julho2011
Jornal Unesp
Ciências humanas
A crença híbrida do imigrante japonês Numa investigação em cemitério de cidade do Paraná, historiador revela como tradições do budismo e do cristianismo se misturaram no país A história da imigração japonesa no Brasil tem suas particularidades. Uma delas é a proibição pelas autoridades do Japão da prática de religiões nipônicas pelos nikkeis – japoneses fora do Japão ou seus descendentes diretos. Tal impedimento somou-se às limitações impostas aos imigrantes orientais no país, o que motivou a transferência de suas manifestações de fé para os ritos funerários domésticos e cemitérios. Nesse cenário, nasceu na comunidade um sincretismo religioso peculiar. Interessado em compreender as re-
presentações e práticas mortuárias de nikkeis, o historiador Richard Gonçalves André analisou em seu doutorado túmulos em Assaí, cidade no norte paranaense que se tornou município em 1938 para ser uma colônia japonesa fora do Japão. O trabalho, sob orientação da professora Célia Reis Camargo, foi defendido na Faculdade de Ciências e Letras (FCL), Câmpus de Assis. O pesquisador estudou o período entre 1932 e 1950, marcado pelas tensões do Brasil com os nikkeis, principalmente durante a Segunda Fotos Divulgação
10
1
2
Túmulo cujo exterior destaca símbolos cristãos (1) e interior realça cultura nipônica (2)
Guerra Mundial, quando o país estava no lado oposto ao do Japão. André destaca que os imigrantes e seus descentes aceitaram publicamente as religiões cristãs, em especial o catolicismo, associado à identidade brasileira naquele momento. Em contrapartida, em seus espaços íntimos, a comunidade mantinha o tradicional culto aos mortos. “A manutenção dos ritos budistas representava a preservação da identidade nipônica”, argumenta. Túmulos de Assaí – Dessa experiência religiosa surgia o sincretismo, observado pelo pesquisador nas representações tumulares. Para realizar a parte empírica do seu estudo, ele analisou exemplos no cemitério de Assaí. Num dos jazigos sincréticos estudados (Foto 1) há no exterior a cruz e dois anjos – símbolos do cristianismo. Em seu interior (Foto 2) existem duas tabuletas com inscrições em japonês, oferendas para os mortos e recipientes para queima de incenso, indícios de práticas budistas. Segundo o pesquisador, a tabuleta “representa mais que o morto, é o próprio espírito no imaginário budista”. O autor nota, ainda, que a mudança da homenagem aos mortos também está relacionada à evolução da estrutura familiar, decorrente da urbanização. Na família linear rural, irmãos e irmãs, seus cônjuges e filhos se aglutinavam em torno de um chefe – o pai ou o irmão mais velho. Essa organização, nas sociedades urbanas, deu lugar à família nuclear, formada basicamente pelo casal e seus filhos. “Dessa forma, lenta e continuamente, os mortos saíram das casas, o antigo lugar para o contato com o sagrado, e foram para os cemitérios, novo espaço de devoção”, conclui. Genira Chagas
Sensações da morte na família Para psicóloga, gerações vivenciam de maneira diferente a certeza de que a existência tem um fim A morte costuma ser associada aos sentimentos de tristeza e impotência diante do caráter passageiro da vida, independentemente de cultura, idade, religião e experiências passadas. Uma dissertação realizada na Faculdade de Ciências (FC), Câmpus de Bauru, revela como diferentes gerações de uma mesma família compreendem e vivenciam esse fenômeno e, além disso, convivem com a certeza da finitude. Orientada e coorientada, respectivamente, pelas professoras da FC Ligia Ebner Melchiori e Carmen Maria Bueno Neme, a psicóloga Caroline Garpelli Barbosa ouviu integrantes de seis linhagens familiares. O resultado aponta como cada geração apresenta modos semelhantes de lidar com a morte, que, por sua vez, se diferenciam daqueles de outra faixa etária. O idoso teme adoecer, tornarse dependente e sofrer. “Além disso, seus relatos foram permeados pela sensação de vazio, saudade e tristeza pela passagem de entes queridos”, assinala Caroline. Para o adulto, a ideia de fim da existência traz inquietação em razão dos projetos futuros e dos cuidados com os filhos. Quanto ao jovem, no auge de construção do próprio mundo, sua relação com a morte é de distanciamento. Para Caroline, embora devesse ser pensada como parte da vida, a morte desperta sentimentos dolorosos em quase todos os entrevistados. “A sociedade necessita trazer essa reflexão para o seu lugar originário, isto é, para o interior da existência”, argumenta. GC