A Etnoveterinária como Ferramenta Agroecológica na ... - Fepeg 2014

A Etnoveterinária como Ferramenta Agroecológica na Produção Animal Ivoneth dos Santos Dias, Roseane Aparecida Santos, Antonina de Fátima Esteves dos S...
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A Etnoveterinária como Ferramenta Agroecológica na Produção Animal Ivoneth dos Santos Dias, Roseane Aparecida Santos, Antonina de Fátima Esteves dos Santos, Kattyanne de Souza Costa, Hércules Otacílio Santos, Eliane Macedo Sobrinho Santos

Introdução A utilização de plantas no tratamento de diversas enfermidades é uma prática que foi bastante usada por nossos antepassados, principalmente em épocas de inexistência de produtos farmacêuticos mais avançados. Após surgir os primeiros medicamentos e depois com o melhoramento e avanços da indústria farmacêutica, o uso de plantas medicinais ficou em segundo plano principalmente em países ou comunidades desenvolvidas e com alto poder aquisitivo [1]. Neste contexto, estudos etnodirigidos buscam resgatar os saberes tradicionais sobre plantas medicinais para o tratamento e a prevenção de enfermidades. Sendo que os levantamentos etnoveterinários sobre a utilização de plantas medicinais são realizados utilizando abordagens etnofarmacológicas, de acordo com Monteiro [2]. A etnoveterinária é uma ciência que abrange a opinião e o conhecimento das práticas populares utilizadas para o tratamento ou prevenção das doenças que acometem os animais. Dentre os ramos desta ciência milenar está a Fitoterapia que é o tratamento de patologias animais a base de plantas [3]. O conhecimento etnoveterinário é adquirido pelas comunidades ao longo de muitos anos e nos dias atuais, com as rápidas mudanças culturais, sócio-econômicas e ambientais esses conhecimentos estão sendo perdidos, tornando-se importante sua documentação científica [4]. Sendo assim, este estudo teve como objetivo investigar e documentar os conhecimentos etnoveterinários da Comunidade Igrejinha, Araçuaí, MG.

Material e métodos A. Caracterização do local de estudo O estudo foi desenvolvido na comunidade Igrejinha, localizada na zona rural a 30 km da cidade de Araçuaí, Minas Gerais. A comunidade está localizada no Nordeste do Estado de Minas Gerais, na microrregião do Médio Jequitinhonha, bem no centro do Vale do Jequitinhonha. O território local se caracteriza por ser um ecótono, área de transição entre Caatinga, Cerrado e Mata seca (Floresta Estacional). O município de Araçuaí localiza-se na porção nordeste de Minas Gerais, a 678 km de Belo Horizonte. Possui como cidades-limites: Virgem da Lapa, Coronel Murta, Itinga, Ponto dos Volantes, Padre Paraíso, Caraí e Novo Cruzeiro. Tem uma área de 2.235 km², ocupada por uma população de 36.478 habitantes, sendo 43% da área rural. A região tem duas estações climáticas bem definidas – uma de seca intensa no inverno e outra chuvosa, no verão, do tipo semiárido [5]. A escolha da comunidade deveu-se devido à distância entre a mesma e o centro urbano, bem como, por sua característica econômica que se compõe basicamente na agricultura familiar de subsistência.

B. Metodologia do trabalho A coleta dos dados ocorreu entre os meses de outubro a novembro de 2013 através de visitas e entrevistas aos moradores da comunidade. As primeiras visitas ocorreram por intermédio de uma moradora local, que relatou dados sobre a comunidade, o que facilitou o andamento da pesquisa e o acesso aos moradores. Foi esclarecido a cada entrevistado que o estudo era composto por perguntas através de um questionário estruturado. As pessoas entrevistadas residem efetivamente na comunidade, com idade superior a dezoito anos. A abordagem aos informantes foi realizada na propriedade do entrevistado, onde foram explicados os objetivos do estudo. Para a autorização desses contou-se com a sua disponibilidade, interesse e boa vontade o que implicou na criação de uma atmosfera amigável, onde as conversas fluíram de maneira confiável e informal. Houve receptividade e cordialidade por parte de todos os entrevistados. O questionário contém, além do perfil socioeconômico dos produtores rurais, tipo de criação, manejo sanitário, doenças que acometem os animais, formas de tratamento e informações sobre as plantas medicinais presentes na propriedade, como: nome popular, indicações de uso, parte utilizada, forma de preparo, frequência de uso, destinação humana ou animal e formas de cultivo e colheita das plantas. Os dados obtidos através dessa pesquisa foram analisados e organizados em tabelas e gráficos percentuais que foram elaborados e padronizados no software Microsoft Excel 2007.

Resultados A. Registro das informações obtidas As famílias botânicas mais referidas foram, respectivamente, Fabaceae, Meliaceae, Convolvulaceae e Rubiaceae, sendo que as três últimas foram citadas com a mesma frequência. Na tabela 1, estão relacionadas às 25 espécies botânicas identificadas neste trabalho, com seus nomes vulgares, científicos, numeração das indicações de uso (numeração explicada abaixo da tabela) e modo de preparação. Dessa forma, a maioria dos entrevistados mostrou-se cientes da utilização das plantas medicinais na terapêutica dos animais domésticos, ainda que a utilização das mesmas seja pouco expressiva na comunidade. Observou-se também que as espécies utilizadas no tratamento dos animais seguem, de forma geral, a mesma indicação farmacológica aplicada aos seres humanos. Os relatos dos produtores mostraram que a maior parte das plantas com potencial terapêutico na produção animal destina-se a tratar enfermidades que acometem o sistema digestivo, sem, contudo, deixar de relatar a importância da utilização das mesmas para o combate à enfermidades que afetam os demais sistemas corporais.

Discussão Os estudos sobre as plantas auxiliam na promoção do uso sustentável e incentivam o cultivo de algumas espécies, com vista à conservação da biodiversidade local. Monteiro [2] é concernente ao afirmar que a realização desses estudos tem importância na preservação de valiosos recursos naturais e dos conhecimentos tradicionais, repassados oralmente de uma geração para outra, que correm o risco de desaparecer por falta de documentação. Pode-se classificar como planta medicinal qualquer planta que possua em um ou em vários de seus órgãos, substâncias usadas com finalidade terapêutica ou que sejam ponto de partida para a síntese de produtos químicos e farmacêuticos [6]. Nos estudos dessas plantas destacando-se quatro tipos básicos de abordagens: a randômica; a etológica; a quimiotaxonômica e a etnodirigida, esta última consiste na seleção de espécies de acordo com a indicação de grupos populacionais específicos, com foco no conhecimento local a respeito de seus recursos naturais e a aplicação que fazem deles em seus sistemas de saúde e doença [7]. As razões que justificam a aplicação desta abordagem seriam o tempo e o baixo custo envolvidos na coleta dessas informações [8]. Segundo Mendonça et al. [9], a família Fabaceae possui o maior número de espécies em todo o bioma Cerrado, o que explicaria sua alta representatividade em estudos etnobotânicos. A forma de preparo de uma planta é importante para que as substâncias químicas responsáveis por seu efeito farmacológico sejam corretamente retiradas do interior das células da planta, bem como para não modificar suas propriedades químicas [10]. No presente estudo foi possível perceber que as práticas alternativas de prevenção e controle sanitário, que incluem a homeopatia, fitoterapia assim como a utilização de outros compostos presentes na propriedade, surgem como estratégias que substituem os medicamentos alopáticos, em função de seu menor custo e por não eliminarem resíduos de medicamentos. A saúde humana e o ambiente serão beneficiados com os produtos de origem animal produzidos com qualidade.

Conclusão/Conclusões As plantas medicinais na comunidade Igrejinha, Araçuaí – MG são pouco empregadas com finalidades terapêuticas e preventivas na produção animal, embora os produtores rurais reconheçam o poder medicinal de muitas espécies de plantas nativas da região. O saber de origem tradicional está, sobretudo na posse de pessoas idosas e com pouca utilização atual, o que justifica a pesquisa de informação devido ao risco de se perder.

Referências [1] [2] [3] [4] [5]

CAMURÇA-VASCONCELOS, A. L. F., MORAIS, S. M., SANTOS, L. F. L., ROCHA, M. F. G., BEVILAQUA, C. M. L. Validação de plantas medicinais com atividade anti-helmíntica. REV. BRAS. PL. MED., Botucatu, v.7, n.3, p.97-106, 2005. MONTEIRO, M. V. B. Estudo entoveterinário de plantas medicinais com atividade anti-helmíntica. _____. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2010. ALMEIDA, K. S.; FREITAS, F. L. C. & PEREIRA, T. F. C. Etnoveterinária: a fitoterapia na visão profissional veterinário. Rev. Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 1, n.1, p. 67-74. Mossoró, RN, 2006. MATHIAS, E. Introducing ethnoveterinary medicine. Ethnovetweb. Acessado em 15 Nov. 2013. Online. Disponível em: http://www.ethnovetweb.com. SILVA, Cassio Roberto. Avaliação do risco geológico à exposição de elementos químicos à saúde ambiental, na região de Araçuaí-Itinga, Minas Gerais – Brasil. 2011. Tese (Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Geologia, Instituto de Geociências) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

[6]

MONTANARI, L. Aspectos da produção comercial de plantas medicinais nativas. In: Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas: plantas medicinais, publicações, artigos completos. Atualizado em 23 de jun. 2009. Disponível em: < http://www.cpqba.unicamp.br/plmed/artigos/producao.htm >. Acesso em 16/07/2014. [7] ALBUQUERQUE, Ulysses Paulino de; HANAZAKI, Natália. As pesquisas etnodirigidas na descoberta de novos fármacos de interesse médico e farmacêutico: as fragilidades e perspectivas. Rev. Bras. de Farmacologia, 2006. [8] MACIEL, M. A. M.; PINTO, A. C.; VEIGA JR, V. F.; GRYNBERG, N. F. & ECHEVARRIA, A. Plantas medicinais: a necessidade de estudos multidisciplinares. Rev. Quim. Nova, v. 25, n. 3, p. 429-438, 2002. [9] MENDONÇA, R. C.; FELFILI, J. M.; WALTER, B. M.; SILVA, M. C. S.; REZENDE, A. V.; FILGUEIROS, T. S.; NOGUEIRA, P. E. Flora vascular do Cerrado. In: SANO, S.M.; ALMEIDA, S.P. (eds.). Cerrado: ambiente e flora. Planaltina: Embrapa Cerrados, 1998, p.287-556. [10] ANDRADE, Sanderley Emanuel Oliveira de; MARACAJÁ, Patrício Borges; SILVA, Rosilene Agra da; FREIRES, Glauciene Ferreira; PEREIRA, Auderlan de Macena. Estudo etnoveterinário de plantas medicinais na comunidade Várzea Comprida dos Oliveiras, Pombal, Paraíba, Brasil. Revista Verde de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, v. 7, n. 2, p 193-198, Mossoró – RN, 2012.

Tabela 1. Relação das plantas citadas pelos entrevistados, com a família, os nomes vulgar e científico, suas indicações e o modo de preparação. Família

Nome Científico

Nome Vulgar

Indicações de Forma de Preparo uso Alliaceae Allium sativum Alho 1 Natural Anacardiaceae Mangifera indica Mangueira 9 Decocção Apocynaceae Himatanthus drasticus Tiborna 4 Pó Aristolochiaceae Aristolochia spp. Jarinha 11 Banho Asphodelaceae Aloe vera Babosa 2 Sumo Caryocaraceae Caryocar brasiliense Pequi 11 Óleo Convolvulaceae Ipomoea batatas Batata doce 8 Sumo Convolvulaceae Operculina macrocarpa Jalapa 3,5 e 6 Pó Cucurbitaceae Luffa operculata Buchinha polista 1, 3, 5, 7 e 9 Natural Euphorbiaceae Jatropha gossypiifolia Pinhão roxo 5 Pó Fabaceae Anadenanthera peregrina Angico vermelho 1 Natural Fabaceae Aeschynomene spp. Desinchadeira 11 Banho Fabaceae Amburana cearensis Imburana 11 Decocção Fabaceae Bauhinia spp. Unha d’anta 4e5 Pó Fabaceae Himenaea coubaril Jatobá 5 Pó Fabaceae Indigofera spp. Anil 1 Maceração Fabaceae Mucuna urens Olho de boi 3e5 Pó Fabaceae Senna spp. Fedegoso 1 Decocção Fabaceae Stryphnodendron adstringens Barbatimão 2 Pó Meliaceae Azadirachta indica Nim 3 Decocção Meliaceae Carapa guianensis Andiroba 5, 6 e 8 Pó Rubiaceae Psychotria spp Trucisco 5 Natural Rubiaceae Remigea ferruginea Quina rosa 3 e 12 Pó; Natural Rutaceae Citrus spp. Limão 1, 8 e 10 Suco Solanaceae Nicotina tabacum Fumo 3 Natural 1 Tristeza parasitária, 2 Cicatrizante, 3 Ectoparasitos, 4 Aumentar a fertilidade, 5 Carbúnculo sintomático, 6 Vermífugo, 7 Garrotilho, 8 Antidiarreico, 9 Retenção de placenta, 10 Aumentar o apetite, 11 Anti-inflamatório, 12 Má digestão