio da precaução, pela busca da informação e por um processo decisório que incorpore, segundo Thérivel et. al (1994): 

determinação de parâmetros pelos quais se atingirá a sustentabilidade;



o compromisso global aos objetivos de sustentabilidade, pois esta vai além do impacto ou da

prevenção do dano ambiental de projetos individuais; 

determinação da capacidade de suporte do meio;



Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) a todos os programas, planos e políticas que afetem o

ambiente; 

Estudo de Impacto Ambiental (EIA) comprometido com a AAE, ou seja, sendo o EIA um

“segundo passo” num processo que tem um primeiro nível estratégico; 

Programa de monitoramento para dar retroalimentação e respaldo ao que se poderá ou não

ajustar. A relação feita entre o desenvolvimento e crescimento econômico diretamente associado ao aumento do consumo de energia e recursos naturais tende a distorcer o conceito de sustentabilidade. Souza (2000) comenta que a origem da degradação ambiental está diretamente ligada aos interesses políticos e econômicos que determinam a ocupação do território e ela se torna mais ou menos intensa conforme a política que orienta essa ocupação. Neste sentido, se observa a necessidade do

compromisso da sociedade para que processo de desenvolvimento econômico e sustentabilidade tenham legitimidade. Para Cavalcanti (2002) a sustentabilidade significa o reconhecimento de limites biofísicos presentes na biosfera no processo econômico uma vez que a ecologia sustenta a economia. O meio ambiente é fonte de certas funções sem as quais a economia não pode existir, nem operar. Assim, para ser sustentável o sistema econômico deve possuir uma base estável de apoio. Isto requer que as capacidade e taxas de regeneração e absorção sejam respeitadas. Cavalvanti (2002, pag. 38) comenta que: Uma estratégia de desenvolvimento sustentável é necessária para a formulação de política que leve a natureza em conta como fator restritivo, cuja produtividade deve ser maximizada no curto prazo, cuja disponibilidade deve ser preservada no futuro distante e cuja integridade não pode ser deformada

Zhou (1998) apud Montaño (2002) comenta que para ser conduzido com sucesso, o desenvolvimento sustentável deve trazer a perspectiva de que um ambiente saudável é essencial para uma economia próspera. Este enfoque encara sociedade, economia e meio ambiente como elementos essenciais de um ecossistema que se apóiam mutuamente. Cada elemento deve ser considerado prioritário na tomada de decisões, fazendo com que as ações sejam baseadas numa estratégia de antecipar e prevenir. O desenvolvimento sustentável também pressupõe que os recursos do meio ambiente devam ser examinados pelo seu valor atual e futuro, baseado nos princípios de vida dentro de parâmetros ecológico globais de longo prazo. Portanto, para que se atinja a sustentabilidade ambiental é condição essencial o equilíbrio entre: 

Especialidade (capacidade de suporte do meio físico, biológico e antrópico e que o todo

permita a identificação da parte e que a parte possa compor o todo); 

Temporalidade (atendimento das presentes e das futuras gerações, nunca perdendo de vista

o conjunto das ações, sejam elas de curto, médio ou longo prazo), e; 

Participação da sociedade (identidade, legitimidade e co-responsabilidade).

Em consonância com a implementação de uma prática que vise sustentabilidade ambiental, a avaliação de impacto ambiental, mesmo diante de suas dificuldades e deficiências de implantação passa a ter um papel estratégico e com perspectivas reais e potenciais para contribuir com princípios e critérios para a sustentabilidade ambiental (BRITO, 1996).

EIA-RIMA – Avaliação do Impacto Ambiental

No Brasil, o procedimento de avaliação de impactos ambientais está vinculado ao processo de licenciamento ambiental. A Avaliação de Impacto Ambiental foi instituída em vários países para possibilitar uma analise prévia da viabilidade ambiental de um empreendimento ou atividade proposta, propiciando a adoção de medidas mitigadoras para os potenciais impactos identificados, incluindo as alterações no projeto original que tornem o empreendimento viável do ponto de vista sócio-ambiental que possibilite sua inserção local e regional. Para Sanchez (2006, p. 43) a avaliação de impacto ambiental pode ser definida como o “processo de exame das conseqüências futuras de uma ação presente ou proposta”. Este processo é composto da identificação, previsão, avaliação e mitigação dos significativos efeitos sobre os meios físicos, biótico e antrópico decorrentes de propostas de desenvolvimento (IAIA, 1999). Neste sentido, compreendese como impacto ambiental qualquer deterioração do meio ambiente que decorre de atividade humana, portanto o licenciamento ambiental de qualquer grande empreendimento deve ser precedido de estudos de impacto ambiental, realizados por profissionais com formações diversificadas os quais buscam atender às necessidades específicas de cada licença. A Resolução n. 1/86 do CONAMA, em seu art. 1º, considera impacto ambiental “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente afetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais”. Segundo Bastos e Almeida (2002) os estudos de impacto ambiental são elaborados a partir da obtenção de dados e informações técnico-científicas, bem como pelo tratamento dado a este material de forma a atender as legislações federal, estadual e municipal em vigência e são conduzidos de acordo com a nova atividade a ser empreendida. Esses estudos são necessários a obtenção de autorização do Estado para executar empreendimentos que demandem recursos ambientais ou que tenham potencial de degradar a natureza. A regulamentação para o procedimento de análise de empreendimentos desta natureza foi realizada no Brasil pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), através da Resolução nº 01/86. Para tais empreendimentos, elencados no artigo 2º da referida Resolução, é exigida a elaboração do chamado Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), a serem apresentados por ocasião da solicitação de licença ambiental prévia por parte do

empreendedor. O EIA (que corresponde ao estudo ambiental detalhado) deve contemplar, entre outros aspectos: 

Caracterização das atividades envolvidas na instalação e operação do empreendimento ou

atividade; 

Realização do diagnóstico das áreas direta e indiretamente afetadas pelo empreendimento;



Identificação dos impactos potenciais ao meio ambiente decorrentes das atividades de

implantação e operação do empreendimento; 

Avaliação dos impactos identificados;



Proposição de medidas mitigadoras para fazer frente aos impactos identificados;



Proposição de Programas de Controle Ambiental que contemplem o acompanhamento da

implantação bem como a verificação da efetividade das medidas mitigadoras propostas, dando suporte à adoção de medidas corretivas ou de adequação necessárias, ao longo do tempo. Essas atividades ocorrem de forma encadeada ao longo do tempo. Assim, eventuais falhas no diagnóstico, ou seja, na caracterização das áreas que serão afetadas pelas atividades relacionadas ao empreendimento em seus aspectos físicos, bióticos e socioeconômicos, podem comprometer o restante do documento, pois a falha repercutirá na identificação e avaliação desses impactos e, conseqüentemente, na proposição de medidas mitigadoras adequadas. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) é realizado posteriormente ao EIA. Este relatório detalha e completa o Estudo, que será apresentado ao órgão responsável pelo licenciamento. É o instrumento de comunicação do EIA à administração pública e ao cidadão, por esse motivo, deve ter uma linguagem mais acessível. A não realização do EIA/RIMA, quando for necessário, pode acarretar a responsabilidade, do empreendedor ou do órgão licenciador, por eventuais danos ao meio ambiente. O Eia/Rima por cuidar de interesse público, deve se pautar no princípio da publicidade. O órgão licenciador com base no EIA/RIMA pode solicitar audiência pública, de ofício ou a requerimento de entidade civil, do Ministério Público ou de 50 ou mais cidadãos. Se solicitado pelos legítimos interessados e não for instalada a audiência pública, pode gerar a invalidade da licença ambiental. Observa-se que o Eia/Rima se sujeita a três formas de controle: a) controle da sociedade; b) controle administrativo; c) controle judicial. Segundo MPF (2004), diversos EIAs elaborados com o intuito de licenciar atividades potencialmente degradadoras do ambiente apresentam grandes deficiências no que diz respeito a utilização de metodologias apropriadas e ao cumprimento e detalhamento de pesquisas e análises necessárias. A má qualidade dos estudos ambientais costuma ser apontada como um dos principais problemas relativos aos procedimentos de avaliação. Estudos mal elaborados dificultam a análise dos impactos

por parte dos órgãos responsáveis pelo licenciamento e tendem a tornar mais demorados os procedimentos de avaliação da viabilidade ambiental dos empreendimentos por parte de tais órgãos. Isto porque, havendo dúvida quanto à informação prestada no EIA, cabe ao órgão ambiental solicitar esclarecimentos e estudos complementares que lhe permitem tomar uma decisão segura. (MENDES; FEITOSA, 2008) É interessante alertar que os instrumentos de realização dos princípios da prevenção e da precaução, como é o caso do Estudo de Impacto ambiental e seu relatório, não têm por finalidade impedir o desenvolvimento de atividades econômicas e sociais. O controle preventivo realizado por esse instrumento é de fundamental importância, pois requer uma atuação conjunta do Poder Público, da sociedade civil e da comunidade científica, que devem se harmonizar em um objetivo único: aliar o desenvolvimento social e econômico à preservação do meio ambiente e da própria espécie humana.

RESULTADOS Considerações iniciais Esta seção apresenta a síntese das análises realizadas no documento estudado e está alinhada ao pensamento de Creswell (2007, p. 194) onde o autor propõe um processo de análise constante, envolvendo uma contínua reflexão sobre os dados abertos, através de perguntas analíticas e gerais, a partir das quais se desenvolve uma análise das informações fornecidas pelos participantes. Assim foram definidas 07(sete) perguntas que para fins deste estudo, que constituem as categorias analisadas, são elas: I - há demanda por energia que justifique o projeto? II – há viabilidade técnica para a sua execução? III - sua implantação e operação acarretam impactos ambientais recuperáveis ou compensáveis? IV – há conflitos entre sua operação e os demais usos da água em sua região de implantação? V – a população local pode ser devidamente compensada pelos transtornos causados por sua implantação? VI – há agentes interessados em sua construção e financiamento? VII – há alinhamento e coerência entre a conclusão e as realidades sociais expostas no relatório? Essas categorias uma vez definidas, foram foco da análise e como ensina Creswel (2007, p. 201) “os resultados serão apresentados através do uso de intercalações de citações e fragmentos do texto estudado com interpretações feitas pelo autor.”

Apresentação I – Há demanda por energia que justifique o projeto? O Brasil tem cerca de 92% de sua energia proveniente de hidroelétricas. Os outros 8% são provenientes de energia térmica, oriunda do carvão, petróleo e nuclear (Ministério das Minas e Energia, 2009). Entretanto, em 2001 o país se deparou com o grave problema da falta de energia, mesmo depois do processo de desestatização. O problema reside, basicamente, em duas frentes. A primeira delas é resultante da escassez de chuvas que propiciam a falta de funcionamento pleno das hidroelétricas. Aqueles que defendem este ponto de vista acreditam que o problema da falta de energia não é decorrente da falta de potência instalada, mas falta de chuvas que propiciem o funcionamento adequado do nosso potencial hidroelétrico. Nesse contexto, de escassez nacional de energia, agravado pelo vigoroso desenvolvimento econômico do Brasil, o fragmento abaixo transcreve o pensamento da realidade social e expressa conotativamente a atual demanda por energia elétrica no Brasil. “O crescimento do Brasil e os esforços de inclusão social relacionados à ampliação do acesso à energia elétrica à população do País justificam o contínuo aumento da oferta desse insumo.” (RIMA,

2005, p. 9) No entanto em termos regionais, essa demanda não acontece, tendo em vista a matriz econômica do Estado de Rondônia não demandar grandes necessidades de energia elétrica, ou seja os interesses envolvidos na construção das hidrelétricas atendem aos Estados onde a oferta de energia é baixa, ficando os impactos desse empreendimento sentidos pelo ambientes social regional.

II – Há viabilidade técnica para a sua execução? O texto do relatório aponta para uma viabilidade técnica mais que possível, pois com as modernas técnicas de construção e da tecnologia emergente nessa área, o aproveitamento das potencialidades do ambiente natural do Rio Madeira tem um fator de aproveitamento muito superior a outros projetos já existentes na região amazônica, vejamos os seguintes fragmento extraídos do texto do relatório. “Tecnicamente, as Usinas são viáveis. O rio Madeira apresenta vazões de água que garantem a produção de energia em níveis elevados o ano todo.” (RIMA, 2005, p. 10) “Os investimentos para a implantação das Usinas permitem que se estime o custo de produção de sua energia: entre US$ 22.76 e US$ 25,50/MWh, competitivo frente ao custo marginal de expansão do sistema, da ordem de US$ 36.00/MWh mesmo após incorporados os custos de conexão / transmissão.” (RIMA, 2005, p. 9)

Outro fator explicitado pelos autores do relatório é o custo beneficio do projeto, no fragmento acima a informação pretende levar ao leitor a impressão de que a energia que será produzida nas usinas do Madeira, será disponibilizada a preços mais acessíveis ao consumidor final. A argumentação faz parte de um esforço para alinhar as variáveis do projeto a um sentimento de positivismo em relação a sua execução. No entanto o texto aparece com conceitos pouco explicativos a maioria dos leitores e assim fica prejudicado o processo comunicativo demandado para uma análise mais precisa do texto. Quadro - 01 Usinas Hidrelétricas na Região Amazônica - Áreas do Reservatório versus Potência USINAS NA REGIÃO AMAZÔNICA BALBINA SAMUEL MANSO TUCURUÍ 1ª ETAPA 2ª ETAPA JIRAU SANTO ANTONIO

ÁREAS DOS RESERVATÓRIOS (Km2)

POTÊNCIA (MW)

ÁREA DO RESERVATÓRIO/PO TÊNCIA DA USINA (Km2/MW)

2360 584 387

250 217 210

9,44 2,69 1,84

2414

4000 8000 3300 3150

0,61 0,3 0,08 0,086

258 271

FONTE: RIMA, 2005, p. 10

No quadro 01, uma comparação das grandezas, áreas de reservatório versus potência gerada. Analisando o quadro percebe-se uma enorme capacidade de produção em comparação com outros projetos na região amazônica, essa realidade exposta parece querer levar ao leitor a idéia de que os impactos causados pela implantação nas usinas do Madeira serão de certa forma mínimos em comparação com outros projetos já realizados, no entanto tal conotação feita pela maioria dos leitores talvez deixe de contemplar as épocas em que esses projetos foram realizados, o percentual de impactos acumulados ao longo dos anos e até mesmo as tecnologias utilizadas nesses empreendimentos. Ou seja, o peso desses impactos ambientais, hoje, embora menores que outros projetos no passado, nos parece maximizado pelas variáveis já descritas anteriormente. Em contraponto com o pensamento defendido no relatório.

III – Sua implantação e operação acarretam impactos ambientais recuperáveis ou compensáveis? Vejamos a tabela, contida no conteúdo do relatório que pretende dimensionar os impactos ambientais e apresentar soluções para compensá-los ou recuperá-los.

IMPACTOS Retenção de sólidos nos reservatórios Elevação do lençol freático Redução de oxigênio dissolvido na água em regiões marginais do reservatório Aumento do potencial erosivo das águas do rio Madeira Alteração da qualidade das águas e de sua dinânmica Perda ou fuga de animais Supressão de vegetal Interrupçaõ das rotas migratórias de peixes Concentração de cardumes a jusante das barragens Redução de habitats para a fauna Introdução de espécies de peixes Alteração na estrutura da comunidade de peixes Eliminação de barreiras naturais para botos Redução local da diversidade de peixes Perda de áreas de desova de peixes Elevação do preço das terras Queda do preço de imóveis Alteração na qualidade de vida da população Alteração da comunidade betônica Perda de material lenhoso do leito do rio Craição de novos ambientes nas margens dos reservatórios Perda de locais de reprodução de tartarugas, jabutis e jacarés Aumento da população de plantas aquáticas Desestruturação social e política Aumento de incidência de malária e outras doenças Ocupação de novas áreas Alteração na dinâmica da população de vetores Comprometimento de Mutun-Paraná, Teotônio, Amazonas Conflitos de convivência entre população local e migrantes Intranquilidade da população Interferência na atividade de garimpo do ouro aluvionar Interferência e perda do patrimônio arqueológico e cultural Redução do emprego e renda dos pescadores e garimpeiros Modificação da pesca na área dos reservatórios

MEDIDAS A SEREM ADOTADAS Observação continuada dos efeitos e adoção de medidas se necessário observação dos efeitos e idenização de perdas Não há medidas, além do monitoramento Observação continua do comportamento do rio Observação continuada das águas Não há medidas, acompanhamento de desmatamento e enchimentos, compensação ambiental Não há medidas, replantio em áreas de canteiros; compensação das perdas; compensação ambiental. Implantação de estruturas para a transposição dos peixes e monitoramento Não há medidas, monitoramento Monitoramento e adoção de medidas se necessário Não há medidas, monitoramento Não há medidas, monitoramento Não há medidas, monitoramento Não há medidas, monitoramento Não há medidas, monitoramento Esclarecer previamente a população Esclarecer previamente a população Esclarecer previamente a população Observação contínua da vida aquática Não há medidas, monitoramento Não há medidas para esse impacto Monitoramento e adoção de medidas se necessário Não há medidas para esse impacto, além da observação de seus efeitos Comunicação prévia e estimulo à participação social Vigilância, controle de vetores e ampliação da rede de atendimento Apoio `a prefeitura de Porto Velho em ações de controle do uso do solo Controle de vetores Negociação e reassentamento Esclarecimento prévio e estabelecimento de código de conduta para os funcionários da obra Apoio ao poder executivo municipal de Porto Velho e comunicação social Indenização Pesquisa, registro e salvamento Qualificação e requalificação profissional da população local Requalificação dos pescadores para a nova situação

FONTE: RIMA, 2005, p. 53

A observação criteriosa, das informações constrói um mosaico da realidade no mínimo preocupante, dela se pode verificar 35 impactos identificáveis, estes variando desde impactos na fauna e flora, até alterações na qualidade de vida da população atingida. O fato é que 34,28% destes impactos não comportam medidas para solucioná-los ou compensá-los. 22,87% desses impactos são passiveis apenas de observação e monitoramento o que não gera nenhuma confiança nos leitores, pois a mensagem que fica nítida é que esses impactos na medida que não se possa medi-los ou prevê-los são fatores de risco de grande peso e podem ter dimensões muito além da capacidade de solução por parte dos executores do projeto. Em torno de 14,28% dos impactos apresentam medidas de esclarecimento e comunicação prévia, como capazes de recuperá-los ou compensá-los, não

apontado ações concretas que demonstrem o comprometimento dos executores do projeto. E somente 28,57% dos impactos identificados na tabela do relatório são contemplados com medidas efetivas que podem ser apresentadas como capazes de minimizá-los ou em certos casos compensálos. Ou seja, síntese tem-se um índice negativo da ordem de 71,43% de impactos identificados no relatório que não estão passiveis de serem recuperados ou mesmo compensados, o que caracteriza um enorme passivo ambiental que ficará na região afetada pelo projeto.

IV – Há conflitos entre sua operação e os demais usos da água em sua região de implantação? Toda a região do Rio Madeira, tem sua economia ligada à dinâmica do rio, assim fica fácil verificar nos fragmentos abaixo, os conflitos potenciais e reais entre o projeto e os demais usos da água na região. “As águas do rio Madeira são limpas, mas invariavelmente turvas, pois transportam uma quantidade enorme de sedimentos — silte, argila e areia estarão em suspensão em suas águas o ano todo, depositando-se em suas várzeas. Agregado a esse material haverá nutrientes que as fertilizarão”.(p. 27) “A riqueza e a abundância de espécies de peixes no Madeira têm também importância econômica. A pesca é uma atividade comum em suas águas.”(p. 38) “Reconhecerá inúmeras espécies que representam importantes fontes de proteína e substância para a população ribeirinha, algo estimado em 82 espécies.”(p. 38) “Há 2.065 pescadores registrados na região observada, sendo 1.952 na Colônia Z 1, em Porto Velho e 140 na Colônia Z 2, em Guajará-Mirim. Estima-se que 470 pescadores não registrados atuem na região.” (p. 40) “O leitor também poderá observar, nas margens do rio Madeira, áreas de pastagens (Fotos 24 a 27). Elas cobrem aproximadamente 9% e 10,35% da área a ser inundada pelos reservatórios de Jirau e Santo Antônio, respectivamente.” (p. 41) “Nas barrancas do rio, terrenos bastante férteis, sempre nos períodos de estiagem, o leitor poderá reconhecer, mesmo que com pouca freqüência, o plantio de hortaliças, feijão-verde e melancia.”(p. 42) “Na região das Usinas, foi registrada a presença de 224 equipamentos, entre dragas, balsas e apetrechos manuais de mineração. Eles estão sendo utilizados por cerca de 870 garimpeiros, que retiram ouro do rio.”(p. 43 a 44)

“A pesca terá seu perfil alterado. Haverá maior dificuldade de captura de grandes bagres, como a dourada e piramutuba. Por outro lado, aumentará a captura de outras espécies, adaptadas a águas mais lentas, como o tucunaré, a branquinha e a jatuarana.”(p. 58) Da leitura de todos os fragmentos do texto original do relatório verifica-se que várias atividades econômicas serão profundamente atingidas revelando o grau de conflito existente na região. O fato é que pescadores, garimpeiros, agricultores, pecuaristas e pescadores terão seus modos de vida modificados e as perspectivas de realinhamento econômico desses atores são muito escassas.

V – A população local pode ser devidamente compensada pelos transtornos causados por sua implantação? O número de pessoas atingidas pela construção dos reservatórios será considerável e o relatório manifesta-se da seguinte maneira quanto a identificação dessas pessoas e a política de compensação adotada: “Há 2.065 pescadores registrados na região observada, sendo 1.952 na Colônia Z 1, em Porto Velho e 140 na Colônia Z 2, em Guajará-Mirim. Estima-se que 470 pescadores não registrados atuem na região.” (p. 40) “Na região das Usinas, foi registrada a presença de 224 equipamentos, entre dragas, balsas e apetrechos manuais de mineração. Eles estão sendo utilizados por cerca de 870 garimpeiros, que retiram ouro do rio.”(p. 43 a 44) “O leitor encontrará, na área dos reservatórios a serem formados pelas Usinas, 2.849 pessoas, sendo 1.087 na área de Jirau e 1.762 na de Santo Antônio. Essas pessoas habitam 763 domicílios, dos quais 682 foram procurados por pesquisadores, 10 estavam desabitados, 12 eram de uso ocasional e 20 não puderam ser pesquisados.”(p. 47) No entanto a hipótese de compensação é remotamente tratada no texto do relatório e pelas evidencias apresentadas até esse momento da pesquisa essa compensação parece ser algo inaccessível para os atores sociais alcançados pelos impactos da construção e operação das usinas. “As pessoas serão indenizadas de forma justa? Sim. Na época apropriada, após o cadastramento de terras, moradias e benfeitorias (incluindo todo tipo de plantação), será aberto um processo de negociação transparente com cada família atingida pelos empreendimentos.”(p. 57) “Caso os empreendimentos atinjam parte da propriedade, o que será feito?

Caso a propriedade fique inviabilizada para moradia e plantação, o empreendedor vai adquiri-la em sua totalidade. Se o proprietário tiver interesse em ficar com a parte não atingida pelos empreendimentos, o empreendedor adquirirá somente as terras afetadas, realocando moradias e benfeitorias. ”(p. 57 e 58) Após a leitura destes fragmentos, verifica-se a intenção dos executores do projeto em compensar financeiramente aqueles que possuírem propriedades que venham a ser atingidas pelos reservatórios. No entanto o relatório não contém maiores informações da metodologia de cálculo para essa compensação e não há nenhuma referência aquelas indenizações devidas para trabalhadores como pescadores e garimpeiros que terão seus modos de vida impactados.

VI – Há agentes interessados em sua construção e financiamento? As impressões denotadas para responder essa pergunta estão contidas nos seguintes fragmentos do relatório: “Às instituições locais somou-se o empenho de técnicos com larga experiência em projetos de usinas hidrelétricas e seus impactos ambientais, da LEME Engenharia Ltda., responsável pela elaboração do EIA e do RIMA.”(p. 6) “A proposta para a implantação das Usinas Santo Antônio e Jirau é uma iniciativa da parceria firmada entre as empresas FURNAS Centrais Elétricas S.A. e ODEBRECHT – Construtora Norberto Odebrecht S.A.”(p. 11) Nesses fragmentos de texto fica cabal a existência de agentes interessados no projeto, cabe ressaltar que os mesmos financiaram e prepararam o Relatório de Impacto Ambiental configurando assim uma visão unilateral das realidades sociais captadas no documento. Nesse contexto a neutralidade axiológica dos posicionamentos expressos no conteúdo do relatório fica prejudicada.

VII – Há alinhamento e coerência entre a conclusão e as realidades sociais expostas no relatório? Os dois fragmentos do texto abaixo expressam o posicionamento conclusivo dos responsáveis pelo relatório. “Os impactos relacionados ao desmatamento nas usinas em questão são relativamente pequenos, quantitativamente falando, se comparados à supressão de vegetação causada pelo avanço da pecuária no estado. Por outro lado, e ao contrário desta, o desmatamento vinculado aos projetos pode ser compensado pela recuperação de ambientes similares da própria bacia do Madeira.” (p. 79)

“Dessa forma, pode-se concluir que a viabilidade ambiental da implantação das Usinas de Santo Antônio e Jirau deverá ser construída, devendo contar com um aparato institucional, governamental e não-governamental, fortalecido e preparado para enfrentar seus desafios.”(p. 80) É notória a falta de alinhamento da conclusão como o conteúdo do relatório estudado, pois a viabilidade ambiental não se apresenta como uma realidade palpável. Os responsáveis pelo relatório argumentam que os impactos já realizados e fruto de uma política de ocupação e aproveitamento econômico na região, justificaria um novo ataque e esse meio ambiente apontando os impactos decorrentes da construção das usinas como mínimos, e essa idéia não se sustentam ao se ler o conteúdo do relatório de forma crítica e racional.

Considerações Finais O ambientalismo não é mais somente uma preocupação para ecologistas, moralistas e amantes da natureza. Durante as últimas duas décadas, evoluiu para uma força poderosa, gerando mudanças que cruzam todo o espectro das atividades humanas. Nesse contexto, verifica-se que todas as economias nacionais se vêem obrigadas ao ajuste às novas realidades ambientais, mas cada uma reage no seu próprio ritmo e de maneiras fortemente influenciadas por seus hábitos culturais e pelo seu momento social em relação a outros países no mundo. No Brasil esse novo paradigma é sentido de forma mais acentuada, pois dois fatores influenciam fortemente essa visão: i) a riqueza ambiental do país e ii) a economia emergente em franca ascensão.

Esses fatores causam conflitos de interesses, quando da execução de grandes

empreendimentos que causam impactos consideráveis ao meio ambiente. Os Estudos de Impactos Ambientais apresentam variáveis e argumentos tidos como válidos e suficientes para dirimir esses conflitos, ao explorarem as realidades sociais que direta ou indiretamente serão afetadas por projetos de interesse estratégico e que demandam impactos ambientais. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), proposto para as obras das hidrelétricas do Rio Madeira, instrumento analisado nessa pesquisa, extrapola os limites da área ambiental ao explorar também impactos de natureza social e econômica, posicionando-se no sentido da integração dessas áreas, ou seja, admitindo que a modificação ambiental ocasione também a modificação

em outras áreas

sociais. O resultado da análise feita no documento revelou uma incongruência das suas conclusões com as realidades sociais contidas nas informações explicitadas em seu conteúdo. Presume-se que essa desproporção seja o produto da conjuntura que agrega diferentes fatores, entre eles: a) a

unilateralidade dos pensamentos ao expressarem apenas os interesses do grupo interessado economicamente na execução do projeto; b) o momento econômico do país, que em franco desenvolvimento necessita de uma maior oferta de energia; c) o afastamento do governo, deixando a iniciativa privada a cargo do planejamento e execução dessas grandes obras estratégicas; e d) a sensibilidade social da região, onde os horizontes econômicos são limitados o que influi de forma significativa na percepção social sobre os projetos. O fato é que existem grandes impactos apontados no relatório para os quais não existem medidas reparadoras ou compensatórias. Esses impactos apesar de não terem sido quantificados monetariamente sinalizam a existência de um enorme passivo ambiental, passivo este que o texto narrativo do relatório trata como pequeno ou mínimo, na defesa de um custo benefício aceitável, mesmo não havendo indicadores econômicos que alicercem esse entendimento. A base argumentativa dos responsáveis pelo relatório apresenta uma comparação entre os impactos ambientais ocorridos quando da ocupação dos espaços sociais na região e aqueles previstos na implantação das usinas. Esses argumentos nos parece descabidos na medida em que tenta utilizar posicionamentos errôneos do passado para justificar decisões presentes, essa atitude corrobora o entendimento de que existe um tendencionismo factual no sentido da execução dos projetos a qualquer custo. No entanto a realidade social exposta pelo relatório aponta para uma região muito sensível e inteiramente integrada ao ambiente natural que será impactado com o projeto das usinas, demonstra também que as conseqüências do projeto não foram devidamente expostas, principalmente aquelas advindas após a execução das obras. No cenário social contido no conteúdo do relatório é possível prever perdas na flora e na fauna, extinção de atividades econômicas importantes para a região, sinalizando para um significativo desemprego estrutural, pois não são previsíveis outras atividades laborativas com potencial para a absorção dessa mão-de-obra que, por sua vez é caracterizada pela carência de competências além daquelas já existentes nas atividades econômicas que atualmente praticam. O aprofundamento da discussão apresenta-se de importância crucial, isto posto, o presente estudo não esgota o tema e se apresenta como uma possibilidade de aperfeiçoamento dos instrumentos legais que visam a proteção dos ativos ambientais do país em detrimento de interesses de grupos econômicos unilateralmente interessados na execução de grandes obras no Brasil.

REFERÊNCIAS

BASTOS, A. C. S.; ALMEIDA, J. R. Licenciamento Ambiental Brasileiro no Contexto da Avaliação de Impactos Ambientais. In: Cunha, Sandra Baptista da; Guerra, Antonio José Teixeira (Orgs.). Avaliação e Perícia Ambiental. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2002. BRASIL. Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 001 de 23 de janeiro de 1986. Dispõe sobre as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental. Brasília, DF. 1986 BRASIL. Agência Nacional de Energia Elétrica. Disponível em: HTTP://www.aneel.gov.br. Acesso em: 22 mar.2010. BRITO, E. N.. Avaliação de impacto estratégica: discussão conceitual e metodológica. Avaliação de Impactos, Rio de Janeiro, v. 1, n.2, p. 69-78. 1996 CAVALCANTI, C. Política de governo para o desenvolvimento sustentável: uma introdução ao tema e a esta obra coletiva: In: Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. Clóvis Cavalcanti (org). 4ª Ed. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco. 2002 CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. 2ª edição. Porto

Alegre: Artmed, 2007. DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA. Programa de substituição de energéticos importados por eletricidade. Brasília: Ministério das Minas e Energia, 1983. Eletronorte. Ações Ambientais em Usinas Hidrelétricas. http://www.eln.gov.br/opencms/opencms/pilares/meioAmbiente/acoesAmbientais/usinaHidreletrica.ht ml. Acesso em 18 fev 2010. FURTADO, C. O subdesenvolvimento revisitado em: Revista Econômica e Sociedade nº 1. Campina, IE: UNICAMP, agosto. 1992. IAIA – INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR IMPACTO ASSESSMENT. Principles of environmental impact assessment best practice. January. 1999. MENDES, D.; FEITOSA, A. IBAMA reduzirá em mais de 59% prazo para concessão de licença ambiental. Brasília. 17 jul 2007. Disponível em . Acesso em 18 de fev.2008. MERICO, L.F.K.. Introdução à economia ecológica. Blumenau: FURB. 1996. MILES, M. B, e HUBERMAN, A. M. Qualitative data analysis: A sourcebook of new methods. 2nd ed. Newbury Park : Sage, 1994. MONTAÑO, M. Os recursos hídricos e o zoneamento ecológico econômico: o caso do município de São Carlos (SP). 102 p. Dissertação (Mestrado). Universidade de São Paulo: São Carlos, 2002. MPF – Ministério Público Federal (2004). Deficiências em Estudos de Impacto Ambiental: Síntese de uma experiência. Brasília: 4ª Câmara de Coordenação e Revisão, Escola Superior do Ministério Público da União. SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3 ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002 SANCHEZ, L.E. Avaliação de impacto Ambiental: conceitos e métodos. São Paulo: Editora Oficina de Textos, 495 p. 2006. SILVERMAN, D. Interpretação de dados qualitativos: métodos para análise de entrevistas, textos e interações. Porto Alegre: Artmed, 2009. SOUZA, M. P. Instrumentos de gestão ambiental: fundamentos e prática. São Carlos: Riani Costa. 2000. THERIVEL, R. et al. Strategic environment assessment. London: Earth. 1994.