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aché: deveria um laboratório nacional fazer ... - Cases de Sucesso

ACHÉ: DEVERIA UM LABORATÓRIO NACIONAL FAZER DIFERENTE? Case preparado pelo Prof. Frederico Araujo Turolla e Maria Fernanda Freire de Lima Maio/2007 ...
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ACHÉ: DEVERIA UM LABORATÓRIO NACIONAL FAZER DIFERENTE?

Case preparado pelo Prof. Frederico Araujo Turolla e Maria Fernanda Freire de Lima Maio/2007

Destinado exclusivamente ao estudo e discussão em classe, sendo proibida a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. Direitos reservados ESPM.

www.espm.br [email protected] (11) 5085-4625

ESTRUTURA

Introdução Perfil e características da indústria farmacêutica Uma cadeia verticalmente integrada Há uma tendência a desintegração vertical? Ache integra para trás

O setor farmacêutico e os fitoterápicos Breve histórico do setor farmacêutico Fitoterápicos e o Ache

Razões da integração vertical O Ache e a última etapa da cadeia produtiva Perspectivas Desafios Observação importante Bibliografia

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RESUMO

Este case fala sobre a indústria farmacêutica e aborda a decisão do Laboratório Aché de desenvolver o antiinflamatório Acheflan®, o primeiro medicamento totalmente pesquisado e desenvolvido no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE Indústria farmacêutica, pesquisa e desenvolvimento, integração e desintegração vertical, medicamento.

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INTRODUÇÃO

de medicamentos, poupam-se cerca de US$ 3,65 em despesas hospitalares.

Já se ouviu e leu diversas versões de como o empresário Victor Siaulys, um dos donos do Laboratório

No Brasil, o setor reúne cerca de 700 estabelecimen-

Aché, pensou e resolveu desenvolver o antiinflama-

tos produtores de medicamentos para uso humano1,

tório Acheflan®, primeiro medicamento totalmente

dos quais 55% estão voltados à produção de me-

pesquisado e desenvolvido no Brasil. Uma delas con-

dicamentos alopáticos e 45% à produção de medi-

ta que, por causa de uma lesão recorrente no joelho,

camentos fitoterápicos. Da quantidade vendida em

um colega do time de futebol de areia de Monguaguá

2005, 45,3% foi produzida por laboratórios de capital

no litoral paulista, lhe recomendou passar no local

nacional, significando 39,2% do faturamento total da

machucado uma erva milagrosa capaz de curar qual-

indústria. Estes resultados apresentam um avanço

quer contusão. Outra fala de uma contusão no ombro

frente ao ano de 2001, quando a participação dos

jogando tênis no Guarujá, também no litoral paulista,

produtores de capital nacional na quantidade vendida

onde aplicou uma solução caseira de erva-baleeira ou

era de 34,1% e, no faturamento, de 31,8% . Mesmo

maria milagrosa encontrada originalmente nas re-

com a oscilação das quantidades vendidas, o fatura-

giões de Mata Atlântica, ou que comprou anos antes,

mento da indústria farmacêutica vem crescendo nos

de índios Caiçaras, uma garrafa que continha um lí-

últimos anos, mostrando a existência de um forte

quido que curava inflamações. O fato é que, em 2001,

potencial de crescimento, tanto no mercado interno

o Aché encontrou o princípio ativo da Cordia Verbe-

quanto no externo.

nácea, nome científico da planta que serviu de base para o remédio o Acheflan®, lançado em 2005.

Na indústria farmacêutica, os investimentos em P&D são significativos, podendo chegar a mais de um quinto

Filho de imigrantes lituanos em São Paulo, e movi-

das receitas totais dos laboratórios, enquanto a média

do pela demissão injusta de seu pai, então operário

dos investimentos das demais indústrias nessa área ge-

da Matarazzo, resolveu, menino ainda, ser advogado

ralmente se situa abaixo de 5% das receitas. A com-

trabalhista, como de fato o é, quando crescesse. Na

plexidade dos processos envolvidos em P&D de novas

pós-adolescência, dos 15 aos 18 anos, trabalhou na

drogas justifica o alto investimento, onde está embu-

banca de peixe do pai e sonhou também em ser um

tido igualmente o custo dos insucessos. Geralmente,

empreendedor. Em 1965, criou a sua primeira em-

de cada 5.000 a 10.000 moléculas sintetizadas, apenas

presa, a Prodoctor, especializada na comercialização

uma é aprovada por ano. Um estudo feito no começo

de produtos farmacêuticos. Um ano depois, com mais

dos anos oitenta mostrou que somente 30% das drogas

dois sócios, adquiriu o Laboratório Aché.

lançadas tinham retorno maior que os custos médios de P&D, evidenciando o risco envolvido neste negócio.

Além do Aché, Victor Siaulys possui o Hotel Unique em São Paulo, o Spa Unique Gardens de Atibaia no in-

Na cadeia produtiva da indústria farmacêutica, o Bra-

terior do estado e a Laramara, menina de seus olhos,

sil agrega relativamente pouco valor, pois seu parque

uma instituição para deficientes visuais que fundou

industrial se concentra principalmente nas duas eta-

depois da experiência de ter se tornado pai de uma

pas finais, a de produção de especialidades farma-

menina cega, terceira filha depois de dois meninos.

cêuticas e a de marketing e comercialização dessas especialidades farmacêuticas. A produção de fármacos, a segunda etapa, tem baixo desenvolvimento, e

PERFIL E CARACTERÍSTICAS DA INDÚSTRIA

a primeira, que demanda forte investimento em P&D,

FARMACÊUTICA

é a que está em estágio menos avançado no Brasil.

A indústria farmacêutica é um segmento intensivo

Estes resultados estão ligados ao fato das multina-

em tecnologia, voltado essencialmente ao setor de

cionais concentrarem seus esforços nas duas últimas

Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Algumas estima-

etapas, dado o tamanho do mercado brasileiro, e que

tivas dão conta de que, no mundo, para cada US$ 1,3

apesar de operarem em todas as etapas, concentram

mil alocados em pesquisa farmacêutica, aumenta-se

as duas primeiras em seu país-sede. Por outro lado,

um ano na expectativa de vida dos pacientes.

as empresas nacionais, bem como as subsidiárias

Da mesma forma, a cada dólar gasto na aquisição

1

Rais 2004.

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brasileiras das multinacionais, não dispõem de escala

Nesta indústria, a empresa típica aproveita grandes

nem de capacidade financeira para a realização de P&D

economias de escala na atividade de P&D, assim

no país, não dominando a tecnologia de produção dos

como na produção centralizada de alguns fármacos

fármacos de maior valor agregado. Por isso, o país im-

de alto valor agregado. A etapa de P&D é justamente

porta mais de US$ 2 bilhões ao ano na área farmacêuti-

o segmento de maior valor agregado na cadeia far-

ca, enquanto exporta apenas US$ 0,5 bilhão, sendo que

macêutica e está altamente concentrada em grandes

boa parte de seu déficit comercial se refere à aquisição

empresas multinacionais. Como segunda maior fonte

de fármacos junto ao mercado internacional, sendo que

de valor nesta cadeia, está a produção dos fármacos

muitos laboratórios que produzem no Brasil adquirem

e quanto mais se avança nesta cadeia, se vai “para

os fármacos de suas próprias matrizes que os produ-

frente” até o consumidor, menor o valor agregado.

zem de forma centralizada, com elevadas economias de escala e de escopo.

Dessa forma, a importância do desenvolvimento de novos princípios ativos é fator-chave para o sucesso

Em conseqüência, as empresas nacionais do setor se

dos negócios farmacêuticos, fazendo com que a in-

voltam para as linhas de produção com patentes expi-

tegração “para trás” seja fundamental na agregação

radas ou licenças para produção de medicamentos ori-

de valor para qualquer laboratório farmacêutico que

ginalmente desenvolvidos por multinacionais. Recente-

opere e atue nas últimas etapas da cadeia produtiva

mente, a introdução dos medicamentos genéricos deu

desta indústria.

novo fôlego a alguns laboratórios nacionais. Entretanto, os genéricos são baseados em princípios ativos com pa-

O lançamento de novas drogas chega a ser um im-

tente expirada e têm menor intensidade de P&D. Alguns

perativo de sobrevivência, assim como constitui a

esforços governamentais desde a década passada vêm

fonte principal dos lucros das empresas bem sucedi-

incentivando um crescimento das atividades de P&D no

das. Entretanto, este sucesso é quase um privilégio

país, inclusive no segmento de pesquisa clínica de no-

dos grandes laboratórios internacionais, pois além de

vas substâncias desenvolvidas em outros países, mas

exigir grandes investimentos, a atividade de P&D en-

estes segmentos são relativamente menos importantes

volve elevado risco. Os valores necessários para o

no conjunto do setor, no país.

lançamento de um único novo medicamento são, em geral, da ordem de centenas de milhões de dólares, e

Uma cadeia verticalmente integrada

muitas vezes o investimento é perdido por resultados insatisfatórios dos estudos clínicos, baixa segurança

A cadeia da indústria farmacêutica se inicia com a

ou eficácia no uso do medicamento resultante, ele-

atividade de P&D que corresponde essencialmente

vada probabilidade de efeitos colaterais, entre outras

ao desenvolvimento de novas moléculas ou princí-

causas de insucesso.

pios ativos, também chamados de fármacos. O passo seguinte é a produção destes fármacos que são a

Há uma tendência a desintegração vertical?

essência dos remédios, ou seja, constituem a parte do medicamento que efetivamente apresenta efeito

Tradicionalmente as farmacêuticas costumam ser

terapêutico. Em seguida, a produção de especialida-

empresas fortemente integradas na dimensão ver-

des farmacêuticas, os medicamentos finais, ocorre a

tical, envolvidas com toda a cadeia de valor desde a

partir dos fármacos. A cadeia termina com a comer-

geração dos fármacos até a produção dos medicamen-

cialização destas especialidades farmacêuticas. A fi-

tos e marketing. Algumas empresas, no entanto, como

gura ilustra esta cadeia.

a Pfizer e Eli Lilly, terceirizaram parte de suas funções, criando uma mudança de paradigma da indústria.

P&D

Produção de fármacos

Produção de especialidades farmacêuticas

Comercialização ou disponibilização

Estas duas farmacêuticas transformaram seus negócios em três objetivos fundamentais: • um negócio de relação com o cliente, responsável por encontrar clientes e criar relacionamento com eles. Inclui marketing e venda dos medicamentos.

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• um de inovação de produtos, responsável por criar

para outras atividades. Enquanto isto, empresas alta-

novos produtos e serviços e os levar ao mercado e

mente especializadas, as chamadas CRO – Contract Research Organizations ou organizações de pesquisa,

• um de infra-estrutura, que cria e gerencia as insta-

concentram suas energias no teste clínico da droga.

lações para tarefas repetitivas de grande volume tais

Algumas das principais CRO internacionais mantêm

como manufatura e comunicação.

operações importantes no Brasil, já que o país hoje participa dos testes clínicos realizados por grandes

A atividade de negócio passou a ser o foco dessas

laboratórios em âmbito internacional. Entre estas,

empresas farmacêuticas. A terceirização de parte im-

podem ser citadas a Pharmaceutical Product Develo-

portante de sua cadeia permite aos laboratórios mul-

pment (PPD) e a Quintiles.

tinacionais uma maior especialização num determinado segmento. Por outro lado, abriu a possibilidade

Com esses novos desdobramentos, o modelo tradi-

que um maior número de empresas especializadas,

cional, quase totalmente integrado, tornou-se menos

de menor porte, reaja à constante mudança dos ce-

vital para as empresas farmacêuticas, permitindo

nários de negócios e permitam uma melhor adminis-

que recorram à empresa de biotecnologia, aceleran-

tração de riscos pelo laboratório. As principais áreas

do seus processos de descoberta de novos fármacos,

que têm sido objeto de contratação externa têm sido

além de reduzir os custos da descoberta, e também

o desenvolvimento de novas drogas e o processo de

às CRO para os testes clínicos. Essa mudança de pa-

testes clínicos.

radigma na cadeia também permitiu que as empresas focassem em suas competências essenciais, criando

Note-se que a decisão não é trivial. Estas duas áreas

valor no longo prazo.

são justamente os elementos-chave da cadeia farmacêutica, exatamente aquelas áreas onde os erros

Aché integra para trás

podem se revelar fatais para a saúde do laboratório! Na contramão do que tem sido apontado como uma Na área de desenvolvimento, a inovação, nos casos

tendência internacional, em um mercado onde a inte-

Pfizer e Eli Lilly, a contratação externa envolveu as em-

gração vertical pode ser muito importante para o suces-

presas de biotecnologia Millenium Pharmaceuticals e

so do negócio, o Aché aproveitou a oportunidade de “in-

Human Genome Science. Estas têm como foco o desen-

tegração para trás” no mercado farmacêutico a partir de

volvimento de tecnologias que apressem o processo de

uma vantagem tipicamente brasileira: os fitoterápicos.

descoberta de novas drogas para as farmacêuticas. Muitos defendem que há uma grande oportunidaAntes, estas empresas tradicionalmente totalmen-

de para que a indústria farmacêutica brasileira, que

te integradas, se utilizavam do processo de tenta-

nunca foi integrada desde os processos de P&D, rea-

tivo e erro de desenvolvimento de drogas líderes, o

lize uma “integração para trás”, verticalizando-se na

que impõe riscos importantes. A terceirização abre

cadeia como as típicas empresas internacionais. Esta

a possibilidade de transferência e de controle des-

oportunidade seriam os medicamentos fitoterápicos,

ses riscos, permitindo novas descobertas, progres-

à base de plantas. Estes têm menor custo de desen-

sos tecnológicos que, paradoxalmente, aumentam a

volvimento e, no Brasil, podem se beneficiar da gran-

própria complexidade. Uma importante razão é que

de biodiversidade que caracteriza o país. A próxima

as empresas menores de biotecnologias se adaptam

seção contextualiza esses medicamentos na indústria

mais facilmente às mudanças tecnológicas do que as

farmacêutica local e internacional.

gigantes farmacêuticas. Não por outro motivo, muitas destas empresas crescem a taxas superiores a 20% ao ano e vêm conquistando espaço nos orça-

O SETOR FARMACÊUTICO E OS FITOTERÁPICOS

mentos de desenvolvimento farmacêutico dos grandes laboratórios.

Breve histórico do setor farmacêutico no Brasil

A separação da fase de teste das drogas teve inten-

O uso de plantas medicinais com finalidade terapêuti-

ção de ganhar escala e escopo. O grande volume de

ca remonta à China, em 3000 a.C, quando os recursos

capital exigido para esta fase pode ser redirecionado

da flora já eram utilizados no tratamento de diversas

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doenças. No Brasil, o uso de plantas medicinais pela

Mas a partir dos anos 80, praticamente como uma

população indígena foi descrito pelos portugueses

volta ao passado, ressurge o interesse pela pesquisa

logo em sua chegada ao continente sul-americano.

de substâncias naturais, como base para o desenvolvimento de novos fármacos.

Já no século XIX, algumas plantas passaram a compor as farmacopéias alopáticas e homeopáticas. Com

Estes passaram a desempenhar importante papel na

o desenvolvimento da química orgânica, no período

medicina moderna, fornecendo fármacos importantes

da revolução industrial, possibilitou-se o uso de subs-

e de difícil obtenção via síntese química. Atualmente,

tâncias sintetizadas quimicamente que passaram a

o mercado mundial de medicamentos fitoterápicos

ganhar espaço nas escolhas terapêuticas. Assim, os

representa US$ 43 bilhões por ano, sendo US$ 5 bi-

extratos vegetais foram substituídos por fármacos

lhões só nos Estados Unidos.

sintéticos, produzidos por grandes conglomerados a partir de vultosos investimentos em P&D.

Fitoterápicos e o Aché

No início do século XX, a indústria farmacêutica se

Os principais e grandes laboratórios multinacionais

resumia às boticas e farmácias locais, sem grandes

concentram suas atividades de P&D em seus países

esforços de pesquisa. As empresas evoluíram inicial-

de origem. No entanto, o segmento de fitoterápicos

mente como empresas familiares, passando, após a

pode ser promissor para o desenvolvimento de tec-

Segunda Guerra Mundial para a expansão das princi-

nologia brasileira, a partir de vantagens de localiza-

pais indústrias farmacêuticas internacionais.

ção que pode tanto atrair atividades de pesquisa de empresas internacionais para o país quanto viabilizar

A indústria que floresceu no pós-guerra contava com

empresas de capital nacional. O Brasil apresenta uma

o volume de capital necessário ao desenvolvimento

singular biodiversidade natural e a produção destes

de tecnologia de produção em escala industrial de

fármacos é mais barata que a dos sintéticos, por re-

medicamentos de fármacos sintéticos, notadamente

sultarem de processos produtivos mais simples.

os antibióticos e, em particular, a penicilina. Neste período, ingressaram no mercado brasileiro, através

A oportunidade de realizar uma “integração para trás”

de aquisições de empresas já existentes ou instala-

na indústria farmacêutica brasileira sem realizar os

ção de filiais, uma vez que, no país, faltavam inves-

investimentos tipicamente elevados em P&D aparece

timentos em pesquisa no setor. Em 1949, o Instituto

de forma marcante no segmento de medicamentos

Medicamenta Fontoura associou-se à norte-america-

fitoterápicos. Foi explorada pelo Aché, um laborató-

na Wyeth International e à Bristol-Myers, passando a

rio de capital nacional, hoje sediado em Guarulhos,

distribuir seus produtos no Brasil através de associa-

nascido em 1922, em Ribeirão Preto-SP, resultado de

ção com a Laborterápica.

uma parceria entre o médico francês Philip Aché e o farmacêutico João Palma Travassos, e que, em 1966,

No final da década de 70, a indústria farmacêutica

foi adquirido pela Prodoctor, mantendo o nome Aché.

nacional ganhou impulso no momento em que em-

Em 1973, o Aché figurava entre os 10 maiores labo-

presas brasileiras compraram multinacionais:

ratórios do país.

• a Quimiofarma foi vendida a Darrow Laboratórios,

Em 1978, criou a Química Aché, concretizando seu projeto de controle de qualidade do laboratório. Mais

• a Panquímica ao Laboratório Gross e

tarde, em 1987, em uma joint venture, se uniu à Merck Sharp & Dohme, resultando na constituição

• a italiana Bracco-Novoterápica ao Aché Laboratórios.

da binacional Prodome. Em 1988, adquiriu a Bracco-

Este é um caso notório de sucesso de laboratórios

Novoterápica e em 2002, a alemã Asta Médica. Foi

farmacêuticos de capital nacional.

sua estratégia para se consolidar com a obtenção de licenças de produtos provenientes de pesquisas dos

No que tange os medicamentos fitoterápicos, estes

grandes laboratórios farmacêuticos internacionais.

tinham sido substituídos por fármacos sintéticos e

Anos antes, em 1996, passou a ocupar posição de

permaneciam apenas como tratamento alternativo.

liderança entre as farmacêuticas do Mercosul, posição esta que dura até hoje, com 240 opções terapêuticas.

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auferido no ano anterior. Neste ano, após a compra da Recentemente, investiu na divisão de Fitomedica-

Biosintética Farmacêutica Ltda, o Aché alcançou a pri-

mentos e apesar de serem poucos laboratórios na-

meira posição no ranking farmacêutico nacional, com

cionais que o fizeram, contribuiu desta forma, junta-

aproximadamente 7% de participação.

mente com a Biobrás S.A e Quiral Química do Brasil, com o avanço do país em P&D no setor. Entre seus

Não só o Acheflan®, mas as etapas de produção de

concorrentes neste segmento, estão o Herbarium,

P&D de todo medicamento fitoterápico são as mes-

igualmente de capital nacional.

mas que as de um medicamento sintético. Ao todo, a divisão de fitoterápicos, a Phytomédica, possui 7

Para isso, paralelamente ao seu crescimento, em me-

produtos no mercado:

ados da década de 90, o Aché formou seu Núcleo Estratégico de Pesquisa e Desenvolvimento, que com-

• Acheflan® creme, (lançado em 2005) e aerosol

porta o estudo das plantas para o desenvolvimento

(lançado em 2007) elaborado com o extrato oleoso

de novos medicamentos fitoterápicos. Esse esforço

de Cordia verbenacea e indicado no tratamento de

permitiu o lançamento, em 2003, o Soyfemme®, um

tendinite crônica e dores miofasciais (musculares);

medicamento à base de soja. • Soyfemme® (lançado em 2003), a base de isoO primeiro medicamento 100% nacional, totalmente

flavonas da soja, para tratamento dos sintomas do

pesquisado e desenvolvido no país, veio a ser lança-

climatério;

do em 2005. O antiinflamatório Acheflan® foi desenvolvido a partir de sete anos de estudos em parceria

• Remilev® (lançado em 2006), composto de Vale-

com universidades nacionais, com um investimento

riana officinalis e Humulus lupulus para o tratamento

de R$ 15 milhões, que pode ser considerado baixo

de distúrbios do sono;

frente aos investimentos em novas drogas realizados pelos grandes laboratórios internacionais.

• Remotiv® (lançado em 2005), a base de Hypericum perforatum e indicado para o tratamento de de-

A idéia de desenvolvê-lo resulta de experiência pes-

pressão leve a moderada;

soal positiva de um dos principais acionistas do Aché, Victor Siaulys, que resolveu pesquisar e desenvolver

• Antilerg® (lançado em 2006) feito a partir de Pe-

medicamentos a partir do aproveitamento da exten-

tasites hybridus e utilizado no tratamento da rinite

sa flora nacional. O Acheflan®, no entanto, seguiu as

alérgica;

mesmas etapas de P&D de um medicamento sintético, sendo desenvolvido desde a identificação da mo-

• Dinaton® (lançado em 2000), a base de Gingko

lécula na própria planta, a Cordia verbenácea, pas-

biloba, para problemas vasculares-cerebrais;

sando pela descoberta do princípio ativo, até a criação do medicamento. Foi depois comparada a drogas

• Kamillosan® (lançado em 1996), a base de camo-

sintéticas para que se pudesse avaliar sua eficácia.

mila, para tratamento de dermatites.

Foram depositados as patentes do extrato oleoso e do princípio ativo e logo será apresentada a versão por via sistêmica.

RAZÕES DA INTEGRAÇÃO VERTICAL

Descobrir uma droga cujo princípio ativo é uma planta

Em qualquer indústria, o processo de produção co-

e não uma molécula sintética permitiu ao Aché se situar

meça com a aquisição de matérias-primas e termina

e se destacar num mercado novo e inovador, o dos fito-

com a distribuição e venda de bens e serviços aca-

medicamentos, mercado este desconhecido ainda pelas

bados: é a cadeia vertical. A questão fundamental na

multinacionais do setor. Esse mercado pode chegar a

estratégia do negócio é como organizar esta cadeia.

movimentar no mundo algo como US$ 22 bilhões. Hoje, o laboratório fatura e possui um portfólio de me-

Geralmente, as fronteiras verticais de uma empresa

dicamentos com cerca de 250 opções terapêuticas. Em

definem as atividades que ela mesma executa, em

2005, seu faturamento foi de R$ 1,1 bilhão e obteve

oposição às aquisições e encomendas demandadas

um lucro líquido de R$ 87 milhões, quase o dobro do

a outras empresas independentes do mercado. A

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necessidade de definição dessas fronteiras verticais

resposta negativa, deve assumir a atividade. Se sim,

para uma empresa é fundamental, tomando a forma

deve determinar se há possibilidade de impedimento

da decisão de comprar determinada atividade ou de

das relações com a empresa independente por pro-

produzir internamente.

blemas de informação, coordenação ou mesmo apropriação de renda. No caso de não haver impedimen-

Assim, existe a opção da empresa comprar uma ati-

tos, deve-se usar o mercado. No caso deles existi-

vidade produtiva, ou terceirizá-la, significando que a

rem, ainda é necessária a avaliação de esse risco ser

empresa se torna dependente de uma empresa inde-

evitado através de contratos ou governança interna.

pendente para executar uma atividade de sua cadeia produtiva, mesmo que seja sob contrato. A decisão

Faz-se importante notar que, a empresa integrada,

de produção ou de compra implica o desenvolvimento

ao replicar simplesmente os incentivos de mercado,

da própria fonte de matéria-prima ou de provimento

pode se deparar com problemas motivacionais e de

de seus serviços de distribuição. Num meio termo

mediação interna por recursos, que resultam em mais

entre empresas integradas ou terceirizações, haveria

custos. Por sua vez, a terceirização pode apresentar

as joint ventures e alianças estratégicas onde duas

problemas de coordenação, em produtos de design,

ou mais empresas criam uma entidade independen-

por exemplo, ou custos de transação. Mais, as empre-

te, porém com recursos de ambas.

sas integradas podem se tornar relutantes em adquirir suas atividades, se isto envolver o risco de perda de

Há riscos de se cair em lugares comuns e em diver-

controle de informação valiosa ou sigilosa.

sos sofismas. Por exemplo, é comum pensar que uma empresa deve comprar ao invés de produzir para não

As razões para aquisição das atividades no mercado po-

incorrer em custos, quando na verdade pagará por

dem trazer benefícios tangíveis, como produção a cus-

eles da mesma forma na aquisição do bem ou serviço.

tos mais baixos, benefícios de economias de escala e economias de aprendizagem. No entanto, aspectos in-

Ou mesmo, tomar a decisão de produzir ao invés de

tangíveis se constituem de efeitos ou custos da agên-

comprar, pois supostamente lhe possibilitaria auferir

cia, como negligência profissional ou contratação de

os lucros daquela atividade. Os lucros representam

mais funcionários que o necessário, entre outros.

o retorno necessário para atrair investimento, tanto

Há igualmente os custos de influência que se dão em

faz se para a empresa que produz ou para a outra

função da alocação dos recursos financeiros, i.e, gera

de quem compra. Ainda, pensa-se comumente, que

um gasto da empresa em atividades de influência do

as empresas verticalmente integradas são capazes

mercado de capital interno de alocação de capital para

de produzir seus insumos a preços de custo, obten-

um ou outro setor, além dos corriqueiros custos dos

do vantagens sobre suas concorrentes cuja estrutura

contratos das transações, do tempo e despesa das ne-

não é integrada e que pagam o preço de mercado

gociações e vazamento de informações privativas.

pela atividade. Isso não considera os custos de oportunidade, como o mercado aberto, por exemplo.

O ACHÉ E A ÚLTIMA ETAPA DA CADEIA PRODUTIVA

Assim, a decisão final deve depender de qual solução

A fase dos testes pré-clínicos e clínicos, que deve ser

tornará mais eficiente a produção. Deve-se avaliar

realizada com absoluta precisão, constitui etapa de-

também os custos e benefícios de utilizar o merca-

licada da cadeia produtiva da indústria farmacêutica.

do, pois as empresas independentes podem atingir

No Brasil, há que se enviar um dossiê à Agência Na-

as economias de escala necessárias na atividades

cional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo

terceirizadas, o que a internalização não permitiria,

de aprovar o medicamento. Para que um medicamen-

por exemplo. A internalização poderia, por sua vez,

to seja aprovado, além da fase de testes chamada

camuflar ineficiências de administração, encorajando

de pré-clínica onde pode ser testado em animais, há

eficiência e inovação nas independentes.

mais três etapas com testes em humanos.

A decisão envolve, ainda, um balanceamento calcula-

Na fase 1, se analisa a toxicidade do produto. Nas fa-

do e preciso de diversos benefícios e custos de inte-

ses 2 e 3, o que se procura é testar a eficácia e a to-

gração. Primeiro, é importante analisar se o mercado

lerância ao medicamento. E, no caso do Acheflan®,

oferece alternativas à integração vertical. No caso de

apesar de diversos voluntários para os testes, o teste

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de comparação do medicamento com placebos quase inviabilizou o projeto, por estarem tratando de pa-

O faturamento do laboratório em 2006, comparado ao

cientes com dor. O impasse foi resolvido comparan-

de 2005, cresceu 54%, totalizando uma receita opera-

do-o com outro antiinflamatório do mercado.

cional bruta de R$ 1.772 milhões. Sua receita líquida foi de R$ 1 bilhão, 34% acima do ano anterior. Este cres-

O cuidado do Aché, no entanto, não se resume à P&D

cimento se deveu ao crescimento nas vendas, do efeito

dos seus medicamentos. As embalagens dos remé-

cambial sobre a importação de matérias-primas, além

dios são igualmente fabricadas e comercializadas de

da contabilização dos resultados da Biosintética adquiri-

acordo com normas e padrões de segurança e qua-

da em 2005. Esta, no entanto, por causa das despesas

lidade impostos pelas leis e órgãos brasileiros. Para

com sua compra, fez o lucro líquido cair 18%, para R$

evitar falsificações de medicamentos, está desenvol-

71 milhões em 2006. Já seu lucro operacional aumen-

vendo um projeto de sistema de identificação através

tou 29% em 2006, para R$ 702 milhões.

de rastreabilidade de sistema eletrônico. O Aché continua investindo fortemente em P&D de A embalagem certamente é componente de marketing,

novos produtos e tem 22 projetos em andamento de

mas o Aché se viu compelido a trabalhar melhor este

associações de moléculas e pesquisa de fitomedica-

aspecto com o aumento do volume de medicamentos

mentos e biotecnológicos. Os investimentos alcan-

isentos de prescrição (MIP). Além disso, desde 1996,

çaram R$ 11,9 milhões em 2006. Para 2007, esse

todas as embalagens dos medicamentos do Labo-

valor deverá chegar a R$ 20 milhões, valor irrisório

ratório são comercializados com as informações no

se comparado ao R$ 1,7 bilhão de faturamento da

método braille. Em 2006, foi lançada a bula em áudio,

empresa e aos da média das grandes farmacêuti-

com o intuito de atender aos pacientes com deficiência

cas internacionais, que dedicam à área de P&D, de

visual, idosos e portadores de necessidades especiais.

6% a 20% do faturamento líquido. O Centro de P&D do Aché visa a pesquisa e desenvolvimento de me-

O Aché não fabrica, no entanto, suas embalagens,

dicamentos inovadores, com estudos próprios e em

mas tem fornecedores, todos parceiros do Laborató-

parceria com universidades brasileiras. O Aché conta

rio e contratados com base em critérios técnicos, pro-

hoje com 90 patentes e 1126 marcas registradas.

fissionais e éticos, que incluem desde o cumprimento da legislação trabalhista e do Estatuto da Criança e

Os planos para este ano de 2007 incluem investi-

do Adolescente, até as normas ambientais e de se-

mentos de R$ 150 milhões em um novo complexo

gurança. Para isso, promoveu a capacitação dos seus

produtivo de líquidos em Guarulhos, com o objetivo

principais fornecedores.

de adequar a produção do laboratório aos padrões de qualidade e às normas regulatórias internacionais e

PERSPECTIVAS

com vistas à ampliação do mercado externo. Para o futuro próximo, entre 2008 e 2009, serão 68 milhões

Por ser um mercado pulverizado e extremamente

investidos na linha de sólidos e semi-sólidos. Assim,

competitivo, com a participação de diversas empre-

esta nova unidade terá capacidade produtiva de 250

sas nacionais e estrangeiras, o Aché segue um novo

milhões de unidades/ano.

modelo de gestão dividido por unidades de negócio: O Aché pretende também ampliar suas exportações que, • Prescrição Médica

em 2006, ficaram em R$ 5 milhões e que, por ora, respondem por uma pequena parcela do seu faturamento e ba-

• Genéricos

sicamente para países latino-americanos. Quer entrar nos mercados americano, europeu e japonês, além de fechar

• MIP

parcerias com laboratórios estrangeiros, como uma concluída recentemente com uma das maiores farmacêuticas

• Industrial

mexicanas, a Silanes.

• Centro de Serviços Compartilhados e

De modo geral, além do crescimento das exportações e da ampliação da internacionalização através

• P&D.

de aquisições, os planos de crescimento da empresa www.espm.br/publicações 10

incluem o aumento de seu portfólio de medicamentos

selho onde será tomada uma decisão estratégica, a

com desenvolvimento próprio, dos licenciamentos de-

de terceirizar as operações de pesquisa clínica. Qual

correntes e da entrada em novos mercados, como o

a sua posição sobre a decisão a ser tomada?

de dermocosméticos com o grupo alemão Beiersdorf. Para isso, serão necessários cerca de R$ 100 milhões

3. Agora suponha que o laboratório nacional que você

investidos este ano, o dobro de 2006.

preside foi adquirido por uma grande empresa farmacêutica multinacional, e você continuará ocupando a

Um dos focos de expansão é a área de negócios dos

Presidência no Brasil. Sua opinião sobre a estratégia

MIP, que em 2006 movimentou entre R$ 5 e 6 bilhões

mudaria após a aquisição? Ou você considera que a

somente no Brasil e respondeu por 15% das receitas do

estratégia da unidade brasileira deveria ser mantida,

Laboratório. A de prescrição foi responsável por 70% e

mesmo com a aquisição internacional?

a unidade de genéricos, pelos 15% restantes. Uma das alternativas encontradas por José Ricardo Mendes da Silva, Diretor Geral de Operações do Aché

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE

desde 2001 e principal executivo da empresa, para para financiar o crescimento na área de fitomedica-

Este caso foi escrito inteiramente a partir de infor-

mentos, é abrir o capital da empresa e lançar ações

mações públicas. Não é intenção dos autores avaliar

na bolsa de valores de São Paulo. Estratégia que está

ou julgar o movimento estratégico da empresa em

sendo estudada com extremo zelo.

questão. Trata-se apenas da elaboração de um texto para reflexão em ambiente acadêmico.

DESAFIOS 1. Uma questão importante a partir da experiência do Aché é se outros laboratórios nacionais deveriam seguir a mesma estratégia de realizar seu próprio esforço de desenvolvimento de novos medicamentos, na contramão do que vêm fazendo alguns importantes laboratórios internacionais. Por exemplo, ManteCorp é um laboratório nacional, oriundo de uma joint venture com o Schering Plough. A joint venture foi desfeita em 2006, e o laboratório passou a atuar isoladamente. O faturamento da ManteCorp em 2006 foi da ordem de 712 milhões de reais, ou seja, como os demais laboratórios nacionais, não é uma empresa com grande fôlego para a introdução de novas moléculas como fazem os grandes laboratórios internacionais. Porém, a empresa precisa crescer e pode fazer isto de várias formas. As opções disponíveis incluem o licenciamento de novos medicamentos, que podem garantir aumentos de faturamento a curto prazo; e o desenvolvimento de novos medicamentos, como fez o Aché. Se estivesse em posição de tomar decisão os rumos estratégicos de ManteCorp, considerando a experiência do Aché, qual a combinação entre estas e outras opções preferiria como fonte de crescimento sustentado da empresa? 2. Outro desafio importante diz respeito à gestão da pesquisa clínica. Suponha que você tem sobre a sua mesa de trabalho, como Presidente de um grande laboratório nacional, a pauta de uma reunião do Conwww.espm.br/publicações 11

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