A REVOLUÇÃO DA ESPERANÇA: Na Perspectiva de Erich Fromm Escrito por Joel Heinzen Qua, 02 de Julho de 2008 14:19
1. Introdução Um espectro nos espreita. Não é o velho fantasma do comunismo ou do fascismo. É um novo espectro: uma sociedade mecanizada dedicada à máxima da produção e consumo materiais e dirigida por computadores. E, neste processo social o próprio homem está sendo transformado numa parte da máquina total. Talvez o seu aspecto mais agourento atualmente seja o fato de que parecemos perde r o controle do nosso próprio sistema. Como seres humanos não temos outras metas senão produzir e consumir cada vez mais. Como aconteceu isso? De que maneira o homem no auge da sua vitória sobre a natureza torna -se prisioneiro de sua própria criação e cor re o sério perigo de se destruir? R:. Na busca da verdade científica, o homem encontrou conhecimento que poderia usar para dominar a natureza e ele teve um espantoso êxito. Mas com uma ênfase unilateral à técnica e ao consumo material, o homem perdeu o co ntato consigo mesmo, com a vida. Tendo perdido a fé religiosa e os valores humanistas a ela ligados. A máquina que o homem construiu tornou -se tão poderosa que desenvolveu seus próprios programas e agora determina o próprio pensamento do homem. Atualmente um dos mais graves sintomas de nossa economia é o fato de que ela se apoia na produção de armamentos e no princípio do consumo máximo. Estamos produzindo bens que nos ameaçam com a destruição física, e transformamos o indivíduo num consumidor passivo e, a ssim, o insensibilizamos, e que criamos uma burocracia que faz com que o indivíduo se sinta importante. “Devemos produzir pessoas doentes a fim de ter uma economia sadia?” A tecnologia deve estar a serviço do homem e não o homem à tecnologia. Os chavões tradicionais como “direita” e “esquerda” ou “comunismo” e “capitalismo” perderam o seu significado. As pessoas buscam uma nova orientação, uma nova filosofia, que se centralize nas prioridades da vida – física e espiritual – e não nas prioridades da morte ( o que um sistema organizacional humano deve ter como centro: o dinheiro, a economia, produção? Ou a dignidade do ser humano?). Atualmente existe uma desesperança generalizada com relação à possibilidade de mudar o caminho que tomamos (Utopia). Essa deses perança é sobretudo inconsciente, enquanto, conscientemente, as pessoas são otimistas e esperam maior progresso. 2. A esperança A esperança é um elemento decisivo em qualquer tentativa para ocasionar mudança social na direção de maior vivência, consciênc ia e razão. O que é ter esperança? Será ter esperança, se o objetivo da esperança não é senão uma vida mais plena, um estado de maior vivência, uma Na Perspectiva de Erich Fromm - 1
libertação do enfado eterno, ou para usar um termo teológico, a salvação, ou um termo político, a revolução? Na verdade esse tipo de expectativa poderia ser esperança, mas não é esperança se tem a qualidade de passividade e de espera, (chama isso de disfarce para a resignação, ou uma simples ideologia). Mas também não é forçar a situação. Aqueles cuja esperança é fraca decidem pelo conforto ou pela violência; aqueles cuja esperança é forte veem e apreciam todos os sinais da nova vida e estão prontos a todo instante para ajudar no nascimento daquilo que está pronto para nascer. Ter esperança é um estado de ser (dificuldade de expressão verbal sobre esperança: não há palavras que expressem a sua realidade mais profunda, na arte ela é melhor expressada). É uma disposição interior, aquela atividade intensa, mas ainda não gasta. A fé: A esperança está ligada intimamente ligada à fé. A fé é a convicção do que ainda não foi provado; o conhecimento da possibilidade real, a consciência da gravidez. A fé é racional quando se refere ao conhecimento do real que ainda não nasceu. A fé com o a esperança não é a previsão do futuro; é a visão do presente num estado de gravidez e ambas são vividas (do sentido de atividade). A firmeza: Na estrutura da vida existe outro elemento ligado à esperança e à fé: a Firmeza. A firmeza é capacidade de res istir à tentação de se comprometer a esperança e à fé transformandoas – e assim destruindo-as – em otimismo vazio ou em fé irracional. A firmeza é a capacidade de dizer não quando o mundo quer ouvir sim. Sendo qualidades essenciais da vida, a esperança e a fé estão pela sua própria natureza, movendo-se rumo a transcendência do status quo, individual e socialmente. É uma das qualidades de toda a vida que está num constante processo de mudança e jamais permanece a mesma em qualquer momento determinado. A v ida que estagna tende a morre; se a estagnação é completa a morte ocorreu. Segue-se que a vida em suas qualidades móveis, tende a romper e a vencer o status quo. Ficamos mais fortes ou mais fracos, mais sábios ou mais tolos, mais corajosos ou mais covardes. Cada segundo é um momento de descrição para melhor ou para pior. A ressurreição: Ressuscitar não é a criação de outra realidade segundo a realidade dessa vida, mas a transformação dessa realidade rumo a maior vivência. O homem e a sociedade são ressuscitados a cada momento no ato de esperança e de fé no momento presente; todo ato de amor, de estado de ser cônscio, de compaixão; todo ato de preguiça, de egoísmo, é morte. Esperança Messiânica: a fé, a esperança e a ressurreição neste mundo encontraram sua expressão clássica na visão messiânica dos profetas. Eles não predizem o futuro mas veem a realidade presente, livre da opinião pública e da autoridade. Faz uma comparação com a profecia da igreja ativa e não passiva de simplesmente esperar. Fora da igrej a o socialismo marxista original foi a mais significativa expressão da visão messiânica. A destruição da esperança: se a esperança, a fé e a firmeza são acompanhamentos da vida, como é que tantos perdem a esperança, a fé e a firmeza e amam sua servidão e dependência? É precisamente a possibilidade dessa perda que é característica da existência humana. Começamos com a esperança, a fé e a firmeza – elas são qualidades inconscientes de “não pensamento” do espermatozoide e do óvulo, da sua união, do crescimen to do feto e do seu nascimento. Mas quando a vida começa, as vicissitudes do ambiente e do acidente principiam a incrementar ou bloquear o potencial da esperança. A medida que vamos descobrindo a mentira, a maldade vamos Na Perspectiva de Erich Fromm - 2
perdendo a esperança. Se a América e o mundo ocidental continuarem em seu estado de desesperança inconsciente, falta de fé e de firmeza, é de se prever que não serão capazes de resistir à tentação da grande explosão pelas armas nucleares, que terminaria com todos os problemas – superpopulação, tédio e fome – porque exterminaria toda vida. O progresso numa ordem social e cultural na qual o homem está às rédeas depende da nossa capacidade de enfrentar nossa desesperança. 3. Onde estamos agora e para onde nos dirigimos É difícil localizar nossa posição exata na trajetória histórica que leva do industrialismo dos séculos XVIII e XIX para o futuro. É mais fácil dizer onde não estamos: Não estamos no caminho da livre iniciativa, mas estamos nos afastando dela rapidamente. Não estamos a caminho de maior individualismo, mas tornando uma civilização das massas cada vez mais manipulada. Etc... A característica mais importante é que já passamos da primeira revolução industrial e começamos o período da segunda revolução industrial. A 1ª revolução in dustrial foi caracterizada pelo fato de substituir a energia viva (humana e de animais) pela energia mecânica (a vapor, petróleo, eletricidade e do átomo). A 2ª revolução industrial é caracterizada pelo fato de que não só a energia viva foi substituída pel a energia mecânica, mas também que o pensamento humano está sendo substituído pelo pensamento de máquinas. A cibernética e a automação possibilitam a construção de máquinas que funciona com mais precisão e muito mais rapidamente do que o cérebro humano. Estamos rumando na direção de um novo tipo de sociedade e de um novo tipo de vida humana, nos quais vemos apenas o começo e que está acelerando rapidamente. A atual sociedade tecnológica: A sociedade tecnetrônica pode ser o sistema do futuro, mas, quais são os princípios orientadores desse sistema tal como ele existe atualmente? Ele é programado por dois princípios que orientam os esforços e os pensamentos de todos os que trabalham nele: o primeiro princípio é a máxima de que algo deve ser feito porque é tecnicamente possível faze-lo. Se é possível fabricar armas nucleares, se é possível ir à lua ou aos planetas, tem-se de fazê-lo, mesmo que seja a custa de muitas necessidades insatisfeitas aqui na terra. O segundo princípio é o da eficiência e produção máxim as. A exigência da eficiência máxima conduz, como consequência, a exigência da individualidade mínima. A máquina social trabalha mais eficazmente se as pessoas são reduzidas a unidades puramente quantificáveis cujas personalidades podem ser expressas em ca rtões perfumados. Essas unidades podem ser mais facilmente administradas por regras burocráticas por que não criam dificuldades ou provocam atrito (ou seja um baita sistema totalitarista). A desumanização em nome da eficiência é uma ocorrência por demais c omum; por exemplo, gigantescos sistemas telefônicos que empregam as técnicas usadas Admirável mundo novo de gravar contatos de operadores com clientes e pedir a estes últimos que avaliem o desempenho e as atitudes dos trabalhadores, todas destinadas a instilar uma atitude “adequada” de trabalhador, a padronizar os serviços e aumentar a eficiência. Do ponto de vista limitado das finalidades imediatas da companhia, isso pode resultar em trabalhadores dóceis e controláveis e, assim aumentar a eficiência da com panhia. Em termos dos empregados, como seres humanos, o efeito é o de criar sentimentos de incapacidade, ansiedade e frustração que podem levar ou a indiferença ou à hostilidade. Em termos mais amplos, mesmo a eficiência talvez não seja servida, porquanto a companhia e a sociedade em geral indubitavelmente pagam um preço elevado por essas práticas. Na Perspectiva de Erich Fromm - 3
Sintetizando: a eficiência é proveitosa em qualquer tipo de atividade instrumental, mas deveria ser examinada em termos dos sistemas maiores, dos quais o sistem a que está sendo estudado é apenas uma parte; ela deveria tomar em consideração o fator humano dentro do sistema. Finalmente, a eficiência como tal não deveria ser uma forma dominante em qualquer tipo de empreendimento. O princípio da produção máxima afi rma que quanto mais produzimos do que quer que produzimos, tanto melhor. Se todos os esforços são orientados para fazer mais, a qualidade da vida perde toda a importância e as atividades que outrora eram um meio passam a ser um fim. Se o princípio econômico dominante é o de que produzamos cada vez mais, o consumidor deve estar preparado para querer cada vez mais usando de meios como a publicidade, que é a mais importante ofensiva contra o direito do consumidor de saber o que quer. Seu efeito sobre o homem: qual é o efeito desse tipo de organização sobre o homem? Ela reduz o homem a uma apêndice da máquina, governada pelo seu próprio ritmo e exigências. Ela o transforma no homo consumens, o consumidor total cuja única meta é ter mais e usar mais. Essa sociedade produz muitas coisas inúteis e, no mesmo grau, muita gente inútil. O homem, como um dente de engrenagem da máquina de produção, torna-se uma coisa e deixa de ser humano. Ele passa seu tempo fazendo coisas nas quais não está interessado, com pessoas nas quais não está interessado, com pessoas nas quais não está interessado, produzindo coisas nas quais não está interessado; e, quando não está produzindo, está consumindo. A tendência para instalar como o mais elevado valor ao progresso técnico está ligada não só a ênfase excessiva que damos ao intelecto, mas também, e mais importante ainda, a uma profunda atração emocional pelo mecânico, por tudo o que não é vivo, por tudo o que é feito pelo homem. É uma atração pela morte e pela corrupção. Os que sã o atraídos pelo não-vivo são as pessoas que preferem a “lei e a ordem” em lugar da estrutura viva, os métodos burocráticos em vez dos espontâneos, os aparelhos em vez de seres humanos, repetição em lugar de originalidade, a arrumação em lugar da exuberânci a, o entesouramento ao gasto. Entre os efeitos patogênicos da sociedade tecnológica sobre o homem, mais dois devem ser mencionados: o desaparecimento do isolamento e do contato humano pessoal. O isolamento é um conceito complexo. Ele era e é o privilégio das classes média e alta. O uso de testes psicológicos é um grave ataque ao isolamento das pessoas. O uso destes testes psicológicos que, atualmente é quase uma condição geral para se obter um bom emprego, constitui uma séria violação da liberdade do cidadão. Assim, os psicólogos tornam -se parte importante do sistema industrial e governamental, ao mesmo tempo que afirmam que suas atividades servem ao melhor desenvolvimento do homem. É quase desnecessário dizer que a invasão do isolamento pode levar a um controle do indivíduo que é mais total e poderia ser mais arrasador do que os estados totalitários tem demonstrado até agora. É de vital importância distinguir entre uma psicologia que compreende e visa o bem estar do homem e uma psicologia que estuda o home m como um objeto, visando torna-lo mais útil para a sociedade tecnológica. Necessidade de certeza: um fator muito importante para a compreensão do comportamento do homem na sociedade atual: a necessidade que o homem tem de certeza. As dúvidas que o assaltam quando deve decidir provocam tensão dolorosa e podem até mesmo por seriamente em perigo a sua capacidade de decisões rápidas. O homem tem intensa necessidade de certeza; ele quer crer que não há necessidade de duvidar o método pelo qual ele toma suas decisões é certo. Na Perspectiva de Erich Fromm - 4
De fato ele preferiria tomar a decisão “errada”, e estar seguro a respeito dela, e tomar a decisão “certa”, e ser atormentado por dúvidas quanto a sua validade. Durante muitos séculos a certeza foi garantida pelo conceito de Deus. O homem estava certo de que, independentemente do que acontecesse, ele estava no caminho da salvação e da vida eterna do céu. Com o começo da abordagem científica e da corrosão da certeza religiosa, o homem foi obrigado a partir em nova busca da certeza. Inicialm ente, a ciência parecia ser capaz de dar nova base para a certeza. Mas com as complexidades cada vez maiores da vida, que todas as proporções humanas, com a sensação cada vez maior de fraqueza e isolamento individuais, o homem de orientação científica deix ou de ser um homem racional e independente. Perdeu a coragem de pensar sozinho e de tomar decisões baseadas em seu total compromisso intelectual e emocional para com a vida. Essa certeza é garantida não pelo próprio conhecimento e emoções falíveis do homem, mas por computadores que permitem a previsão e se tornam os fiadores da certeza. Tomemos como exemplo o planejamento da grande companhia. Com a ajuda de computadores ela pode planejar muitos anos à frente (incluindo a manipulação da mente e do gosto do homem); o administrador não mais precisa confiar no seu julgamento individual e sim, na “verdade” pronunciada pelos computadores. Na política e estratégia governamentais, o mesmo sistema de planejamento se torna cada vez mais popular. O ideal é que a políti ca externa esteja livre de arbitrariedades da vontade humana e seja confiado a um sistema de computador, que diz a “verdade”. O ideal é que toda política externa e estratégia militar sejam baseadas em decisões de computadores. Com este método a dúvida é excluída, embora o desastre não seja necessariamente, evitado. É como um ato de Deus, que se deve aceitar, porquanto o homem não pode senão tomar a melhor decisão que sabe como tomar. Como é possível nossos planejadores da política e da estratégia tolerar a ideia de que, podem dar ordens cuja consequência será a destruição de suas próprias famílias, da maior parte do mundo industrializado? Se eles confiam na decisão de que os fatos parecem ter sido tomado para eles, sua consciência fica limpa. Eles agem baseados na fé, não necessariamente diferente da fé que se apoiavam as ações dos inquisidores do santo ofício. Tanto a decisão religiosa, quanto a decisão do computador são formas de decisões alienadas nas quais o homem entrega seu próprio discernimento, investigação e responsabilidade a um ídolo, seja ele Deus, ou o computador. A confiança cega e irracional na decisão do computador torna -se perigosa na política externa bem como no planejamento estratégico, pois abandonam o caminho que fora o da diplomacia e estratégia do período pré computador: o diálogo (que já evitou guerras com um bom diálogo). Mas esse moderno sistema satisfaz essa necessidade em muitos outros aspectos. A carreira profissional é tornada previsível: as notas desde a escola primária, po r todo o secundário até a universidade, além dos testes psicológicos, permitem a previsão da carreira de um pessoa. A mesma necessidade de estar certo existe no setor do pensamento, do sentimento e da apreciação estética. Pelo crescimento do alfabetismo e dos meios de comunicação das massas, o indivíduo aprende rapidamente quais os pensamentos certos, qual o comportamento correto, que sentimento é normal, que gosto está “na moda”. Tudo que ele tem a fazer é ser receptivo aos sinais da comunicação das massas , e pode ter certeza de que não cometerá engano. As revistas de moda dizem de estilo se deve gostar, e os clubes do livro dizem que livros devem ser lidos, e, para coroar, os métodos recentes para encontrar cônjuges apropriados para o casamento são baseados nas decisões de computadores. Nossa era descobriu um substituto para Deus: o cálculo impessoal. Esse novo Deus se transformou num ídolo a quem todos os homens podem ser sacrificados. Todo planejamento, com ou sem uso de computadores depende das normas e valores nele Na Perspectiva de Erich Fromm - 5
subentendidos. O próprio planejamento é um dos passos mais progressistas dado pela raça humana. Mas pode ser uma desgraça se for planejamento “cego” no qual o homem abdica da sua própria decisão, do seu julgamento de valor e da sua responsabi lidade. Se for planejamento “franco”, ativo e compreensivo, no qual todas as finalidades da humanidade estão em plena consciência e orientam o processo de planejamento, ele será uma benção. O computador facilita tremendamente o planejamento, mas, na realid ade, sua utilização não altera o princípio fundamental da relação apropriada entre os meios e os fins; somente seu abuso o alterará. 4. O que significa ser humano? A natureza humana e suas várias manifestações: o que é ser humano? Ou seja, qual o elemento humano que devemos considerar como fator essencial no funcionamento do sistema social? O homem era e ainda é facilmente seduzido para aceitar determinada forma de ser humano como sendo a sua essência. Na verdade, não se pode agora fazer nenhuma afirma ção definitiva sobre o que significa ser humano; talvez jamais se possa fazê-lo, ainda que a evolução humana transcenda em muito o atual ponto da história, no qual o homem praticamente começa a ser plenamente humano. Que conhecimentos podemos usar a fim de responder à pergunta: o que significa ser humano? A resposta não pode estar na direção adotada por muitas respostas: que o homem é bom ou mau, afetuoso ou destruidor, ingênuo ou independente etc... todas essas e muitas outras qualidades são várias possibilidades de ser humano. Todas essas manifestações de humanidade não são a resposta ao que significa ser humano. Elas estão apenas respondendo a questão: o quanto podemos ser diferente, e ainda assim, ser humanos? Se quisermos saber o que é o humano, devemos estar preparados para descobrir respostas em termos das próprias condições da existência humana da qual todas essas possibilidades surgem como possíveis alternativas. Essas condições podem ser reconhecidas como resultado não de especulação metafísica, mas de verificação dos dados da antropologia, história, psicologia infantil e psicopatologia individual e social. As condições da existência humana: quais são essas condições? Essencialmente existem duas que estão inter-relacionadas. Primeira, a diminuição do determinismo instintivo à medida que subimos na evolução animal. Segunda, o tremendo aumento em tamanho e complexidade do cérebro em comparação com o peso do corpo, a maior parte do qual teve lugar na segunda metade do plistoceno. Esse neocórtice amplia do é a base da consciência, da imaginação e de todas as facilidades tais como a fala e a criação de símbolos que caracterizam a existência humana. O homem nasceu como uma excentricidade da natureza, estando dentro dela embora a transcenda. Ele tem de enco ntrar princípios de ação e de tomada de decisões que substituem os princípios do instinto, tem de combater não só o perigo da morte, da fome e de ferimentos, mas também outro perigo que é especificamente humano: o de enlouquecer. Em outras palavras, ele tem de se proteger não só do perigo de perder sua vida, mas também do perigo de perder seu juízo. O ser humano nascido nas condições aqui descritas, realmente enlouqueceria se não tivesse um sistema de referência que lhe permitisse sentir -se a vontade no mundo e fugir à experiência do desamparo, da desorientação e do desarraigamento totais. Há muitas maneiras pelas quais os homem pode encontrar uma solução para a tarefa de manter se vivo e continuar em seu juízo perfeito. Algumas são melhores do que outras, e algumas são Na Perspectiva de Erich Fromm - 6
piores. A necessidade de sistemas de orientação e devoção: existem várias respostas possíveis para a pergunta formulada pela existência humana. Elas centralizam -se em torno de dois problemas: um, a necessidade de um sistema de orientação; ou tro, necessidade de um sistema de devoção. Quais são as respostas para a necessidade de um sistema de orientação? A única resposta dominante até agora é uma que também pode ser observada nos animais: submeter-se a um líder forte que admite reconhecer o que é melhor para o grupo, que planeja e dá ordens e que promete a todos que seguindo-o, ele age no melhor interesse de todos. Essa necessidade de ter líder ainda existe na maioria das sociedades esclarecidas de nossa época. Mesmo em países como EUA e União soviética, as decisões que afetam a vida ou a morte de todos são deixadas a cargo de um pequeno grupo de líderes ou de um homem que age sob a autoridade de um mandato formal da constituição, seja ela chamada de “Democrática” ou “socialista”. Em seu desejo d e segurança, os homens apreciam sua própria dependência, especialmente se esta lhes é facilitada pelo conforto relativo da vida material e por ideologias que dão o nome de “educação” à lavagem cerebral de “liberdade” à submissão. Mas o homem não só tem uma mente e necessita de um sistema de orientação que lhe permita compreender e estruturar o mundo que o rodeia; ele também tem um coração e um corpo que precisam ser ligados a este mundo. Os laços que ligam o homem ao mundo são os laços emocionais que satisfazem sua necessidade de ser relacionado e unificado com o mundo situado além de sua pessoa. A mais fácil e frequente forma de ligação do homem são seus “laços básicos” com a sua origem (seu sangue, o solo, o clã, com a mãe e o pai, com sua nação, religi ão ou classe). O homem encontra seus laços emocionais ligando -a a uma autoridade superior a quem obedece cegamente. Permanecendo ligado à natureza, à mãe ou ao pai, o homem consegue sentir-se a vontade no mundo, mas paga um preço extraordinário a esta segu rança, o da submissão, dependência e de um bloqueio ao desenvolvimento total da sua razão e da sua capacidade de amar. Ele continua sendo criança quando deveria torna -se adulto. Isso só pode desaparecer se o homem encontrar uma forma superior de se sentir à vontade no mundo, se houver desenvolvimento não só do seu intelecto, mas também de sua capacidade de sentir -se relacionado sem se submeter, à vontade sem ser prisioneiro, íntimo, sem ser sufocado. Essa nova visão foi expressa desde meados do segundo milê nio a.c. até meados do primeiro milênio. A solução para a existência humana não mais era procurada no retorno à natureza, nem na obediência cega à figura paterna, mas numa nova visão de o homem pode novamente sentir -se à vontade no mundo e vencer à tentaçã o de apavorante solidão; que ele pode alcançar isso pelo pleno desenvolvimento dos seus poderes humanos, da sua capacidade de amar, de usar a razão, de criar e gozar a beleza, de partilhar sua humanidade com seu próximo. O budismo, judaísmo e cristianismo proclamaram essa nova visão. Necessidades de sobrevivência e Transobrevivência: “coleta de alimentos”. Mas o homem não só quer saber o que é necessário para sobreviver como também quer compreender de que se trata a vida humana. Ele quer usar as faculdades que desenvolveu durante a história e que servem mais do que o processo de mera sobrevivência biológica. A fome e o sexo, como fenômenos meramente fisiológicos, pertencem à esfera da sobrevivência. Mas o homem tem paixões que são especificamente humanas. N inguém melhor do que Marx expressou isso: “a paixão é o esforço das faculdades do homem para atingirem seu objetivo” . Nessa afirmação, a paixão é considerada como um conceito de relação ou conexão. O dinamismo da natureza humana está primordialmente arraigado nessa necessidade do homem de expressar suas faculdades mais em relação ao mundo do que propriamente em sua necessidade de usar o Na Perspectiva de Erich Fromm - 7
mundo como meio para satisfação de suas necessidades fisiológicas. (o homem transcende o mundo). “Experiências humanas”: o homem industrial contemporâneo sofreu um desenvolvimento intelectual para o qual ainda não vemos quaisquer limites. Simultaneamente, ele tende a salientar as experiências de sensações e sentimentos que partilha com os animais: desejos sexuais, agressão, medo, fome e sede (essas explicações a ciência diz que aumentou o cérebro em certa parte mas em outros não, e por isso nos sentimentos não diferimos dos animais comuns). Porém existem experiências especificamente humanas como o amor, a ternura, a compaixão e todos os afetos que não servem à função da sobrevivência. Portanto, o homem não se distingue dos animais somente pelo intelecto, mas também pelas novas qualidades afetivas resultantes da interação entre o neocórtice (região do cérebro responsável pela intelectualidade) e a base da emocionalidade animal. Valores e normas: até agora não abordamos um dos elementos fundamentais da situação humana: a necessidade de que o homem tem de valores que orientem suas ações e sentimentos. A religião funda os valores em Deus que se faz revelar aos homens e funda os valores. Para os que não aceitam a autoridade de Deus como base dos valores encontramos o seguintes padrões: 1 - Completo relativismo que afirma que todos os valores são questão de gosto pessoal e nã o tem outra base além do gosto. 2 – outro conceito de valores é o dos valores socialmente imanentes. A sobrevivência da sociedade com sua própria estrutura e contradições, deve ser a meta suprema para todos os seus membros e que as normas que contribuem para a sobrevivência dessa sociedade são os mais elevados valores e obrigatórios para cada indivíduo. 3 - outro conceito de valor é o dos valores biologicamente imanentes. Experiência como amor, lealdade e solidariedade de grupo estão arraigadas em senti mentos correspondentes encontrados no animal: consideram que o amor humano e a ternura tem suas raízes na atitude da mãe animal para com suas crias, a solidariedade está enraizada na coesão de grupo entre muitas espécies animais. O sistema de valores corr espondente ao ponto de vista deste livro é baseado no conceito de Albert Schweitzer que chamou de “reverência pela vida”. Valioso e bom é tudo aquilo que contribui para o maior desdobramento das faculdades específicas do homem e favorecem a vida. Negativo ou mau é tudo que estrangula a vida e paralisa a atividade do homem. Vencer a própria cobiça, amar seu próximo, o conhecimento da verdade, são as metas comuns a todos os sistemas humanistas filosóficos e religiosos do ocidente e do oriente. 5. Etapas para a Humanização da Sociedade Tecnológica 1. Premissas gerais: se quisermos agora estudar a possibilidade de humanização da sociedade industrial conforme ela se desenvolveu na segunda revolução industrial, devemos começar considerando as instituições e méto dos que, por razões econômicas bem como psicológicas, não podem se abandonados sem a destruição total da nossa sociedade. Esses elementos são: 1) a empresa centralizada e de grande escala, conforme se desenvolveu nas últimas décadas no governo, no mundo dos negócios, nas universidades, hospitais, etc. Esse Na Perspectiva de Erich Fromm - 8
processo de centralização ainda prossegue e em breve todas as principais atividades significativas serão desempenhadas pelos grandes sistemas. 2) planejamento em grande escala dentro de cada sistema, resultante da centralização. 3) Cibernação, isto é, cibernética e automação, como o maior princípio teórico e básico de controle, tendo o computador como o mais importante elemento da automação. Portanto temos 3 alternativas: 1) continuar na direção que tomamos: isso conduziria a tais perturbações do sistema total que nem a guerra termonuclear nem a patologia humana severa seriam a resultado. 2) Mudar essa direção pela força ou pela revolução violenta: isso conduziria ao colapso de todo o sistema, tendo como resultado a violência e a ditadura brutal. 3) A terceira possibilidade é a humanização do sistema, de tal forma que sirva ao bem -estar e desenvolvimento do homem ou em outras palavras, ao seu processo vital. Nesse caso os elementos centrais da se gunda revolução industrial serão conservados intactos. A questão é: Pode-se fazer isso e que medidas precisam ser tomadas para realizá -lo? O autor não tem a intenção de apresentar um plano para realizar essa meta e sim debater as medidas que, para ele, s ão as mais importantes. 3 medidas: 1) Planejamento que inclua o sistema homem e que seja baseado em normas resultantes do exame do funcionamento ótimo do ser humano. 2) Ativação do indivíduo por métodos de atividade e responsabilidade ligados ao povo e pela transformação dos métodos atuais de burocracia alienada (no sentido de planejamento)nos de administração humanista. 3) Mudança no padrão de consumo para o consumo que contribua para a ativação e desencoraje a passivação. 2. Planejamento Humanista: A meta geral de uma sociedade industrial humanizada pode ser definida da seguinte maneira: a mudança da vida social, econômica e cultural da nossa sociedade de maneira tal que estimule e intensifique o crescimento e a vivencia do homem em vez de incapacita-los, que ela ative o indivíduo em lugar de torna -lo passivo e receptivo, que nossas capacidades tecnológicas sirvam ao crescimento do homem. Dadas essas metas gerais qual é o procedimento do planejamento humanista? Os computadores deveriam tornar-se uma parte funcional num sistema social orientado para a vida e não para um câncer que começa a devastar e finalmente mata o sistema. Os valores que determinam a seleção de fatos e influenciam a programação do computador devem ser obtidos com base na natureza humana. Quer dizer, o homem, e não a técnica deve ser a fonte básica de valores; o desenvolvimento humano ótimo e não a produção máxima deve ser o critério para todo planejamento. Ademais o sistema homem deve ser integrado no sistema social todo. O homem, como planejador deve estar cônscio do papel do homem como parte de todo o sistema. Diz que Na Perspectiva de Erich Fromm - 9
deve ter algo que controle isso. Inclusive às ações do governo. 3. A ativação e a libertação de Energias: de tudo o que foi dito sobre o homem nos capítulos anteriores, segue-se que uma das exigências básicas para o seu bem -estar é ser ativa, no exercício produtivo de todas as suas faculdades; que uma das características mais patogênicas da nossa sociedade é a tendência de tornar o homem mais passivo, privando -o da oportunidade de participação ativa nos negócios da sua sociedade, na empresa onde trabalha e, de fato, embora mais oculto, em seus negócios pessoais. Essa passivação do homem deve-se em parte, ao método burocrático alienado usado em todas as empresas central izadas. Entende-se por procedimento burocrático alienado como um sistema de mão única. As ordens, sugestões e planejamento emanam de cima e são dirigidos para a base da pirâmide. Não há lugar para a iniciativa do indivíduo. 6. Conclusão Conclui-se com esta pesquisa, que na perspectiva de Erich Fromm é preciso, diante desta realidade à qual o Ser Humano está escravo da técnica e da sociedade de consumo, resgatar a esperança do Ser Humano e seu protagonismo na história para humanizar o sistema ao qual vivemos. É possível fazer isso? É obvio que neste caso a que nos referimos não se trata de uma questão de probabilidade estatística. Segundo o autor não importa se a probabilidade de cura é de 51% ou de 5%. A vida é precária e imprevisível, e a única maneira de viver é envidar todos os esforços para salva-la enquanto houver uma possibilidade de fazê -lo. 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA FROMM, Erich. A Revolução da Esperança: Por uma Tecnologia Humanizada . Trad. Edmond Jorge. 3 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1977.
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