2010 SJC-CT Operação de loteamento. Nulidade do

1 P.º n.º C.P. 55/2010 SJC-CT Operação de loteamento. Nulidade do licenciamento. Tratamento tabular. PARECER 1. A matéria da presente con...
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1

P.º

n.º

C.P.

55/2010

SJC-CT

Operação

de

loteamento.

Nulidade

do

licenciamento. Tratamento tabular.

PARECER

1. A matéria da presente consulta versa a situação jurídica de três unidades prediais, actualmente descritas na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia de ..., sob os n.ºs …, ... e … Todas remontam, em último termo, ao prédio da descrição …, a fls. … do L.º B-… Os prédios das descrições … (antes, descrição …, do L.º B-…) e … (antes, descrição …, do L.º B-…) foram directamente desconexionados do prédio da descrição … com base no alvará de loteamento n.º …/…, da Câmara Municipal de … – o que de resto se repetiu para os restantes 8 lotes assim criados, posto que da operação

de

transformação

fundiária licenciada,

da

qual

os

prédios

em

causa

respectivamente constituíram os lotes n.ºs … e …, se não fez registo a se. Da mesma descrição … seria mais tarde desanexada a descrição ..., a fls. … do L.º B-…, representando terreno para construção correspondente ao aglomerado de ... lotes,

devidamente

discriminados.

Depois

de

ela

própria

(…)

sofrer

diversas

desanexações (ao que se crê, respeitantes a tais lotes), a parte sobejante (... m2 – cfr. av. da ap. ... de …/…/…) voltou a acoplar-se ao que (do prédio) da descrição ... sobejava (… m2 – cfr. av. da ap. ... de …/…/…), da reunião resultando o prédio que ficou descrito sob o n.º …, com … m2, ele também representando terreno para construção. Em consequência (é dizer, por causa da anexação), procedeu-se à inutilização das descrições … e … Foi à custa do terreno da descrição ... que o da descrição ... se formou; a desanexação ocorreu na dependência da inscrição de autorização de loteamento efectuada a coberto da ap. … de …/…/…, a qual teve por base o alvará de loteamento n.º …/… da câmara municipal de …, do qual constituiu o lote n.º ….1

1

O licenciamento envolveu a constituição de ... lotes, mas a inscrição não deu lugar senão à abertura

de descrições de ... desses lotes (identificados no alvará com os n.ºs …, …, …, …, …, …, …, …,…, …, … e …, respectivamente descritos sob os n.ºs … a …), sobrando (da área do terreno da descrição …) … m2, cedidos ao município e destinados a arruamentos, estacionamentos, passeios e zonas verdes. Os demais lotes (…) foram desanexados da descrição ... previamente à anexação dela com a descrição ... (descrições …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …e ...; descrições … e …; descrições …, …, … e …, com ulterior anexação das descrições … e … sob a descrição …; e descrições …, … e …).

2

2. Os prédios das descrições … e … permanecem inscritos a favor do promotor dos referidos loteamentos, … (ap. … de …/…/… – a inscrição pela qual, na origem, em seu nome se registara o prédio “raiz” da descrição …). O prédio da descrição … acha-se inscrito a favor de ... (ap. … de .../…/…). A coberto da ap. … de .../…/… (insc. F-…), tendo por suporte directo unicamente a ficha … (resultante, recorde-se, da fusão do que restava das descrições … e …), foi efectuado registo da decisão judicial que declarou a nulidade, além do mais, das deliberações da câmara municipal de ... que aprovaram os alvarás de loteamento n.º …/… e …/… Às descrições … e … (desanexadas, recorde-se, da descrição …) foi levada cota de referência da mesma inscrição.2 Este registo, na parte em que abrangeu os prédios-lotes ora em tabela, fez-se com carácter definitivo. O que não se verificou quanto a todos: em relação àqueles de cujos titulares e credores hipotecários inscritos se não demonstrou a intervenção no processo foi o mesmo registo efectuado como provisório por dúvidas, por ofensa do princípio do trato sucessivo.3

2.1. O registo da decisão, para além do lançamento das mencionadas cotas de referência, provocou a seguinte actividade oficiosa: •

Nas fichas … e …:4 anotada à descrição a sua inutilização “em virtude de ter sido judicialmente declarada a nulidade da deliberação camarária que aprovou o alvará de loteamento […/… e …/…, respectivamente] ao abrigo do qual o prédio foi desanexado”;



Na ficha …:5 efectuada anotação à descrição para dizer que “a deliberação camarária que aprovou o alvará de loteamento n.º …/…, ao abrigo do qual o prédio foi desanexado, foi judicialmente declarada nula e sem efeito”.



Na ficha …:6 efectuado averbamento para dizer ter ficado sem efeito a desanexação dos prédios … e … (lotes … e … do alvará n.º …/…, ambos directamente desanexados do ...), … e … (lotes … e … do alvará n.º …/…, ambos directamente desanexados do …), e … (lote … do alvará n.º …/…,

2

O modo técnico de fazer, segundo cremos, tem implícito o pressuposto de que a descrição …, atenta

a sua ascendência, representa como que a “reedição” ou “restauração” da descrição … 3

Sendo certo que, quanto ao prédio da descrição …, sobre o qual o registo se fez definitivamente, não

parece que o respectivo titular inscrito tenha sido demandado. 4

Prédios desde sempre inscritos, recorde-se, a favor do loteador.

5

Prédio inscrito, recorde-se, a favor de sujeito diverso do loteador.

6

Resultante, recorde-se, da fusão das descrições ... e ..., e sede da inscrição da operação de

loteamento licenciada pelo alvará n.º .../…

3

desanexado do ... na dependência da inscrição de loteamento), “em virtude da declaração de nulidade das deliberações camarárias que aprovaram os alvarás de loteamento ao abrigo dos quais os prédios foram autonomizados”, mais se especificando o total da área, igual à soma de tais lotes, retornada ao “corpo” do prédio-mãe (… m2).7 •

Relativamente à ficha …8 (mas redigido na ficha progenitora n.º …): averbamento à inscrição da autorização de loteamento do seu cancelamento parcial.9

2.2. Mais recentemente, em …/…/…, sob a ap. …, lavrou-se na descrição … averbamento do seguinte teor: “Por deliberação tomada pela câmara municipal de ... em …/…/… – foi ratificada a deliberação da câmara de …/…/…, uma vez encontrar-se a proposta de ocupação urbana em área que no PDM se encontra classificada como área urbana – núcleo urbano e ser compatível com o regulamento do mesmo PDM.” O averbamento teve por base comunicação da câmara municipal de … dirigida à conservatória através de ofício de …/…/…, e o seu significado só se torna apreensível à luz do próprio texto da consulta motivadora do presente parecer, por onde se alcança que se encontra relacionado com a situação jurídica do terreno delimitado na descrição …

7

Os lotes cuja área assim se fez “refluir” ao prédio progenitor têm em comum os facto de se acharem

inscritos em nome do loteador. 8

Única, das … que em particular concitam a nossa atenção, a ter sido desanexada do prédio da

descrição … por força da inscrição de loteamento da ap. ... de …/…/…, e única, das nascidas da inscrição de loteamento da ap. … de …/…/…, cujo prédio tabularmente permanece nas mãos do loteador. De referir que quanto às demais descrições criadas no âmbito de tal loteamento (… a …), o registo de decisão judicial se efectuou provisoriamente por dúvidas (violação do princípio do trato sucessivo) – existem, sobre todos esses prédios, registos de ulteriores negócios jurídicos de transmissão / oneração. Segundo cremos, explicar-se-á à pela apontada dupla singularidade o facto de o cancelamento da inscrição de loteamento se haver limitado ao lote da descrição … O lote da descrição …, inutilizada, provém do alvará n.º …/…, de que não chegou a haver registo. 9

Importa assinalar que nas fichas informáticas … (sede, desde o princípio, do “texto completo” do

registo da decisão judicial) e … (onde aquela inscrição por inteiro se transcreveu, ao contrário do que sucedera na sua versão em papel), incorrectamente se incorporou no texto da inscrição da decisão a menção de ter sido “cancelada quanto ao prédio n.º ...”, o que necessariamente se lê como tendo sido a inscrição da decisão a ter sido cancelada. Ora, não foi o caso: cancelada, quanto a tal prédio, foi, como se viu, o registo da autorização de loteamento. Por outro lado, da ficha informática ... não consta a inscrição da decisão judicial (como aliás também não constava transcrita na ficha em papel); mas para ela se levou a inscrição da autorização de loteamento (que nunca esteve transcrita na ficha em papel), sem que porém se houvesse acompanhado do referido averbamento de cancelamento parcial de que fora objecto.

4

3. Três são na verdade os problemas de qualificação que na consulta se submetem a consideração superior, emergentes de concretas “pretensões de registo” suscitadas perante a conservatória, e sobre cuja legal viabilidade nos foi determinado que reflectíssemos: i)

A respeito do prédio da descrição …: Com apoio na mencionada deliberação camarária de …/…/… (cfr. citado averbamento à descrição …), visa-se: •

Obter a reanexação à descrição … da área (… m2) da (inutilizada) descrição …, e



Obter, acto contínuo, a desconexão dessa mesma área (… m2), a fim de de novo se descrever como terreno para construção.

ii)

A respeito do prédio da descrição …: Este prédio foi em …/…/… (muito antes, portanto, da declaração de nulidade dos licenciamentos) vendido pelo loteador a … Visa-se,

com

base

na

escritura

respectiva,

obter

o

registo

do

correspondente facto aquisitivo. iii)

A respeito do prédio da descrição …: Este prédio, enquanto lote de terreno para construção urbana, foi em …/…/… (já depois, portanto, do registo da declaração de nulidade dos licenciamentos) vendido pelo titular inscrito ... a ... Visa-se,

com

base

na

escritura

respectiva,

obter

o

registo

do

correspondente facto aquisitivo.

É pois esta a matéria sobre que passamos a emitir

Pronúncia

1.

Os

apontados

problemas

de

registo

constituem-se

como

tal,



verdadeiramente surgem, por causa da declaração judicial de nulidade do licenciamento das operações de loteamento e do registo que dela a seguir se promoveu. Justifica-se, por isso, que seja pelo tratamento, conquanto breve, da temática da nulidade administrativa que tenhamos que iniciar o caminho que nos habilitará a responder com algum sentimento de segurança às questões que nos são colocadas.

1.1. Da definição do regime típico da nulidade administrativa se encarregam os arts. 134.º e 137.º/1 do CPA.

5

O acto administrativo afectado de nulidade caracteriza-se por não produzir quaisquer efeitos jurídicos (art. 134.º/1 do CPA), sendo essa total improdutividade insanável seja pelo decurso do tempo, seja por ratificação, reforma ou conversão (art. 137.º/1 do CPA). É uma disciplina, como se vê, que se distingue pela sua especial severidade – o ordenamento como que se propõe apagar do mundo jurídico todo o vestígio da existência do acto viciado.10 Com uma importante nota de auto-moderação, porém, introduzida pelo n.º 3 do art. 134.º, onde se prevê “a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito”. Mais adiante nos referiremos ao sentido e alcance da ressalva, bem como ao papel que à consideração da eventual “atribuição de certos efeitos jurídicos” deve ou não atribuir-se no quadro da definição das consequências tabulares da recepção da declaração de nulidade. Para a nulidade dos actos administrativos permissivos da realização de operações de

transformação

fundiária

de

natureza

urbanística,

tirando

uma

ou

outra

particularidade,11 não consagrou a lei enquadramento alternativo ao regime puro (e duro) cujas notas mais salientes vimos de apontar: é exactamente segundo aquela mesma lógica supressora que a nulidade opera no contexto do direito do urbanismo.

1.2. Como se faz óbvio, a nulidade, para ser registalmente relevante, tem que ser declarada e documentada. Dispõe o n.º 2 do art. 134.º que a declaração pode ser feita a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou judicial. Mas importa perceber a proclamação legal em termos adequados.

10

O “extremismo” dum tal regime vem desassossegando sectores da doutrina e da jurisprudência.

VIEIRA DE ANDRADE, in “A nulidade administrativa, essa desconhecida”, RLJ, ano 138.º, n.º 3957, dele diz que “é excessivamente radical e não responde em termos adequados à realidade dos tempos de hoje, em que se impõe a consideração das relações jurídicas estabelecidas pelos acto administrativos” (p. 341). É nesta linha de propugnada flexibilização prática das consequências da nulidade que se inscreve o acórdão de 13/01/2011 do TCAN, proferido no Processo 00069/06.4BECBR, disponível em www.dgsi.pt, onde, em homenagem a considerações de proporcionalidade, se revogou a decisão da 1.ª instância na medida em que havia declarado totalmente nulo o acto de licenciamento de determinada operação de loteamento, decidindo o tribunal superior pela manutenção da validade do mesmo licenciamento relativamente aos lotes não afectados pelo vício determinante da nulidade. Exemplo de reafirmação do regime puro da nulidade no contexto da invalidação de licenciamento de loteamento, em contrapartida, temo-lo no acórdão do STA de 12/06/2007, proferido no Processo n.º 0349/07, disponível no mesmo endereço. 11

É o caso da limitação temporal de 10 anos fixada no n.º 4 do art. 69.º do RJUE (DL n.º 555/99, de

16-12) para a declaração administrativa da nulidade por parte do órgão que tenha emitido ou praticado o acto de aprovação inquinado.

6

No que toca à declaração administrativa, o preceito “deve (…) ser interpretado (…) no sentido de permitir apenas a desaplicação (e não a declaração de nulidade com força obrigatória geral), por qualquer órgão administrativo, de actos nulos, aplicando-se analogicamente à competência para a declaração de nulidade as normas sobre competência revogatória (arts. 142.º e 176.º/2 CPA).”12 No caso das operações de loteamento de aprovação “municipal” – que constituem a esmagadora maioria, e que por isso tomamos por paradigma –, dúvidas de competência se não colocam, cremos, quando a declaração de nulidade provenha do órgão câmara municipal, e isto qualquer que tenha sido a tipologia do acto permissivo (licença, autorização ou admissão de comunicação prévia). Quer a concessão da licença, quer a admissão da comunicação prévia, são porém competências delegáveis: a primeira, pertencendo originariamente à câmara municipal, pode por ela ser delegada no seu presidente, que por sua vez pode subdelegá-la nos vereadores (RJUE, art. 5.º);13 a segunda, cabendo originariamente ao presidente, é por ele delegável nos vereadores (arts. 35.º, 36.º/1)14. Donde, tendo ocorrido delegação, também pelos (órgãos) delegados, parece, será lícita a emanação de acto declarativo da nulidade.15 Por outro lado, no que toca à declaração pelos tribunais, vem sendo defendida a leitura restritiva do art. 134.º/2 no sentido de que se trata de competência reservada aos tribunais administrativos, sem embargo do poder que se reconhece a todo e qualquer tribunal de desaplicar o acto nulo.16 Para efeitos de registo, porém, tão boa – leia-se:

12

Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in Direito Administrativo Geral, III, 2.ª ed.,

2009, p. 213. No mesmo sentido, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., in Código do Procedimento Administrativo – Comentado”, 2.ª ed., 2006, p. 653, dizem-nos que “A declaração administrativa (erga omnes) da nulidade pressupõe um procedimento que corra perante ou no confronto do seu autor ou de órgão que esteja em posição supra-ordenada em relação a ele”. 13

Mas repare-se que é o presidente, e não já a câmara municipal, que detém a competência para

emitir o alvará de que depende a eficácia do acto de licenciamento (RJUE, art. 75.º). 14

O presidente – ou o vereador em quem a competência tenha sido delegada – é competente para

rejeitar a comunicação – e, logo, a contrario, para admiti-la. Cfr. PEDRO GONÇALVES, “Controlo Prévio das operações urbanísticas após a reforma legislativa de 2007”, in Direito Regional e Local, n.º 1, Janeiro / Março 2008”, p. 14. 15

A “admissão tabular” da declaração passará, parece-nos, pela verificação de que o órgão delegado

efectivamente praticou o primeiro acto de licenciamento ou de admissão da comunicação prévia. A indagação será objectiva, reportada ao órgão, que não ao concreto e subjectivo titular do órgão autor. Importa porém notar que o vereador não é um órgão da autarquia, mas antes (e apenas) elemento integrante do órgão câmara municipal – ao contrário da figura do presidente da câmara municipal, que constitui ele próprio um órgão distinto daquele a que preside. V., sobre o tema, DIOGO FREITAS DO AMARAL, “Curso de Direito Administrativo”, I, 3.ª ed., 2010, p. 581 e ss. 16

Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., op. cit., p. 654; VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., p. 345.

7

indiscutível e imperativa – é a decisão declarativa de nulidade proferida pelo tribunal administrativo como a que o seja pelo tribunal comum: desde que transitada, ela será sempre de acatamento obrigatório (205.º/2, da Constituição), estando manifestamente vedado ao conservador recusar-lhe eficácia com fundamento na incompetência material do órgão que a proferiu. Título para registo tê-lo-emos, portanto, ou em declaração administrativa17 – a qual em si mesma consubstancia autónomo acto administrativo18, passível de reacção impugnatória –, desde que proferida pelo órgão administrativo competente, ou em decisão judicial transitada.

2. Do ponto de vista técnico-registal, a nulidade declarada expressar-se-á na feitura de averbamento de cancelamento do registo da operação de transformação fundiária (CRP, arts. 13.º e 101.º/2-g). 2.1. Contudo, se no caso da declaração de índole administrativa a feitura de tal averbamento consuma – inscritivamente, sublinhamos – toda a actividade registal necessária à publicitação da vicissitude, já no caso da declaração de origem judicial um tal averbamento tanto pode ser, como ali, acto singular, como tão-só o derradeiro duma sequência que vá acompanhando o desenvolvimento do pedido impugnatório deduzido. Na verdade, está sujeita a registo a acção em que se peticione a declaração de nulidade do licenciamento do loteamento, assim como o está, evidentemente, a decisão final que nesse sentido se profira (art. 3.º/1, a) e c)). Donde, se de uma (acção) e outra (decisão procedente) coisa se houver requisitado o registo, aquele terminal cancelamento, representando a extinção do facto operação de transformação fundiária, nem carecerá de ser requisitado – pois que se efectuará oficiosamente, em cumprimento do disposto no art. 101.º/4 CRP. Acentuemos bem isto, porém: o cancelamento baseado em decisão judicial não postula o registo prévio, em inscrição própria, dessa decisão. O que pressupõe, isso sim, é a existência da decisão ela mesma, sobre a qual se fundará o cancelamento, por assim dizer, directo, nos termos do art. 13.º CRP.

2.2. Sobre saber se à “incorporação” tabular da nulidade, por qualquer das

17

Ao defendermos a suficiência da declaração administrativa de nulidade para basear o cancelamento

da inscrição de loteamento estamos assumidamente a afastar-nos da doutrina sufragada pelo CT no P. n.º 1/96 RP4, in BRN n.º 8/96, p. 6 e ss., que a negava (cfr. conclusão II). Sobretudo em face da actual redacção do art. 13.º do CRP, introduzida pelo DL n.º 116/2008, de 4-7, uma tal posição não nos parece hoje sustentável. 18

Que a doutrina inclui na categoria dos chamados actos desintegrativos (Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA

et. al., op. cit., p. 111).

8

apontadas vias – cancelamento, tout-court, ou cancelamento consequente a prévio(s) registo(s) de acção/decisão judicial – se aplica o princípio do trato sucessivo na modalidade da continuidade de inscrições (art. 34.º/4, do CRP), a nossa posição é a de que a lógica própria da regra não parece que aqui encontre sentido. 2.2.1. Na verdade, mesmo para quem, como nós, defenda, de acordo com uma certa compreensão do princípio,19 que da sua alçada não está isenta a figura do averbamento de cancelamento de inscrição, cremos contudo poder assentar na ideia de que uma tal tese só deve vingar quando o registo alvo do cancelamento incorpore – e, portanto, tutele – uma definida posição jurídica subjectiva, maxime de conteúdo jusprivatístico real (“registo de aquisição ou reconhecimento de direito susceptível de ser transmitido ou de mera posse”). Por outras palavras: será preciso que se trate, o registo cancelando, de registo de facto donde emirja direito ou situação jurídica a favor – em nome – de alguém, ainda quando porventura a subjectivização opere de modo individualizavelmente reflexo (como sucede, v.g., no caso da inscrição de servidão). Ora uma tal dimensão registalmente subjectiva, hoc sensu, que o respectivo cancelamento viesse prejudicar, é o que não somos capazes de discernir no âmago da inscrição de loteamento: o efectivo ius aedificandi que designadamente dela se extrai, dentro do condicionalismo que especifique, não cremos que beneficie de protecção tabular a se, pelo que não seria correcto dizer que a “neutralização” que sofre, provocada pelo cancelamento (a reflectir a “neutralização” substantiva extra e pré-tabular derivada da declaração de nulidade), vem prejudicar a concreta posição (direito ou situação jurídica) inscrita em nome deste ou daquele sujeito (seja do titular inscrito do prédio loteado, seja de quem dele sobre os lotes haja adquirido posições de conteúdo jurídico-privado). Nomeadamente, a inscrição de aquisição existente, enquanto inscrição de direito de propriedade (tomada como inscrição paradigmática), não se crê que pelo dito cancelamento resulte diminuída na consistência e na dimensão dos efeitos que dela promanam. A este modo de ver, já se vê, está subjacente a adesão ao entendimento de que o ius aedificandi “não é uma faculdade que decorre directamente do direito de propriedade do solo, antes é um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidos pelas normas jurídico-urbanísticas”.20 O que tudo nos leva a concluir não estar o juízo de viabilidade do cancelamento condicionado pela demonstração de que no procedimento administrativo ou no processo 19

Queremos referir-nos a um conceito de trato sucessivo que nele veja o precipitado dum princípio

mais fundante, qual seja o de que o conteúdo do direito ou da situação jurídica que a inscrição respectiva faz presumir não pode ver-se diminuída, e muito menos radicalmente abolida, sem que no acto “agressor” registando o titular daquele direito ou posição prioritária mais ou menos sacrificada haja intervindo como tiver que intervir. 20

FERNANDO ALVES CORREIA, Manual de Direito do Urbanismo, vol. I, 3.ª ed., 2006, p. 711.

9

judicial tenham intervindo os titulares inscritos (maxime de registos de aquisição ou de reconhecimento de direito de propriedade) dos prédios integrantes da operações de transformação fundiária cujo acto-título (licenciamento, autorização, admissão de comunicação prévia) tenha sido declarado nulo. 2.2.2. Mas, sendo isto o que defendemos para o cancelamento a se, quando isoladamente requerido, também não parece que de modo diferente se deva equacionar o problema quando confrontados, não já com o pedido de cancelamento directo, mas com o da acção (ou decisão) judicial por via da qual se deduza (ou dê provimento) à pretensão de declaração do desvalor de que o acto padeça, e de que o cancelamento (em princípio, oficioso) vem a ser desenvolução última. Na verdade, se, como dissemos, a pronúncia judicial da nulidade administrativa – e na medida em que a isso se cinja o conteúdo da pronúncia – não “empobrece” o conteúdo jurídico-real das posições subjectivas inscritas, não parece que faça muito sentido exigir para o registo da acção/decisão, quando não se exige para o solitário e directo cancelamento, a comprovação da intervenção na lide dos “donos” daquelas (não afectadas, e justamente porque não afectadas) posições tabulares. Seria na verdade algo incompreensível que contra a “definitividade” do registo de acção/decisão se pudesse opor a referida não intervenção e ao mesmo tempo permitir que na permanência dessa “não definitividade”, e votando-a à mais absoluta irrelevância, o pedido do cancelamento directo que porventura fosse formulado não obstante acabasse satisfeito – pedido este alicerçado, note-se bem, naquela mesma decisão transitada de que, enquanto registo de decisão, se não permitira, “sem dúvidas”, o registo. Em suma: o ingresso da declaração de nulidade do acto administrativo fundante da operação de transformação fundiária, que do registo desta operação derradeiramente se há-de traduzir no cancelamento, não está sujeito ao princípio do trato sucessivo. Não o está quando tudo o que se requisite seja o próprio cancelamento, nem o está quando antes dele (mas em ordem a ele) se requisite o registo da acção ou da decisão.

3. A nulidade dos actos de gestão urbanística, começámos por dizê-lo, não tem nada que a distinga da comum nulidade administrativa, nas notas básicas que lhe assinalámos: a declaração dela tem a vocação de, na medida do juridicamente possível, desfazer todos os efeitos do acto viciado. 3.1. Dentre os principais efeitos do licenciamento (ou acto equiparável) da operação de loteamento avulta indubitavelmente o da remodelação fundiária que por sua causa se desencadeia. À custa duma certa realidade predial originária formaram-se novos prédios – os lotes –, criaram-se parcelas de variada natureza e função (cfr. arts.

10

43.º e 44.º do RJUE). Ora, pergunta-se: é tudo isto varrido pela declaração de nulidade do acto de controlo prévio da operação? À luz do regime puro da nulidade – na sua radical condenação do acto nulo à total impotência jurídica –, a resposta a uma tal pergunta só pode ser afirmativa. Sob pena de inescapável ilogismo, não se pode dizer, como diz a lei, que o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, e ao mesmo tempo pretender que um dos seus mais substanciais efeitos – a divisão fundiária – afinal, e sem embargo, se produziu. O licenciamento não produziu efeitos; segue-se que, juridicamente, a transformação predial “nunca chegou a existir”. 3.2. Em particular, e voltando ao ponto em que mais acima nos referíamos à mitigação das consequências da nulidade contempladas no n.º 3 do art. 134.º, importa realçar que o que essa norma possibilita é que se atribua certa e limitada eficácia jurídica a situações de facto – e designadamente a obras e construções – que se tenham constituído e consolidado ao abrigo do acto declarado nulo, poupando-as assim à demolição/remoção a que naturalmente, por efeito da declaração de nulidade, se encontram destinadas. Os autores falam, a este propósito, de “jurisdicização“21 ou de “juridificação dos efeitos putativos do acto nulo”.22 Convém porém acentuar, como o fazem PEDRO GONÇALVES e FERNANDA PAULA OLIVEIRA23, que, “na situação contemplada no art. 134.º/3, o interesse do particular (dono da obra) não é protegido como um direito subjectivo, não podendo, portanto, dizer-se que ele adquire… um direito à conservação da situação de facto provocada pelo acto nulo. Por outras palavras, o particular tem um interesse simples na conservação, que, em conjugação com outros, pode ser atendido ou considerado… pela autoridade competente para proceder à jurisdicização.” 3.3. Quer a jurisdicização24 (que, insiste-se, tem por resultado a salvaguarda de situações de facto, que não propriamente a salvaguarda de direitos subjectivos), quer quaisquer outras atenuações ao draconiano regime da nulidade,25 não é porém nunca ao conservador que compete elaborá-las no âmbito da definição que lhe incumbe acerca das consequências tabulares da declaração de nulidade. Antes, é nos quadros do seu regime puro, tal como normativamente fixado, que tem que mover-se, sem que num tal juízo se

21

PEDRO GONÇALVES e FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “O regime da nulidade dos actos administrativos de

gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticas”, in CEDOUA, Ano II, 2, p. 24. 22

MARCELO REBELO DE SOUSA et al., op. cit., p. 183.

23

Op. cit., p. 26.

24

Sobre a competência para “jurisdicizar”, cfr. idem, ibidem, p. 27.

25

Como, por ex., a restrição à “nulidade total” decidida no acórdão citado na nota 10.

11

possa deixar conformar por valorações de proporcionalidade ou de justiça material – posto que nem para tanto tem competência legal, nem para tanto em qualquer caso dispõe dos elementos que a isso fundadamente o habilitem. Manifestamente, não cabe ao conservador “preocupar-se” com os devastadores, e porventura “injustos”, efeitos da nulidade: é ao órgão (administrativo ou judicial) que a declara que em primeira linha cabe fazê-lo, se tiver que fazê-lo, e na justa medida em que o “bloco da legalidade” o consinta. Submetida a declaração da nulidade a registo, contanto que se não descortinem obstáculos de legalidade (cfr. art. 68.º do CRP) à sua admissão, ao conservador não resta senão dar-lhe a expressão tabular que mais fielmente espelhe os seus radicais efeitos substantivos.

4. Efeitos em que porém, ao que cremos, se não inclui a automática destruição, ou a automática invalidade consequente (cfr. art. 133.º/2-i, do CPA), dos negócios jurídicos que sobre os lotes, enquanto prédios-coisas, antes da declaração de nulidade tenham sido praticados. Reiteramos o que no P. RP 58/2008 SJC-CT este Conselho já defendeu: que a nulidade do acto administrativo que investe o particular no poder de realizar uma operação de loteamento não implica ipso iure a nulidade dos negócios jurídicos que tiveram por objecto mediato os lotes que resultaram do loteamento – as consequências da nulidade administrativa sobre tais negócios terão que ser judicialmente definidas, seja em que sentido for.26 Pelo que, relativamente aos lotes que deles tenham sido objecto, e em particular em relação aos lotes sobre que incidam registos nesse negócios fundados (de aquisição, de hipoteca, etc.), a tradução tabular da nulidade do licenciamento terá que ser, por assim dizer, e como se explicitará, mais “comedida”. Certo e seguro, para nós, é que, mercê da declaração de nulidade, os lotes – todos eles, quer tenham quer não tenham sido entretanto objecto de relações jurídicas de conteúdo privatístico – deixam de ser lotes: é dizer, deixam de ser prédios destinados a edificação. Na verdade, e mais radicalmente, é mesmo a sua condição de prédios, enquanto coisa autónoma, que radicalmente fica posta em causa. Dissemo-lo já: a declaração de nulidade desfaz a divisão fundiária – e no plano tabular essa é, estamos em crer, a sua mais primária e mais expressiva consequência.

5. Como traduzir nas tábuas, de forma adequada, inscritiva e descritivamente, os efeitos da nulidade da operação de loteamento inscrita? Basicamente, parece-nos, nos moldes em que a conservatória a traduziu.27 26

No mesmo sentido, FERNANDA PAULA OLIVEIRA et al., Regime Jurídico, cit., p. 492.

27

Em linha, aliás, com o esquema que se preconizava nos pareceres proferidos nos processos 1/96

RP4, cit., e 134 RP 90, in BRNP n.º 4/2001, p. 21.

12

5.1.

Inscritivamente,

o

registo

da

declaração

de

nulidade

determina

o

cancelamento do registo da operação de loteamento – e cancelamento total, é dizer, em relação a todos os lotes. O cancelamento só será parcial na hipótese – que, aliás, será frequente – de sobre algum dos lotes haver registo de direitos a favor de terceiros, pois que, como se advertiu, da declaração de nulidade, em tal caso, não será lícito extrair a consequência da imediata invalidade dos negócios donde tais direitos brotaram. 5.2. Descritivamente, o procedimento é mais complexo. 5.2.1. Quanto às descrições respeitantes a lotes cuja titularidade registal se mantenha nas mãos do loteador, entendemos que devem ser inutilizadas com fundamento na declaração de nulidade, e a área respectiva, em consequência, devolvida (é dizer: reanexada) à descrição do prédio objecto da operação de loteamento. É esta, segundo cremos, a actuação técnica que melhor exprime a destruição da divisão fundiária ocasionada pelo licenciamento, bem como a eficácia retroactiva da invalidade. 5.2.2. Quanto às descrições respeitantes a lotes com direitos inscritos a favor de terceiros, porém, atenta a indispensabilidade da definição judicial das consequências, sobre eles (ou sobre os negócios que os causaram), da nulidade administrativa pronunciada, não pode delas como é evidente proceder-se à inutilização. Uma coisa porém temos por certa: é que também estas descrições deixaram, com o registo do cancelamento, por nulidade, da inscrição de loteamento, de representar lotes, abolido que foi, sem excepção para eles, o ius aedificandi. Pelo que, se não se inutilizam, pelo menos a tais descrições se deverá fazer o que a conservatória fez: ou seja, anotar-lhes a circunstância de ter sido declarada a nulidade do acto administrativo de licenciamento (ou acto permissivo equiparável) da operação de loteamento ao abrigo da qual o lote foi criado.28 5.3. É claro que, reanexando à descrição-mãe a área dos lotes cujas descrições se inutilizam, por um lado, e não lhe reanexando a área dos lotes cujas descrições se não inutilizam, por outro, resulta publicitada, relativamente ao fundo originário objecto do loteamento, uma situação assaz indefinida. Basta pensar que as áreas reanexadas podem materialmente estar entre si separadas pela interposição de áreas de “lotes” cujas descrições sobrevivem, rompendo aquele básico requisito de continuidade territorial que qualquer prédio, para sê-lo, tem que ser, e que por conseguinte qualquer descrição deve

28

Esta anotação, caso oficiosamente se execute na dependência do registo da decisão judicial de

nulidade, não é porém dela dependente, no sentido de que se manterá, e só se manterá, pelo tempo em que o próprio registo da decisão vigorar. Se, por ex. o registo da decisão for efectuado como provisório por dúvidas por violação do princípio do trato sucessivo (como na situação subjacente à consulta se fez, em conformidade, repete-se, com a doutrina dos serviços ao tempo sufragada, e da qual, nos termos que expusemos, nos distanciamos), a eventual anotação da caducidade desse registo não determinará a cessação da vigência (o “dar sem efeito”) da anotação à descrição da ocorrência da declaração de nulidade do licenciamento.

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formalmente imitar. É verdade que é assim. Mas, ao publicitar uma situação objectivamente confusa, a descrição-mãe estará a publicitar com fidedignidade: porque a situação material e jurídica da massa territorial em causa se torna efectivamente incerta com a prolação da decisão de nulidade do acto ao abrigo do qual sobre ela se tenha levado a cabo uma operação de reordenação fundiária correspondente a um certo desígnio urbanístico. Incerteza que, estamos em crer, tenderá a funcionar como estímulo a que as partes interessadas (câmara municipal, loteador ainda proprietário, particulares titulares de direitos sobre os “lotes”) se mobilizem no sentido de promover as diligências, seja de índole administrativa, seja de carácter judicial, tendentes à sua eliminação.

6. Registada que seja a declaração de nulidade, cabe perguntar em que termos daí resulta condicionada a qualificação dos registos que em relação às descrições dos “lotes”, bem como em relação ao prédio do qual aqueles, por divisão, saíram, venham ulteriormente a ser requeridos. 6.1. No plano do registo dos direitos emergentes de negócios jurídicos que dos lotes tenham feito seu objecto mediato, várias situações nos parecem figuráveis. 6.1.1. Uma primeira situação que podemos contemplar é a do negócio jurídico que tenha sido celebrado antes da declaração de nulidade. O loteador vendeu o lote …, como lote, ao sr. B; o sr. B vem requerer o registo do facto já depois do registo da declaração de nulidade do licenciamento – quid iuris? Este negócio – em consequência da declaração de nulidade administrativa – não só não é manifestamente nulo como não é sequer líquido que sofra de invalidade alguma – isso caberá judicialmente definir, como enfatizámos. Só que, repetimos, o registo deste facto, como lote, não é já legalmente possível, porquanto o “lote”, pela declaração de nulidade, desapareceu do mundo jurídico. De modo que, parece-nos, se imporá a recusa – aquele concreto facto negocial já não pode valer como titulação da venda de lote, cabendo por isso aplicar a al. b) do n.º 1 do art. 69.º, do CRP. O problema, porém, é mais fundo. É que não foi só a sua condição de lote que em resultado da declaração de nulidade ficou questionada – foi mesmo a sua condição de prédio, de coisa a se. Pelo que também não se nos afigura possível aceitar a viabilidade do registo que, em vez de lote, “quisesse” transformar o objecto do negócio em, por ex., prédio rústico. Repisamo-lo: a divisão fundiária é como se não tivesse ocorrido – logo, os prédios-lotes que resultaram dessa divisão, que por sua vez resultou do licenciamento declarado nulo, é como se nunca tivessem existido. E acresce que, de qualquer modo, não foi um prédio rústico que se negociou, isto é, não foi sobre um prédio “que não fosse lote” que a vontade negocial das partes se formou – e tanto bastaria para se dar o facto

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“aquisição de prédio rústico” por não titulado.29 Quer se requeira o registo do bem tomado como lote, quer se requeira o registo do bem tomado como unidade que não seja lote, parece-nos que, em qualquer caso, o registo se terá que recusar.

6.1.2. Hipótese diferente é a do negócio de transmissão ou de oneração celebrado após a declaração de nulidade. Este negócio, na medida em que verse sobre lote – ou seja, prédio destinado a edificação – será manifestamente nulo. Sobre ser o objecto legalmente impossível (CCivil, art. 280.º/1), ocorrerá outrossim violação da norma imperativa do art. 49.º/1, do RJUE (CCivil, art. 294.º). O registo terá que ser recusado (CRP, art. 69.º/1-d).30 6.1.2.1. Mas poderá a área correspondente ser negociada como “prédio não lote”, ou seja, como prédio rústico? Se se tratar de “lote” cuja titularidade nunca saiu da esfera jurídica do loteador, não descortinamos obstáculo legal a essa possibilidade (salvo quanto à eventual anulabilidade sancionada no art. 1379.º do CCivil, sem implicações ao nível da qualificação). Na verdade, uma vez “desfeito” o lote (ex vi da nulidade do licenciamento), e reconstituído, na medida do juridicamente possível, o prédio originário, cremos que a área pertinente, contida na descrição-mãe, ficará à sua inteira disponibilidade. Promovida a indispensável inscrição na matriz rústica, o anterior prédio-lote, agora como prédio rústico, fica plenamente apto a ser objecto autónomo de relações jusprivatísticas, maxime de natureza jurídico-real. Pelo que não será a questão da natureza jurídica do objecto mediato que, neste contexto, levantará dificuldades ao registo. 6.1.2.2. Se, porém, o lote já foi pelo loteador transmitido a outrem, que, portanto, como lote o adquiriu e como lote em seu nome o inscreveu, já nos custa aceitar que na sua disponibilidade esteja o poder de redefinir “o lote” em prédio rústico e fazer dele, nessa redefinida qualidade, objecto de negócios. A verdade é que na descrição pertinente, segundo cremos, por causa da nulidade do acto de aprovação do loteamento (e do registo que a acolheu), já não pode ver-se a representação de um

29

Questão que pode porventura pôr-se é a de saber da virtualidade de um tal negócio, que as partes,

enquanto negócio sobre lote, acordem assumir como nulo, ser susceptível de conversão extra-judicial em negócio sobre prédio rústico. O que logo porém nos suscita outra questão: será lícito o exercício do direito potestativo de conversão que transforme um negócio inválido (nulo) em negócio inválido (meramente anulável)? E isto porque o fraccionamento, passando a ser de prédio rústico, decerto cairia na previsão do n.º 1 do art. 1376.º do CCivil. Sobre a arguição extrajudicial da convertibilidade, cfr. CARVALHO FERNANDES, “A Conversão dos Negócios Jurídicos Civis”, 1993, p. 362 e ss. 30

Isto, sem prejuízo de à hipótese ser adicionalmente aplicável, mutatis mutandis, o que mais adiante

se dirá, quando considerarmos a hipótese de o “terceiro” inscrito pretender transmitir o bem como prédio rústico.

15

prédio. A descrição fica sendo como que o espectro tabular duma realidade substantiva que cessou de existir, e que formalmente só se conserva (que só não se inutiliza) porque sobre ela incidem inscritos direitos cuja consistência, depois e por causa da nulidade, carece de ser judicialmente esclarecida. O “prédio” dessa descrição, por não ser já prédio (e não sê-lo patentemente à face dos dados tabulares), não pode mais, antes da definição judicial que decida em contrário, ser negociado. Se, não obstante, o vier a ser – “convertido” em prédio rústico –, cremos que o correspondente registo deverá em qualquer caso recusar-se, por indeterminabilidade do objecto – é ainda no domínio do art. 280.º/1 do CCivil que nos situamos, a convocar, mais uma vez, a al. d) do n.º 1 do art. 69.º do CRP.

6.2. Vistas as coisas pelo lado dos “factos sujeitos a registo”, cumpre por fim tomar posição a respeito da qualificação do pedido de averbamento de construção que se formule com referência a descrição que representou, mas já não representa, lote, em face do cancelamento do registo do loteamento motivado pela declaração da nulidade do acto que o aprovou. Em nossa opinião, o averbamento deve ser recusado. A justificação, no fundo, é a mesma que avançámos supra, para fundamentar a recusa do registo dos factos de cariz negocial. É que a descrição não só deixou de ser descrição de lote, como, mais radicalmente, deixou de ser descrição de prédio. Ora, se a descrição já não vale como retrato formal de prédio, isso significa que em si deixa de poder receber averbamento que vise dar conta da alteração introduzida na identificação física de prédio. A recusa louvar-se-á no art. 69.º/2 CRP.

7. Julgamos estar agora em condições de responder às questões formuladas na consulta. Relativamente às questões II e III, atinentes aos prédios das descrições ... e …, remetemos para o teor dos pontos 6.1.1 e 6.1.2.: os registos aquisitivos devem ser recusados. Relativamente à questão I, atinente à área que em tempos pertenceu à inutilizada descrição …, cremos que a resposta se infere do que defendemos em 6.1.2.1.. A área em causa já se encontra reanexada à descrição …, pelo que a pretensão, nessa parte, carece de sentido. Quanto ao pedido de desanexação dessa mesma área, tudo depende dos moldes em que o mesmo se formule: se o que se pretende, como parece ser o caso, é formar (ou dar tradução tabular à formação de) um novo prédio destinado a construção, a viabilidade do pedido terá de ser aferida à luz da disciplina do RJUE. Tratar-se-á, à

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primeira vista, de acto enquadrável no conceito de operação de loteamento, sujeito, como tal, a licença prévia (RJUE, arts. 2.º/-i e 4.º/2). Se em vez de terreno para construção, porém, for um prédio rústico o que se pretenda formar, não é a circunstância de a área que se lhe adscreva (… m2) ser inferior à unidade de cultura que constitui impedimento ao acolhimento da pretensão. O acto não é nulo mas meramente anulável, e a anulabilidade, como se sabe, não obstaculiza o registo dos factos que dela padeçam. Por outro lado, e no que toca à situação matricial, será bastante, nos termos comuns, que se comprove o pedido de inscrição do prédio (CRP, art. 31.º).

******

Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 29 de Abril de 2011. António Manuel Fernandes Lopes, relator, João Guimarães Gomes de Bastos (com declaração de voto em anexo), Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 11.05.2011.

17

Pº C.P. 55/2010 SJC-CT

Vencido

A. Reproduzo (incluindo o relatório, que “ajuda” a compreender a fundamentação) o projecto de parecer que elaborei nos autos, que inicialmente me foram distribuídos, e que não mereceu aprovação na sessão de 19.01.2001.

«Relatório:

1- Os prédios cuja situação jurídico-tabular importa averiguar.

A consulta versa sobre os seguintes prédios:

1.a) Prédio actualmente descrito na ficha nº …, da freguesia de …, do concelho de ... Este prédio estava descrito no livro B-…, sob o nº ... Foi desanexado do nº …, do livro B-…, com base no alvará de loteamento nº …/…, da Câmara Municipal de …, constituindo o lote nº … deste alvará. O alvará (ou o licenciamento por ele titulado) não chegou a ser registado. Tem aquisição ainda inscrita em nome do loteador ... (Ap. … de …/…/…). Pela Ap. … de …/…/… foi registada definitivamente decisão judicial que declarou nula e de nenhum efeito a deliberação da Câmara Municipal de ... de …/…/…, que havia licenciado aquele loteamento. Pela mesma Ap. … de …/…/… foi anotada à descrição predial a inutilização “em virtude de ter sido judicialmente declarada a nulidade de deliberação camarária que aprovou o alvará de loteamento nº …/…/… ao abrigo do qual foi desanexado”. Pela mesma Ap. ... foi averbado à descrição predial da ficha nº ... – … que ficava sem efeito a desanexação, dentre outros, do prédio nº ...

1.b) Prédio actualmente descrito na ficha nº …, da freguesia de ..., do concelho de … Este prédio estava descrito no livro B-…, sob o nº … Foi também desanexado do nº …, do livro B-…, com base naquele alvará de loteamento nº …/…, da Câmara Municipal de …, constituindo o lote nº … deste alvará, o qual, como já se disse, não chegou a ser registado.

18

Tem aquisição inscrita em nome de … (Ap. … de …/…/…). Pela Ap. … de …/…/… foi registada definitivamente

31

decisão judicial que declarou

nula e de nenhum efeito a deliberação da Câmara Municipal de ... de …/…/…, que havia licenciado aquele loteamento. Pela mesma Ap. … de …/…/… foi efectuada à descrição predial a seguinte anotação: “A deliberação camarária que aprovou o alvará de loteamento nº …/…, ao abrigo do qual o prédio foi desanexado, foi judicialmente declarada nula e sem efeito”.

1.c) Prédio descrito na ficha nº …, da freguesia de ..., do concelho de … Este prédio foi desanexado do prédio da ficha nº ... – …, por força da inscrição de autorização de loteamento lavrada com base no alvará nº .../…, da Câmara Municipal de …, constituindo o lote nº … deste alvará. Tem aquisição ainda inscrita em nome do loteador … (Ap. … de …/…/…). A autorização de loteamento está registada pela Ap. … de …/…/…

32

.

Na ficha nº ... – ... está registada – definitivamente quanto a este prédio da ficha ... – a decisão judicial que declarou nulas as deliberações de …/…/…, de …/…/… e de …/…/…, tendo esta última licenciado aquele loteamento (Ap. … de …/…/…). A decisão judicial não está registada na ficha ... – …, pela mesma Ap. … de …/…/… foi anotada à descrição predial a inutilização “em virtude de ter sido declarada a nulidade da deliberação camarária que aprovou o alvará de loteamento nº …/… ao abrigo do qual o prédio foi desanexado”. Pela mesma Ap. … foi averbado à descrição predial da ficha nº … – ... que ficava sem efeito a desanexação do prédio ...

2- As situações extra-tabulares que importa conhecer.

2.a) Quanto ao prédio da ficha nº ... – …

Por escritura de ... de ... de …, lavrada a partir de fls … do Livro de Notas …-B, do Cart. Notarial de …, …, titular inscrito, vendeu este prédio a …, não tendo este facto sido registado. 31

- Embora na acção tenha sido demandado não o titular inscrito (...) mas o transmitente ao titular inscrito

(...).

32

- Embora, contraditoriamente, a coberto da Ap. ... (decisão judicial) tenha sido averbado na ficha nº … – … o

cancelamento do registo da autorização de loteamento “quanto ao prédio …”. É certo que, se não erramos, este averbamento não figura na ficha informatizada nº ... – …, e daí, talvez, a “confusão”.

19

O prédio está inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo …, sendo titular do direito ao rendimento aquele ...

2.b) Quanto ao prédio da ficha nº … – …

Por escritura de … de … de …, lavrada a partir de fls … do Livro de Notas …-F, do Cart. Notarial de …, o titular inscrito ... e mulher venderam o prédio a ... O prédio está inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo …, sendo titular do direito ao rendimento aquele …

2.c) Quanto ao prédio da ficha nº … – ...

Pelo ofício nº … de …/…/…, sobre o assunto “Operação de Loteamento titulado pelo alvará nº …/...”, foi pela Câmara Municipal de … comunicado à Senhora Conservadora que em …/…/… a mesma deliberou “ratificar a deliberação de câmara de … de … de …, uma vez encontrar-se a proposta de ocupação urbana em área que no PDM se encontra classificada como área urbana – núcleo urbano e ser compatível com o regulamento do mesmo PDM”

33

.

2- Consulta.

3.a) Pretende-se registar a aquisição do prédio da ficha nº … – … com base na escritura de …/…/… Quid iuris?

3.b) Pretende-se registar a aquisição do prédio da ficha nº … – … com base na escritura de …/…/… Quid iuris?

3.c) Pretende-se i) reanexar a área (…m2) da descrição nº ... – … à descrição predial da ficha nº …, e ii) desanexar a mesma área - que, antes da reanexação pretendida, constituía aquela descrição da ficha nº … – ... -, com base na deliberação camarária de …/…/… Quid iuris?

Pronúncia:

33

- Esta deliberação camarária de …/…/… foi mesmo averbada à descrição da ficha nº ... – … pela Ap. ...

20

1- Vamos tentar responder, por forma sucinta mas com pretensão de clareza, às questões suscitadas. Antes, porém, importa reflectir um pouco sobre a matéria subjacente, cuja complexidade é pacificamente reconhecida.

1.1- Como ensina Vieira de Andrade

34

, «Nos termos da lei geral [v. os artigos 134º

e 137º, nº 1, do CPA], o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade; a nulidade dos actos administrativos é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer tribunal ou por qualquer órgão administrativo; os actos nulos (ou inexistentes) não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão». O Mestre adverte, porém, que este é o regime puro da nulidade, mas que «a questão da invalidade dos actos administrativos e dos respectivos efeitos constitui um problema, a resolver através da ponderação entre os valores da legalidade, de um lado, e os da segurança jurídica e da estabilidade das decisões, por outro lado – sendo especialmente relevante a protecção da boa fé e da confiança dos cidadãos quando estejam em causa decisões que lhes sejam favoráveis» (op. cit. em nota, pág. 341). Ainda segundo o mesmo Autor, «um dos domínios em que se puseram de modo mais intenso os problemas da nulidade dos actos administrativos foi o da gestão urbanística, onde se defrontam interesses públicos e privados de grande relevância», sendo que «essa tensão forte entre interesses e valores vitais para a comunidade e para os particulares implica soluções específicas, capazes de assegurar um equilíbrio razoável» (op. cit., pág. 348).

Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira

35

trataram ex professo a matéria da

nulidade dos actos administrativos de gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticas, maxime os actos de licenciamento de operações de loteamento, de obras de urbanização e de obras de construção civil, debatendo e doutrinando sobre a verificação da compatibilidade entre o regime geral da nulidade dos actos administrativos e o interesse na conservação de situações de facto criadas directamente ao abrigo de actos nulos. Na economia do parecer, realçamos do estudo citado o reconhecimento de que não está previsto no nosso ordenamento urbanístico um regime especial de nulidade para os 34

- “A nulidade administrativa, essa desconhecida”, in R.L.J. Ano 138º, nº 3957, pág. 340.

35

- “A Nulidade dos Actos Administrativos de Gestão Urbanística”, in CEDOUA Ano II – 1. 99, pág. 17 e segs., e

“O Regime da Nulidade dos Actos Administrativos de Gestão Urbanística que Investem o Particular no Poder de Realizar Operações Urbanísticas”, in CEDOUA Ano II – 2.99, pág. 15 e segs.

21

actos administrativos de gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticas, mas que existem vias alternativas à demolição das operações urbanísticas realizadas ao abrigo de actos administrativos nulos, sendo tais vias a legalização dessas operações urbanísticas – através da alteração da situação de facto ou da alteração do direito aplicável (por meio da suspensão dos planos ou da alteração ou revisão dos planos) – ou a atribuição de efeitos jurídicos a essas operações urbanísticas (jurisdicização). Acentuamos ainda que neste estudo é reafirmado que a licença urbanística tem uma função concretizadora e estabilizadora – na medida em que «define o direito aplicável ao caso concreto implicado na pretensão apresentada, criando segurança jurídica ad hoc e pro futuro (…)», mas «não desencadeia um efeito conformador de relações jurídicas de direito privado (direito das coisas)» (op. cit., pág. 29 da 1ª Revista cit. em nota).

1.2- Na perspectiva jusprivatística, o que verdadeiramente importaria estudar ex professo (tarefa para

que o ora relator não se encontra habilitado) seria as

consequências da nulidade dos actos administrativos de gestão urbanística que investem o interessado no poder de realizar operações urbanísticas, ao nível dos prédios (lotes) e das parcelas cedidas pelo loteador para o domínio público e privado do município e/ou ao nível dos direitos que simultaneamente com o licenciamento da operação urbanística ou ulteriormente hajam sido adquiridos por terceiros sobre os lotes criados com a emissão do alvará. No âmbito do direito registal, defendemos no parecer emitido no Pº R.P. 58/2008 SJC-CT que as consequências da declaração de nulidade do acto administrativo de licenciamento de operação de loteamento devem ser judicialmente definidas, mediante a ponderação dos interesses públicos e privados em presença. A nosso ver, a declaração, ainda que judicial, de nulidade do acto administrativo de licenciamento não constitui título para o cancelamento dos registos dos direitos inscritos sobre os lotes, ainda que na respectiva acção tenham intervindo os titulares inscritos 36

36 37

.

- O citado estudo de Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira (2ª Revista, pág. 22) oferece-nos um

bom exemplo (de operação urbanística de edificação) para comprovarmos a nossa posição: pense-se no caso do licenciamento de um edifício de 6 pisos com 3 fracções autónomas por piso, numa área onde o PDM apenas permite a construção de 3 pisos, estando já vendidas todas as fracções autónomas dos últimos 3 pisos, e tendo na respectiva acção sido demandados os proprietários destas fracções autónomas. Se a sentença se limitou a declarar a nulidade parcial do acto administrativo de licenciamento, ainda que a mesma tenha ordenado a demolição dos últimos 3 pisos, a nosso ver, não temos título para o cancelamento dos registos de aquisição a favor dos proprietários das fracções autónomas correspondentes a estes pisos. Só perante a definição judicial das consequências da nulidade do acto administrativo de licenciamento, ao nível dos direitos dos condóminos das fracções autónomas correspondentes aos pisos “eliminados” e ao nível da modificação “forçada” do conteúdo e do objecto do estatuto do condomínio, é que se conceberia a tradução tabular de tais consequência

22

1.3- Não obstante o anteriormente exposto, a declaração, seja judicial seja administrativa, de nulidade do acto administrativo que investe o interessado no poder de realizar uma operação urbanística de loteamento é título bastante para o cancelamento do respectivo registo da operação de transformação fundiária

38

.

Em sede de registo predial, a questão que se deve colocar é a de saber se o princípio do trato sucessivo (na modalidade da continuidade das inscrições – cfr. art. 34º, nº 4, do C.R.P.) demanda a intervenção dos titulares inscritos dos lotes no processo ou no procedimento onde foi declarada a nulidade do acto administrativo de licenciamento. Na nossa opinião, ao caso não se aplica o princípio do trato sucessivo. Não está em causa, com o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária, uma “nova” (em sentido próprio ou por repristinação ou “afectação” de inscrição anterior) inscrição “definitiva”, que é um dos pressupostos de aplicação do princípio

39

.

judicialmente definidas. O que nos parece evidente é que não é ao conservador que compete definir as consequências jusprivatísticas da nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação urbanística. Questão que não está em tabela é se, tratando-se no caso de licenciamento de operação urbanística de edificação, estaria sujeita a registo a acção com o singelo pedido de declaração de nulidade (parcial) do acto administrativo de licenciamento e de decretamento da demolição dos 3 últimos pisos, bem como a decisão final de procedência. Mas já está em tabela a questão de saber se, apesar da prolação e do trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade parcial do licenciamento e ordenou a demolição dos 3 últimos pisos, os proprietários das fracções autónomas a eles correspondentes podem dispor (alienar ou onerar) dos direitos de que são titulares inscritos, enquanto não se proceder à definição judicial das consequências da nulidade do acto administrativo de licenciamento e tais consequências não obtiverem acolhimento registal. A este ponto voltaremos no texto.

37

- Abordando a declaração administrativa de nulidade do acto administrativo de licenciamento de loteamento

urbano, Fernanda Paula Oliveira et alii, in Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, 2ª ed., 2009, pág. 492, defendem que tem de haver uma declaração judicial de nulidade dos negócios jurídicos de que emergem direitos sobre os lotes criados com a emissão do alvará.

38

- No sentido do texto, se bem ajuizamos, Fernanda Paula Oliveira et alii, ob. cit., pág. 492, para quem «a

decisão da câmara municipal (de declaração de caducidade, de nulidade ou de anulação) apenas faz desaparecer, do ponto de vista jurídico, o acto de licenciamento ou de admissão da comunicação prévia. Neste caso, procede-se ao cancelamento do registo (inscrição) do acto (…)». Como decorre do art. 134º do CPA e é acentuado por Mário Esteves de Oliveira et alii, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., 2005, pág. 653, a declaração administrativa de nulidade tem eficácia erga omnes. 39

- Damos aqui por pressuposto que o ius aedificandi não integra o conteúdo do direito de propriedade, antes é

atribuição do plano ou da licença. E acentuamos que o particular tem ao seu dispor a garantia de uma tutela judicial efectiva, «daí que a lei preveja, apesar da ilogicidade, a impugnação judicial e, sobretudo, a própria suspensão da eficácia de actos nulos» (cfr. Vieira de Andrade, op. cit., pág. 347).

23

Portanto, a declaração administrativa ou a sentença declarativa da nulidade do acto administrativo que licenciou a operação de loteamento são títulos bastantes para o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária

40

, ainda que no

respectivo procedimento ou processo não tenham intervindo os titulares inscritos dos lotes.

1.4- Noutra dimensão registal, mais concretamente no plano do registo da relação processual (registo da acção ou registo da decisão final), afigura-se-nos que o princípio do trato sucessivo na modalidade da continuidade das inscrições deverá ser observado (cfr. citado art. 34º, nº 4, do C.R.P.). Se a acção com pedido de declaração de nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento foi proposta apenas contra o município a que pertence o órgão administrativo licenciador, ou contra este e vários adquirentes de lotes entretanto transmitidos, mas não contra o titular inscrito de determinado lote, o registo da decisão não pode ser lavrado definitivamente neste lote, precisamente por na acção não ter sido demandado o titular inscrito, o qual não pode ser atingido pela força do caso julgado da sentença. Como já salientámos no citado parecer emitido no Pº R.P. 58/2008 SJC-CT (cfr. nota 16), há que distinguir entre imperatividade e imutabilidade da sentença. A sentença, seja declarativa (da nulidade) seja constitutiva (declaração de anulação do acto), vale naturalmente erga omnes, mas enquanto acto jurisdicional não pode atingir quem não foi parte no processo, não lhe sendo por isso oponível

41

.

Resulta do exposto que, na nossa opinião, a sentença transitada em julgado que declarou a nulidade do acto administrativo de licenciamento de operação de loteamento é título bastante para o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária,

40

- Julgamos ser pacífico o entendimento de que o nº 2 do art. 134º do CPA «tem de ser objecto de uma

interpretação restritiva ou de uma redução teleológica, em função da diferença entre a declaração formal e o conhecimento da nulidade», do que resulta que «só os órgãos administrativos competentes para a decisão ou os tribunais administrativos têm poder para declarar a nulidade de um acto administrativo» (cfr. Vieira de Anrade, op. cit., pág. 345). Em sede de qualificação do pedido de registo de cancelamento da operação de transformação fundiária, estamos convictos de que o conservador tem competência para apreciar a competência do órgão administrativo que praticou o acto (de 2º grau) de declaração formal da nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento. Mas já temos sérias reservas em defender igual competência perante decisão de tribunal não administrativo que em vez de conhecer a nulidade (com a consequente desaplicação do acto) a declarou formalmente, antes nos inclinamos para a imperatividade constitucional de acatamento dessa decisão judicial. 41

- Cfr., a propósito das sentenças constitutivas, Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), 9ª

ed., 2007, pág. 385.

24

mas enquanto decisão judicial não poderá ingressar definitivamente na ficha de determinado lote se o respectivo titular inscrito não foi demandado na acção.

1.5- Ao nível descritivo, quais as consequências da declaração de nulidade do acto administrativo que licenciou a operação de loteamento? A descrição dos lotes resultou do registo da operação de transformação fundiária (cfr. art. 80º, nº 3, do C.R.P.). Segundo o conceito técnico fixado no Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29 de Maio, “lote” é um prédio destinado à edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento ou de um plano de pormenor com efeitos registais (cfr. respectivo Anexo). Se o acto administrativo que licenciou a operação de loteamento é nulo (ou foi anulado), parece-nos líquido que o elemento finalístico, o destino à edificação, não ocorreu no mundo jurídico, dada a improdutividade jurídica daquele acto administrativo. Mas da licença urbanística – ou do alvará que lhe confere eficácia, ou do registo da operação de transformação fundiária, não importa agora precisar – resultou um efeito real de enorme importância, concretamente a divisão fundiária, ainda mais precisamente a divisão do prédio objecto do acto administrativo de licenciamento da operação urbanística de loteamento em novos prédios (lotes) e em parcelas destinadas ao domínio público e ao domínio privado do município. E a questão que se deve colocar é a de saber se este efeito real, a divisão fundiária, também não chegou a ocorrer no mundo jurídico, dada a improdutividade jurídica do acto administrativo licenciador da operação. No que toca aos lotes que já foram objecto mediato de relações jurídicas, resulta do anteriormente exposto que eles não podem ser “eliminados” nem considerados parte integrante

do

prédio

de

onde

haviam

sido

desanexados

enquanto

não

forem

judicialmente definidas as consequências da nulidade do acto administrativo de licenciamento. No que tange aos lotes que ainda permanecem na titularidade do “loteador”, a verificação da destruição automática e com eficácia ex tunc do efeito da divisão fundiária só poderá ocorrer em face da ponderação da situação jurídica desses e dos outros lotes e das parcelas cedidas para os domínios público e privado do município

42

, o que a nosso

ver não se compagina com a qualificação do pedido de cancelamento do registo da operação de transformação fundiária ou do pedido de registo da decisão judicial que declarou a nulidade ou a anulação do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento.

42

- Basta pensar em que poderão existir “lotes” que já foram objecto de relações jurídicas ainda não registadas,

e que também poderão existir “lotes” ou parcelas que, em virtude da disposição de outros “lotes” ou parcelas contíguos, adquiriram autonomia material em relação ao “prédio-mãe”.

25

Relativamente às parcelas cedidas para os domínios público e privado do município, também

importará

definir

previamente

as

consequências

da

nulidade

do

acto

administrativo de licenciamento do loteamento. Em face do exposto, somos de opinião que o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária não determina a “eliminação” oficiosa da descrição dos “lotes”, ainda que nenhuma inscrição tenha sido lavrada nas respectivas fichas.

1.6- Nos termos expostos, será a nosso ver concebível que determinada ficha de registo publicite a existência de um prédio que surgiu no mundo jurídico como lote – ou seja, como prédio destinado à edificação constituído ao abrigo de uma operação de loteamento – e como tal foi adquirido e registada a sua aquisição por outrem, mas que, por ter sido ulteriormente declarada a nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento e cancelado o registo da operação de transformação fundiária, afinal nunca foi lote mas simplesmente prédio rústico. Vamos partir desta situação jurídico-tabular para abordar três hipóteses.

1ª hipótese: O prédio, enquanto lote, é objecto de negócio jurídico. Afigura-se-nos líquido que o negócio jurídico é nulo, não só porque do título não constará, sob pena de falsidade, a formalidade ad substantiam prevista no art. 49º, nº 1, do RJUE (cfr. art. 294º do C.C.) mas também porque o objecto é legalmente impossível (cfr. art. 280º, nº 1, do C.C.), devendo o registo do facto ser recusado [cfr. art. 69º, nº 1, d), do C.R.P.].

2ª hipótese: O prédio, enquanto prédio rústico, é objecto de negócio jurídico. Cremos que, neste caso, o negócio não é manifestamente nulo, mas o título deve ser bem esclarecedor quanto à natureza do bem (prédio rústico e não lote) para que o facto ingresse no Registo sem qualificação minguante

43

43 44

.

- A tese da viabilidade da celebração de negócios jurídicos que tenham estes prédios por objecto foi sufragada

na deliberação tomada no Pº C.P. 40/99 DSJ-CT, in BRN nº 11/99, pág. 2.

44

- A hipótese propositadamente colocada na nota (6) reveste, a nosso ver, os mesmos contornos, embora

prima facie possa parecer mais “chocante” o registo definitivo de factos sobre fracções autónomas correspondentes a pisos de edifício sobre os quais existe decisão judicial transitada em julgado que declarou a nulidade parcial do acto administrativo de licenciamento da edificação e decretou a demolição daqueles pisos. Em ambas as hipóteses, o ponto está em que não estão ainda definidas as consequências jurídicas da nulidade do acto administrativo de licenciamento relativamente aos adquirentes daqueles bens, pelo que os negócios jurídicos em que sejam causantes os titulares inscritos e que tenham por objecto esses bens não são manifestamente nulos, não se justificando assim a recusa do registo desses factos, sendo certo que os titulares inscritos não estão impedidos de dispor das respectivas posições jurídicas e os adquirentes de as inscrever nas

26

3ª hipótese: O prédio, enquanto lote, foi objecto de negócio jurídico antes da declaração,

administrativa

ou

judicial,

de

nulidade

do

acto

administrativo

de

licenciamento da operação de loteamento – e, naturalmente, antes do cancelamento do respectivo registo da operação de transformação fundiária – mas o facto ainda não foi registado. Vejamos. Repisamos

o

entendimento

de

que

as

consequências

da

nulidade

do

acto

administrativo de licenciamento do loteamento relativamente aos adquirentes dos lotes têm que ser judicialmente definidas. Ora, enquanto estas consequências não obtiverem acolhimento tabular, não descortinamos obstáculos a que o adquirente registe o facto, desde que se conforme com a natureza do bem (prédio rústico, e não lote) publicitada pelo Registo, o que deve ficar bem assinalado no procedimento registal. Esta solução é, além disso, a que melhor se ajusta à premência de ajustar a realidade tabular à realidade substantiva. Nesta perspectiva, nada justifica que o titular inscrito causante continue a beneficiar da presunção de que o bem lhe pertence (cfr. art. 7º do C.R.P.), quando tal presunção se encontra perfeitamente ilidida com o título apresentado.

1.7- Finalmente, importa abordar a questão de saber qual a qualificação que merece o pedido de averbamento de construção à descrição de terreno que inicialmente era lote mas que, em consequência da declaração de nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento e do cancelamento da respectiva inscrição da operação de transformação fundiária, deixou de ser lote (melhor dizendo, nunca foi lote), sendo simplesmente prédio rústico. Na nossa opinião, o averbamento deve ser recusado nos termos do art. 69º, nº 1, d), do C.R.P., por o acto ser manifestamente (ostensivamente, em face da própria situação jurídico-tabular) ilegal. A ilegalidade resulta da violação de normas imperativas que ferem de nulidade o acto administrativo que licenciou o loteamento de que resultou a constituição daquele lote enquanto prédio destinado à edificação. Porém, a nosso ver o pedido de averbamento da edificação já merecerá qualificação favorável se for comprovado no procedimento registal que a edificação foi sujeita a um procedimento urbanístico de controlo, estando a sua utilização devidamente titulada. Como já foi afirmado por este Conselho

45

, no âmbito do princípio da legalidade

tábuas como condição da oponibilidade da aquisição a terceiros [cfr., a propósito, o citado parecer emitido no Pº R.P. 58/2008 SJC-CT). O que é preciso é que os títulos sejam bem esclarecedores sobre a “precaridade” dessas posições jurídicas. 45

- Cfr. conclusão IV tirada no Pº C.P. 40/99 DSJ-CT, in BRN nº 11/99, pág. 3, no âmbito da “caducidade do

alvará de loteamento”.

27

consagrado no art. 68º do C.R.P. ao conservador não compete apreciar a validade do acto administrativo de “aprovação” da utilização da edificação

46

(como aliás também não

lhe compete apreciar a validade do acto administrativo de licenciamento de operação de loteamento).

2- Após o breve excurso a que procedemos, sentimo-nos agora mais à vontade para responder às questões colocadas na consulta.

2.1- A registabilidade do facto titulado pela escritura de ... de … de …

Como resulta do Relatório (ponto 1.a)), o lote nº … do alvará nº …/… foi “eliminado” das tábuas e integrado na descrição do “prédio-mãe”. Se bem ajuizamos, a actuação registal então adoptada corresponde à aplicação do regime puro da nulidade e, nesta perspectiva, tal actuação não mereceria reparo

47

.

A nosso ver, porém, e como tentámos explicitar no ponto 1.5, o registo (definitivo) da decisão judicial que declarou a nulidade do acto administrativo que licenciou a operação de loteamento (operação esta que não chegou a ser registada) não deveria ter determinado a “eliminação” oficiosa da descrição do lote com a sua integração no “prédio-mãe”. Assim sendo, como se nos afigura, a anotação de inutilização à descrição da actual ficha nº ... – … e o averbamento à descrição da ficha nº … – ..., na parte em que declarou sem efeito a desanexação do prédio descrito sob o nº …, serão nulos nos termos do art. 16º, b), do C.R.P., por falta de título, devendo proceder-se ao seu cancelamento (parcial, quanto ao averbamento à descrição da ficha nº … – …) em processo de

46

- Como ensinam Pedro Gonçalves e Fernanda Paula Oliveira, in “ A Nulidade …”, pág. 27, «(…) a licença

de utilização funciona também como um controlo a posteriori da legalidade das obras», pelo que «deve ser considerada como acto administrativo de gestão urbanística».

47

- Se a nulidade tem efeitos retroactivos, tudo se passaria como se a desanexação não tivesse ocorrido, pelo

que a reanexação não faria qualquer sentido. Apenas se nos suscitam algumas dúvidas sobre a bondade de “averbar a nulidade” à descrição da ficha nº … – ... É que este prédio resultou da anexação (em …/…/…) dos prédios descritos em livro sob os nºs ... e …, mas aquele lote nº … do alvará nº …/… já havia sido anteriormente (em …/…/…) desanexado daquela descrição nº ..., pelo que em rigor parece-nos que não se poderá afirmar que aquele lote foi desanexado do prédio da ficha nº ... – ...

28

rectificação em que, naturalmente, deverão intervir os titulares inscritos da ficha nº … – ... (cfr. arts. 120º e segs. do C.R.P.).

Regressada ao mundo jurídico-tabular a descrição da ficha nº ... – ..., de acordo como

entendimento que expusemos na 3ª hipótese do ponto 1.6 o facto (compra e

venda) titulado pela escritura de … de … de … pode ingressar definitivamente no Registo (se,

entretanto,

não

forem

judicialmente

definidas

e

acolhidas

nas

tábuas

as

consequências da nulidade do acto administrativo de licenciamento do loteamento), desde que o adquirente inscreva o prédio na matriz rústica (actualmente está inscrito, indevidamente, na matriz urbana) e declare expressamente no procedimento registal que o objecto mediato do registo peticionado é um prédio rústico

48

.

2.2- A registabilidade do facto titulado pela escritura de ... de … de …

Como também resulta do Relatório (ponto 1.b)), o lote nº … do alvará nº …/… foi afectado na sua situação jurídico-tabular com o registo definitivo

49

da decisão judicial

que declarou a nulidade do acto administrativo de licenciamento do loteamento e com a anotação desta circunstância à descrição predial. Dir-se-á que subjacente à qualificação registal esteve então o entendimento – com que aliás concordamos plenamente, como resulta do anteriormente exposto – de que o conservador não tem competência para ele próprio “estender” a declaração de nulidade do acto administrativo aos negócios jurídicos que tiveram por objecto o lote.

Porém, no caso em apreço o contrato de compra e venda foi celebrado já depois de ter sido declarada judicialmente a nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento. Ou seja, o prédio, enquanto lote, foi objecto de negócio jurídico quando já estava judicialmente declarado que tal prédio não era lote. Do que resulta, de acordo com o entendimento firmado na 1ª hipótese do ponto 1.6, que o negócio jurídico

48

- Na economia do parecer não é relevante apreciar a questão de saber se a decisão judicial que declarou a

nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento formou caso julgado contra o adquirente do lote pela escritura de .../…/… (a acção terá sido proposta ulteriormente, pelo que a aquisição do lote não terá ocorrido na mora litis). 49

- Se bem interpretamos a respectiva ficha de registo (cfr. nota 1, que resultou de diligência instrutória),

haverá violação do princípio do trato sucessivo – com as inerentes consequências [cfr. art. 16º, e), e 120º e segs., todos do C.R.P.]– no registo da decisão judicial.

29

é manifestamente nulo, devendo o registo do facto ser recusado, caso venha a ser peticionado

50

.

2.3- A situação jurídico-tabular do denominado “lote nº ...” do alvará nº …/…

De acordo com o regime puro da nulidade, a “eliminação” deste lote traduziu-se na anotação da inutilização da descrição da ficha nº … – …, no averbamento à descrição da ficha nº ... – ... de que ficava sem efeito a desanexação deste lote, e no cancelamento do registo de autorização de loteamento

51

.

A nosso ver, porém, de acordo com o entendimento que sustentámos no ponto 1.5 e no ponto 2.1, a anotação de inutilização à descrição da ficha nº … – ... e o averbamento à descrição da ficha nº … – …, na parte em que declara sem efeito a desanexação do prédio da ficha nº ... – …, serão nulos por falta de título, justificando-se assim a instauração de processo de rectificação para “repristinar” a descrição da ficha nº ... – … 52

. Esta descrição “repristinada” diz respeito a um prédio rústico e a qualificação (futura)

de um eventual pedido de averbamento de edificação deverá, a nosso ver, ter em conta o exposto no ponto 1.7

50

53

.

- A nulidade do negócio jurídico resulta quer do art. 27º, nº 2, do D.L. nº 289/73, de 6 de Junho (em vigor à

data do licenciamento da operação de loteamento) quer do art. 49º, nº 1, do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro (em vigor à data da escritura de compra e venda) combinado com o art. 294º do C.C., e ainda do art. 280, nº 1, do C.C. Ainda que se confirme que o vendedor e titular inscrito não foi atingido pela força do caso julgado da sentença que declarou a nulidade do acto administrativo de licenciamento do loteamento, nem por isso, como tentámos demonstrar, tal sentença deixou de ter eficácia erga omnes (imperatividade). A confirmar-se que o titular inscrito/vendedor não foi demandado naquela acção, a nosso ver ele poderia exercer o direito à tutela judicial efectiva, demandando o Estado para obter o reconhecimento de que aquele acto administrativo não é nulo (cfr. nota 9, a propósito da declaração administrativa da nulidade). Esta acção estaria sujeita a registo (apesar de não ter sido efectuado no lote o registo da “autorização de loteamento”) e na pendência deste registo a aquisição titulada por aquele negócio jurídico de compra e venda também poderia ingressar na ficha, por dependência do registo da acção [cfr. art. 92º, nº 2, b), do C.R.P.]. 51

52

- O qual, como se referiu na nota 2, não foi considerado na ficha informática nº ... – ...

- Onde deverá ser reproduzida a inscrição da decisão judicial (aliás, não compreendemos porque não consta

da ficha informática o registo desta decisão judicial).

53

- Fica, assim, prejudicada a questão de saber se a deliberação camarária de …/…/… seria título bastante para

a desanexação do lote.

30

3- É este, salvo melhor, o nosso parecer, que resumiremos nas seguintes

Conclusões

1-

A

declaração,

seja

administrativa

seja

judicial,

de

nulidade

do

acto

administrativo que investe o interessado no poder de realizar uma operação urbanística de loteamento é título bastante para o cancelamento do respectivo registo da operação de transformação fundiária, ainda que no respectivo procedimento ou processo não tenham intervindo os titulares inscritos dos lotes.

2- A decisão judicial que declarou a nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento, enquanto acto jurisdicional, não pode ser definitivamente inscrita se o titular inscrito não foi demandado na acção.

3- O cancelamento do registo de operação de transformação fundiária resultante de loteamento não determina a “eliminação” oficiosa da descrição dos lotes, ainda que nenhuma (outra) inscrição sobre cada lote incida na respectiva ficha, sendo nulos, por falta de título, os actos de registo (averbamentos e anotações) através dos quais tenha sido concretizada aquela “eliminação”.

4- É manifestamente nulo o negócio jurídico que tenha por objecto um lote – enquanto prédio destinado a edificação, constituído ao abrigo de uma operação de loteamento -, celebrado já depois de declarada a nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento, devendo o registo do facto ser recusado.

5- Porém, se o prédio objecto do negócio jurídico referido na conclusão anterior foi identificado no título como prédio rústico (e não como lote), o negócio jurídico já não será manifestamente nulo e o seu ingresso no Registo a título definitivo não poderá ser negado, enquanto as consequências da nulidade do acto administrativo de licenciamento

31

do loteamento, designadamente quanto ao efeito da divisão fundiária, não estiverem judicialmente definidas e acolhidas nas tábuas.

6- Tendo sido o negócio jurídico celebrado antes da declaração de nulidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento, o facto pode ingressar nas tábuas a título definitivo apesar do cancelamento do registo da respectiva operação de transformação fundiária e apesar do eventual registo da decisão judicial que declarou a nulidade daquele acto administrativo, desde que o sujeito activo da relação jurídica a inscrever se conforme com a natureza do bem publicitada pelo Registo (prédio rústico, e não lote), o que deve ficar bem assinalado no procedimento registal.

7- O pedido de averbamento de edificação a descrição de prédio cuja situação jurídico-tabular revela que foi declarada a invalidade do acto administrativo de licenciamento da operação de loteamento deve ser recusado, por manifesta ilegalidade do facto, a não ser que seja comprovado no procedimento registal que a utilização da edificação que se pretende averbar se encontra devidamente titulada.».

B. Creio que os dois textos (o meu “projecto” e o douto parecer que mereceu aprovação do Conselho) são esclarecedores sobre as profundas divergências sobre tão complexa e delicada matéria, pelo que não se justificam outros considerandos (mesmo sobre a posição de afastar o registo da acção com pedido de declaração de invalidade do licenciamento de operação urbanística da órbita do princípio do trato sucessivo, que se me afigura inovadora).

Porém, porque estamos em sede de consulta a um serviço de registo e porque se me afigura essencial que à formação da livre convicção dos operadores de registo importa trazer pontos de reflexão, não acho descabido reproduzir aqui algumas reflexões que fiz (no âmbito do SIADAP/2010) sobre os efeitos e sobre a tradução tabular da caducidade da “aprovação” de operação de loteamento, com o argumento de que a distinção conceitual tradicional entre caducidade e nulidade não pode justificar tão divergentes consequências jurídico-registais:

« (…)

32

6- Afloremos agora os efeitos da caducidade da licença, autorização ou admissão de comunicação prévia de operação de loteamento urbano.

A matéria dos efeitos da caducidade da licença foi objecto de reflexão no seio do C.T. Se não erramos, a questão foi pela primeira vez debatida no Pº nº 134 – R.P 90, a propósito de um caso bem intrincado (declaração de caducidade da licença deliberada por determinada câmara municipal, cancelamento do respectivo registo de autorização de loteamento, decisão judicial de suspensão da eficácia do acto administrativo daquela declaração de caducidade da licença, cancelamento do averbamento de cancelamento daquele registo de autorização de loteamento com base na decisão judicial suspensiva da eficácia, negócios jurídicos de alienação e oneração dos “lotes” criados pelo alvará, registo (definitivo) destes factos, decisão (transitada em julgado) proferida no então recurso contencioso de anulação do acto administrativo que veio a julgar válida aquela deliberação declarativa da caducidade da licença, e, com base nesta decisão, novo cancelamento do registo de autorização de loteamento). Sobre este caso, Isabel Mendes escreveu um opúsculo intitulado “Consequências registrais da caducidade do alvará de loteamento e da suspensão da eficácia da deliberação camarária que a reconhece”, in Separata da Revista da Ordem dos Advogados Ano 55 -III – Lisboa, Dezembro 1995. Esta matéria foi ainda objecto do parecer emitido no Pº C.P. 1/97 DSJCT, in BRN nº 11/97 (a propósito da decisão de procedência proferida no recurso contencioso que havia sido interposto da decisão de recusa em registar o (novo) cancelamento do registo de autorização de loteamento).

Vamos, então, abordar muito perfunctoriamente os efeitos da caducidade da “aprovação” de operação de loteamento, servindo-nos um pouco da “experiência” recolhida naqueles trabalhos.

6.1- Um dos efeitos da “aprovação” de operação de loteamento é a criação de lotes, enquanto prédios autónomos. No Registo Predial esse efeito é traduzido com a abertura

das

descrições

dos

lotes,

determinada

pelo

registo

da

operação

de

transformação fundiária [cfr. art.s 2º, nº 1, d), e 80º, nº 3, ambos do C.R.P.].

Pergunta-se: este efeito extingue-se, é destruído, com

a caducidade da

“aprovação” da operação de loteamento? Para nós não sofre dúvida que o efeito da divisão fundiária não é destruído pela caducidade da “aprovação” do loteamento.

33

Reconhecendo embora que esta questão chegou a ser controvertida no seio do C.T. (cfr. citado parecer emitido no Pº nº 134 – R.P. 90), o pensamento foi evoluindo (cfr. citado parecer emitido no Pº C.P. 1/97 DSJ-CT), e já há muito que este Conselho «dá por assente que o efeito da divisão fundiária (…) não é atingido pela caducidade do licenciamento» (cfr. citado parecer emitido no Pº R.P. 69/2001 DSJ-CT). Este Conselho já defendeu (parecer anteriormente citado) que «a caducidade do licenciamento das operações de loteamento, por si só, não atinge a integração automática no domínio público municipal das parcelas de terreno cedidas nos termos do art. 16º, nº 1, do D.L. nº 448/91» (cfr. art. 44º, nº 3, do RJUE). É mais uma manifestação da eficácia ex nunc da caducidade. Aliás, tendo em atenção o disposto nos art.s 47º e 48º do D.L. nº 448/91 (cfr. art.s 84º e 85º do RJUE), que consagram a faculdade atribuída à câmara municipal e aos adquirentes dos lotes de aquela executar e estes promoverem directamente a execução das obras de urbanização, sustentou-se no parecer anteriormente citado (ponto 2.5.) que o loteador não poderá reconstituir livremente a unidade predial, dependendo a «reanexação» dos lotes da observância de determinados procedimentos cautelares.

6.2- Vamos tentar perscrutar os efeitos da caducidade.

Como é consabido, a disposição (alienação ou oneração) de lotes resultantes de operação de loteamento que exija obras de urbanização não depende da prévia realização destas obras. O adquirente do lote, à data da caducidade da “aprovação” da operação de loteamento, pode ainda não ter logrado a obtenção da aprovação do pedido de licenciamento para obras de edificação ou a apresentação de comunicação prévia (ou a admissão desta comunicação? – cfr. Fernanda Paula Oliveira et alli, in Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, 2ª ed., 2009, pág. 469) da realização dessas obras.

Quem é afectado pela caducidade da “aprovação” da operação de loteamento? Diz-nos o nº 7 do art. 71º do RJUE: «Tratando-se de licença para a realização de operação de loteamento ou de obras de urbanização, a caducidade pelos motivos previstos nos n.ºs 3 e 4 não produz efeitos relativamente aos lotes para os quais já haja sido aprovado pedido de licenciamento para obras de edificação ou já tenha sido apresentada comunicação prévia da realização dessas obras». Portanto, a contrario devemos concluir que os proprietários e demais titulares de direitos reais sobre lotes relativamente aos quais não haja sido aprovado o licenciamento ou apresentada (ou admitida?) a comunicação prévia da operação urbanística de

34

edificação nesses lotes são afectados pela caducidade da “aprovação” da operação de loteamento. Perante norma semelhante do D.L. nº 448/91 (art. 38º, nº 4), José Miguel Sardinha, in O Novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento e de Obras de Urbanização, 1992, págs. 91/92, explicava que a razão desta distinção é estritamente de ordem jurídica, porquanto haveria que respeitar os «direitos adquiridos».

Em que é que, afinal, se traduz a afectação provocada pela caducidade da “aprovação” de operação de loteamento? Cremos que também hoje é pacífico o entendimento de que os efeitos da caducidade

se

circunscrevem

«ao

âmbito

próprio

do

direito

administrativo,



suspendendo o jus aedificandi nele previsto relativamente aos lotes que não chegaram a ser objecto de licenciamento de construção», «sobre os quais podem ser celebrados quaisquer actos jurídicos permitidos por lei, com excepção daqueles cuja validade esteja condicionada, como formalidade ad substantiam, à subsistência de um alvará em vigor (…)» (conclusões 2ª e 1ª, respectivamente, da deliberação tomada, no domínio do D.L. nº 448/91, no Pº C.P. 40/99 DSJ-CT, in BRN nº 11/99; cfr. ainda 2ª parte da nota 28 do parecer emitido no Pº C.P. 89/2002 DSJ-CT, in BRN nº 9/2002, e conclusões 3ª e 4ª da deliberação anteriormente referida, sobre a possibilidade de averbar construção em descrição

predial

de

lote

afectado

pela

caducidade,

com

base

em

documento

comprovativo da concessão da licença para construção, apesar da caducidade).

Quanto à validade dos actos e negócios jurídicos relativos a lotes, o art. 49º, nº 1, do RJUE, na redacção introduzida pela Lei nº 60/2007, diz-nos que nos títulos e outros documentos e nos instrumentos desses actos e negócios deve constar a «data de caducidade». Se bem ajuizamos, a caducidade a que aqui se alude é a caducidade da “aprovação” (licença, autorização ou admissão da comunicação prévia) da operação de loteamento. Na nossa opinião, esta formalidade ad substantiam é exigida para a disposição (alienação ou oneração) de lotes integrados em

operação de loteamento cuja

“aprovação” caducou (e, por isso, o alvará terá sido cassado – cfr. art. 79º, nº 1, do RJUE) mas que não foram atingidos pela caducidade. Relativamente à disposição (alienação ou oneração) de lote atingido pela caducidade, afigura-se-nos que será nulo o acto ou negócio jurídico que o tenha por objecto, por este ser legalmente impossível, devendo ser recusado o registo do facto [cfr. art. 280, nº 1, do C.C. e art. 69º, nº 1, d), do C.R.P.].

35

Mas, de acordo com o entendimento anteriormente expresso (citado Pº C.P. 40/99 DSJ-CT), são disponíveis os direitos sobre o terreno, não enquanto lote, mas enquanto prédio rústico desprovido do jus aedificandi, devendo o título ser bem esclarecedor sobre este ponto para que o facto ingresse no Registo sem qualificação minguante.

Questão que também merece reflexão - ainda que a latere da figura propriamente dita da caducidade, mas de algum modo com ela relacionada - é a de saber quais são os efeitos da «suspensão de eficácia dos actos titulados por alvará, para efeitos da prática de negócios jurídicos» (cfr. art. 46º nºs 2 e 4, do D.L. nº 448/91), e da suspensão da eficácia da licença ou (da admissão de) comunicação prévia de loteamento urbano, enquanto «acto de segundo grau» ( cfr. Fernanda Paula Oliveira et alli, ob. cit., pág. 558) do embargo de obras de urbanização, facto que também está sujeito a registo (cfr. art.s 102º, nº 8, e 103º, nº 2, ambos do RJUE). Mantemos o entendimento de que se trata de registos com efeito enunciativo, esgotando-se a sua função na mera notícia (cfr. deliberação tirada no Pº R.P. 273/2004 DSJ-CT.). Mas tal não significa que o conservador deva ignorar o que consta do registo no momento da qualificação de pedidos de registo de factos sobre os lotes em cujas tábuas vigore tal notícia. Cremos que são aqui pertinentes as observações de Isabel Mendes, op. cit., conclusão VI, a propósito do nº 4 do art. 46º do D.L. nº 448/91. Verificando que a eficácia da “aprovação” (licença, autorização ou admissão de comunicação prévia) está suspensa, o conservador deverá “reagir” na qualificação registal perante menções divergentes que constem do título - que contenha as formalidades ad susbtantiam como se nada de anormal se tenha passado - ou perante a omissão pura e simples no título das formalidades legalmente exigíveis. Mas não excluímos à partida a possibilidade de o “lote” ser objecto de um negócio jurídico condicional (a condição seria o levantamento da suspensão de eficácia – art. 46º, nº 3, do D.L. nº 448/91 – ou a cessação ou caducidade do embargo – art. 102º, nº 8, do RJUE), ou a possibilidade de o negócio jurídico ser submetido a uma “cláusula de conversão” (de negócio sobre lote para negócio sobre prédio rústico sem o jus aedificandi, para o caso de a caducidade da “aprovação” da operação de loteamento vir a ser declarada e atinja o “lote” transaccionado).

7- Resta-nos abordar a matéria da tradução tabular da caducidade da “aprovação” de operação de loteamento urbano.

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7.1- Como já referimos (ponto 3), importa atender ao regime de caducidade aplicável em cada caso, sendo aplicável ao registo do facto o direito registal em vigor à data do pedido de registo. No entanto, como também já salientámos (ponto 5), a caducidade não é em si mesma facto sujeito a registo previsto no Código do Registo Predial, pelo que os factos a ela atinentes ou com ela relacionados são registados ao abrigo do último segmento da norma da al. u) do nº 1 do art. 2º do C.R.P. O que vale por dizer que na própria área do registo predial teremos que atender ao regime de caducidade aplicável. Feita esta advertência, vamos concentrar a nossa atenção no regime de caducidade estabelecido no RJUE.

7.2- Diz-nos o nº 1 do art. 79º do RJUE: «O alvará ou a admissão de comunicação prévia é cassado pelo presidente da câmara municipal quando caduque a licença ou a admissão de comunicação prévia ou quando estas sejam revogadas, anuladas ou declaradas nulas». O ponto que agora pretendemos evidenciar é tão somente este: a caducidade da licença ou da admissão de comunicação prévia determina a cassação do respectivo título (alvará ou admissão de comunicação prévia).

Dizem-nos os nºs 2 e 3 do citado art. 79º do RJUE (na redacção introduzida pelo D.L. nº 26/2010): «2- A cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia de loteamento é comunicada pelo presidente da câmara municipal à conservatória do registo predial competente, para efeitos de anotação à descrição ou de cancelamento do correspondente registo. 3- Com a comunicação referida no número anterior, o presidente da câmara municipal dá igualmente conhecimento à conservatória dos lotes que se encontrem na situação referida no nº 7 do artigo 71º, requerendo a esta o cancelamento parcial do correspondente registo nos termos da alínea g) do nº 2 do artigo 101º do Código do Registo Predial e indicando as desrições a manter».

Importa, antes de mais, fazer uma interpretação conjugada destas duas normas. Na nossa opinião, a cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia é anotada às descrições prediais dos lotes que se encontrem na situação referida no nº 7 do art. 71º. Quanto aos restantes lotes, que foram atingidos pela caducidade, o facto a registar é o cancelamento da inscrição da operação de transformação fundiária resultante do loteamento. A anotação à descrição da cassação do alvará ou da admissão de

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comunicação prévia deve conter a causa, no caso a caducidade da “aprovação”, e a data (cfr. art. 49º, nº 1). O cancelamento da inscrição será total (na ficha do prédio-mãe e nas fichas dos lotes), não havendo lotes na situação referida no nº 7 do art. 71º, e parcial (na ficha do prédio-mãe) e “total” (nas fichas dos lotes atingidos pela caducidade), havendo lotes na situação referida no nº 7 do art. 71º, devendo o averbamento de cancelamento conter também a causa (no caso, caducidade). O título para a anotação da cassação às descrições prediais é a comunicação do presidente da câmara municipal. O título para o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária resultante de loteamento é a «declaração de caducidade» (a que de seguida nos referiremos). A comunicação e a requisição do averbamento de cancelamento devem ser «apresentadas» (também no diário) em acto contínuo.

7.3- Sobre a «declaração de caducidade» já nos pronunciámos no ponto 5, no domínio do D.L. nº 448/91. Acontece, porém, que o art. 71º, nº 5, do RJUE – inicialmente limitado à caducidade prevista na al. d) do nº 3, mas depois, com a Lei nº 60/2007, abrangendo «as caducidades previstas no presente artigo» - veio prescrever que a caducidade da “aprovação” é declarada pela câmara municipal, «com audiência prévia do interessado». Em face desta norma, Fernanda Paula Oliveira et alli, ob. cit., sustentam «(…) que a caducidade não opera de forma automática, tendo, antes, de ser declarada no âmbito de um procedimento que garanta a audiência do interessado», «confirmando-se a natureza sancionatória desta caducidade» (pág. 464), pelo que «tal declaração tem, nestes domínios, natureza constitutiva e não meramente declarativa, tendo em consideração a margem de discricionariedade de que dispõe a Administração na apreciação da caducidade» (pág. 465). Em face do exposto, com que modestamente concordamos, teremos de concluir que a «data de caducidade» (cfr. art. 49º, nº 1, do RJUE) será a data da declaração de caducidade prevista no citado art. 71º, nº 5.

7.4- Mas a declaração de caducidade prevista no art. 71º, nº 5, do RJUE será título bastante para o averbamento de cancelamento, total ou parcial, do registo da operação de transformação fundiária resultante de loteamento, nos termos do art. 101º, nº 2, g), do C.R.P.? Vejamos. No parecer emitido no Pº nº 1/96 R.P. 4, in BRN nº 8/96, foi tirada a seguinte conclusão: «II- Tendo um alvará de loteamento sido emitido e registado, a deliberação administrativa que posteriormente o venha a considerar nulo não é, por si só, título

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suficiente para efectuar o cancelamento dos registos anteriormente lavrados». Entre os registos anteriormente lavrados figurava o registo da autorização de loteamento, aliás na requisição de registo o que havia sido pedido era precisamente o cancelamento deste registo, que foi recusado, tendo no recurso hierárquico sido mantida a recusa. Ora, não podemos deixar de reconhecer pertinência à observação de Fernanda Paula Oliveira et alli, ob. cit., pág. 491, quando afirmam que, no que toca à questão de saber se o acto administrativo é título suficiente para o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária, não vale distinguir entre acto administrativo “declarativo”

de

caducidade

e

acto

administrativo

declarativo

de

nulidade

(da

“aprovação” da operação de loteamento). Nesta linha de raciocínio, também forçoso será reconhecer que existe manifesta contradição entre a posição do C.T. assumida naquele parecer e a posição do C.T. assumida, dentre outros, no citado Pº C.P. 1/97 DSJ-CT, onde a «declaração de caducidade» foi havida como título bastante para o cancelamento do registo da operação de loteamento.

Retomando a pergunta: será a «declaração de caducidade» título suficiente para o cancelamento do registo da operação de transformação fundiária resultante de loteamento? Na nossa modesta opinião, estamos perante título suficiente para o cancelamento do

registo.

Muito

sucintamente,

diremos

que

se

trata

de

uma

declaração

administrativa erga omnes (cfr. Mário Esteves de Oliveira et alli, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., 2005, pág. 653, a propósito da nulidade) da caducidade de um acto administrativo, dotada de eficácia e cuja exequibilidade se traduz concretamente na cassação do alvará ou da admissão de comunicação prévia e no cancelamento do registo do facto objecto daquela declaração.

7.5- Como salientam Mário Esteves de Oliveira et alli (ob. cit., pág. 654), a propósito da nulidade, a declaração administrativa de caducidade da “aprovação” da operação de loteamento urbano é, ela própria, um acto administrativo susceptível de impugnação judicial.

De acordo com o CPTA [cfr. art.s 46º, nº 2, a), e 50º], a impugnação do acto administrativo é deduzida em acção administrativa especial, que não suspende a eficácia do acto. Em face de decisão transitada em julgado que anulasse ou declarasse a nulidade ou a inexistência jurídica daquele acto administrativo – declaração administrativa de

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caducidade da “aprovação” de operação de loteamento -, não hesitaríamos em satisfazer o pedido de cancelamento do averbamento de cancelamento da respectiva inscrição da operação de transformação fundiária resultante de loteamento.

Porém, não obstante a acção administrativa especial não ter efeito suspensivo da eficácia do acto administrativo, em processo cautelar prévio, coevo ou instaurado na pendência do processo principal [cfr. art. 114º, nº 1, a), b) e c), do CPTA], pode o interessado pedir a suspensão da eficácia do acto administrativo que declarou a caducidade da “aprovação” da operação de loteamento, já executada com a cassação do respectivo alvará ou da admissão de comunicação prévia [cfr. art. 112º, nº 2, a), do CPTA]. Este processo cautelar, se bem ajuizamos, não está sujeito a registo, porque, bem vistas as coisas, não afecta a livre disposição dos lotes [cfr. art. 3º, nº 1, d), parte final, do C.R.P.]. Ao invés, a livre disposição dos lotes está afectada com o ingresso no Registo, pela via do cancelamento da inscrição da operação de transformação fundiária, do acto administrativo cuja suspensão de eficácia está a ser judicialmente pedida. Se o procedimento cautelar não está sujeito a registo, a providência decretada nesse procedimento também não deveria estar sujeita a registo. É o que parece decorrer do disposto na al. e) do nº 1 do art. 3º do C.R.P. Não nos conformamos com este resultado interpretativo. Mas também não subscrevemos a posição assumida pela conservatória no caso descrito no ponto 6, que consistiu em, com base na decisão, transitada em julgado, proferida no processo cautelar, que suspendeu a eficácia da «declaração de caducidade» da “aprovação” do loteamento, cancelar pura e simplesmente o averbamento de cancelamento do registo de autorização de loteamento. De acordo com Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 562, «(…) a suspensão da eficácia de actos administrativos é uma providência conservatória, na medida em que dá resposta a um interesse dirigido à conservação de situações jurídicas já existentes, procurando que o equilíbrio de interesses que existia no momento em que o acto foi praticado se mantenha, a título provisório, até que, no processo principal, seja decidida a questão da validade do acto impugnado» (sublinhado nosso). E é precisamente este carácter provisório da manutenção do acto administrativo da “aprovação” da operação de loteamento - que deriva da decisão, transitada em julgado, que suspendeu a eficácia da «declaração de caducidade» daquele acto administrativo – que a nosso ver deverá ser convenientemente traduzida no Registo. Ora, o singelo cancelamento do averbamento de cancelamento da respectiva inscrição da operação de

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transformação fundiária publicita perante terceiros que a “aprovação” desta operação de loteamento recuperou plena e definitiva vigência, o que não corresponde à verdade e pode influenciar negativamente terceiros na decisão de contratar. Em face do exposto, na nossa opinião, à inscrição da operação de transformação fundiária resultante de loteamento – que no momento se encontra cancelada, com menção da causa (caducidade) - deve ser averbado, a pedido do «apresentante» e com base na sentença, transitada em julgado, proferida no processo cautelar, que suspendeu a eficácia da «declaração de caducidade» da “aprovação” dessa operação de loteamento, precisamente este facto, i.e, a suspensão da eficácia do acto administrativo que declarou a caducidade da “aprovação” da operação de loteamento. O registo tem por objecto factos, direitos e situações jurídicas, que, devidamente concatenados, definem a situação jurídica do prédio. Na hipótese em apreço, é a suspensão da eficácia do acto administrativo impugnado, titulada na decisão judicial, que deve ser levada ao Registo. E o local próprio da ficha para publicitar a situação jurídica é o da inscrição que representa – que continua a representar, não obstante se encontrar no momento cancelada – o acto administrativo que, por efeito da suspensão da eficácia de (outro) acto administrativo pendente de impugnação, é mantido a título provisório. Assim procedendo o operador do sistema registal, os terceiros não serão enganados, e se, apesar da provisoriedade da manutenção da “aprovação” da operação de loteamento, essa for a sua vontade, o Registo não os impedirá de contratar. Nestes termos, fica a nosso ver estabelecida com nitidez a substancial diferença entre, por um lado, a tradução tabular da decisão, transitada em julgado, proferida no processo principal, que anulou ou declarou a nulidade ou a inexistência jurídica do acto impugnado – que assume no Registo a natureza de averbamento de cancelamento do averbamento de cancelamento da inscrição da operação de transformação fundiária, que recupera plena vigência – e, por outro lado, a tradução tabular daqueloutra decisão, transitada em julgado, proferida no processo cautelar, que suspendeu a eficácia da «declaração de caducidade» da “aprovação” da operação de loteamento.».

João Guimarães Gomes de Bastos

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Processo CP 55/2010 SJC-CT

Súmula das questões tratadas

o

Declaração de nulidade do acto administrativo de licenciamento de loteamento. 

Nulidade administrativa: caracterização da figura;



Tradução

tabular

da

nulidade,

independentemente

do

órgão

(administrativo ou judicial) que a declare. •

Princípio

do

trato

inaplicabilidade quer

sucessivo ao

(art.

cancelamento

34.º/4 da

CRP):

inscrição de

loteamento (art. 13.º do CRP), quer ao registo de acção /decisão judicial em que a nulidade de peticione/decrete. 

Possível “jurisdicização” de situações de facto consolidadas ao abrigo do licenciamento nulo.



Consequências da declaração de nulidade registada ao nível da qualificação: •

dos registos inscritivos baseados em negócios jurídicos que tenham os lotes por seu objecto mediato;



do pedido de averbamento à descrição.