4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013.
A disputa pela regulação das comunicações na América Latina Área Temática II – Instituições Internacionais
Modalidade do Trabalho Painel Gilberto Maringoni Universidade Federal do ABC
Belo Horizonte 2013
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Gilberto Maringoni
A disputa pela regulação das comunicações na América Latina
Trabalho submetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.
Belo Horizonte 2013
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Resumo O trabalho busca examinar o panorama comunicacional da América Latina após o advento das tecnologias digitais, tendo como pontos de apoio a evolução dos negócios, as transformações políticas das últimas três décadas e o progresso tecnológico. Essas transformações tornaram superadas as legislações nacionais da área e abriram novas frentes de disputa entre Estados, empresas e movimentos sociais em busca de novos marcos institucionais para as comunicações e as telecomunicações. O desafio colocado é: como criar regras nacionais e democráticas.sobre corporações com raio de ação supranacional? Na Argentina (2009) e na Bolívia (2011) foram aprovadas normas legais para a atividade de comunicação. No Equador, a Assembleia Nacional debate um projeto oriundo do Executivo para o setor. Na Venezuela, a legislação para o setor foi definida no ano 2000. O pano de fundo de tais iniciativas é a mudança no panorama político continental a partir da virada do século. As disputas em torno da comunicação envolvem concepções políticas mais amplas do que as especificidades próprias do setor. Palavras-chave: Tecnologia – Corporações – Mercado – Regulação – Democracia
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I. Introdução Uma polêmica ronda a América Latina. Ela toca em pontos sensíveis e em várias ordens de interesses. Trata-se das propostas sobre a elaboração de novas legislações para os meios de comunicação em alguns países do continente. Isso acontece especialmente na Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia. No Brasil ainda não há uma decisão de governo a respeito. O pano de fundo é a mudança no panorama político continental a partir da virada do século. Em certos países houve uma reação eleitoral à matriz liberal adotada na economia nos anos 1980-90, que resultou em aumento na concentração de renda, em crises e em instabilidades econômicas. As disputas em torno da comunicação envolvem concepções políticas mais amplas do que as especificidades do setor. As empresas de mídia, por lidarem com difusão de idéias, valores e abordagens subjetivas, alegam estarem diante de ameaças de censura e de cerceamento à livre circulação do pensamento. Os defensores das mudanças afirmam o contrário. Dizem que o setor é monopolizado e que um novo pacto legal teria por base a defesa de um pluralismo de opiniões. Há um fator adicional a ser levado em conta: uma série de progressos técnicos tornou obsoletas algumas características das políticas públicas de comunicação estabelecidas há mais de cinco décadas. A disputa pela regulamentação das comunicações faz parte hoje da disputa pela hegemonia em diversos países do continente. É essencial que esse tema integre também os debates sobre as relações internacionais na região. Marcos iniciais As primeiras legislações sobre meios de comunicação no continente foram criadas no período do nacional-desenvolvimentismo, entre os anos 1930 e 1960, tendo como marca inspiradora a estratégia de substituição de importações. Seus pressupostos básicos eram a definição do espectro radioelétrico como espaço público (que funcionaria em regime de concessão à iniciativa privada) e a proibição da participação do capital estrangeiro em
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empresas de comunicação. Legislações desse tipo foram aprovadas na Argentina, no Brasil, na Colômbia, no Chile e no México1. Nos anos 1980-90, as diretrizes pautadas pelo Consenso de Washington reconfiguraram o papel do Estado na economia. A crise do nacional desenvolvimentismo nos países da periferia deu lugar a políticas de abertura econômica, privatizações e enfraquecimento dos poderes de fiscalização e regulação do poder público. As oscilações e a volatilidade dos mercados financeiros acabaram por influenciar fortemente as diretrizes governamentais em toda a América Latina. No terreno das políticas de comunicação, os resultados se traduziram em inúmeras situações de hiatos legais. A constituição de agências reguladoras, de composição tripartite – Estado, empresas e da chamada sociedade civil -, foi o modelo adotado para a regulação de serviços públicos privatizados no período. Limbo legal A influência política, econômica, social e cultural dos meios de comunicação nas diversas sociedades da região é avassaladora. Com o poder de formar correntes de opinião, influenciar deliberações dos legislativos, indicar ministros e pôr e depor mandatários, tais empresas pressionam governos a alterarem legislações que porventura as prejudiquem. Nos últimos anos, tais pressões se deram com o objetivo de possibilitar novas composições societárias e a entrada do capital estrangeiro num setor até então dominado por empresas nacionais. Ao mesmo tempo, as mudanças tecnológicas no âmbito das comunicações têm colocado aos poderes públicos dilemas de difícil solução. As precárias fiscalizações estatais não conseguem fazer frente a um setor que se modifica e se fortalece em ritmo acelerado. O fato se acentua na atual fase, em que as empresas de mídia tendem a se internacionalizar, buscando realizar seu capital expandindo-se para além de suas fronteiras nacionais. O desafio dos poderes constituídos não está apenas em atualizar legislações estabelecidas em décadas passadas e praticamente abolidas ao longo do período neoliberal, nos anos 1990. Há agora uma nova lógica, que envolve monopolização, concentração e convergência tecnológica com poderosos interesses de empresas transnacionais. Mudanças políticas
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Maringoni, Gilberto, Comunicações na América Latina: progresso tecnológico, difusão e concentração de capital (1870-2008), Centro Interdisciplinar de Pesquisa – Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, 2009, pág. 74
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A América Latina – em especial a América do Sul – passa por um novo ciclo político desde 1998, inaugurado pela eleição de Hugo Chávez, na Venezuela, como marco do descontentamento popular com as políticas neoliberais. O que aparentava ser uma exceção exótica, logo mostrou ser uma tendência dominante em vários países. Ao longo da primeira década do século XXI, mandatários com pouca ligação política ou ideológica entre si, mas identificados difusamente com a insatisfação das práticas anteriores, lograram obter amplas vitórias eleitorais. São os casos das eleições de Luís Inácio Lula da Silva no Brasil (2002), Nestor Kirchner na Argentina (2003), Tabaré Vázques no Uruguai (2004), Evo Morales na Bolívia (2005), Rafael Correa no Equador (2005), Daniel Ortega na Nicarágua (2006), Fernando Lugo no Paraguai (2008), Mauricio Funes em El Salvador (2009) e Ollanta Humala no Peru (2011). Nem todos são claramente antiliberais, mas expressam um giro político expressivo. Algumas dessas administrações lograram eleger sucessores do mesmo campo político. II. Convergência de mídias, marcos legais e internacionalização O processo de internacionalização das empresas de comunicação na América Latina obedece pelo menos três dinâmicas, uma tecnológica, uma econômica e outra francamente político-ideológica. A primeira delas, a tecnológica, tem por base o grande salto realizado pela microeletrônica nos últimos quarenta anos e que poderia ser sintetizado pela convergência de mídias, observada a partir da segunda metade dos anos 1990. Telefonia, televisão, rádio, transmissão de dados, cinema e música passaram a confluir e a se apoiar cada vez mais em plataformas comuns. No âmbito legal, isso fez com que lógicas balizadoras nas décadas anteriores, ficassem rapidamente obsoletas. Como conviver com uma legislação que impedia a participação de estrangeiros em grupos de mídia, se as empresas de telefonia, privatizadas e desnacionalizadas, entravam agora não apenas no mercado de internet, mas no de televisão, de radiofonia e de mídias impressas? Como classificar a nacionalidade de redes televisivas a cabo com sedes em diversos continentes? Como submeter empresas desse tipo às jurisdições nacionais? A segunda variável dessa equação tem contornos na dinâmica da economia. A abertura dos países do sul do mundo à globalização, através dos pontos definidos pelo Consenso de Washington (1989), acarretou ampliação da liberdade de circulação de capitais, incremento
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de investimentos em carteira, compra de empresas, joint-ventures e fusões de toda ordem em empresas da maioria dos países. Ativos negociados nas grandes bolsas internacionais mudam rapidamente de mãos e sociedades são feitas e desfeitas com a rapidez de um impulso eletrônico. Acionistas majoritários tornam-se minoritários da noite para o dia. Na lógica dos negócios, não haveria razões para que empresas de comunicação seguissem senda diversa. O panorama foi acelerado pelas privatizações na América Latina ao longo dos anos da hegemonia liberal no final do século XX. A terceira perna das mudanças decorre de concepções políticas e ideológicas. Governos como os de Carlos Menem (Argentina), Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Alberto Fujimori (Peru), Rafael Caldera (Venezuela) e Salinas de Gortari (México) viam na aliança preferencial com os países centrais – em especial os EUA - e com as diretrizes econômicas emanadas de instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, o passaporte para uma nova inserção global subordinada, tida como a única possível. Para os defensores dessas orientações, o desenvolvimento dos países da periferia só poderia ser feito – à falta de capitais domésticos – com poupança externa. Processo histórico As grandes mudanças tecnológicas no âmbito das comunicações coincidiram com o advento das políticas neoliberais em todo o mundo. Progresso tecnológico, desregulamentação e ofensiva ideológica liberal acabaram por se misturar em um único processo histórico. O desenvolvimento científico-tecnológico, resultado de pesados investimentos, tenha se tornado disponível para determinadas iniciativas de ordem política e econômica que, ao longo do tempo, puderam potencializá-las. Embora a chamada revolução científico-tecnológica tenha sido produto de jovens brilhantes que se instalaram nos anos 1970, ao redor do vale do Silício, ela foi impulsionada por pesados investimentos públicos e privados, realizados por universidades e centros de pesquisas, quase sempre a fundo perdido, que atraíram empresas e cientistas talentosos. Quando as invenções tornaram-se viáveis como produtos de mercado, os investimentos aumentaram e as empresas cresceram exponencialmente, antevendo retornos expressivos de capital. Desenvolvimento e internacionalização Como essa expansão global do capital atingiu as empresas de comunicação da América Latina? Voltemos a um ponto já comentado aqui: a marca distintiva do desenvolvimento das
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indústrias midiáticas na América Latina até a penúltima década do século XX foi o caráter eminentemente nacional de suas empresas. Seja pela carência de capitais em mercados internos de pequeno porte, seja por força de legislações protecionistas, o fato é que os grandes grupos não se expandiram para além das fronteiras de cada país até o final dos anos 1980. Quando os governos liberais impuseram as privatizações e abriram caminho para a chegada de empresas estrangeiras de porte global para operarem no segmento de telecomunicações, estabeleceram uma concorrência assimétrica nos mercados domésticos. Por maiores que fossem os empreendimentos nacionais, estes não tinham porte em disputas contra as transnacionais da comunicação. A exceção ficou por conta dos grupos Cisneros (Venezuela) e Telmex (México), que já haviam, desde os anos 1980, buscado se expandir tanto nos mercados locais, quanto na região, com destaque para o mercado estadunidense, além de contarem com decidido apoio de seus Estados nacionais para realizarem tais operações.. A manutenção de grupos latinoamericanos de mídia de grandes dimensões até há poucos anos é algo que só pode ser explicado pela persistência de leis protecionistas existentes até os anos 1990 ou pela forte ligação que tiveram com o Estado. Os gigantes do continente Além das empresas de telefonia, o setor de comunicação atualmente instalado no continente é composto pelas seguintes corporações: Grupo Televisa (México), Grupo Globo (Brasil), Grupo Prisa (Espanha), Grupo Cisneros (Venezuela e atua em Univisión em conjunto com Televisa), Grupo Abril (Brasil) e Telmex (México). Há ainda os grupos nacionais de grande porte: Clarín (Argentina) e Caracol (Colômbia). De acordo com o estudioso hispano-colombiano Jesús Martin-Barbero, a partir dos anos 1980, os meios de comunicação passaram a ser considerados protagonistas dos processos de transnacionalização 2. É bem significativo que na “década perdida” [os anos 1980], uma das poucas indústrias que se desenvolveu na América Latina foi precisamente a de comunicação”3. No espaço estrito dos meios de comunicação, a necessidade de modernização tecnológica e de modos de gestão flexíveis casou-se à perfeição com as políticas liberais. Para fazer 2
Martin- Barbero, Jesús, Médios y culturas in Nosty, Bernardo Diaz (org.), Tendencias 07 – Medios de comunicación – El escenario latinoamericano, Ariel, Fundación Telefónica, Barcelona 2007, pág. 255 3 Martin- Barbero, Jesús, op cit, pág. 255
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frente ao crescimento necessário e à importação de equipamentos desejados, as leis protecionistas vigentes em décadas passadas acabaram por ser alteradas. O objetivo não foi apenas modernizar a imprensa, dotando-a de equipamentos modernos, mas possibilitar novas composições societárias que permitissem investimentos em tempos curtos, com maciças injeções de capital externo. Barbero ressalta essa transformação estrutural ocorrida nas empresas de mídia, a partir dos anos 1990: Um, a conversão dos grandes meios em empresas ou corporações multimidiáticos, seja por desenvolvimento ou fusão dos próprios meios de imprensa rádio ou televisão, ou por sua absorção por parte de grandes conglomerados econômicos; e dois, a deslocalização e reconfiguração da propreiedade 4. As grandes empresas continentais, a maioria de capital aberto, passam a conhecer modificações por dentro. Isso enseja não apenas alterações societárias ao sabor das oscilações dos mercados de capitais, mas têm suas próprias politicas de gestão alteradas. Martin-Barbero continua e explica o que entende por “deslocalização de propriedade”: Este é um dos campos onde mais se manifesta o chamado pós-fordismo: a passagem da produção em série a outra mais flexível, capaz de programar variações quase “personalizadas” para seguir o curso das mudanças no mercado. Um modelo de produção assim, que responde aos ritmos de mudanças tecnológicas e a uma aceleração na variação das demandas não pode conduzir a menos que formas flexíveis de propriedade. Nos encontramos diante de verdadeiros movimentos de “deslocalização de propriedade” que, abandonando em parte a estabilidade buscada pela acumulação, recorre a alianças e a fusões móveis que possibilitam uma maior capacidade de adaptação às movediças formas do mercado comunicativo e cultural 5. A denominação de Barbero – “deslocalização da propriedade” – não parece ser a mais apropriada. Melhor falar em “deslocalização da produção”, uma vez que a propriedade continua a ter proprietários definidos, mesmo com rápidas alterações societárias, possibilitadas pelas aquisições em carteira. Mas o sentido de sua observação é correto. A deslocalização da produção só pode ser compreendida na lógica da livre circulação de capitais. Essa propriedade flexível e fluida – cuja titularidade é constantemente negociada 4
Martin- Barbero, Jesús, Médios y culturas in Nosty, Bernardo Diaz (org.), Tendencias 07 – Medios de comunicación – El escenario latinoamericano, Ariel, Fundación Telefónica, Barcelona 2007, pág. 257 5 Idem, pág. 258
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nos mercados de capitais – não anula, antes reforça a apropriação e o controle privado dos meios de produção. Desterritorialização e legislação A desterritorialização das empresas de comunicação é, do ponto de vista patrimonial, a grande novidade da tecnologia digital. O pesquisador argentino Martin Becerra, em entrevista concedida em outubro de 2011, comenta a situação da América Latina diante do poderio formidável das grandes transnacionais de comunicação. Para ele, Na América Latina, há uma falta de tradição no controle estatal da regulação sobre os meios de comunicação, se comparamos com a situação da Europa ou da América do Norte. Na América Latina, ao contrário, o mito da “autorregulação” privada dos meios tem tido um sucesso considerável no imaginário, com os efeitos que hoje se advertem em matéria de descontrole das licenças, a discriminação no acesso à titularidade dos meios de comunicação e de outras indústrias culturais, a falta de pluralismo e a ausência de diversidade cultural. Os meios privados, logicamente, buscam otimizar seus ganhos e incrementar o lucro. Uma perspectiva democratizadora deveria orientar a ação do setor dos meios de comunicação à regulação equânime, pública, transparente e equitativa6. III. As tentativas de uma nova regulação A partir de 1998, foram eleitos no continente diversos governos cujos programas se opunham às administrações neoliberais dos anos 1990. Os processos e os países já foram mencionados na Introdução deste trabalho. As novas gestões buscam, com graus e ritmos variados, recolocar o Estado como agente e planejador da economia. Entre as áreas que vêm merecendo maiores atenções dos poderes públicos estão justamente as ligadas às comunicações. Na Venezuela (2000), na Argentina (2009) e na Bolívia (2011) foram aprovadas normas legais que regulamentem a atividade de comunicação. No Equador, em dezembro de 2011, a Assembleia Nacional discutia novas regras para o setor. O México possui uma legislação aprovada em 1995, que não impõe restrições ao capital externo 7. No Brasil, vigora o Código Nacional de Telecomunicações, de 1962. Apesar da vigência de novas normas – como a Lei do Cabo (1994) e da Lei da TV Paga (2011), não há uma regulação abrangente nessa área. 6
IHU online, 14 de dezembro de 2009 (http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3018&secao=319) 7 http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/118.pdf
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Uma parcela expressiva da sociedade organizada (movimentos populares e entidades empresariais) e representantes do Estado, realizou no fim de 2009 a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Mas até agora não existe uma proposta unificada de regulamentação. Existem duas formulações principais a pautar os debates. São elas: A) Como equilibrar o poder de persuasão dos grandes meios de comunicação que se apresentam como esfera pública na disputa pela hegemonia em de cada país? e B) Como fazer frente às formidáveis transformações das últimas três décadas? Os caminhos da regulação Sobre o primeiro aspecto, vale lembrar dos agudos enfrentamentos no terreno político, que evidenciaram o enorme poder dos meios de comunicação em anos recentes. O caso mais evidente se deu na Venezuela, entre os dias 11 e 13 de abril de 2002. Ali, em meio a acirradas disputas entre o governo de Hugo Chávez, um, golpe de Estado, articulado entre setores do empresariado, das forças armadas, da cúpula da Igreja Católica e concretizado através de uma intensa campanha midiática colocou o processo democrático em risco. Na Bolívia, o governo Evo Morales enfrenta desde antes de sua eleição, em 2004, uma continua campanha de desgaste e de oposição aberta por parte dos jornais e emissoras de TV. O mesmo se dá no Equador e na Argentina. A grande mídia em quase uníssono alardeia estar sofrendo tentativas de cerceamento de suas atividades por força de governos classificados por ela como autoritários e populistas. Os projetos aprovados e em discussão não conseguem dar conta da totalidade das questões colocadas pelos avanços tecnológicos. Mas formam um preâmbulo interessante para que um debate mais abrangente seja realizado nos próximos anos. O ponto convergente das leis aprovadas e das demandas em curso é a democratização das comunicações. Vejamos brevemente suas principais características. A “Ley de Medios” argentina A legislação mais abrangente e detalhada para o setor de comunicações dos anos recentes foi aprovada pelo Congresso argentino em 2009. Até o início de 2012, uma intensa batalha jurídica impedia a entrada em vigor do conjunto de normas. Terceira maior economia do continente – atrás de Brasil e México –, a Argentina é um país industrializado, moderno e com uma composição social complexa. Historicamente, seus indicadores de leitura são os maiores da América Latina. Os debates para a elaboração do projeto de lei envolveram
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vários atores sociais durante quase dois anos. A Lei da Mídia é longa – 166 artigos – e cheia de remissões a outras normas. Representa uma resposta ousada à supremacia dos meios de comunicação privados no jogo político, social e cultural da atualidade. A principal polêmica envolvendo está no combate à concentração de propriedade. No artigo 45, a lei estabelece que: A fim de garantir os princípios de diversidade, pluralidade e respeito ao local, estabelecem-se limitações a concentração de licenças. Nesse sentido, uma pessoa de existência visível ou ideal poderá ser titular ou possuir participação em sociedades titulares de licenças de serviços de radiodifusão sujeito aos seguintes limites: 1. No nível nacional: [...] em nenhum caso [se] poderá implicar a possibilidade de servir mais de trinta e cinco por cento (35%) do total da população nacional ou assinantes dos serviços mencionados neste artigo, conforme o caso. 2. No nível local: [...] Em nenhum caso, a soma de todas as licenças concedidas numa mesma área primária de serviço ou conjunto delas que se superponham de modo majoritário poderá ultrapassar o montante de três (3) licenças. Sobre as cotas de produção nacional e local, a lei diz: Artigo 65. – [...] 1. Dos serviços de radiodifusão sonora: a. Privados e estatais: i. Deverão transmitir um mínimo de setenta por cento (70%) de produção nacional. ii. Pelo menos trinta por cento (30%) da música transmitida deverá ser de origem nacional [...]. Sobre respeito à diversidade, temos: Artigo 70. – A programação dos serviços previstos nesta lei deverá evitar conteúdos que promovam ou incitem tratamento discriminatório baseado em raça, cor, sexo, orientação sexual, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento, aparência física, presença de deficiência, ou que menoscabem a dignidade do comportamento humano ou induzam comportamentos prejudiciais
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ao meio ambiente ou à saúde dos indivíduos e à integridade das crianças ou dos adolescentes. A legislação boliviana A Lei Geral de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação foi aprovada pelo presidente Evo Morales em 10 de agosto de 20118. Ela estabelece um marco regulatório para a propriedade privada de rádio e televisão e garante vários direitos aos chamados povos originários. O dispositivo legal também cria um processo de licitação pública para as concessões e aponta requisitos a serem cumpridos pelas concessionárias privadas. A norma é menos abrangente que sua correspondente argentina, mas caminha na mesma direção: fortalecer instrumentos legais do poder público na supervisão da atividade de comunicação. Assim, o espectro radioelétrico, nos termos da lei, segue nas mãos do Estado, “que o administrará em seu nível central”. A grande novidade do conjunto de normas, que compreende 113 artigos, é a distribuição de frequências por setores: A distribuição do total de canais da faixa de frequências para a transmissão de radiodifusão em frequência modulada e televisão analógica em nível nacional, onde exista disponibilidade, serão baseados no seguinte: 1. Estado, até 33%; 2. Comercial, até 33%; 3. Social comunitária, até 17% e 4. Povos indígenas camponeses originários e comunidades interculturais e afro-bolivianas, até 17%. A participação social é estabelecida no artigo 110: A sociedade civil organizada participará do desenho das políticas públicas de telecomunicações, tecnologias de informação e comunicação e do serviço postal, exercendo o controle social em todos os níveis do Estado sobre a qualidade dos serviços públicos. Por fim, a lei afirma que todas as instâncias de governo – federal, provincial e municipal – garantirão espaços para a organização popular exercer esse direito. A disputa no Equador No Equador, onde 90% das emissoras de rádio e televisão se encontram em mãos privadas, o projeto da Lei Orgânica de Comunicação é objeto de ataques constantes de setores
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conservadores. Apresentado em sua forma final em abril de 2012, o dispositivo resulta de mais de dois anos de debates e consultas à sociedade e é uma das consequências da Constituição aprovada em 2008. Os pontos mais polêmicos da lei ficam por conta do combate à monopolização do setor,. “As frequências do espectro radioelétrico destinadas ao funcionamento de estações de rádio e televisão de sinal aberto se distribuirão equitativamente em três partes”: 33% para os meios públicos, 33% para os meios privados e 34% para os meios comunitários. Além disso, cada pessoa física – o que se estende a parentes até segundo grau – ou jurídica não poderá ser concessionária de mais de uma frequência de rádio ou televisão no território nacional. A norma institui o “Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação”, que será composto por representantes da Presidência da República, dos governos autônomos descentralizados, do Conselho Nacional de Igualdade, das escolas e faculdades de comunicação das universidades públicas e das organizações de comunicações e direitos humanos da sociedade. Em certo ponto, a lei ressalta que: Fica proibida a censura prévia, isto é, a revisão, aprovação ou desaprovação por parte de autoridade ou funcionário público dos conteúdos antes de sua difusão através de qualquer meio de comunicação9. À produção nacional deve ser reservada 40% da programação diária dos meios radiofônicos e televisivos e “proíbe-se a importação de peças publicitárias produzidas fora do país por empresas estrangeiras”. A lei venezuelana Na Venezuela, a Lei Orgânica de Telecomunicações foi aprovada em março de 200010. Trata-se de uma norma extensa, com 224 artigos. Seu objetivo, de acordo com as disposições gerais, é: Estabelecer um marco legal de regulação geral das telecomunicações a fim de garantir o direito humano das pessoas à comunicação e à realização das atividades econômicas de telecomunicações necessárias para consegui-lo, sem mais limitações que a Constituição e as leis. A regra reserva a exploração dos serviços de telecomunicações a pessoas domiciliadas no
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http://ecuador.indymedia.org/media/2012/02/38137.pdf, consultado em 26 de fevereiro de 2013 Disponível em: .
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país. O órgão responsável por supervisionar os serviços é o Ministério da Infraestrutura. O artigo 35 cria a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), “instituto autônomo, dotado de personalidade jurídica e patrimônio próprio [...] com autonomia técnica, financeira, organizativa e administrativa” para “administrar, regular, ordenar e controlar o espaço radioelétrico”. A norma vigente busca impedir a monopolização do mercado. Além disso, no artigo 195, afirma que: A subscrição de um acordo de fusão entre empresas operadoras de telecomunicações, a aquisição total ou parcial dessas empresas por outras empresas operadoras, assim como a divisão, transformação ou criação de filiais que explorem os serviços de telecomunicações, quando impliquem mudanças no controle sobre as mesmas, deverão submeter-se à aprovação da Comissão Nacional de Telecomunicações. Assim, o que se poderia chamar de mercado secundário de concessões passa a ser regulado também pela legislação vigente e pelo Estado. V. Conclusões As legislações e os debates sobre os meios de comunicação na América Latina têm como matriz essencial a compreensão de que a democratização de várias esferas das sociedades – nos âmbitos político, econômico, social e cultural – só se completará por meio da democratização das comunicações. Agrega-se a isso a ideia de que qualquer projeto de desenvolvimento nacional não pode ser separado de profundas reformas no ambiente comunicacional. As disputas estão em curso e vão muito além do âmbito das comunicações. Espalham-se pelo tecido social de forma ampla. Trata-se, no fundo, de uma disputa de ideias e ações no terreno da política. Se formos mais precisos, estamos diante de uma longa e aguda disputa pela hegemonia, na qual Estados, empresas, movimentos sociais e setores organizados buscam espaço de maior participação. Essa é uma novidade histórica. As demandas sociais latino-americanas ao longo do século XX dificilmente contemplavam tópicos dessa natureza. As reivindicações eram basicamente materiais: salário, terra e melhores condições de vida. Não era e não é pouco. O jogo segue e o placar está aberto. Articulações dessa natureza envolvem a construção de pactos que gerem leis. Algumas foram formuladas, promulgadas e estão em vigor, como vimos. Determinados países não
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obtiveram consensos internos ou hegemonia de determinadas parcelas da sociedade para o estabelecimento de novas regras. Mas a inquietação existe e pode se tornar força social ativa.
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