Universidade Federal Fluminense Centro de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Economia
Análise dos Gastos Sociais Brasileiros na Perspectiva do Estado de Bem-Estar Social: 1988 a 2008 Maria Pandolfi Guerreiro
Niterói 2010
Universidade Federal Fluminense Departamento de Economia
Análise dos Gastos Sociais Brasileiros na Perspectiva do Estado de Bem-Estar Social: 1988 a 2008
Maria Pandolfi Guerreiro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Economia. Orientadora: Prof. Dra. Celia Lessa Kerstenetzky
Niterói 2010
Agradecimentos Agradeço aos meus pais pelo total apoio, incentivo e amor que me deram, não só neste processo, mas ao longo de toda a vida. Por terem, sempre, prezado e estimulado minha educação e formação, não só acadêmica, mas para a vida e para o mundo. Por terem me proporcionado tantas oportunidades de crescimento e aprendizagem. Pelos incontáveis momentos de alegria e felicidade. Agradeço ao Cesar pelo apoio incondicional, de extrema importância para a realização deste trabalho. Por estar sempre ao meu lado, com muito amor e companheirismo. Agradeço à professora Celia Kerstenetzky pelo incentivo e orientação na dissertação e, principalmente, por sua grande contribuição para minha formação como economista. Agradeço ao Jorge Abrahão de Castro pela sua solicitude e gentileza na disponibilização da base de dados sobre o gasto social federal brasileiro, pelas diversas sinalizações que deu para este trabalho e pela prontidão em aceitar o convite para participar da banca examinadora. Agradeço à professora Danielle Carusi pelo entusiasmo em aceitar o convite para participar da banca examinadora e por seu apoio ao longo do mestrado. Agradeço à professora Maria Lucia Werneck Vianna pela prontidão em aceitar o convite para participar da banca examinadora. Agradeço aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos queridos, pelo estímulo e carinho que sempre me deram. Por nossa gostosa amizade. Também, pela compreensão da minha pouca presença nos últimos tempos. Agradeço à Regina e ao Beto por todo o carinho e incentivo, por estarem sempre a postos para me acolher e por terem me ajudado a desatar alguns nós. Agradeço à Tuzinha e ao Paulo pelo apoio, carinho e hospitalidade, fundamentais para o término deste trabalho. Agradeço aos companheiros de mestrado, que fizeram esta jornada menos árdua e mais divertida. Em especial, agradeço ao Apollo e ao Guilherme, por estarem sempre dispostos a ajudar. Agradeço aos meus queridos amigos pelos diversos momentos de alegria, reflexões e aprendizado. Em especial àqueles que, mesmo com minha ausência, sempre fizeram questão de se fazerem presentes. Agradeço, ainda, à professora Lena Lavinas por todo o incentivo e pela importante contribuição para minha formação.
As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade do autor.
Índice RESUMO...............................................................................................................................9 APRESENTAÇÃO..............................................................................................................10 CAPÍTULO 1 – O Estado de Bem-Estar Social: Origem, Evolução, Consolidação e Dilemas.................................................................................................................................13 1.1 – Primeiros Passos.......................................................................................................13 1.2 – Expansão e Consolidação.........................................................................................16 1.3 – Ajustes......................................................................................................................22 1.4 – O Caso Brasileiro.....................................................................................................29 CAPÍTULO 2 – As Políticas Sociais no Brasil: 1988 – 2008.............................................37 2.1 – A Constituição Brasileira de 1988...........................................................................37 2.1.1 – A Seguridade Social.........................................................................................40 2.1.1.1 – Saúde........................................................................................................43 2.1.1.2 – Assistência................................................................................................46 2.1.1.3 – Previdência...............................................................................................47 2.1.1.4 – Orçamento da Seguridade Social.............................................................50 2.1.2 – Educação..........................................................................................................52 2.1.3 – Descentralização..............................................................................................56 2.2 – Pós-Constituição – Ajustes e Reformas...................................................................56 2.2.1 – O Governo Sarney............................................................................................56 2.2.2 – O Governo Collor.............................................................................................57 2.2.3 – O Governo Itamar Franco................................................................................60 2.2.4 – O Governo FHC...............................................................................................62 2.2.5 – O Governo Lula................................................................................................73 CAPÍTULO 3 – O Gasto Público Social Brasileiro............................................................82 3.1 – Considerações Metodológicas..................................................................................84 3.2 – Análise do Gasto Público Social: 1988 – 2008........................................................88
3.2.1 – Um Panorama Geral.........................................................................................88 3.2.1.1 – Alguns Indicadores Sociais......................................................................95 3.2.2 – Ajuste Interno das Políticas Sociais...............................................................101 3.2.3 – Descentralização............................................................................................105 3.3 – As Áreas Sociais....................................................................................................110 3.3.1 – Previdência....................................................................................................111 3.3.2 – Assistência.....................................................................................................116 3.3.3 – Saúde..............................................................................................................122 3.3.4 – Educação........................................................................................................129 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................143 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................152
Índice de Gráficos, Quadros e Tabelas Gráfico 1 – Gasto Social “Consolidado” por Função...........................................................89 Gráfico 2 – Participação do Gasto no PIB............................................................................90 Gráfico 3 – Gasto Social Per Capita.....................................................................................91 Gráfico 4 – População Pobre e Indigente..............................................................................97 Gráfico 5 – Índice de Gini.....................................................................................................97 Gráfico 6 – Taxa de Desemprego..........................................................................................98 Gráfico 7 – Grau de Informalidade.......................................................................................99 Gráfico 8 – IDH..................................................................................................................100 Gráfico 9 – Participação das Funções no Gasto Social Federal..........................................102 Gráfico 10 – Participação das Funções no Gasto Social Estadual......................................103 Gráfico 11 – Participação das Funções no Gasto Social Municipal...................................104 Gráfico 12 – Participação das Funções no Gasto Social “Consolidado”............................105 Gráfico 13 – Participação do Gasto Social no Gasto Total – por Esfera............................106 Gráfico 14 – Participação das Esferas no Gasto Social......................................................107
Gráfico 15 – Participação das Esferas em Assistência e Previdência.................................108 Gráfico 16 – Participação das Esferas em Saúde e Saneamento.........................................108 Gráfico 17 – Participação das Esferas em Educação e Cultura...........................................109 Gráfico 18 – Gasto Federal Previdenciário.........................................................................112 Gráfico 19 – Gastos Previdência e Assistência...................................................................112 Gráfico 20 – Participação do Gasto Previdenciário Federal no GSF..................................113 Gráfico 21 – Participação do Gasto Previdenciário Federal no GTF..................................114 Gráfico 22 – Gastos da Assistência – 3 Esferas..................................................................117 Gráfico 23 – Gasto Federal em Assistência........................................................................117 Gráfico 24 – Participação do Gasto Assistencial Federal no GSF......................................118 Gráfico 25 – Participação do Gasto Assistencial Federal no GTF......................................119 Gráfico 26 – Gastos com Saúde – 3 Esferas.......................................................................123 Gráfico 27 – Gasto Federal em Saúde.................................................................................124 Gráfico 28 – Participação do Gasto Federal com Saúde no GSF e no GTF.......................124 Gráfico 29 – Gasto Federal com Saúde per Capita.............................................................125 Gráfico 30 – Participação do Gasto Federal com Saúde no PIB.........................................125 Gráfico 31 – Participação de Atenção Básica e Hospitalar no Gasto Federal em Saúde....126 Gráfico 32 – Gasto Federal em Saúde – Subáreas..............................................................128 Gráfico 33 – Gasto Educacional Consolidado....................................................................130 Gráfico 34 – Gasto Educacional – 2...................................................................................131 Gráfico 35 – Gasto Educacional Consolidado per Capita...................................................132 Gráfico 36 – Participação das Esferas no Gasto em Educação Infantil..............................133 Gráfico 37 – Participação das Esferas no Gasto com Ensino Fundamental.......................133 Gráfico 38– Participação das Esferas no Gasto dos Ensinos Médio e Profissionalizante..134 Gráfico 39 – Participação das Esferas no Gasto do Ensino Superior.................................134 Gráfico 40 – Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Municipal de Educação.....135 Gráfico 41 – Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Estadual de Educação........135 Gráfico 42– Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Federal de Educação...........136 Gráfico 43 – Participação do Gasto Educacional no Gasto Federal...................................137 Gráfico 44 – Participação do Gasto Educacional Consolidado no PIB..............................138 Gráfico 45 – Freqüência Escolar – 7 a 14 anos...................................................................139
Gráfico 46 – Analfabetos – 15 anos e mais.........................................................................139 Gráfico 47 – Média de Anos de Estudo..............................................................................139 Quadro 1 - PIB, GST, GPT por governo...............................................................................95 Quadro 2 - Resumo Descentralização.................................................................................110 Tabela 1 – Perfil dos Gastos nos Três Regimes de Bem-Estar.............................................28 Tabela 2 - Impacto dos Serviços na Redução da Desigualdade entre os Domicílios............28 Tabela 3 - Redução da Pobreza em Famílias com Crianças (meados dos anos 1990)..........28 Tabela 4 - Variação do gasto em relação ao ano anterior.....................................................92 Tabela 5 – Indicadores de Saúde.........................................................................................128 Tabela 6 - Resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA).....140 Tabela 7 - Indicadores educacionais por quintil de renda familiar per capita - 2007.........141
RESUMO Este trabalho faz uma análise das políticas sociais brasileiras entre 1988 e 2008. A escolha do ano de 1988 se justifica em função da aprovação de uma nova Constituição que, por ter instituído propostas de políticas universais, igualitárias e inclusivas, representou um marco para o estado de bem-estar social brasileiro. Analisar os projetos, as disputas, os avanços, os recuos, os dilemas e as perspectivas no campo das Políticas Sociais, ao longo desses 20 anos, é o objetivo maior deste trabalho. Seu foco são os gastos públicos, uma boa ferramenta para entender as prioridades e diretrizes das Políticas Sociais e seu pano de fundo é o Estado de Bem Estar Social. Em função da magnitude e importância que ocupam no estado de bem estar brasileiro, as áreas escolhidas para a análise são saúde, assistência, previdência e educação. Palavras-Chave: Gasto Público Social, Estado de Bem-Estar Social, Políticas Sociais, Universalização, Saúde, Previdência, Assistência, Educação. ABSTRACT This thesis is an analysis of Brazilian social policy in the 1988–2008 period. Nineteen eighty-eight was taken as a starting point because this was the year of the promulgation of a new Constitution that, with its proposals for universal, egalitarian and inclusive policies, has become a benchmark for the Brazilian welfare state. The main purpose of this thesis is to analyze the projects, disputes, advances, setbacks, predicaments and perspectives in the field of social policy in this twenty-year period. The focus is on public expenditures, which provide a handy tool for insight into the priorities and guidelines of social policy, with the welfare state as the backdrop. Given their magnitude and importance in the Brazilian welfare state, the areas selected for analysis are health, social assistance, social security and education. Keywords: public expenditures in social programs, welfare state, social policy, universalization, health, social security, social assistance, education
APRESENTAÇÃO Muitos são os modos de organização de um estado de bem-estar social e de suas redes de proteção. Não existe fórmula única. Ele pode ser mais ou menos inclusivo, mais ou menos universal, com maiores ou menores graus de desmercantilização na provisão do bem-estar. Também, a principal responsabilidade pode estar centrada no Estado, no indivíduo ou na família. Seu caráter pode ser mais progressivo ou mais regressivo e, ainda, priorizar políticas de transferências horizontais ou verticais. O resultado deste “mix” de escolhas formará sociedades mais ou menos igualitárias, com maiores ou menores equidade de oportunidades e maiores ou menores graus de solidariedade. No Brasil, a Constituição de 1988 representou um grande marco para o estado de bem-estar social. Num país marcado por profundas desigualdades sociais, com uma cidadania bastante deficitária, uma rede de proteção social fragmentada e pouco inclusiva, a nova Carta Magna que emergiu após 21 anos de ditadura militar foi um enorme avanço. Ela instituiu propostas de políticas universais e igualitárias que pretendiam dirimir as históricas desigualdades, além de promover inclusão social através de equidade de oportunidades e de direitos. Por isso, ela ficou conhecida com a Constituição Cidadã. Pouco tempo depois, o Estado brasileiro, de acordo com orientações e tendências internacionais, passou a seguir preceitos mais liberais e, assim, retrocedeu em algumas das suas atribuições previstas na Constituição. Sanear as contas governamentais e, portanto, diminuir os gastos públicos, passou a ser um dos principais objetivos dos nossos governantes. Deixando de lado as propostas mais universalistas, diversas políticas passaram a seguir orientações focalizadoras. Mais tarde, nova tendência de novos governantes, revalorizaram políticas de fortalecimento e ampliação do Estado, influenciando nas Políticas Sociais, de oportunidades, direitos e inclusão social. Entender essa movimentação e as disputas ocorridas no campo das Políticas Sociais, seus avanços, dilemas e retrocessos, é o objetivo deste trabalho. Mais especificamente, a análise será feita tendo o seu foco nos gastos públicos sociais. Vale dizer que analisar exclusivamente os gastos não traduz o tipo de estado de bem-estar social adotado, mas é uma boa ferramenta para entender as prioridades e diretrizes das 10
Políticas Sociais. O período analisado vai de 1988 a 2008, cobrindo, portanto, os governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. É importante dizer que muitas podem ser as percepções sobre o que é Política Social. Diversas áreas podem ser incluídas, tais como previdência, assistência social, saúde, educação, habitação, saneamento básico, organização agrária, emprego, defesa do trabalhador, alimentação, nutrição, cultura, proteção ao meio ambiente, ciência e tecnologia, etc. Este trabalho, porém, apenas trata de quatro destas áreas: Saúde, Educação, Previdência e Assistência. Esta escolha se deu devido à grande importância e magnitude das mesmas no estado de bem-estar social brasileiro. Além do papel relevante que desempenham na promoção de igualdade e geração de bem-estar, são, também, as responsáveis pela maior parte dos nossos gastos públicos sociais. A tese está dividida em três capítulos. O primeiro traça um panorama do Estado de Bem-Estar Social. Pretende relatar as principais diretrizes e os diferentes caminhos seguidos, desde sua criação, até os dias atuais. Para tanto, faz um apanhado histórico, que se inicia com a Lei dos Pobres, passa pela criação do seguro social de Bismarck, pelo Relatório Beveridge do pós Segunda Guerra Mundial, pela formação dos diferentes tipos de estados de bem-estar social em diversos países do mundo e vai até seus ajustes mais recentes, nas décadas de 1980 e 1990. O principal objetivo do capítulo é apresentar as diferentes possibilidades de organização do estado de bem-estar e suas conseqüências para a população. Ou seja, interessa mostrar qual sistema gera resultados mais satisfatórios na promoção de equidade e bem-estar social. Este será, então, o filtro utilizado para a análise do caso brasileiro: se, com as políticas e prioridades adotadas, estamos, ou não, caminhando na direção de um estado de bem-estar social com maiores e melhores impactos na qualidade de vida da população. Para se ter uma maior clareza sobre essa questão, o capítulo faz um apanhado sobre os três tipos ideais de bem-estar: o Liberal, o Conservador e o Social-Democrata. Para cada um dos tipos, retrata, então, suas principais políticas, tanto as iniciais quanto as novas tendências, relacionando com alguns indicadores, como, por exemplo, o perfil dos gastos sociais e seu impacto na diminuição da pobreza. A partir de então, é possível perceber que o modelo SocialDemocrata, mais inclusivo e universal, é o que apresenta os melhores resultados. No 11
capítulo há, ainda, uma seção sobre a formação do estado de bem-estar social no Brasil, que trata de suas bases políticas e históricas, visando facilitar o entendimento de seus principais pilares e caminhos futuros. O segundo capítulo dá continuidade à última seção do capítulo anterior. Começa com a Constituição de 1988 e aponta para os principais avanços ocorridos no campo das políticas sociais. Perpassa os 20 anos em questão nesta dissertação (1988 – 2008), procurando mostrar quais foram as orientações seguidas, as mudanças e inflexões no sistema de proteção social, bem como as principais trajetórias seguidas pelas políticas sociais. A cada novo ciclo político – mandato presidencial – faz-se uma breve introdução das principais diretrizes macroeconômicas seguidas e das linhas de ação adotadas para as Políticas Sociais. As quatro áreas que são objeto de estudo desse trabalho, de maneira e intensidade diversa, foram atingidas pelas mudanças na orientação política e econômica do país. Portanto, pretende-se mostrar os principais avanços e retrocessos ocorridos em cada uma delas para se perceber qual o caminho trilhado pelo estado de bem-estar social brasileiro. O terceiro e último capítulo faz a análise do caminhar do estado de bem-estar brasileiro, olhando para a evolução dos gastos públicos sociais no período. Foram utilizadas informações dos gastos das três esferas de governo para a saúde, assistência, previdência e educação, para todos os anos do período 1988 a 2008. Em um primeiro momento, fez-se um panorama geral dos gastos sociais para todo o período, apontando suas principais tendências, relacionadas, principalmente, às políticas econômicas. Procurou-se ver as prioridades ao longo do período, bem como o movimento de descentralização. Depois, cada uma das quatro políticas sociais foi tratada de forma isolada, para se tentar fazer uma maior relação com os ajustes e mudanças institucionais de cada área social. Além dos gastos sociais, procurou-se mostrar indicadores e tratar de algumas das discussões presentes na agenda acadêmica e governamental. Assim, pretendeu-se, não só apresentar a atual situação de qualidade e eficiência do nosso estado de bem-estar social, mas, também, apontar para os possíveis caminhos a serem trilhados.
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1-
O
ESTADO
DO
BEM
ESTAR
SOCIAL:
ORIGEM,
EVOLUÇÃO,
CONSOLIDAÇÃO E DILEMAS Este capítulo traça um panorama geral sobre o Estado do bem estar social: da sua origem aos dias de hoje. Dividido em quatro itens, o capítulo aborda, no primeiro item, os antecedentes e as razões que propiciaram o surgimento do Estado de bem estar social. O segundo item analisa porque as mudanças ocorridas após a Segunda Guerra Mundial levaram à sua expansão e à sua consolidação, em diversas partes do mundo. Os ajustes que tiveram que ser enfrentados pelos diversos países, nos tempos mais recentes, é o objeto do terceiro item. E, finalmente, o quarto e último item, é dedicado ao Brasil. Nessa parte é apresentado um breve histórico sobre o nosso welfare state: os antecedentes, seu surgimento nos anos 1930, as mudanças mais significativas ocorridas a partir de então e, finalmente, sua fase de relativa consolidação nos anos 1970/80. A partir desse capítulo pode-se perceber que diversos foram os caminhos seguidos pelos diferentes países na construção do seu Estado de bem estar social. Ao analisar os três modelos (o liberal, o conservador e o social-democrata), é possível afirmar que os países que adotaram propostas mais universalistas são os mais inclusivos, os que sua população apresenta melhor qualidade de vida, enfim, são os mais eficientes na promoção do bem estar social. 1.1- PRIMEIROS PASSOS Políticas públicas voltadas para a população pobre não são inovações da sociedade contemporânea e existem há muito tempo. Ao longo do século XIX, na Inglaterra, foram tomadas diversas medidas para tratar da questão da pobreza como a Lei dos Pobres, criada em período bem anterior, mas que em 18341 sofre uma profunda 1
Na realidade, a Lei dos Pobres existia desde o século XV. Ao longo dos séculos ela sofreu algumas mudanças. Diante de uma situação de grande miséria, a Lei dos Pobres foi criada para que as pessoas não morressem de fome. Sua pretensão era acabar com a mendicância e com a vadiagem. Em 1834 a Lei dos Pobres é reformulada e passa a ser chamada Nova Lei dos Pobres. Ela mantém o princípio de auxiliar os sem trabalho, mas altera drasticamente as condições em que esse auxílio é oferecido. A Lei de Educação Universal foi conseqüência da percepção de que para crescer e se desenvolver o país necessitava que sua população fosse minimamente educada, inclusive, para se adaptar às novas funções demandadas. A obrigatoriedade era somente da educação primária e sua provisão apenas para os que não tivessem condições de pagar pela educação particular. A qualidade do ensino era questionável. A Grande Lei de Saúde Pública foi motivada, principalmente, pelo medo de que doenças transmissíveis, principalmente a cólera, se alastrassem por toda a população. Assim, em nome da saúde pública coletiva, ela garantia ao Estado o poder de evacuação das favelas (MARSHALL, 1967; BRESCIANI, 1994).
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reforma, a Lei de Educação Universal, em 1870 e a Grande Lei de Saúde Pública, em 1875. Porém, estas leis foram criadas com o objetivo de manutenção da ordem social e não motivadas pela questão do bem-estar, de direitos e cidadania. Ao contrário, os que necessitassem da ajuda do Estado deveriam abrir mão de seus direitos civis e políticos, criando uma segunda categoria de cidadão, com alto grau de estigma. Isto porque a pobreza não era vista como um problema de cunho social, mas sim de responsabilidade pessoal. Cabia, então, às famílias, à Igreja ou às instituições filantrópicas, e não ao Estado, cuidar desse problema. As ações estatais, quando ocorriam, seguiam o princípio da menor oportunidade, ou seja, os beneficiários dessas políticas deveriam permanecer em pior situação do que o mais pobre dos trabalhadores, para não gerar incentivos à vadiagem. Além disso, para serem merecedores de tais benefícios, as pessoas deveriam arcar com contrapartidas – exercer algum tipo de trabalho nas workhouses, no caso dos beneficiários da Lei dos Pobres2. Assim, devia-se provar que a pessoa era um “pobre merecedor” e não um mero vagabundo. A principal motivação para a implementação de tais políticas foi a percepção da importância delas para a manutenção da ordem e do desenvolvimento (MARSHALL, 1967). Foi na Alemanha, por volta de 1880, sob a orientação de Bismarck, que houve a formação do que se poderia chamar de um primeiro estado de bem-estar social. Como uma espécie de antecipação ao crescente poder do operariado e do movimento socialista, com o objetivo de promover a paz social, foram criadas políticas sociais de caráter contributivo, compulsório e corporativo. Eram organizados sob a forma de seguro e apenas alguns trabalhadores eram os seus beneficiários. Foram três as esferas contempladas por esse primeiro sistema de proteção social: a saúde, os acidentes trabalhistas e a perda da capacidade definitiva de trabalho, causada pela velhice ou invalidez. A implementação desse sistema foi uma grande inovação para as políticas sociais, ao colocar em questão a proteção ao trabalhador e desestigmatizar seus beneficiários. Sua criação, porém, ocorreu de forma autoritária, sob um pano de fundo conservador – recebeu o apoio dos partidos conservadores e a oposição do operariado (FLEURY,1985; VIANNA,2002). “Não se tratava em absoluto da obrigação de nivelar as condições de vida dos indivíduos ou da criação de uma rede de seguridade mínima 2
As Casas de Trabalho, espécie de abrigo que reunia as pessoas sem trabalho, deveriam ter uma intensidade e uma disciplina de trabalho mais rigorosas do que nas fábricas, pois seu objetivo era estimular a busca de emprego. “Trata-se, portanto, de uma instituição destinada a introduzir (ou a reintroduzir) seres não moralizados à sociedade do trabalho.” (BRESCIANI, 1994, p. 44 e 45).
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inequívoca e universal” (GINSBURG, 1993 apud FARIA, 1998, p.51). Não se pretendia alterar a hierarquia de classes (com políticas redistributivas, por exemplo), mas, apenas, reproduzi-la. Por isso, os benefícios estavam diretamente relacionados com os postos de trabalho e com a capacidade contributiva de cada indivíduo. Ao final do século XIX, uma crise na economia ocidental mudou o cenário social. O fenômeno do desemprego em massa emergiu na sociedade inglesa. Surgiram também as greves de trabalhadores, pois, mesmo empregados, não tinham condições de se salvarem da condição de extrema pobreza. Assim, demonstraram à toda a sociedade o mísero padrão de vida que os trabalhadores não qualificados levavam. Além disso, foram publicados estudos que apontavam a situação de extrema pobreza, na qual um terço da população inglesa estava subnutrida. Diante deste novo quadro, começou a surgir a percepção de que a nova organização social exigia uma maior atenção à questão da pobreza. Ou seja, a pobreza começou a ser encarada como um problema social, deixando de ser vista apenas como responsabilidade pessoal. Na virada do século XX, na Inglaterra, uma inflexão dos paradigmas das políticas sociais já era notada. As noções de direitos dos cidadãos e deveres do Estado já faziam parte do arcabouço institucional. Este passou a ser responsável, em parte, pelo bem-estar de seus cidadãos, mesmo que, para tal, tivesse de interferir em (algumas) liberdades individuais e econômicas. “A novidade desta idéia residia na sua divergência da idéia predecessora segundo a qual o Estado se ocupava apenas com os miseráveis e os desamparados, e que sua ação em benefício deles não deve entrar em choque com a vida normal da comunidade” (MARSHALL, 1967, p. 33). Obviamente, estas mudanças não ocorreram sem resistência. Iniciou-se, no começo do século XX, o processo de dissolução da Lei dos Pobres3 e, assim como na Alemanha, os seguros – contributivos e compulsórios – entraram em cena e foram se expandindo, não só na Inglaterra, mas por toda a Europa e, também, por outros países, como EUA, Canadá, Nova Zelândia e Austrália. A implementação dos seguros mudou a relação do Estado com as indústrias (devido à interferência nos contratos e controle das condições trabalhistas) e com os cidadãos (estes passaram a ser sujeitos de direito), mas, também, trouxe problemas de finanças públicas, uma vez que este era o responsável pela administração e garantia de pagamento dos seguros, quando necessário. Outras mudanças nas políticas sociais 3
Juntamente com a Lei dos Pobres, também foram saindo de cena outras medidas a ela relacionadas como, por exemplo, as enfermarias e as workhouses.
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foram introduzidas em relação à saúde, ao desemprego e à educação, no sentido de ampliar a proteção e os direitos dos cidadãos. Mas, cada país o fez com características distintas e em ordem diferente4. O gasto social para a maioria dos países ainda era bastante reduzido: cerca de 3% do PIB até os anos 1920 e 5% até os anos 1930 (PIERSON, 1991). O período entre guerras e, principalmente, a crise de 1929 geraram uma nova desestabilização da economia, que obrigou o Estado a intervir de forma inovadora, através das políticas sociais. Algumas das medidas tomadas foram: a criação de postos de trabalho, inclusive para mulheres e jovens (na tentativa de restabelecimento do pleno-emprego), mas, também, a quebra do vínculo contributivo para o recebimento do seguro desemprego. Mais um passo de grande importância foi dado: a política social deixou de ser vista como uma esfera isolada e passou a ser encarada como parte integrante da política econômica e geral. Na década de 1930 já havia certa convergência entre os diferentes países, sobre a natureza e extensão do papel do Estado na garantia do bem-estar de seus cidadãos (mas, na maioria dos casos, somente os trabalhadores eram contemplados). Porém, havia divergências sobre os instrumentos que deveriam ser utilizados para cada fim. 1.2- EXPANSÃO E CONSOLIDAÇÃO No pós Segunda Guerra Mundial houve mais uma importante mudança no sistema de políticas sociais. Seguindo algumas das orientações do Relatório Beveridge5, foi intensificada a noção de que o Estado é responsável pela garantia de bem-estar da população. Para tal, deveria buscar dois objetivos complementares: o crescimento econômico (indicando uma correlação entre a consolidação do estado de bem-estar e a política econômica keynesiana) e gerar condições para evitar a pobreza individual. Para alcançar o segundo objetivo, era necessário unificar o sistema de seguros com a criação de um sistema de previdência geral, padronizar os benefícios, tornar este sistema obrigatório e contributivo para toda a população e, não apenas para os mais pobres, com era anteriormente. Foram criados novos benefícios como o auxílio maternidade, a 4
Para maiores detalhes sobre a construção das políticas sociais em diferentes países europeus, ver Marshall, op. cit. 5 O Relatório Beveridge, elaborado após o final da Segunda Guerra Mundial, foi o produto final de um estudo encomendado pelo governo inglês para a análise dos sistemas de seguro social e propostas de melhorias. Foram analisados dados sobre 30 países.
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aposentadoria por idade, o salário família para os trabalhadores empregados, a automatização do seguro contra acidentes de trabalho, dentre outros. Para estes benefícios, porém, ainda vigorava a idéia de mínimo de subsistência. Já para a área da saúde, o conceito era o “de ótimo”: todos deveriam ter acesso a um sistema de saúde de boa qualidade. Inclusive, foi quebrado seu vínculo contributivo, estendendo o direito a toda a população – antes somente tinham acesso ao sistema de saúde os trabalhadores, sendo excluídos até mesmo seus dependentes. Foi criada, ainda, a Junta da Assistência Social, que passou a ser financiada através de impostos nacionais, sinalizando que toda a população deveria arcar com a construção do sistema de proteção social. Estas medidas específicas acima relatadas foram as que ocorreram na Inglaterra. Mas, de um modo geral, no pós guerra, os demais países caminharam na mesma direção de ampliação dos direitos e alargamento das políticas sociais, que mudaram de vez o paradigma da relação entre Estado, mercado e sociedade, com a criação do Estado de Bem-Estar Social. Esta mudança de paradigma ocorreu sob um pano de fundo político e econômico bastante peculiar e de grandes transformações. Com o fim da Segunda Guerra Mundial a ordem política mundial se transformou. Os EUA se tornaram a grande potência mundial, dando início ao período da hegemonia norte-americana. O bloco socialista, da União Soviética, também se expandiu e ganhou força política com a guerra. O mundo ficou organizado sob o poderio e a disputa de duas grandes potências. A disputa não era somente de poder, mas de afirmação (e expansão) de seus ideais, ou seja, de seus modos de produção e organização social. O que estava em jogo era a luta do sistema capitalista contra o sistema socialista. Tinha início o período da chamada Guerra Fria. O governo americano resolveu lutar contra o comunismo de todas as formas possíveis. A principal medida foi a elaboração do Plano Marshall, que teve como objetivo ajudar a reconstruir e fortalecer toda a Europa capitalista, incluindo a Alemanha, além do Japão. Foram mais de 50 bilhões de dólares investidos a fundo perdido e, também, consentimento para adoção de medidas protecionistas e desvalorizações cambiais, com o propósito de recuperação do mercado nacional dos países europeus. Na macroeconomia vigorava a política keynesiana que tinha como questão central a obtenção do pleno emprego e do crescimento econômico. O estado de bem-estar social passou a ser um forte aliado para a recuperação e o crescimento da economia e, como em um círculo virtuoso, ao mesmo tempo foi muito beneficiado pelo crescimento econômico. Foi, por outro lado, uma 17
poderosa “arma” contra o sistema comunista, por atender a diversas demandas sociais. A retomada do crescimento econômico ocorreu de forma rápida e intensa: os níveis de produção industrial se recuperaram, houve aumento do emprego, “ganhos de economias de escala, (...) e por isso havia o aumento da produtividade. Por sua vez, este gerava aumento nos salários, que provocava um aumento na demanda e, assim, gerava impactos positivos nos lucros e ainda nos investimentos” (JESSOP, 2002, p. 55)6. No período de 1950-1960 a média de crescimento dos países da OCDE foi de 4,4% ao ano e na década seguinte (1960-1973) aumentou para 5,5%. A equação do financiamento do estado de bem-estar estava garantida, pois com o crescimento do emprego e dos salários ocorreu o aumento das contribuições sociais e a queda na demanda pelos benefícios assistenciais. Realmente, os anos 1960 e, principalmente, 1970 foram de grande expansão dos gastos com a rede de proteção social. Em relação às principais características do estado de bem-estar, é consenso dizer que ao longo dos 30 anos pós Segunda Guerra Mundial, houve um “aprofundamento vertical (cobertura, tamanho dos benefícios, envolvimento público) e expansão horizontal de programas e políticas (políticas de segunda geração, como os benefícios monetários para as famílias), além de maior comprometimento do PIB, que alcança 25% na média dos países da OECD” (KERSTENETZKY, 2010, p.4). Duas outras características relevantes do período foram a expansão da cobertura para além dos pobres e o papel do Estado como grande empregador. A classe média passou a ser a principal beneficiária do sistema (em diversas circunstâncias mais que os pobres), tanto como consumidora dos serviços de saúde, educação, habitação e demais benefícios, quanto, também, como provedora do sistema, pois passara a constituir grande parte do novo quadro de funcionários do Estado – devido, principalmente, à expansão do estado de bem-estar social. Deve-se considerar, contudo, que devido à mobilidade social gerada pelo estado de bem-estar, muitos dos que antes eram pobres ascenderam à classe média (PIERSON, op. cit.; KERSTENETZKY, op. cit.). Os 30 anos que sucederam à Segunda Guerra Mundial foram marcados por um ciclo de prosperidade, forte crescimento e de redução da pobreza e desigualdade. Ficaram conhecidos como os anos dourados da economia mundial e do estado de bemestar social.
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Tradução livre.
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Apesar de sua fundamentação no pleno emprego, no aumento da base tributária (aumento do orçamento) e na provisão dos serviços de saúde, educação e aposentadorias, este movimento de expansão do estado de bem-estar não ocorreu de maneira linear, nem no tempo, nem no espaço. De acordo com o contexto político, social, econômico e cultural, mais especificamente, como mostra Esping-Andersen (1990), de acordo com o legado das reformas predecessoras, com as diferentes estruturas de coalizão das classes sociais (capacidade de cooptação da classe média7) e com o padrão de formação e mobilização política da classe trabalhadora (alianças entre trabalhadores urbanos e rurais), cada país foi seguindo o seu próprio caminho na construção de seu sistema de proteção social. Muitas são as peculiaridades e especificidades dos estados de bem-estar social dos países. Contudo, ao se considerar, principalmente, as questões da desmercantilização do bem-estar (diminuição da dependência do mercado para a garantia de bem-estar), da estratificação social e da relação entre Estado, mercado e famílias na provisão de bem-estar, é possível agrupar os diversos estados de bem-estar social em três tipos ideais: o liberal; o corporativo ou meritocrático; e o social-democrata. Os países do regime liberal, principalmente EUA, Austrália e Nova Zelândia e, em menor medida, Grã-Bretanha ao construírem seu estado de bem-estar social não procuraram incluir a classe média como integrante do sistema de proteção social. Seguindo as orientações liberais, a diretriz era de que a grande maioria da população fosse capaz de prover seu próprio bem-estar no mercado e a interferência do Estado deveria ser mínima, apenas para os comprovadamente pobres (através de testes de meios). Portanto, os benefícios foram, prioritariamente, focalizados e pouco generosos. Sua atuação deveria ser no sentido de estimular o mercado e não o substituir. Isto explica os grandes gastos destes países com subsídios para a provisão privada de bemestar8. A utilização dos testes de meio, para definir os beneficiários do sistema público, e a conseqüente divisão da população estigmatiza os recebedores da “ajuda” estatal e acaba formando uma sociedade com forte dualismo de classe. Esta falta de legitimação 7
A importância de cooptação da classe média é que historicamente ela era capaz de prover seu próprio bem-estar através dos mecanismos de mercado. Políticas de pleno emprego não eram necessárias para atingir a mesma e, além disso, mecanismos de equalização de renda eram recebidos, a priori, com hostilidade por ela. Os países que conseguiram incluir a classe média dentre do sistema de proteção social ganharam mais força e legitimidade política. 8 Para se ter uma idéia, nos EUA, os gastos tributários com propósito social representam 2% do PIB enquanto o gasto social privado chega a 9% do PIB (ADEMA; LADAIQUE, 2005 apud ESPINGANDERSEN; MYLES, 2009).
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do estado de bem-estar, pela classe média, dificultou as tentativas de expansão do mesmo. Seguindo os mesmos princípios da antiga Lei dos Pobres, de que a garantia de um mínimo social desincentivaria o trabalho, ao invés de incitá-lo, os países com estados de bem-estar liberais, reconfiguraram o princípio do mínimo necessário e construíram uma estrutura de proteção social baseada na assistência social, e esta, nos testes de meio. Em geral, os benefícios são altamente focalizados e de valores e duração reduzidos e, portanto, sem impactos significativos nas vulnerabilidades sociais9. Os direitos sociais universais e incondicionais são pouco desenvolvidos. Os seguros contributivos de bases (estritamente) atuariais são bem vistos neste grupo de países, uma vez que os benefícios refletem as prévias contribuições e, dizem, incentivam o trabalho e o aumento da produtividade. Em relação à política de trabalho, a estratégia é a desregulamentação do mercado, com objetivo de aumentar a oferta de emprego. Porém, não há preocupação com a qualidade destes empregos, com o nível salarial e com a proteção social dos trabalhadores. Há uma grande individualização dos riscos sociais, ficando o Estado somente com uma atuação marginal. Essa atuação estatal ocorre apenas ex-post, com intuito de tirar emergencialmente as pessoas da pobreza, mas não pretendendo alterar a estrutura do mercado e da sociedade. Os direitos sociais são limitados e o grau de desmercantilização do bem-estar nestes países é mínimo. Normalmente o Estado só atua quando o mercado falha. Por isso, a população busca formas de proteção, de forma privada, no mercado. O regime social-democrata de estado de bem-estar pode ser considerado o mais completo, pois, através de seu sistema altamente igualitário e universal garante um maior grau de desmercantilização, o mais amplo sentimento de solidariedade entre a população, e diminui imensamente o risco da pobreza. Ele foi instituído em sociedades previamente mais homogêneas (os países escandinavos), mas a atuação do Estado é enérgica na busca de maior equidade das oportunidades e das condições de vida de seus cidadãos. Seu processo de construção baseou-se na capacidade de incorporar a nova classe média, através da provisão de benefícios universais ótimos (e não mínimos) que correspondiam às suas expectativas. Segue a lógica dos direitos universais de cidadania. Portanto, o grau de necessidade pessoal ou de atuação no mercado de trabalho não devem ser levados em consideração para o recebimento dos benefícios, que são 9
Vale dizer que todos os países apresentam benefícios focalizados, porém a diferença crucial está no grau de restrição de elegibilidade e na generosidade dos benefícios, bastante reduzidos no caso liberal, bem como na ênfase em transferências focalizadas no lugar das universais.
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generosos e de longa duração. Procura-se gerar um alto grau de desmercantilização de seus cidadãos, como forma de liberdade pessoal. Os direitos são individualizados e, portanto, busca-se, ao máximo, “desfamiliarizar” as responsabilidades sobre o bem-estar pessoal, através de serviços públicos de ponta e de uma provisão privada de bem-estar apenas marginal. Em relação à política de mercado de trabalho, há um comprometimento com o pleno emprego, através de geração de postos de trabalho no governo, incentivos ao trabalho feminino e, também, políticas de ativação e capacitação dos trabalhadores. A construção deste forte sistema de proteção social foi possível, primeiramente, porque o mercado privado de provisão de bem-estar ainda não estava muito desenvolvido. Mas, também, por se ter optado pela construção de um estado de bem-estar altamente inclusivo e igualitário, que promove igualdade de status e maior grau de redistribuição, através de seus generosos benefícios e dos serviços de excelente qualidade. Até os mais ricos consideram os benefícios e os serviços bastante satisfatórios e, por isso, ajudam a legitimar o sistema. Além do mais, seu sistema de tributação é altamente progressivo. Apesar do elevado custo de sua manutenção, apresenta alto grau de aceitação e de solidariedade entre as classes para o seu financiamento, pois como afirma Esping-Andersen todos se beneficiam, todos são dependentes e todos se sentirão no dever de contribuir. O regime de bem-estar social conservador10, corporativo ou meritocrático, pode ser considerado como uma forma intermediária entre o liberal e o social-democrata. Foi construído nos moldes bismarckianos: apresenta proteção social atrelada ao mercado de trabalho, muitas vezes com diferenciações entre os distintos cargos e ocupações. Em sua origem, foi criado para permitir a manutenção da divisão social e fortalecer a lealdade dos indivíduos para com o Estado. Também houve a incorporação da classe média pelo estado de bem-estar. Porém, esta incorporação ocorreu de forma bastante heterogênea, baseada, principalmente na atuação pessoal no mercado de trabalho. De um modo geral os benefícios necessitam de prévia contribuição (não são incondicionais) e seguem minimamente uma regra atuarial11. Seu sistema de proteção social é relativamente forte, porém é vinculado ao provedor masculino e seu respectivo posto no mercado de
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Este modelo é o que apresenta maior heterogeneidade entre os diversos países que dele fazem parte. Portanto, muitas são as exceções para cada uma das características descritas. 11 As diferenças entre os países, em relação à maior ou menor desmercantilização, ocorrem devido aos diferentes graus de correlação do cálculo atuarial para os benefícios: quanto maior o afrouxamento deste vínculo, maior é também a desmercantilização.
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trabalho. A desmercantilização do bem-estar é maior que no modelo liberal, porém menor que no modelo social-democrata. A família exerce papel primordial na responsabilidade de provisão de bem-estar. Cabe ao estado complementar e, portanto, ele é fortemente baseado em transferências e mais modesto na provisão dos serviços. A presença do mercado privado de bem-estar também é módica, por causa dos generosos benefícios e do alto custo do emprego (devido à grande regulamentação do mercado de trabalho), que reflete em alto custo dos serviços oferecidos. Os altos custos dos encargos trabalhistas geram considerável estabilidade para os trabalhadores mais antigos (com baixa taxa de desemprego), porém grande dificuldade na obtenção do primeiro emprego (alta taxa de desemprego entre os jovens). Além disso, o trabalho feminino é desincentivado. O impacto redistributivo não é tão grande, uma vez que os benefícios refletem as diferenças de classes e do mercado de trabalho, mas a distribuição horizontal (ao longo da vida) é muito significante. (ESPING-ANDERSEN, 1990.) 1. 3 – OS AJUSTES As décadas de 1980 e 1990 foram marcadas por mudanças estruturais na sociedade. A expectativa de vida da população vinha aumentando e a taxa de fecundidade diminuindo. Assim, o processo de “envelhecimento” da população (principalmente dos países desenvolvidos) começou. O número de pessoas dependentes do estado de bem-estar cresceu (uma vez que as pessoas estavam vivendo por mais tempo) e o de pessoas contribuintes (em idade ativa) proporcionalmente diminuiu, provocando um desequilíbrio “imprevisto” no peso destes grupos. Houve, então, considerável impacto nas contas, tanto da previdência, quanto da saúde. As estruturas familiares também passaram por mudanças. A importância do papel do provedor masculino diminuiu com o aumento de famílias monoparentais ou de duplo provedor. Os países já apresentavam significativo grau de abertura comercial e financeira, em um mundo bastante globalizado12. Conseqüentemente, o grau de liberdade de suas políticas econômicas tendeu a diminuir. O mercado de trabalho também passou por mudanças significativas. Devido a revolução tecnológica, a capacidade de expansão da indústria foi se esgotando e, assim, a absorção de mão de obra pela mesma diminuiu. A 12
Neste período a identidade nacional foi perdendo importância, uma vez que as empresas e, também, os movimentos sociais passaram a atender a interesses próprios ou supranacionais. A globalização já havia iniciado a sua segunda fase: a financeira.
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participação do trabalho industrial (uniforme) reduziu e o setor de serviços (bastante variado) passou a ganhar mais importância. Três efeitos importantes decorreram desta mudança. O mercado de trabalho perdeu sua característica homogênea e passou a apresentar grande heterogeneidade, o que, além de gerar maiores disparidades salariais, tornou mais complexas as regras de acesso e concessão dos benefícios. Os gastos com educação elevaram-se, pois para os novos padrões do mercado de trabalho, mais anos de estudos eram necessários. Em 1973 e em 1979 ocorreram os dois choques do petróleo, que geraram impactos globais, sentidos ao longo das duas décadas seguintes. Houve desestabilização dos preços e das taxas de juros em todo o mundo, que acarretaram a diminuição das ofertas de liquidez e do crédito internacional e o desaquecimento da economia mundial. Conseqüentemente, houve grande aumento na taxa de desemprego, gerando mais um aumento na demanda dos benefícios do estado de bem-estar. Devido a todas estas mudanças mencionadas, houve uma enorme pressão fiscal sobre o estado de bem-estar social e seu ciclo virtuoso foi quebrado. Sua base de financiamento sofreu um processo de erosão que, percebeu-se, era parte transitória, devido à crise (e, portanto, deveria se normalizar ao final da mesma), mas, também, era parte permanente, uma vez que o mercado de trabalho passou a ter uma estrutura menos dinâmica. Os direitos sociais já estavam consagrados, mas de qualquer forma, foi necessário, implementar algumas mudanças como respostas à “crise” do estado de bem-estar social. O caminho trilhado para a saída da crise não foi único. Cada grupo de países o fez de acordo com suas “ideologias” e as soluções vieram de um aprofundamento das características de cada tipo ideal. Esping-Andersen (1995) mostra a rota de ajustes de cada uma das três estratégias de estado de bem-estar social. Os países que tinham seu estado de bem-estar social (o liberal), seguiram as orientações neoliberais de diminuição do papel do Estado em detrimento do mercado. Houve uma grande desregulamentação do mercado de trabalho, com diminuição dos encargos sociais e dos salários, uma grande erosão do welfare e enfraquecimento da proteção social através do aumento da seletividade (focalização) e diferenciação nos valores dos benefícios. Além da privatização estatal (que ocorreu em diversos países), houve a privatização do estado de bem-estar, através de incentivos ao mercado na provisão dos serviços de welfare. A atuação do Estado ficou restrita às falhas geradas pelo de mercado. Os benefícios contra o desemprego assumiram um aspecto parecido 23
com o das workhouses da Lei dos Pobres, obrigando os recebedores a se ocuparem de alguma forma. Estas medidas contribuíram para o “milagre do emprego”, principalmente nos EUA, que apresentou crescimento dos postos de trabalho de duas a três vezes maior que os países da OCDE. Contudo, estes empregos gerados foram os de baixa qualificação e, conseqüentemente, baixos salários, alta rotatividade e baixa proteção social, via mercado, para os trabalhadores, além da tendência à diminuição do valor real do salário mínimo. Esta melhora aparente no mercado de trabalho veio acompanhada de grande aumento da vulnerabilidade social, da pobreza e da desigualdade. A demanda por proteção social aumentou, mas as políticas sociais disponíveis eram as de caráter residual e de baixa qualidade, que não promovem a emancipação do cidadão. A principal conseqüência desta nova ordem no estado de bemestar liberal foi a criação de uma armadilha da pobreza, que aprisiona os menos favorecidos nesta condição e pressiona o Estado por mais políticas sociais. A estratificação social dual foi intensificada. Como forma de reduzir o desemprego, os países da Europa continental (bemestar social meritocrático) seguiram uma lógica de diminuição da demanda por emprego (e não de aumento da oferta). Assim, induziram uma redução do quantitativo de trabalhadores, através de incentivos a aposentadorias precoces. Os benefícios previdenciários e de seguro desemprego aumentaram o seu papel no welfare. Alguns países estimularam a criação de postos de trabalho com menor carga horária, para se contratarem mais trabalhadores. Porém, em alguns casos, isto não deu muito certo, pois os salários eram proporcionais ao tempo de serviço e muitos trabalhadores passaram a acumular dois empregos de carga horária reduzida. Sua característica corporativa e familiar também foi intensificada, procurando deixar a mulher fora do mercado de trabalho através de desincentivo fiscal às famílias em que o casal trabalhasse. Esta medida tinha como objetivo diminuir a concorrência do mercado de trabalho (diminuir desemprego) e também diminuir a necessidade de serviços providos pelo Estado como, por exemplo, as creches. Os benefícios sociais a toda a família estavam atrelados ao provedor masculino, causando uma perda de autonomia e aumento da dependência das mulheres. O estado de proteção ficou muito atrelado às transferências monetárias (aposentadorias e seguro desemprego) e, para sua manutenção, necessitava de elevados encargos sociais. Como conseqüência, houve um aumento na rigidez do mercado de
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trabalho. Esta rigidez causou ainda um “desemprego de inserção” para os jovens, que mais tarde veio a ser combatido com programas de incentivo ao primeiro emprego. O estado de bem-estar social-democrata, apesar de ter um grande grau de desmercantilização, também teve que passar por reformulações diante da crise. Porém, pode-se dizer que seus ajustes foram na contra mão das medidas neo-liberais. Especialmente na Suécia, para lidar com o problema do desemprego, foi realizada uma forte expansão do emprego público e inserção feminina no mercado de trabalho, buscando promoção da igualdade de gênero. Esta política ativa no mercado de trabalho pela busca do pleno emprego visava tanto a minimização da dependência de políticas de transferências, tais como o seguro desemprego, como, também, o aumento das arrecadações sociais (essencial para a manutenção do sistema de proteção social). Houve a ampliação dos serviços sociais em geral e, principalmente, dos que liberam a mulher para o mercado de trabalho, como creches e care para os idosos. As creches, além deste papel de estimular o emprego (liberação das mães/responsáveis para o mercado de trabalho e criação de postos de trabalho na própria creche) têm papel fundamental na promoção da igualdade social. Creches de alta qualidade (como as dos países nórdicos) são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo da criança que produz efeitos no aprendizado e capacitação futuros. Ou seja, é uma política que atinge vários objetivos ao mesmo tempo “ativação das mulheres (...) redução da transmissão da desigualdade entre gerações da mesma família, reversão das baixas taxas de fecundidade desses países, ativação ‘preventiva’ em vez de meramente curativa” (KERSTENETZKY, 2010 p.12). Na tentativa de minimizar as novas tendências demográficas de envelhecimento populacional (e diminuição futura da base de arrecadação), foi realizada uma política de incentivo à natalidade, com expansão da licença maternidade e da licença paternidade, além de generosos incentivos financeiros. A principal diretriz foi reforçar os ideais igualitários e solidários. Alguns impasses ocorreram: o mercado de trabalho privado oferecia melhores remunerações e tinha a maioria de seus postos ocupados por homens, enquanto os empregos públicos, de menor remuneração (mas maior flexibilidade e menor carga horária) por mulheres, não resolvendo por completo a questão da igualdade de gênero e autonomia feminina. Devido à elevada carga tributária houve um crescimento da informalidade e dos trabalhadores autônomos. Crescia um conflito entre um sistema de proteção social igualitário e uma população cada vez mais heterogênea, em que os mais ricos passavam 25
a buscar alguns tipos de serviços privados, como a previdência. Para resolver estes impasses, nos anos 1990, algumas medidas foram tomadas, tais como a diminuição das taxas marginais de impostos para diminuir a informalidade, mas, também, o apoio ao trabalhador autônomo, através de complementação de renda. Houve uma adequação do sistema de previdência às novas reivindicações das classes mais altas que já buscavam complementação no mercado privado, com implementação de diferenciações nos valores dos benefícios de acordo com a contribuição. As exigências de trabalho e treinamento para os recebedores do seguro desemprego aumentaram, mas, juntamente, investiram em um reforço das políticas ativas de emprego, através da (re)qualificação, reciclagem, e apoio à mobilidade geográfica com objetivo de, mais uma vez, aumentar o número de empregos e diminuir a dependência da seguridade social. Esta nova onda de reformas pode ser considerada apenas ajustes marginais e não apresentaram mudança na estrutura e no conceito do welfare social-democrata. Os gastos sociais, apesar de não terem seguido na tendência de forte crescimento, também não diminuíram. Ou seja, ele deixou sua fase de crescimento e expansão, mas ao contrário do que poderia parecer, não se retraiu, apenas entrou em fase de estabilização. Ao se comparar os resultados de pobreza e desigualdade entre os representantes dos três tipos ideais de estado de bem-estar social é possível analisar o impacto das políticas sociais escolhidas para a sociedade. Estudo de Kenworthy (2004) mostra, como era de se esperar, que os países do modelo social-democrata são os que apresentam os melhores resultados. Os países da Europa continental apresentaram uma atuação intermediária e, os países de bem-estar liberal, efeitos bem mais modestos. Os países nórdicos apresentam a menor desigualdade na renda individual e no ganho das famílias, ou seja, a “desigualdade de mercado”13 e, também, a menor desigualdade após a imputação dos impostos e benefícios. A renda dos 10% mais pobres é a mais elevada dentre os regimes, refletindo o menor grau de pobreza, além de apresentarem a maior taxa de emprego dos anos 1980. No início dos anos 1990 devido à crise, houve uma diminuição na taxa de emprego e conseqüente aumento da desigualdade de renda individual e familiar, mas devido às fortes políticas de redistribuição, a desigualdade de
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É importante constatar que mesmo a distribuição de renda de mercado já sofre significativa influência das políticas do estado de bem-estar. Primeiramente, pode gerar um número considerável de pessoas com renda inicial igual a zero, como os aposentados ou pais com licença maternidade/paternidade. Além disso, influencia na capacidade de geração de renda dos indivíduos através de melhores ou piores serviços como os educacionais e de saúde (Kenworthy, 2004).
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renda efetiva disponível, ou seja, após os impostos e benefícios não sofreu alterações significativas. Os representantes do bem-estar social corporativo revelaram níveis moderados de desigualdade das rendas individual, domiciliar e efetiva disponível e, também, um nível moderado de renda para os 10% mais pobres da população. Os países anglo-saxões apresentaram alta taxa de emprego no período, porém acompanhado de grande desigualdade de renda individual e familiar – por causa das características de seu mercado de trabalho e, também, do acesso não universal aos serviços (muitas vezes de módica qualidade). A desigualdade da renda efetiva disponível também se mostrou elevada (e a maior dos três modelos), sinalizando a pequena atuação governamental para dirimir as iniqüidades causadas pelo mercado. Em outro estudo comparativo dos resultados de efetividade das políticas dos diferentes estados de bem-estar social, Esping-Andersen e Myles (2009) reafirmam a superioridade do estado social-democrata em dirimir as desigualdades sociais. A tabela 1 mostra o perfil dos gastos sociais nos três tipos de regime. Sem surpresas, o regime liberal é o que apresenta os menores gastos em relação ao PIB e a maior participação privada. Também, o menor gasto com serviços não saúde e os maiores gastos focalizados nos mais pobres. Os regimes nórdico e da Europa continental apresentam gastos sociais públicos líquidos semelhantes (na realidade, o nórdico é superado pela Europa continental em 1 ponto percentual). Mas, eles diferem bastante no gasto com os serviços não saúde e, em menores proporções, na participação da focalização nos mais pobres e no gasto privado. Os países nórdicos são os que dão a maior importância relativa para os serviços em geral e, também, para os serviços não saúde. As tabelas 1 e 2 retratam uma forte correlação positiva com os gastos em serviços e a diminuição da desigualdade. Assim, o regime social-democrata “colhe os frutos” de um grande investimento nos serviços, apresentando a maior taxa de redução da desigualdade. Excluindo-se saúde e educação (serviços estes que são “lugar comum” nos três regimes), a diferença no resultado é enorme: os países nórdicos reduzem de 4 a 5 vezes mais a desigualdade. Os principais serviços aqui considerados são os serviços familiares, serviços de care para idosos e creches que, como já visto, são políticas prioritárias neste regime. Os países da Europa continental foram os que apresentaram as menores taxa de diminuição da desigualdade proveniente dos serviços, o que condiz com sua característica de altas transferências, mas relativamente módicos serviços.
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Tabela 1 – PERFIL DOS GASTOS NOS TRÊS REGIMES DE BEM-ESTAR
Nórdico Anglo-Saxão Europa Continental
Serviços nãoGasto social Gasto Privado saúde como % público como % do do gasto (%GDP)(1) gasto social público total 25 5 18 19 19 4 26 8 5
Focalização: % de transferências p/ primeiro quintil (2) 34 43 30
Fonte: Esping-Andersen & Myles 2009. Pg. 649 Cálculos a partir de Adema and Ladaique (2005: Table 6) e Forster & d‟Ercole (2005), Kerstenetzky 2010. (1) Dados se referem ao gasto social líquido. (2) Exclui domicílios aposentados
Tabela 2 - IMPACTO DOS SERVIÇOS NA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE ENTRE OS DOMICÍLIOS
Gasto em serviços (% renda disponível)
% redução desigualdade da renda disponível (todos os serviços)
% redução excluindo saúde e educação
Socialdemocrata 35 37 Liberal 24 24 Conservador 26 24 Fonte: Esping-Andersen & Myles, 2009 pg. 654 (cálculos a partir de Marical et.al. (2006: Table A9)),
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Kerstenetzky 2010.
Tabela 3: REDUÇÃO DA POBREZA EM FAMÍLIAS COM CRIANÇAS (MEADOS DOS ANOS 1990) (1) Pobreza pósPercentual de Pobreza de mercado Redistribuição redução da pobreza Social-democrata 29 5 84 Liberal 32 19 40 Conservador 32 12 64 Fonte: Esping-Andersen & Myles 2009. Pg 656 (Fonte: LIS-based; estimativas a partir de Bradbury and Jantti (2001: 83).), Kerstenetzky 2010 (1) Pobreza é equivalente a menos de 50% da renda mediana equivalente.
A tabela 3 retrata o impacto da redução da pobreza em famílias com crianças14. A pobreza de mercado é bastante semelhante para os três regimes15, mas o impacto do
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Há duas razões para se utilizar como medida de bem-estar a pobreza em famílias com crianças. Primeiro, há grande reconhecimento de que a pobreza infantil traz graves conseqüências para o
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arcabouço de políticas sociais é bastante distinto. Os países de regime social-democrata diminuem enormemente sua pobreza inicial – em 84%. Os conservadores apresentam um efeito um pouco menor, de 64% e os liberais, apesar da grande focalização dos gastos com a população mais pobre (primeiro quintil), não diminuem nem pela metade (apenas em 40%) a proporção destes em sua sociedade. Na prática, o “paradoxo da redistribuição” é verificado. Ou seja, “narrowly targeted policies are typically ungenerous and potentially stigmatizing due to lack of broad electoral support. In contrast, universal benefits marshal broad citizen support and will, hence, offer more generous benefits that additionally will reach all the needy with greater certainty” (KORPI; PALME, apud ESPING-ANDERSEN; MYLES, 2009 p. 642; KERSTENETZKY 2010). O estado de bem-estar social quanto mais generoso, mais universal e com maior atenção aos serviços (qualidade e implementação dos serviços de segunda geração), melhores serão os resultados: menor pobreza, menor desigualdade e maior equidade de oportunidade. 1.4 - O CASO BRASILEIRO A despeito de toda especificidade, o modelo corporativo/conservador é o que melhor descreve o nosso estado de bem-estar, muito especialmente, na sua fase inaugural. Na realidade, a construção de um estado de bem estar no Brasil se deu por caminhos bastante distintos dos países europeus. Aqui, diferentemente da Inglaterra ou até mesmo dos EUA, durante o século XIX, não foram criadas leis ou instituições visando minorar e/ou controlar a situação de extrema pobreza da população. Aqui, não houve nada parecido, por exemplo, com a Lei dos Pobres. O Brasil do século XIX, centrado na escravidão e na grande propriedade rural, não assistiu aos grandes deslocamentos das massas do meio rural para o urbano, à explosão populacional, ao crescimento rápido e desordenado das cidades, à destruição dos postos de trabalho, enfim, fenômenos decorrentes da Revolução Industrial e que tanto temor causaram às elites dos países europeus. A Constituição brasileira de 1891, promulgada dois anos
desempenho futuro escolar, de saúde e de integração social. Em segundo lugar, o investimento no bemestar infantil é uma ótima estratégia na promoção de igualdade de oportunidade (p.655). 15 Porém, como já mencionado, esta distribuição de mercado já sofre forte influência do tipo de proteção social. Os países nórdicos, que tem benefício de licença maternidade universal e generoso, por exemplo, acabam criando um grande número de pessoas com renda inicial igual a zero, aumentando a desigualdade de forma artificial.
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após a proclamação da República e três após a abolição da escravidão, embora garantisse alguns direitos civis e políticos, não fazia nenhuma menção aos direitos sociais. Foi entre os anos 1930 e 1970 que as políticas sociais ganharam características míninas que permitem defini-las como um estado de bem estar social (DRAIBE, 1994). Entretanto, cabe ressaltar que, ainda no pré-30, foram tomadas algumas medidas voltadas para a questão social. As duas primeiras décadas do século XX registraram mobilizações operárias de porte, sobretudo nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, em torno dos direitos sociais. Em 1917, sob o impacto de uma significativa Greve Geral que ocorreu em São Paulo, foi criada, no Congresso Nacional, uma Comissão Especial de Legislação Social. Em 1919, surge a primeira norma legislativa reconhecendo a obrigação do empregador em indenizar o operário em caso de acidentes no trabalho. Sete anos depois, em 1926, foi aprovada uma lei de férias, estabelecendo o direito dos trabalhadores urbanos a 15 dias de descanso anual remunerado e, no ano seguinte, foi estabelecido o Código dos Menores, que proibia o trabalho de crianças com menos de 14 anos e estipulava jornada de seis horas para os jovens até os 18 anos de idade. (LUCA, 2008). Ainda em 1923, por iniciativa do patronato brasileiro, foi instituído, através de um projeto apresentado pelo deputado Eloy Chaves, a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos Ferroviários, que assegurava, apenas para essa categoria profissional, aposentadoria por tempo de serviço, invalidez ou velhice; pensão para os dependentes em caso de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica. Tratava-se de uma primeira legislação, mais eficaz, voltada para a assistência social. Organizada por empresa, a contribuição era dividida entre os operários, o governo e os patrões, mas na sua organização não havia interferência governamental. Em 1926, um outro decreto estendeu o modelo da CAP para outras categorias (FLEURY, 1985). Em 1930, ao final da Primeira República, havia mais de 40 Caixas, com cerca de 8 mil operários contribuintes e 7 mil pensionistas. Todas eram no meio urbano, pois, no meio rural, a pequena assistência social, quando existia, era exercida pelos proprietários rurais, os chamados “coronéis” do interior. (CARVALHO, 2001). Apesar de ser resultado de uma iniciativa do patronato, a Lei Eloi Chaves é considerada o momento inaugural do sistema previdenciário brasileiro. Antes da sua aprovação, haviam sido criadas, desde o final do século XIX, por iniciativa dos próprios trabalhadores, associações de ajuda mútua, que eram entidades totalmente privadas. Mas, de fato, o sistema público de seguridade social tem início, nos anos 30, com a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs – que cobriam riscos 30
relativos à perda temporária ou permanente da capacidade de trabalho (velhice, incapacidade física, doenças e pensões dos viúvos ou dependentes) e serviços de assistência médica. Entretanto, estruturados por categoria profissional, de acordo com divisões locais e regionais, os IAPs criaram um sistema de benefícios nada universal, que contribuía para acentuar desigualdades sociais. O primeiro instituto a ser criado foi o dos marítimos, IAPM, em 1933, seguido do dos comerciários, IAPC e dos bancários, IAPB, em 1934, e, em 1938, o dos empregados em transporte de carga, Iapetec, o dos servidores do estado, Iapse e o dos industriais, IAPI. Durante um largo período, os IAPs e as CAPs conviveram. Entretanto, os IAPs congregavam trabalhadores da mesma categoria e, não mais, por empresa, como nas CAPs. Nos IAPs, também diferentemente das CAPs, o Estado estava presente. Os presidentes dos IAPs eram nomeados diretamente pelo presidente da República. Do Conselho de Administração participavam representantes das organizações sindicais, tanto dos patrões como dos empregados e os recursos dos institutos provinham do governo, dos patrões e dos empregados. Como os benefícios prestados dependiam do que cada instituto arrecadava, os que ofereciam aos seus segurados serviços de melhor qualidade eram os que reuniam trabalhadores com melhores salários. Todos concediam aposentadoria por invalidez e pensões para os dependentes. Mas, apenas os institutos mais ricos, como o dos bancários, ofereciam aos seus filiados, auxílio médico-hospitalar, auxílio para caso de doença, de parto, de morte e, ainda, aposentadoria por tempo de serviço. Menos de um ano depois da sua criação, o dos industriais contava com mais de hum milhão de inscritos. (CARVALHO, 2001). Certamente, 1930 inaugura mudanças significativas na história do nosso país. Diferentemente da Primeira República onde a marca do regime era o federalismo excessivo, a descentralização e o liberalismo, o Estado que emerge da Revolução de 30 é intervencionista, autoritário, centralizador, inspirado num modelo doutrinário de corte corporativista. (GOMES, 2002). Nesse sentido, cabia ao Estado regular e fiscalizar as relações entre o capital e o trabalho. Ao lado de uma extensa legislação social, o regime investiu na legislação sindical. Considerados células básicas da organização social, no imediato pós 30, os sindicatos, foram reconhecidos pelo Estado, mas passaram a ser totalmente tutelados por ele. Ainda em março de 1931 foi decretada uma lei de sindicalização, atingindo as associações de classe tanto dos empregados como dos empregadores e alterando todo o padrão anterior onde as entidades eram livres e totalmente desvinculadas do Estado. Organizados por ramo de profissão, só poderia 31
haver um sindicato por categoria profissional. Assim, únicos e tutelados, os sindicatos se tornaram a mola mestre do arcabouço institucional sob o qual iria se assentar o estado de bem estar que estava sendo gestado no Brasil. Cabe sinalizar que embora a sindicalização não fosse obrigatória, somente os trabalhadores vinculados aos sindicatos oficialmente reconhecidos pelo governo poderiam gozar os benefícios da legislação que estava entrando em vigor. Em 1932, para um maior controle dos trabalhadores, é instituída a carteira de trabalho, considerada, na prática, a carteira de identidade do trabalhador. A legislação social cobria uma serie de benefícios: regulamentação do horário, trabalho da mulher e do menor, férias, salário mínimo, estabilidade, pensões e aposentadorias, etc. Toda essa legislação referida ao campo do Direito do Trabalho e elaborada gradualmente, foi reunida, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, que se tornou conhecida como a “bíblia do trabalhador”. Em 1942, a criação do imposto sindical coroa o modelo. Todos os trabalhadores, independentemente de serem sindicalizados ou não doavam uma contribuição anual, equivalente ao valor de um dia de trabalho, ao sindicato que oficialmente os representavam. Instrumento polêmico e em vigor ate os dias atuais, o imposto sindical contribuía para que os sindicatos oferecessem uma serie de benefícios aos seus filiados. Sem dúvida, o período que vai de 1930 a 1943 tem na sua legislação trabalhista e na criação dos IAPs sua face mais importante e inovadora. Mas, as mudanças que ocorrem nas áreas da saúde e da educação, também são significativas para a construção do nosso “welfare state”. Além de nacionalizadas e centralizadas, são criados inúmeros instrumentos administrativos, financeiros, institucionais e políticos para gerir essas duas áreas, que haviam sido reunidas, em 1930, num único ministério: o Ministério da Educação e Saúde Publica. A criação da Legião Brasileira da Assistência, LBA, em 1942, sinaliza, também, uma centralização no campo da assistência social. Criada na esteira da Segunda Guerra Mundial, a LBA é a primeira instituição de assistência social de âmbito nacional. Em parceria com organizações filantrópicas suas ações se voltam para o grupo maternoinfantil e para os idosos carentes. São as medidas adotadas pelo governo Vargas (1930-1945), estruturadas a partir de uma concepção corporativa da sociedade, o que irá consolidar as bases do nosso estado de bem-estar social. Como afirma Draibe (1994):
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Os anos 30 dão partida a esse movimento: a ruptura do Estado oligárquico – e de seu radicalismo federalista – e a emergência de nova forma de Estado, centralizador e concentrador de poder, dotado de mecanismos que permitem formular e implementar políticas de corte nacional, constituem as condições políticas e institucionais que sustentam uma nova e mais densa área de ação publica, legalizando (e auto legitimando) a presença estatal no campo da proteção social (p. 275). No entanto, a despeito dos avanços ocorridos no Brasil pós 1930, havia uma dramática questão de fundo que irá marcar profundamente a relação Estado/ sociedade em nosso país. Conforme vimos, de acordo com o sistema público de seguridade criado no período, os direitos sociais só eram assegurados aos trabalhadores cujas profissões fossem reconhecidas oficialmente. Trabalhadores rurais (que formavam a maioria dos trabalhadores do país), autônomos, desempregados, domésticos, etc, estavam excluídos do sistema. Ao excluir parte significativa da população, os direitos sociais, não universalizados, passam a ser percebidos como “privilégios” e não como “direitos”. Tratava-se, portanto, nos dizeres de Santos (1979) de uma “cidadania regulada”, pois, no Brasil: são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas por lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por extensão de valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. (p.75). Além de dificultar uma maior autonomia dos trabalhadores em relação ao regime capitalista em curso, a engenharia institucional do período contribuiu para criar divisões na classe trabalhadora, incentivar uma visão particularista e essencialmente dependente do Estado. (MEDEIROS, 2001). Em 1946 o Brasil conhece uma nova Constituição e até 1964 o país atravessa uma fase de efervescência democrática. Os direitos políticos são ampliados, mas, do ponto de vista da cidadania social, poucas são as alterações. Como já sinalizado por diversos autores, embora o nosso sistema representativo tenha sofrido mudanças significativas, no que diz respeito à construção do nosso welfare state não foram observadas mudanças significativas. Particularmente no campo das relações de trabalho permanecem as estruturas corporativas criadas nos 30, a exemplo do que ocorreu com a 33
Previdência Social. (MEDEIROS, 2001). “Desde então ficou claro que o modelo corporativo de representação de interesses iria e podia conviver, mesmo com dificuldades, com outras formas de representação política próprias ao modelo liberal, como os partidos políticos.” (GOMES, 2002, p. 47). Sem dúvida, num regime de maior alargamento da participação política, aumentam as pressões pelo alargamento dos direitos sociais. Ocorre uma expansão do welfare state, mas é uma expansão fragmentada e seletiva. O poder público é sensível às lutas sindicais e à política salarial. Na área da saúde o combate às doenças de massa e a ampliação da assistência médica ganham importância, assim como assume relevância a democratização do ensino e a maior qualificação dos profissionais da educação. O expressivo déficit habitacional que surge por conta da acelerada industrialização e do crescimento desordenado das grandes cidades, faz com que o problema habitacional seja percebido como uma questão social. O período foi marcado por muitas ambigüidades, disputas e lutas pelos direitos. As disputas se davam, também, em torno dos recursos de poder do aparelho sindical, criado no período Vargas. Um bom exemplo desse tipo de disputa em torno da máquina sindical é a Lei Orgânica da Previdência Social. Aprovada em 1960, ela assegurava aos órgãos sindicais 1/3 dos lugares nos conselhos executivos que fiscalizavam todas as agências da Previdência Social, ou seja, os já então poderosos IAPs. Ainda que tardiamente, o welfare state tentou se estender ao campo. Como parte da luta pelas reformas de base, muito particularmente a luta pela reforma agrária, mobilizando os setores governamentais, inclusive João Goulart, o presidente da República, foi aprovado em 1963, o Estatuto do Trabalhador Rural. A sua aprovação veio poucos meses antes do golpe militar que derrubou Goulart. O homem do campo ganhava visibilidade política e a aprovação do Estatuto produziu impacto imediato na organização dos sindicatos rurais. Entretanto, embora colocado pela primeira vez sob a proteção social do Estado, as resistências dos proprietários rurais persistiam e, como não havia uma previsão de recursos adequada para o cumprimento da proteção social, os trabalhadores rurais continuaram excluídos do sistema. A partir de 1964 o Brasil mergulha em outra fase de autoritarismo. À semelhança da Era Vargas, ao mesmo tempo em que cerceavam os direitos civis e políticos, os militares investiram nos direitos sociais. Em 1966 foi criado o Instituto Nacional da Previdência Social, INPS, que acabava com os antigos IAPs e unificava o sistema, com exceção dos funcionários públicos, tanto civil como militar, que ainda 34
conservavam seus próprios institutos previdenciários. Os sindicatos, duramente reprimido pelos militares, perderam influência sobre a previdência, controlada agora pela burocracia estatal.
Além da tentativa de unificar o sistema previdenciário, a
intervenção dos militares nessa área tinha objetivos políticos claros. Era importante “despolitizar” o sistema, acabando com a participação dos partidos e dos sindicatos na sua gestão. As contribuições foram definidas em 8% do salário de todos os trabalhadores registrados, descontados mensalmente da folha de pagamentos e as pensões, as aposentadorias, a assistência médica foram também uniformizadas. Em 1967, o INPS passou a controlar o seguro de acidentes de trabalho, antes a cargo das empresas privadas. (CARVALHO, 2001).
Mas, a manutenção de vários tipos de
aposentadorias especiais, a contagem dos tempos de serviço, as diferenças marcantes entre os regimes previdenciários dos militares e outros funcionários públicos, tanto da União, como dos estados e municípios, mantiveram o sistema estratificado. (DRAIBE, 1994). Outra medida importante foi a criação, também em 1966, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que extinguia a estabilidade no emprego, prevista na CLT, cujo fim, há muito tempo era reivindicada pelo empresariado. Como não havia ainda sido instituído o seguro desemprego, o FGTS, embora não deixasse o trabalhador, quando desempregado, inteiramente desprotegido, elevou em muito a taxa de rotatividade da mão de obra e gerou muita insegurança, em relação ao regime anterior. Mas, a grande novidade foi a criação do Fundo de Assistência Rural, Funrural, em 1971, que incluiu os trabalhadores rurais na previdência social, embora totalmente separado do INPS. Os recursos do Funrural vinham de um imposto sobre produtos rurais pagos pelos consumidores, e de um imposto sobre as folhas de pagamento das empresas urbanas, cujos custos também eram repassados para os consumidores. Ou seja, nem os governos militares ousaram cobrar contribuição dos proprietários rurais. (CARVALHO, 2001). A administração e distribuição dos benefícios do Funrural e outras formas de assistência foram entregues aos sindicatos de trabalhadores rurais. Em 1972 e 1973 as empregadas domésticas e os trabalhadores autônomos foram incorporados à previdência. Mas, todos os que não tinham uma relação formal de emprego ainda permaneciam fora do sistema. Em 1974 foi criado o Ministério da Previdência e da Assistência Social. O projeto era ambicioso. A cobertura da proteção social deveria se voltar para toda a população, ou seja, “isso significava a inclusão de segmentos sociais definidos ‘fora’ do mundo do trabalho, ‘fora’ das categorias
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profissionais regulamentadas e reconhecidas legalmente, desde os anos 1930.” (GOMES, 2002, p. 60). Mas, de fato, a inclusão só iria ocorrer muitos anos depois. Na periodização estabelecida por DRAIBE (1999) sobre o welfare state no Brasil, os períodos compreendidos entre 1964-67 e 1967-77 são definidos como, respectivamente, “consolidação institucional” e “expansão maciça” (p. 274). De forma autoritária e tecnocrática, o regime que se instalou em 1964, completa o sistema do welfare state no Brasil; define-se o núcleo duro da intervenção social do Estado; arma-se o aparelho centralizador que suporta tal intervenção; são identificados os fundos e recursos que apoiarão financeiramente os esquemas de políticas sociais; definem-se os princípios e mecanismos de operação e, finalmente, as regras de inclusão/exclusão social que marcam definitivamente o sistema. A expansão maciça que se verifica a partir de meados dos anos 70 far-se-á sob esse padrão organizado desde 1964 e que já ao final dos anos 70 apresenta indícios de esgotamento e crise (nos seus aspectos organizacionais, financeiros e sociais) (p. 276). Certamente, ao longo dos anos, mudanças significativas haviam ocorrido na estrutura do nosso welfare state. No entanto, seu caráter não redistributivo permanecia. Durante o regime militar, o país havia crescido e se modernizado, mas as desigualdades sociais haviam aumentado. Assim, em meados dos anos 80, quando o país inicia sua transição
democrática
e
alarga-se
a
participação
política,
surgem
muitos
questionamentos e disputas em torno do nosso welfare state. Um dos pontos em questão, sobretudo para os setores mais comprometidos com o processo democrático em curso, era torná-lo mais inclusivo e universal. Este debate será fundamental no processo que irá desembocar na Constituição de 1988.
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2 AS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL: 1988-2008 Esse capítulo acompanha o desenvolvimento das políticas sociais no Brasil, por um período de vinte anos: da Constituição de 1988 até 2008. Ao fazer um acompanhamento cronológico dessas políticas, o capítulo atravessa, portanto, os governos de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula. As áreas aqui analisadas são: saúde, assistência e previdência, - englobadas na seguridade social -, e educação. A escolha dessas áreas se deu em função da sua importância e magnitude no campo das políticas sociais. Ao acompanhar as principais leis, projetos, programas e instituições referentes a cada uma dessas áreas, o objetivo foi entender as mudanças, os avanços ou eventuais retrocessos ocorridos nos distintos momentos da recente história política do nosso país.
2.1 A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 A Constituição de 1988 foi elaborada sob a euforia da redemocratização e de todos os benefícios que esta poderia trazer à sociedade brasileira. Após mais de 20 anos de ditadura militar que reprimiu fortemente os direitos civis e políticos, muitos eram os anseios pela legitimação e alargamento desses direitos, bem como, por uma maior eqüidade entre a população, através da inclusão social e ampliação da cidadania. Além disso, havia certo consenso que o país possuía uma dívida social a ser paga e que somente o crescimento econômico não seria suficiente para dirimir a pobreza e a desigualdade social. O resultado direto deste cenário foi a demanda por uma maior e melhor rede de proteção social. A agenda reformista já estava em voga desde meados dos anos 70, durante o processo de “abertura lenta, gradual e segura”, o projeto político encampado pelo governo do general Ernesto Geisel (1974-79) e que iria culminar em 1985, com a derrocada do regime militar e instalação da chamada Nova República. Contudo, esse não foi um processo sem resistência, como mostra Fagnani: “É nítida nessa fase, a percepção de dois movimentos conflituosos, superpostos e intermitentes. O primeiro (...) é impulsionado por segmentos identificados com a estratégia reformista. O segundo é impelido por setores conservadores que buscam obstruir este processo” (s/d p.60).
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A despeito de muitas idas e vindas e das inúmeras tentativas, por parte dos setores mais conservadores da sociedade, para impedir a redemocratização do país, em janeiro de 1985, através de uma eleição indireta, os civis Tancredo Neves e José Sarney foram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da República. Essa eleição representou uma vitória importante dos setores que há muito vinham lutando contra o regime ditatorial. No dia 15 de março, data prevista para a posse dos eleitos, o vice José Sarney assumiu interinamente a presidência da República, pois Tancredo Neves encontrava-se gravemente enfermo. No dia 21 de abril, Tancredo faleceu e Sarney assumiu definitivamente a presidência da República. A morte de Tancredo impactou a nação. Muitos temiam um retrocesso no ainda incipiente processo de redemocratização. Embora os militares tivessem sido afastados do poder, os chamados “entulhos autoritários” permaneciam em pleno funcionamento. Mudar o arcabouço institucional do país era tarefa necessária e urgente. Por isso, pressionado pelos setores que desejavam uma ruptura mais rápida com o recente passado ditatorial, uma das primeiras medidas adotadas por Sarney foi assinar uma proposta de emenda constitucional convocando uma Assembléia Nacional Constituinte para elaborar, a partir de 1 de fevereiro de 1987, uma nova Constituição para o país. De fato, na data prevista, a Constituinte foi instalada. Foram cerca de 20 meses de intensas discussões até que ficasse pronta a Carta Magna e, como era de se esperar, não foram poucos os entraves e as tentativas de se manter o conservadorismo em diversos pontos. O contexto internacional também não era favorável. Vivia-se um momento de hegemonia do conservadorismo – seguindo as orientações do liberalismo – que pregava o Estado mínimo e, conseqüentemente a desconstrução
de
um
sistema
amplo
de
proteção
social.
Diversos
países
subdesenvolvidos estavam seguindo este caminho, mas, para a aprovação e implementação das propostas constitucionais brasileiras de universalização, inclusão social e expansão das políticas públicas sociais, era preciso ir na contra-mão desta tendência. No caso brasileiro ainda havia o agravante de uma crise econômica interna e altas taxas de inflação, que repercutia negativamente, tanto na pobreza quanto na desigualdade (CASTRO; RIBEIRO, 2009).
Durante o processo de elaboração da
Constituição, mais especificamente no final de 1987 e início de 1988, os constituintes mais conservadores se juntaram e formaram um poderoso bloco, que ficou conhecido como “Centrão”, com o objetivo de dificultar os avanços sociais que estavam em vias 38
de implementação. “As modificações apresentadas alteravam aspectos fundamentais das políticas de saúde, Previdência Social e Assistência Social, objetivando tornar o sistema menos universal e garantir uma participação mais intensa do setor privado” (JACCOUD; HADJAB; CHAIBUB, 2009, p.182). Apesar dos limites, muitos foram os avanços. Os constituintes elaboraram a constituição mais democrática que o país já teve: “a Constituição de 1988 consagrou um novo patamar para os direitos de cidadania no Brasil, expandindo os políticos, resguardando os civis e incorporando os sociais. Desse modo, tornou-se conhecida como a ‘Constituição-cidadã’” (GOMES, 2002 p.). As palavras de Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Constituinte, ao promulgar a nova Constituição, são um reflexo deste longo processo e de todas as expectativas nela envolvidas: “Não é a Constituição perfeita, mas será útil e pioneira e desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados. É caminhando que se abrem os caminhos. Ela vai caminhar e abri-los. Será redentor o que penetrar nos bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria. (...) Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”. (Agência Brasil)
De fato, garantir os direitos do cidadão foi uma preocupação central da Constituição. Pode-se dizer que somente após 1988 o Brasil realmente apresentou um sistema eleitoral universal, pois os analfabetos passaram a ter o direito de votar16. Isso significou um grande aumento no número de eleitores, pois em 1990 cerca de 30 milhões de brasileiros ainda eram analfabetos e em 1998 este grupo representou 8% do eleitorado (CARVALHO, 2001). Além de ter dado fim a uma discriminação, esta decisão mudou o perfil do eleitorado brasileiro e gerou novos pesos eleitorais às diferentes classes sociais. Pela primeira vez a maior parte dos eleitores passou a ser tipicamente uma pessoa pobre, refletindo o verdadeiro perfil da população brasileira (ARMIJO, 2005). Em relação aos avanços na proteção social, Fleury (2005) afirma: A Constituição Federal de 1988 representa uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro, consolidando, na lei maior, as pressões que já se faziam sentir há mais de uma década. Inaugura-se um novo período, no qual o modelo da seguridade social passa a estruturar a organização e o formato da proteção social brasileira, em busca da universalização da cidadania. No modelo de seguridade social busca-se romper com as noções de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxar os vínculos entre contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. Os benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamentos nos 16
Vale ressaltar que, apesar de o voto ter sido instituído como obrigatório para todos os brasileiros entre 18 e 70 anos de idade, ele é facultativo para os que têm entre 16 e 18 anos, mais de 70 anos ou que são analfabetos.
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princípios da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar as estruturas governamentais (p.453).
A seguridade social será analisada mais detalhadamente na próxima seção, mas ainda merecem ser ressaltados alguns direitos incorporados na Constituição. Houve um aumento da licença maternidade de 90 para 120 dias e da licença paternidade de 1 para 5 dias; a estipulação do salário mínimo nacional e a vinculação deste valor como o piso para os benefícios da previdência e da assistência; aumentou a vinculação para a educação de 13% para 18% das receitas tributárias da União e manteve em 25% a vinculação dos estados e municípios; a incorporação, como direito, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), uma renda mínima de sobrevivência para os idosos ou deficientes, em situação de pobreza e sem capacidade laboral; além de ter aprofundado o processo de descentralização, gerando maior autonomia para estados e municípios. Com todas as mudanças estabelecidas pode-se dizer que o risco deixou de ser um problema meramente individual ou familiar e passou a ser de responsabilidade pública e coletiva. 2.1.1 A SEGURIDADE SOCIAL No âmbito mais geral das políticas sociais, pode-se dizer que o grande avanço foi a criação da Seguridade Social, uma nova e mais abrangente concepção de proteção social. Esta nova concepção percebe as políticas sociais como uma rede, que deve ser integrada para um melhor resultado, preterindo as políticas sociais isoladas. Assim, a Seguridade Social abrange as áreas da Previdência Social, da Assistência Social e da Saúde, colocando-as todas num mesmo patamar de importância “para expressar um arranjo consistente com uma ampla rede de proteção aos riscos sociais inerentes ao ciclo de vida, à trajetória laboral e à insuficiência de renda, agravados por um modelo econômico excludente e pela perversa distribuição de renda do país” (CASTRO; RIBEIRO, 2009, p.28). Salvador (2007) reitera esta posição afirmando: “Um dos maiores avanços em termos de política social foi a adoção do conceito de seguridade social englobando, em um mesmo sistema, as políticas de saúde, previdência e assistência social. [...] A rede de proteção da seguridade social permite a manutenção do padrão de renda e protege o cidadão e a cidadã ou sua família contra as situações de incapacidade de trabalhar ou de diminuição da capacidade laboral derivada dos ciclos vitais.” (p.81)
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Os sistemas de proteção social são normalmente elaborados, como no caso brasileiro, com o intuito de atuar nos diversos tipos de riscos sociais existentes e para tal possuem três linhas de ação: prover cuidado social para as pessoas que estão doentes ou em situações vulneráveis (desempregadas, ou que apresentem “fragilidades sociais” tais como abandono, trabalho infantil, abuso sexual, dentre outros); prover transferências redistributivas para aqueles que são pobres, tentando, assim, minimizar esta qualidade e aumentar o bem-estar pessoal; e, ainda, atender pessoas que não se encontram nas situações anteriores, ou seja, que a princípio não são/estão vulneráveis. Neste caso a ação se dá através da provisão de serviços, como saúde para casos preventivos, educação, ou através da criação de condições para que uma pessoa possa equilibrar seu fluxo de consumo ao longo da vida (suavização do consumo), ou seja, pegar empréstimos e ter meios garantidos de poupar quando assim desejar17 (BARR, 2003). Segundo a definição da OIT a Seguridade Social deve ser uma rede de proteção integrada que deve basear-se em três pilares: as políticas universais, que para tal finalidade, devem ser financiadas com recursos tributários; as políticas de seguro social, que devido ao seu caráter devem ser contributivas; e as políticas de assistência social, que devem ser não contributivas. Na Seguridade Social brasileira o primeiro pilar, universal, é representado pela saúde e pela previdência rural; o segundo, contributivo, pela previdência urbana; e o terceiro, seletivo, pela Assistência Social (DELGADO; JACCOUD; NOGUEIRA, 2009). Como pode ser visto no artigo 194 do capítulo II do Título VII da Constituição Federal de 1988, a Seguridade Social foi planejada da seguinte forma, proporcionando muitos outros avanços nas políticas sociais: Art. 194. A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados à assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo Único. Compete ao Poder Público nos termos da lei, organizar a Seguridade Social, com base nos seguintes objetivos: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade no valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação no custeio; VI – diversidade da base de financiamento;
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A educação e a garantia de fluxo de consumo ao longo da vida, como retratada acima, não fazem parte da Seguridade Social brasileira, mas fazem parte do sistema de proteção social como um todo. Vale, contudo, salientar que os benefícios previdenciários (integrantes da seguridade) também são uma forma muito importante de suavização do consumo.
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VII–caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Primeiramente, é muito importante ressaltar a quebra do paradigma “contributivista” que vigorava até então. A cobertura das políticas sociais passou a ser universal, ou seja, elas passaram a ser um direito de todos os cidadãos e deixaram, à exceção da previdência18, de seguir a lógica do acesso regulado, com caráter de seguro social, somente acessível aos trabalhadores que haviam contribuído anteriormente. Vianna (1998) retrata esta mudança afirmando que a grande transformação foi a passagem da idéia predominante de seguro, de caráter contributivo, para a de segurança, com cobertura universal, sem obrigatoriedade de prévia contribuição. Em outras palavras, como afirmam Castro e Ribeiro (2009): O conjunto de normas inscritas na Constituição de 1988, referentes à política social, redesenha, portanto, de forma radical, o sistema brasileiro de proteção social, afastando-o do modelo meritocrático-conservador, no qual foi inicialmente inspirado, e aproximando-o do modelo redistributivista, voltado parar a proteção de toda a sociedade, dos riscos impostos pela economia de mercado. Neste novo desenho, afirma-se o projeto de uma sociedade comprometida com a cidadania substantiva, que pretende a igualdade entre seus membros – inclusive por meio da solidariedade implícita na própria forma de financiamento dos direitos assegurados (p.30).
Na realidade, desde a década de 1930 direitos sociais já eram percebidos como direitos de cidadania, mas o “grande senão” era que eles eram apenas para alguns – trabalhadores formais – e não para toda a população. Ou seja, a Constituição de 1988 rompia com uma tradição que datava da Era Vargas. Conforme visto no capítulo anterior, foi a partir dos anos 1930 que ocorreram avanços significativos na esfera dos direitos sociais. Entretanto, esses avanços foram limitados, pois os direitos sociais não eram universais. Nunca é demais lembrar que o regime Vargas produziu no país uma “cidadania regulada”, expressão utilizada por Santos (1979) para definir a engenharia institucional do período que excluía dos benefícios da legislação trabalhista toda a população trabalhadora rural e outros segmentos sociais que não tivessem um emprego formal, uma carteira de trabalho assinada e uma profissão regulamentada. Isto é, os direitos sociais, ao invés de serem universais, estavam condicionados a algumas précondições estabelecidas pelo Estado.
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Mesmo dentro da Previdência Social, há o caso especial da previdência rural, que apesar de contributiva, segue outra lógica. Isto será visto melhor mais adiante.
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Sem dúvida, o paradigma universalista é fundamental para atingir um dos objetivos desejáveis de um sistema de proteção social: a inclusão social, através da preservação da dignidade humana e também da solidariedade social. A primeira forma de inclusão visa garantir que um determinado serviço seja percebido pelo cidadão como direito seu e dever do Estado e não como forma de caridade. A segunda tem como objetivo uma integração da sociedade, garantindo benefícios, independente da renda. A educação, a saúde e a aposentadoria universais visam esta maior inclusão e o não aprofundamento das diferenças entre ricos e pobres (BARR, 2003). Assim, esta nova lógica, presente na Constituição de 1988, de uma rede de proteção social integrada e universalista torna indivíduos mais iguais tanto pela questão de dignidade social quanto pela maior igualdade de oportunidades, fundamental para que haja diminuição da desigualdade social: “a provisão de serviços públicos de caráter universal, cuja maior razão de ser é justamente dirimir iniqüidades horizontais e verticais, propiciando padrões básicos de serviços e bens que garantam igual acesso e iguais oportunidades a todos os cidadãos” (LAVINAS 2007, p. 51). Outros dois aspectos de grande importância que também visaram à inclusão social e à maior equidade entre os cidadãos foram a implantação da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços providos às populações urbanas e rurais, juntamente com a vinculação do piso para os benefícios previdenciários e assistenciais permanentes ao valor do salário mínimo, reafirmando a coesão social. Estes princípios colocam todos os cidadãos em um mesmo patamar. O primeiro porque afirma e reconhece que todos merecem ter acesso ao mesmo tipo de serviço, sem distinguir as pessoas pelo local de moradia e conseqüente tipo de vida e, o segundo, porque garante que todos os que recebem algum tipo de benefício monetário (independente de condições física, laboral, etária e etc.) recebam pelo menos o valor de um salário mínimo – valor estipulado como o mínimo necessário para suprir as necessidades essenciais. Na elaboração da Constituição houve a preocupação de garantir à seguridade social um orçamento próprio (o orçamento da seguridade social – OSS) e, assim, não ter que “competir” com as demais áreas para garantir seu funcionamento. O orçamento da seguridade social é objeto da seção 2.1.1.4. 2.1.1.1 SAÚDE 43
A inclusão da saúde como uma das esferas da Seguridade Social foi um marco muito importante para a sociedade. Até a promulgação da Constituição de 1988 o sistema público de saúde que existia era o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) que, como o próprio nome já explicita, somente garantia o direito de acesso à saúde aos trabalhadores formais, com carteira assinada, ou seja, os contribuintes do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS)19. Eles eram a minoria da população, uma vez que o cenário do mercado de trabalho brasileiro era de altos níveis de desemprego e informalidade20. Com a nova legislação a saúde, em todos os níveis de complexidade, passou a ser um direito de todos os cidadãos, sem qualquer tipo de discriminação ou exclusão, buscando assim melhorar as condições de saúde de todos os cidadãos além de minimizar disparidades entre diferentes grupos da sociedade. O principal objetivo foi o de alargar as bases solidárias do sistema, tanto pela universalização quanto pela equidade. Além disso, devido às sementes plantadas pelo movimento sanitarista da década de 1980, passou a ser compreendida de forma diferente: nota-se que incorporou uma compreensão específica da determinação social da saúde mediante a determinação de que as políticas sociais e econômicas devem concorrer para a “redução do risco de doença e outros agravos”21,22 Neste caso a compreensão social da saúde não está moldada pela noção utilitarista do bem-estar, mas, sim, pela noção de risco como componente de uma visão epidemiológica da determinação social da saúde. Em segundo lugar, ressalta-se uma diretriz de política pública para a garantia de ações e serviços atinentes à saúde: “acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (PIOLA ET ALL., 2009, p.109).
O meio para viabilizar esta universalização ao acesso à saúde foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), uma rede pública de ações e serviços de saúde, que foi planejada para atuar em diversas áreas e assim acabar com as “dicotomias históricas” entre as ações de saúde pública e o atendimento clínico individualizado, entre o 19
No final da década de 1960 foi dado um passo em direção à universalização do direito à saúde e o atendimento de emergência passou a ser garantido a todos os cidadãos, independente de prévia contribuição à previdência social. 20 Rangel et all. (2009) mostram que entre 1981 e 2007 a informalidade foi sempre superior a 30% da População Economicamente Ativa (PEA). Entre 1980 e 2000, a PEA variou entre 35% e 45% da população brasileira. Portanto, 70% da PEA (valor máximo para a formalidade) significa algo em torno de 25% da população total, em 1980, e 32%, em 2000 (valores de referência do IPEADATA, para os anos 1980,1985, 1991, 1996 e 2000). Isto significa dizer que, pelo menos, 68% da população estava descoberta de proteção na saúde. 21 “Risco de doença e outros agravos” deve ser entendido como risco de morbidade e mortalidade. Nota dos autores. 22 Exemplos de política que se enquadram nessa caracterização são a expansão do emprego, a construção e manutenção de uma rede de saneamento básico e, ainda, as medidas legais restritivas ao tabagismo e ao uso do álcool por condutores de veículos. Nota dos autores.
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individual e o coletivo e, ainda, entre as ações de caráter preventivo e as de caráter curativo e assim prover atendimento integral. Para tanto, houve o aumento dos serviços públicos estatais prestados, e também do papel regulador do Estado23. Com a implementação deste novo sistema de saúde, buscou-se eliminar problemas préexistentes de competências concorrentes entre as esferas de governo, que apresentavam grande falta de planejamento o que acabava gerando redes paralelas de serviços, com políticas descoordenadas entre si. Assim, a Constituição buscou estabelecer competências exclusivas e complementares entre os entes da federação, visando à descentralização e principalmente à municipalização do sistema (VIANA, 1996). Para facilitar a coordenação das ações, estabeleceu “a existência de um comando único em cada esfera de governo” o que levou alguns anos mais tarde, à incorporação de toda a rede do Inamps, tanto de atendimento, quanto burocrática, para o Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde (MEDICI, 1996, p.314). A concepção central desta nova rede regionalizada, hierarquizada e nacionalmente integrada, era que caberia prioritariamente aos estados e municípios a prestação dos serviços de saúde e à União a definição das diretrizes da política nacional de saúde, o estabelecimento de suas regras gerais, o acompanhamento e fiscalização da aplicação dos recursos federais. Ficou ainda a cargo da União, sob responsabilidade do Ministério da Saúde “as ações de controle de endemias e de doenças específicas, bem como a implementação de programas nacionais dirigidos a grupos populacionais específicos, como, por exemplo, o Programa de Saúde da Família e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde” (ARRETCHE; RODRIGUEZ, 1999, p.129). O SUS, assim como o Inamps, deveria prover o atendimento à população tanto através de seus próprios meios (hospitais e equipamentos públicos) como também através de convênio com a rede privada, que deveria receber pelo serviço prestado. Esta diretriz para a descentralização seguiu os anseios da época, que clamava pela participação democrática e por um maior envolvimento da população. Para tal, como nas demais áreas sociais, foram criados conselhos, formados com representação do poder público, da sociedade civil (usuários do SUS), de profissionais da área e, ainda, do setor privado contratado. A idéia, no campo da saúde era de que estes conselhos ajudariam a aproximar o usuário do sistema, compreender as demandas e as necessidades de melhorias, ou seja, o que se buscava era 23
Antes da Constituição a própria organização do setor público na área da saúde era dividida entre ações de medicina preventiva, para o coletivo e de medicina curativa individualizada. O primeiro ficava a cargo do Ministério da Saúde, das Secretarias da Saúde de estados e de alguns municípios grandes e médios enquanto o segundo ficava a cargo do INAMPS. (DRAIBE, 2000)
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mais uma vez o incremento da cidadania e a busca pelo direito realmente universal à saúde. 2.1.1.2 ASSISTÊNCIA A assistência social somente foi reconhecida como uma política pública com a promulgação da Constituição de 1988 quando passou a ser um campo específico da política social, sendo dissociada da previdência social. Sua inclusão na seguridade social garantiu sua importância e deu força política a ela, pois concedeu o mesmo status e a colocou no mesmo patamar que as demais esferas. Além disso, ela foi reconhecida “como direito indispensável para garantir um limiar ao exercício da cidadania” (ALMEIDA, 1996, p.24). O acesso aos serviços e/ou benefícios monetários da assistência social foi garantido, como direito, a todos aqueles que deles necessitassem, sem qualquer tipo de prévia contribuição, fazendo prevalecer também na assistência social o princípio da universalidade24. Seu principal objetivo passou a ser o combate às causas da pobreza e da marginalização com a finalidade de integrar socialmente os setores menos favorecidos. Esta nova visão sobre o papel do Estado na esfera da assistência social foi uma grande mudança para diversas pessoas em situações de vulnerabilidade como, por exemplo, aquelas que viviam em situação de pobreza extrema ou aquelas que não eram cobertos pelo seguro social e que haviam perdido sua capacidade de continuar trabalhando por motivos de velhice, doença ou invalidez. Isto porque até 1988 o Estado não tinha nenhum tipo de obrigação com estas pessoas e, assim, o que lhes restava era a boa vontade familiar ou a ajuda de alguma entidade de caridade, predominantemente as católicas. As ações do Estado eram quase que limitadas ao apoio a estas instituições filantrópicas, via subsídios, isenções ou transferências de renda, mas eram poucas as iniciativas de prestação de serviços25. Além disso, a assistência social era marcada por ações populistas, clientelistas, voltadas, muitas vezes, para atender interesses pessoais. É importante salientar, contudo, que apesar de reconhecer a importância (e obrigatoriedade) do papel do Estado na assistência e proteção social, a Constituição reafirmou não só a participação da iniciativa privada, 24
Uma ressalva deve ser feita, pois como mostram Cardoso Jr. e Jaccoud (2009, p.183) apesar deste preceito universalizante da assistência social, foi reafirmado o atendimento prioritário a alguns grupos da população que tradicionalmente eram identificados como vulneráveis: crianças, idosos e portadores de deficiência. Na realidade, a assistência social possui um perfil seletivo. 25 A prestação de serviços se resumiu a ações isoladas e específicas dos municípios e também pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) e pelo serviço de assistência ao menor, depois substituído pela Funabem.
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mas, principalmente, reafirmou o papel das famílias e a sua responsabilidade para com seus entes vulneráveis (JACCOUD; HADJAB; CHAIBUB, 2009). Um dos grandes avanços realizados com a Constituição foi a mudança do caráter da Renda Mensal Vitalícia (RMV), que passou a integrar a assistência social, agora como Benefício de Prestação Continuada (BPC). Criada em 1974 a RMV fazia parte da previdência social e concedia meio salário mínimo aos idosos, com mais de 70 anos, ou pessoas em situação de invalidez que fossem incapazes de prover seu sustento. Porém, para receber tal benefício, as pessoas deveriam ter realizado no mínimo 12 contribuições à previdência social, ou seja, os beneficiários eram pessoas que já haviam tentado entrar no esquema da previdência social, mas, por algum motivo, não conseguiram cumprir todas as exigências para se aposentar. A grande inovação da Constituição foi garantir este benefício sem nenhuma exigência de prévia contrapartida (contribuição), o que transformou o benefício como uma forma de “renda de solidariedade”. A única condição que se mantinha era a comprovação da incapacidade de seu sustento, o que ficou definida como receber menos de ¼ do salário mínimo per capita. Além disso, com o BPC, a idade mínima dos beneficiários diminuiu para 6526, houve a inclusão dos portadores de deficiência27 no público alvo e o valor do benefício aumentou para um salário mínimo. Assim como na área da saúde, a assistência social seguiu os preceitos da descentralização política e administrativa e da participação popular. Foi decidido que as diretrizes gerais e a coordenação das ações deveriam ficar sob a responsabilidade da União, enquanto a execução das ações sob a responsabilidade dos estados e municípios, mas, também, das instituições filantrópicas. Igualmente foi adotado o sistema de conselhos, com a participação popular que serviria tanto para ajudar na identificação dos principais problemas, na formulação das políticas e ainda no controle e fiscalização das ações estatais. 2.1.1.3 PREVIDÊNCIA
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Na realidade, estas deliberações sobre diminuição da idade e a definição do valor de ¼ de salário mínimo como linha de corte, somente foram regulamentados pela Lei Orgânica da Assistência Social – Loas - em 1993. 27 A condição para adesão, assim como para os idosos, é a insuficiência de renda para seu sustento. E, neste caso, não há limite de idade.
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A previdência social brasileira instituída com a nova Constituição na realidade é composta por dois sistemas: o regime geral da previdência social (RGPS) e o regime próprio de previdência social (RPPS), referentes aos trabalhadores das iniciativas privada e pública, respectivamente. Ambos os sistemas seguem a regra de um sistema de repartição, de base solidária em que é com a contribuição dos atuais trabalhadores que se financia os benefícios dos aposentados e pensionistas28. As regras previdenciárias destes dois sistemas são distintas em relação às contribuições, aos benefícios e ao financiamento. O RPPS, por ser um regime especial dos servidores públicos, foi formulado para ter como base de financiamento as contribuições específicas de seus beneficiários (Contribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor – CSSS) e a complementação do estado (contribuição patronal da União). Já o RGPS deveria se financiar através das contribuições dos trabalhadores, dos empregados (Contribuição para a Previdência Social), das demais fontes de financiamento da seguridade social29 e, se necessário, ainda de uma complementação do Estado30. Apesar do caráter solidário do sistema previdenciário, sua principal característica é ser um benefício contributivo, ou seja, apenas algumas pessoas são aptas a recebê-lo e, assim, pode-se dizer que ele não é completamente universal. De qualquer forma, muitos foram os avanços em relação à universalização dos benefícios previdenciários. Foi estabelecido que a contribuição previdenciária para os trabalhadores do setor privado seria de caráter obrigatório, na tentativa de que este benefício atingisse a todos. Outra medida que visou ao aumento dos segurados da previdência foi a previsão de redução da tributação para as micro e pequenas empresas, no intuito de diminuir a informalidade31.
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Outra forma possível de previdência social é o sistema de capitalização em que a contribuição de cada trabalhador fica em uma conta exclusiva de uso próprio para o futuro. Este sistema é muito similar aos fundos de previdência privada. Ele não é construído em bases solidárias e os valores das aposentadorias bem como as quantidades de parcelas possíveis para resgate dependem exclusivamente do valor total que a pessoa foi capaz de contribuir ao longo da vida. 29 Para maiores detalhes ver seção 2.1.1.4 – orçamento da seguridade social. 30 O sistema de previdência dos trabalhadores da iniciativa privada faz parte da seguridade social e, por isso, seu financiamento está englobado no orçamento da seguridade social, enquanto o RPPS não faz parte da seguridade social e, assim, deveria ter seu financiamento vindo do orçamento geral da união. Tratar estes dois regimes como único é um grande erro e é uma das principais razões que, nos dias atuais, acarreta na falácia do déficit da previdência. Para maiores informações sobre o tema ver Gentil, 2006, 2007 e Passarinho, 2007. 31 O artigo 179 da Constituição Federal de 1988 previa incentivos fiscais para empreendimentos de pequeno porte com a intenção de aumentar a formalização do mercado de trabalho: “A União, os estados e distrito federal e os municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei”. As leis complementares de regulamentação desta medida, só foram instituídas alguns anos depois: em 1996 a lei do Simples, em 2006 a lei do Super Simples e, em 2008, do
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Este tipo de medida, contudo, é controversa e não há efetividade comprovada. Pode-se dizer que são “ações passivas” no sentido de dependerem mais das iniciativas de empregados e empregadores do que realmente do governo, ou seja, “são medidas que incentivam a inclusão, mas não geram inclusão de forma automática”32 (RANGEL et al. 2009, p.81). Na realidade, as maiores mudanças ocorreram em relação à previdência rural, que teve seu sistema unificado com o da previdência urbana, garantindo assim, o direito à migração entre campo e cidade aos beneficiários. Foram modificados os critérios de elegibilidade para a aposentadoria rural33: o benefício deixou de ser dado por unidade familiar (apenas para o chefe da família) e passou a ser dado à cada trabalhador rural, aumentando significativamente o número de segurados; a forma de contribuição foi elaborada especialmente para as características do trabalho rural familiar, assim, os trabalhadores devem contribuir somente sobre o valor do excedente da produção de subsistência34; e, além disso, houve redução da idade para a aposentadoria a estes trabalhadores rurais – de 65 anos para 60 no caso dos homens e para 55 no das mulheres. Estas diferenças nas regras para este grupo de segurados especiais podem parecer um privilégio, mas não passam de uma compensação pelo maior desgaste que seus trabalhos lhes causam. Ou seja, estas diferenças na realidade foram estabelecidas pela busca de maior equidade entre a população. Como mostram Rangel et al., “a diferença de tratamento que parece ser favorável aos trabalhadores rurais existe, pois este trabalho além de penoso, desgastante, e de não ter necessariamente objetivo de lucro, também encerra certas características de garantia de segurança alimentar” (2009, p.55). Pode-se dizer, então, que para este grupo de segurados especiais o direito à previdência lhes é garantido através dos princípios da seguridade social.
Microempreendedor Individual. Em 2007 foi regulamentado o Plano Simplificado de Previdência Social, com objetivo de incentivar a formalização dos trabalhadores por conta própria (RANGEL et AL. 2009). 32 Estas medidas não foram suficientes para solucionar o problema da informalidade no mercado de trabalho brasileiro, o que acaba acarretando em uma grande parte da população continuar sem acesso aos benefícios previdenciários. Pode-se alegar que estes trabalhadores têm a opção de contribuir para a previdência como autônomos, para no futuro terem acesso aos benefícios previdenciários. Porém, com o baixo nível salarial e a grande instabilidade do mercado informal é fácil compreender que estes trabalhadores não tenham real capacidade de contribuição. 33 A aposentadoria rural engloba camponeses, pescadores e garimpeiros que exercem suas atividades de sustento sob a forma de produção familiar. 34 Nos períodos em que não haja excedente, os trabalhadores ficam isentos de contribuir, sem que isso acarrete em qualquer penalidade para o benefício futuro.
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Outros avanços importantes foram a já mencionada vinculação do piso beneficiário ao valor do salário mínimo e a irredutibilidade do valor do benefício recebido. Estes dois aspectos conjugados geram uma alta eficácia na redução da pobreza e de desigualdades, pois aumentam o efeito redistributivo da seguridade social. Esta redistribuição ocorre, como é de se esperar, horizontalmente, ou seja, ao longo do ciclo de vida do indivíduo, mas, também, verticalmente, diminuindo, assim, diferenças de bem-estar entre grupos sociais (LAVINAS, 2008). Esta irredutibilidade, na realidade, refere-se ao valor nominal do benefício e não ao valor real. Mas, de qualquer forma, pode-se dizer que foi um avanço, pois sua adoção foi baseada com o intuito de proteger os beneficiários e preservar sua qualidade de vida. Além do seguro contra a perda definitiva da capacidade de trabalho, representado pela aposentadoria e pensão por morte, a previdência social também engloba benefícios para o caso da perda temporária da capacidade de trabalho, tais como o auxílio doença, o auxílio acidente e, ainda, o seguro desemprego35,36. Estes benefícios são muito importantes, pois garantem ao trabalhador a preservação de uma vida digna em um momento que esteja involuntariamente sem exercer sua atividade laboral. Além disso, vale a pena ressaltar que são ótimos mecanismos anticíclicos e estabilizadores, pois em momentos de crise econômica estes mecanismos mantém a demanda por bens e serviços relativamente estabilizada. 2.1.1.4 ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL De forma inovadora, a Constituição de 1988 estabeleceu um orçamento específico para a seguridade social, o orçamento da seguridade social (OSS), separando-o do orçamento geral da União (OGU). Assim, assegurou fontes de recursos próprios e exclusivos para a garantia de financiamento destas políticas sociais (assistência, previdência e saúde) sem que precisassem “disputar” recursos com os demais projetos e 35
Estes benefícios valem para todos os segurados da previdência social, mas para os beneficiários especiais, há necessidade de comprovação de pelo menos 10 meses na atividade rural. 36 O seguro desemprego já estava previsto desde a Constituição de 1964 e foi instituído, somente, em 1986. A Constituição de 1988 incluiu o benefício do seguro desemprego no Programa do Seguro Desemprego que, além de prover a assistência monetária temporária ao trabalhador involuntariamente desempregado, pretende ajudar na busca por novos empregos. Para tanto, promove ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional (MINISTÉRIO DO TRABALHO – www.mte.gov.br). Ou seja, a nova Constituição estabeleceu políticas de ativação para o mercado de trabalho – que, como visto no primeiro capítulo, foi uma estratégia muito relevante dos países nórdicos para o combate ao desemprego durante o “período de ajuste” do estado de bem-estar.
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políticas governamentais. Todavia, isto não significa dizer que a seguridade deve ser mantida somente com os recursos exclusivos a ela, uma vez que a Constituição determina que também sejam suas fontes de recursos as receitas provenientes dos orçamentos fiscais municipais, estaduais e federal, como pode ser visto no artigo 195 da Constituição: Art. 195. A Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre; a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos IV – do importador de bens e serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Foi determinado que a seguridade social fosse financiada por fontes de incidência diversas para, assim, garantir uma maior estabilidade no montante de receitas. Até a promulgação da Constituição a saúde, previdência e assistência eram financiadas somente por contribuições incidentes nas folhas de salário das empresas e dos trabalhadores. Estas apresentam um caráter pró-cíclico, ou seja, aumentam com o nível de emprego quando a economia está próspera e diminuem, mais que proporcionalmente ao produto, quando há alguma crise e aumento do desemprego. Achava-se na época que o lucro e o faturamento eram mais estáveis e oscilavam menos que os salários em momentos de crise. A diversificação das bases de financiamento foi quase consenso e, então, como resultado, foi estabelecida a vinculação de diversas contribuições sociais37. (MEDICI, 1996). As principais fontes de receita da seguridade instituídas pela Constituição foram a contribuição para a previdência social, incidente nos salários; a contribuição sobre o lucro líquido (CSLL), que como o próprio nome já diz incide no lucro das empresas; a contribuição para financiamento da seguridade social (COFINS)38 que incide no faturamento das empresas; o Programa de Integração Social (PIS) e o
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Com o passar do tempo foi possível notar que esta percepção sobre o caráter cíclico das diferentes bases de incidência estava equivocada. Na realidade a contribuição sobre a folha salarial é a mais estável em momentos de crise, provavelmente devido aos custos da dispensa da mão-de-obra. 38 A COFINS só entrou em vigor em 1991, substituindo o FINSOCIAL.
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Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) incidentes também sobre o faturamento das empresas39, receitas de concursos prognósticos e como lembra Salvador (2007, p.2) “ainda, a União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social”. Apesar de ser um orçamento único, foram realizadas algumas divisões entre as três áreas asseguradas. As contribuições para a previdência social, como o próprio nome já explicita, foram vinculadas exclusivamente para o custeio da previdência. O Pis/Pasep foram destinados ao fundo de amparo ao trabalhador (FAT), para o financiamento do seguro desemprego e do abono salarial40. À assistência social foram garantidos 10% do OSS e para a área da saúde estabeleceu-se que deveria ser investido, até sua completa regulamentação com aprovação da lei orgânica da saúde, ao menos 30% do OSS. Esta semi-especialização das receitas foi resultado de grandes divergências que existiam sob a forma de financiamento da seguridade social. Um grupo41 apoiava a separação total das fontes de receita para cada uma das três áreas integrantes da seguridade, para evitar que uma fosse “canibalizada” por outra. O outro defendia o conceito de seguridade social por completo, além de enxergar vantagens como maior poder de barganha e maior flexibilidade. Esta questão não chegou a um consenso e o debate continua presente até os dias atuais. 2.1.2 EDUCAÇÃO No que diz respeito à Educação, o maior avanço da Constituição de 1988 foi garantir o direito ao ensino fundamental42 a toda a população brasileira, independente de idade. Ela não só classificou este nível de ensino como obrigatório, mas, também, estabeleceu a obrigatoriedade de provisão pelo Estado de forma gratuita a toda a população. As leis que vigoravam até então estabeleciam a obrigatoriedade do ensino fundamental somente para jovens entre 7 e 14 anos e, apesar da gratuidade das entidades públicas, esta não era condição obrigatória. Além disso, o dever de provisão
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Outra fonte de financiamento que por muitos anos foi bastante significativa foi a contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF). Ela foi criada em 1996, prorrogada por duas vezes e saiu de vigência em 2007. 40 Pelo menos 40% da arrecadação com o Pis/Pasep foram destinados à programas de desenvolvimento econômico, a cargo do BNDES. 41 Defendido principalmente pelos participantes do movimento sanitarista. 42 Na época, denominado de primeiro grau.
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era dividido com os pais e os empregadores43. Durante a Constituinte, o grande embate ocorrido no âmbito educacional foi entre os defensores do ensino público gratuito e os representantes do ensino privado. Os primeiros – professores, especialistas em educação e universitários – defendiam que o dinheiro público deveria ser integralmente investido no ensino público (e não para subsidiar o privado) e que este deveria ser, em todos os níveis, totalmente laico e gratuito. Os demais pleiteavam o investimento público nas escolas privadas. Grosso modo, este segundo grupo dividia-se em dois subgrupos. Os católicos e comunitários, alegando que suas instituições de ensino, por não possuírem fins lucrativos tinham caráter público, reivindicavam o investimento direto de recursos públicos em suas escolas44. O outro, representado majoritariamente pela Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Fenen), pleiteava o investimento público nas escolas privadas, através principalmente de bolsas de ensino45 e, mais do que isso, pedia apoio governamental para as iniciativas educacionais privadas em geral, aceitava a gratuidade do ensino básico público, mas defendia que no ensino superior somente deveriam estar isentos de pagamento os que comprovassem insuficiência de renda e, além disso, reivindicava o direito de poder auferir lucros de suas atividades. Nessa matéria, os empresários foram vitoriosos, pois se reconheceu os investimentos educacionais como de cunho empresarial e, portanto, o ensino passou a ser reconhecido como uma atividade lucrativa, para todos os níveis, mas especialmente para o ensino superior. Também ficou garantido o repasse de verba pública para as entidades de ensino reconhecidas como comunitárias, sem fins lucrativos46. Outro ponto polêmico e que, de certa forma, os privatistas também saíram vitoriosos, foi a valorização do magistério, pois ficou estabelecido que o plano de carreira e o piso salarial somente seriam obrigatórios nas escolas públicas. Na realidade, apesar da grande mobilização, as instituições da sociedade civil defensores do ensino público não tiveram força política suficiente para se sobrepor ao lobby das instituições privadas e religiosas. Mas, não se pode dizer que os progressistas saíram derrotados, pois muitos foram os avanços relacionados à educação pública e gratuita. Além de estabelecer, como já
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Era de responsabilidade dos empregadores ofertar, gratuitamente, o ensino fundamental para os filhos (de 7 a 14 anos) de seus funcionários ou pagar a contribuição do salário educação. 44 O grupo dos católicos ainda defendia a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas do ensino básico. 45 Estas bolsas deveriam ser concedidas em caso de falta de oferta pública em local próximo à moradia do aluno. 46 Estas medidas foram deliberadas para todos os níveis de ensino.
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mencionado, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para toda a população, ficou definido que o acesso a este seria “direito público subjetivo” e, por isso, qualquer pessoa poderia exigir, perante a lei, o cumprimento desse direito, “isso significa que pais de crianças que não conseguem vagas em escolas, assim como jovens e adultos que dela precisam, podem e devem exigir na Justiça o direito de tê-las, o que amplia enormemente a dimensão democrática da educação” (FÁVERO, 2009 p.197). Outra grande preocupação foi com o alto índice de analfabetismo da população brasileira: quase um quinto da população com idade igual ou superior a 15 anos. Ficou determinado um prazo de 10 anos para o cumprimento da universalização do ensino fundamental e, também, para a erradicação do analfabetismo47. Para alcançar tais objetivos, ficou instituído que deveria haver o comprometimento de ao menos 50% do orçamento da educação nestas ações. Além do ensino básico, obrigatório, ficou garantido o caráter gratuito do ensino público para todos os níveis educacionais, reforçando sua universalização. Seguindo esta direção, o Estado ficou incumbido de, progressivamente, estender a obrigatoriedade e gratuidade para o ensino médio48 e, ainda, de prover educação infantil, garantindo o acesso a creches para crianças com idade inferior à escolar, ou seja, de zero a seis anos. Reconhece-se, dessa forma, a insuficiência do ensino fundamental e a urgência que os brasileiros tenham grau de escolaridade mais apropriado às necessidades contemporâneas. (...) Portanto, ainda que de forma implícita, a CF/88 delineou o que seria a educação básica, mínima necessária a todos os brasileiros, ao abranger as três etapas: infantil, fundamental e média. (CORBUCCI et all. 2009, p.27).
Derivado da idéia que a educação é um direito de todos, foi garantido, ainda, o acesso à portadores de necessidades especiais preferencialmente no ensino regular – para potencializar seu desenvolvimento e também para promover e naturalizar a convivência com a diferença –, a oferta de cursos noturnos adequados as demandas daqueles que necessitam trabalhar durante o dia, e a assistência ao estudante, que provê auxílio com material escolar, transporte, alimentação e assistência médica, assegurando uma rede de apoio a quem necessitar. É importante ressaltar que a educação proposta e garantida pela Constituição é uma educação de qualidade que garanta igualdade de condições tanto no acesso quanto na permanência na escola. “A explicitação destes princípios, de fato, é resposta à perversa realidade brasileira do momento da 47
Apesar de estabelecido este prazo, muitas foram as contestações quanto a real possibilidade de seu cumprimento – principalmente referente ao fim do analfabetismo. 48 Na época, segundo grau.
54
Constituinte, em qual tal condição, que deveria ser inerente à educação, não era realidade para todos” (idem op. cit, p.28). Na elaboração da Constituição, em diversas áreas, muitas foram as reivindicações para vincular receitas. Em determinados momentos de sua elaboração o valor vinculado chegou a ser maior que 200% do valor do OGU. Então, para evitar maiores conflitos de interesses, optou-se por vincular contribuições sociais para o financiamento somente da seguridade social (MÉDICE, 1996). Como forma de garantir as receitas necessárias, a educação foi contemplada com a vinculação de parte do orçamento fiscal do governo. Esta vinculação já existia: 25% do orçamento de estados e municípios e 13 % do orçamento federal. Com a nova Carta Magna, o valor de vinculação para estados e municípios49 se manteve constante e para a União aumentou para 18%. Diferentemente das demais áreas de políticas sociais estudadas até agora, a educação já se apresentava, nos níveis fundamental e médio, bastante descentralizada nas esferas estaduais. À União cabia, quase que exclusivamente, a distribuição da Quota Federal do Salário-Educação50
(ARRETCHE;
RODRIGUEZ,
1999).
A Constituição
não
apresentou grandes novidades em relação às competências para cada esfera, explicitando apenas que elas deveriam se organizar através de um sistema de colaboração. Houve, assim como na saúde, uma tentativa de municipalização do sistema educacional, ao estabelecer que caberia a esta esfera, prioritariamente, prover o ensino fundamental e o pré-escolar. Além desta indicação, não foram estabelecidas diretrizes claras para uma política nacional de educação, o que, na prática, acabou gerando uma sobreposição de tarefas e o não esclarecimento do real papel de cada esfera, principalmente entre municípios e estados (SILVA; CRUZ, 1996).
49
Os orçamentos municipais e estaduais aumentaram com a descentralização realizada pela Constituição. Então, apesar de o percentual ter se mantido constante o montante total tendeu a aumentar. 50 “A contribuição social do salário-educação está prevista no artigo 212, § 5º, da Constituição Federal, regulamentada pelas leis nºs 9.424/96, 9.766/98, Decreto nº 6003/2006 e Lei nº 11.457/2007. É calculada com base na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelas empresas, a qualquer título, aos segurados empregados, ressalvadas as exceções legais”. O total arrecadado é dividido entre as três esferas da seguinte forma: “a cota federal correspondente a 1/3 do montante dos recursos, é destinada ao FNDE e aplicada no financiamento de programas e projetos voltados para a educação básica, de forma a propiciar a redução dos desníveis sócio-educacionais entre os municípios e os estados brasileiros. A cota estadual e municipal correspondente a 2/3 do montante dos recursos, é creditada mensal e automaticamente em favor das secretarias de educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para o financiamento de programas, projetos e ações voltados para a educação básica” (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO – FNDE: www.fnde.gov.br).
55
2.1.3 DESCENTRALIZAÇÃO Após anos de grande centralização política, fiscal e de competências no governo federal, uma das questões mais debatidas era a da descentralização. Como foi visto ao longo deste capítulo, em diversas esferas das políticas sociais houve uma sinalização para a descentralização de competências entre os entes da federação. Outra novidade, que visava à descentralização, foi a implementação de diversos conselhos, formados por representantes da sociedade (especialistas e “cidadãos comuns”) e do governo, em uma tentativa de promover a aproximação com as demandas populares. Para que esta descentralização de competências pudesse, de fato, ocorrer buscou-se realizar também a descentralização fiscal. “Foram atribuídas aos governos subnacionais competências tributárias exclusivas, incidentes sobre bases econômicas sólidas e abrangentes e, ainda por cima, com ampla liberdade para legislar (até mesmo para fixação das alíquotas), coletar, gerir e gastar os recursos” (AFONSO, 1995, p.3). Além destes novos tributos, houve também a elevação dos percentuais do Imposto sobre produtos industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR), impostos de recolhimento federal, mas com parte destinada ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Estes fundos são de repasse automático, o que garante a autonomia política dos estados e municípios, uma vez que eles não precisam adotar políticas e diretrizes apontadas pela União para receber o dinheiro. Estes mecanismos foram de grande importância para acabar com a relação clientelista, até então muito recorrente, entre a União e as esferas sub-nacionais. 2.2 PÓS-CONSTITUIÇÃO – AJUSTES E REFORMAS 2.2.1 O Governo Sarney Em linhas gerais, a Constituição estabeleceu diretrizes universalistas e inclusivas para o sistema de proteção social brasileiro. As leis infraconstitucionais complementares foram deixadas para serem reguladas nos anos seguintes, após melhores estudos e discussões. Contudo, com o fim da Assembléia Constituinte, o movimento progressista perdeu força e alguns retrocessos ocorreram, como mostra Fleury (2007, p.77): A correlação de forças sociais que havia sido responsável pela aprovação da seguridade na Constituição deu lugar a um novo pacto de poder, para o qual o Estado passa a ser visto como obstáculo ao desenvolvimento capitalista, devendo transferir parte de suas atribuições
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econômicas e sociais às empresas e organizações comunitárias. Isso implica substituição de modelos corporativos ou universais de proteção social por modelos de seguro privado, que, diferentemente do antigo seguro social, não tem caráter coletivo e, portanto, não permitem a redistribuição e a solidariedade. (...) Nesse sentido, a política social abdica de qualquer projeto de construção da coesão social por meio de mecanismos inclusivos e distributivos.
Na realidade, durante o processo da Constituinte, o Executivo federal não se comprometeu com projetos que implicassem em mudanças mais radicais no campo social. Durante toda a gestão Sarney51 (1985-90) foram privilegiadas ações assistencialistas isoladas, baseadas no clientelismo que acabaram provocando não só a fragmentação institucional como, também, a superposição em diversos setores do governo. Usando como justificativa a descentralização administrativa sinalizada na Constituição, em 1989 o governo federal simplesmente realizou uma série de cortes de despesas em diversos programas sociais, que ficou conhecido como “operação desmonte”. Estes cortes foram realizados sem nenhuma forma de acompanhamento dos programas, ou preocupação com sua continuidade. Pelo contrário, o governo deixou de lado sua responsabilidade de ações que, há anos, geria de forma centralizada. Por duas vezes, através de medidas provisórias, o executivo tentou desvincular o valor dos benefícios de prestação continuada do salário mínimo, simplesmente indexando-o ao IPC52 (FAGNANI, s/d). O orçamento da seguridade social também foi alvo de ações de desmonte através de algumas distorções: desde já, começou a não se distinguir o RPPS do RGPS em suas formas de financiamento e, com isso, o pagamento dos encargos previdenciários da União – que deveriam ser feitos com recursos do orçamento fiscal – passou a ser feito com recursos provenientes do OSS; o Finsocial e a CSLL foram designados como sendo transferência da União ao financiamento da seguridade53; e, ainda, a contenção pela União, para fins diversos, das contribuições sociais que deveriam financiar, exclusivamente, a seguridade social. Diante destas distorções, uma inversão dos preceitos constitucionais acabou acontecendo: a seguridade que passou a financiar a União (AZEREDO, 1990 apud FAGNANI s/d). 2.2.2 O Governo Collor Em 1989, depois de quase 30 anos, ocorreu a eleição direta para a presidência da república, interrompida desde 1960 e Fernando Collor foi eleito presidente da 51
Este tipo de política continuou a ser feita mesmo após a promulgação da Constituição. O Congresso rejeitou estas MPs ambas as vezes. 53 Como visto na seção 2.1.1.4 estas contribuições fazem parte, constitucionalmente, do OSS. 52
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República, utilizando-se de modernas estratégias de marketing. Suas promessas eram de rompimento com a “velha política”, o combate aos “marajás” e à corrupção em geral, a assistência às classes mais desprovidas e profundas reformas estruturais. As reformas estruturais realmente ocorreram e, assim, quebrou-se o antigo paradigma brasileiro de crescimento com grande participação estatal, dando início ao processo de privatização e abertura comercial54 (CASTRO, L. B. 2005). Seu governo foi marcado por políticas liberais e pelo aumento da financeirização da economia. Prevalecia, entre setores governamentais, a idéia de que as diversas vinculações e obrigações do Estado instituídas pela nova Constituição eram, na realidade, empecilhos à boa gestão e administração pública e que, conseqüentemente, o país se tornara ingovernável. Assim, passou a ser defendido uma diminuição no “excesso de gastos públicos”55 e, então, “a direita resolvera quebrar contratos selados um ano antes” (GENTIL; MARINGONI, 2008, p.46). Esta quebra de contratos ocorreu principalmente no que diz respeito às políticas sociais. Apesar da promessa de atenção aos mais desfavorecidos, a gestão Collor foi marcada por um retrocesso nos direitos sociais adquiridos. As iniciativas de contra-reformas iniciadas no governo anterior foram mantidas e acentuadas. Isto quer dizer que o processo de descentralização foi negligenciado, sem que houvesse qualquer iniciativa de planejar a complexa transição, supostamente gradual. Como resultado, alguns setores passaram a apresentar superposição das esferas de governos, enquanto outros simplesmente passaram a não ter nenhuma atuação. Além desta “desordem” no processo de descentralização, o governo federal diminuiu consideravelmente as transferências negociadas com estados e municípios e também os seus gastos na área social para compensar a perda de receitas provenientes da descentralização fiscal contida no novo texto constitucional. Outra “justificativa” para esta queda dos gastos sociais foi a necessidade da estabilização econômica, em um cenário de crise em que se beirava a hiper-inflação e, por isso, esforços não deveriam ser poupados (OLIVEIRA, 1999). É relevante ressaltar que além dos cortes de gastos nas áreas sociais os esforços para a estabilização fiscal não foram significativos nas demais rubricas do governo
54
Na realidade, este processo de liberalização apenas iniciou-se no período de 1990 a 1994, sendo realmente intensificado nos anos seguintes. 55 Os que argumentam que o gasto social é muito grande e deve, simplesmente, ser cortado consideram o orçamento como uma variável totalmente exógena e independente das decisões políticas e econômicas. Mas, isso não é verdade como mostram Kerstenetzky (2009, p.17) “o orçamento não é dado, mas em boa medida endógeno à orientação de política” e Sicsú (2008, p.84) “O equilíbrio orçamentário será alcançado como resultado do vigor e da qualidade do crescimento (e não como fruto de políticas de contenção de gastos).”
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ocorrendo, na realidade, mais intensamente pelo aumento das receitas56 (CASTRO, L. B. 2005). A elevação da carga tributária não ocorreu de forma desorganizada, muito pelo contrário, os impostos e contribuições que apresentaram aumento foram aqueles exclusivos, não compartilhados com as demais esferas57. As políticas sociais, principalmente as de assistência, mas, também, as de educação e saúde acentuaram seu caráter clientelista e político para repasses financeiros e instituição de convênios provocando, assim, um processo de descentralização tutelada. Um grande embate ocorreu durante a elaboração da legislação infraconstitucional complementar. Para evitar a continuidade e estabelecimento dos avanços propostos pela Constituição, o executivo utilizou-se de seu poder, através de descumprimentos de regras constitucionais, vetos integrais ou parciais a dispositivos essenciais, provocando a descaracterização de leis aprovadas pelo Congresso58 e, ainda, o não cumprimento de prazos constitucionais para o encaminhamento das leis complementares. O Projeto de Lei de Organização da Seguridade Social não foi formulado e deu lugar a projetos de lei separados, desarticulados entre si, para cada um dos setores da seguridade, fragmentando-a. Além disso, nas leis de cada área, também houve investidas para o “desmonte”, tais como a nova tentativa de desvinculação dos benefícios previdenciários ao valor do salário mínimo59, o “represamento” da concessão destes benefícios até o fim do governo Collor e a diminuição das alíquotas do Pis/Pasep, bem como sua retenção e demora em seu repasse. As distorções do financiamento da seguridade implementadas no governo anterior foram estabelecidas legalmente com a aprovação do Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social. O Plano institucionalizou todas as práticas ilegítimas, inclusive, a não integração das contribuições da União ao OSS, que passaram a ser necessárias somente em caso de insuficiência financeira da previdência, deixando de lado o conceito da seguridade social ao simplesmente não se considerar tais insuficiências financeiras nas áreas da saúde e da assistência (FAGNANI, s/d e 2007). Como o próprio Ulysses Guimarães afirmou, a Constituição de 1988 não era perfeita e, por isso, previa-se que fosse revisada após cinco anos. Este momento era aguardado pelos setores que haviam se sentido derrotados no processo constituinte como uma 56
Esta é, inclusive, uma das críticas ao Plano Collor I. Esta iniciativa mostra uma tentativa da União de aumentar novamente a centralização. 58 A Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) sofreu veto integral do presidente em 1990 e a Lei Orgânica da Saúde (Los) teve 25 itens vetados, em sua maioria, os itens que dispunham sobre seu financiamento. 59 Porém, mais uma vez, o executivo não conseguiu aprovar esta proposta. 57
59
grande oportunidade em que poderiam “restabelecer a ordem” e fazer com que a “questão social” deixasse, definitivamente, de interferir (negativamente) na economia e nas finanças do governo. Ou seja, seria um momento bastante perigoso, com riscos consideráveis de grande perda dos direitos sociais adquiridos. Porém, acusado de corrupção, Collor sofreu um processo de impeachment, que gerou grande instabilidade e indefinições políticas e, assim, a revisão constitucional acabou por ser inviabilizada. O processo de “desmonte” das políticas sociais foi temporariamente interrompido como conseqüência do panorama político. 2.2.3 O Governo Itamar Franco (1992-1994) Itamar Franco, eleito vice-presidente da República na chapa de Fernando Collor, assumiu a presidência em dezembro de 1992 e sua gestão apresentou alguns importantes avanços, mas, também, outros retrocessos nas políticas sociais. Foi sob seu governo que as leis infraconstitucionais foram, de fato, aplicadas, que as políticas de saúde, assistência60 e educação foram reaproximadas dos princípios constitucionais e que as questões da fome e da miséria foram incluídas na agenda política social. Houve, finalmente, a implementação das mudanças na previdência rural, que ampliou imensamente sua cobertura, aumentando em mais de 50% o número de beneficiários entre 1992, com 4,1 milhões, e 1994, com 6,5 milhões de pessoas (CASTRO; CARDOSO JR., 2005). Em 1993, através da Norma Operacional Básica da Saúde, foi estabelecida a transferência automática de recursos, sem a necessidade de convênios, entre as esferas de governo. Foram criadas as diferentes possibilidades de gestão municipal – incipiente, parcial e semiplena – com diferentes graus de responsabilidade, competência, descentralização e transferências de recursos. Entretanto, foi também em 1993 que a saúde passou por uma grave crise de financiamento. A LOS foi aprovada sem que fossem definidos os critérios de divisão dos recursos entre as esferas da seguridade, apenas orientando que os recursos deveriam ser divididos conforme as necessidades e prioridades de cada área, a serem estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Finsocial, instituído como principal fonte de receita da saúde, passou a ser questionado judicialmente61 e, então, a arrecadação da seguridade social diminuiu consideravelmente. Além disso, apesar de ter se estabelecido na LDO de 1993
60 61
A Loas foi aprovada em 1993. Foram estes questionamentos judiciais que levaram o governo a substituir o Finsocial pela Cofins.
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que 15,5% do valor arrecadado com as contribuições sobre a folha de salário seriam destinados à saúde, este repasse acabou não ocorrendo62. Como conseqüência o Ministério da Saúde teve que realizar um empréstimo junto ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador (MEDICE, 1996). As soluções para este problema de financiamento da saúde só ocorreram alguns anos mais tarde, em 1996 com a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas que, na realidade, acabou sendo uma fonte substitutiva e não adicional e no ano 2000, de forma mais permanente, quando se estabeleceu, assim como na educação, parâmetros mínimos de aplicação de recursos na saúde (PIOLA; VIANNA, 2008). A política econômica do governo Itamar seguiu, em linhas gerais, as mesmas diretrizes de seu antecessor, promovendo as reformas estruturais ditadas pelo Consenso de Washington: diminuição do papel do Estado, abertura comercial e financeira e disciplina fiscal. Um novo plano de combate a inflação – o Real – seria lançado em breve e já visando à melhoria das condições de liquidez externa – pré-requisito necessário ao Plano Real – o governo terminou as negociações e aderiu ao Plano Brady63. Como contrapartida, um profundo ajuste fiscal deveria ser feito. As vinculações orçamentárias continuavam sendo vistas como um obstáculo ao equilíbrio das contas públicas e para “solucionar tal problema” instituiu-se o Fundo Social de Emergência (FSE), para os anos 1994 e 1995, que, dizia-se serviria para resolver os problemas de financiamento dos programas sociais prioritários, mas, que na prática, teve por objetivo contingenciar despesas e gerar uma maior flexibilidade operacional64. Para tanto, desvinculou-se 15% das transferências constitucionais a estados e municípios e 20% da arrecadação dos impostos e das contribuições sociais. Com esta medida, estados e municípios perderam autonomia política, pois voltaram a depender
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O caráter do benefício previdenciário não permite que ele sofra cortes ou simplesmente não aconteça. Independente de problemas orçamentários todos os beneficiários devem receber seus benefícios. Vale lembrar que, por causa das novas regras da previdência rural, os gastos previdenciários aumentaram muito de 1992 a 1994. Além disso, o Ministério da Previdência era o responsável pela arrecadação dos recursos destinados à seguridade, o que o tornava o mais forte braço da seguridade (Viana, 1996). A combinação destes fatores foi responsável pelo não repasse do dinheiro previsto para a saúde. 63 O Plano Brady, anunciado em 1989, juntamente com o “Consenso de Washington” teve como principal elemento a “reestruturação da dívida soberana de 32 países, mediante a troca desta por bônus de emissão do governo do país devedor, que contemplava abatimento do encargo da dívida (...) essa renegociação alterou fundamentalmente as condições de liquidez para países signatários, mas a oferta abundante de poupança externa estava condicionada à realização de reformas e de um profundo ajuste fiscal” (CASTRO, L. B. 2005, p.145) 64 Neste momento, Fernando Henrique Cardoso já tinha assumido a pasta do Ministério da Fazendo e estava sob o comando da política econômica brasileira.
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mais das transferências negociadas com a União e as diversas áreas sociais (principalmente a seguridade social, a educação e políticas de apoio ao trabalhador) tiveram seus recursos reduzidos, perdendo, assim, poder de ação65 (CASTRO; CARDOSO JR., 2005). Em exercícios financeiros seguintes, o FSE foi substituído – ou, na realidade, teve seu nome trocado – pelo Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), que vigorou de 1996 a 1999 e, posteriormente, pela Desvinculação de Receitas da União que, após prorrogações, ficará em vigor até 201166. Após muitos anos de alta inflação e inúmeras tentativas de controlá-la, finalmente, em 1994, o Plano Real conseguiu realizar a tão esperada estabilização monetária67. Por terem menos, ou nenhum acesso a recursos e instrumentos financeiros capazes de minimizar/anular as ações corrosivas da inflação, os pobres eram os que mais sofriam seu perverso efeito de perda na renda. Portanto, o controle inflacionário teve um grande impacto social e gerou uma considerável diminuição da pobreza e da desigualdade68. Porém, altas taxas de juros foram escolhidas como um dos pilares de sustentação da nova política econômica69 e, conseqüentemente, logo após sua implementação – e seu primeiro impacto positivo –, entraram em cena os efeitos anti-sociais70 do Plano Real (KERSTENETZKY, 2007). 2.2.4 O Governo FHC (1995-2002) Devido, em grande parte, ao sucesso do Plano Real e ao seu primeiro impacto “prósocial”, Fernando Henrique Cardoso ganhou as eleições presidenciais de 1994. Seu governo foi marcado pela difícil tentativa de conciliação entre a estabilização monetária 65
Os recursos desvinculados das áreas sociais não foram utilizados para outras áreas sociais, como prometido, mas sim para demais gastos, principalmente para o pagamento de juros da dívida. 66 “A DRU apresenta algumas modificações em relação ao FSE, pois ela não afeta a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e municípios, nem a das aplicações em programa de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Também não estão sujeitas à DRU as contribuições sociais do empregador incidentes sobre a folha de salários; as contribuições dos trabalhadores e dos demais segurados da previdência social; a parte da CPMF destinada ao Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza; e a arrecadação do salário-educação” (SALVADOR, 2008, p.123). 67 Para uma explicação dos mecanismos e estratégias adotados no Plano Real, ver CASTRO, L. B., 2005. 68 A autora mostra que, devido a este efeito, muitas pessoas passaram a achar que a política econômica é a melhor forma de política social. Aponta, ainda, que apesar de não serem substitutivas, elas não devem ser dissociadas e, então, a política econômica deve buscar e criar condições para o desenvolvimento social. 69 Esta opção de altas taxas de juros foi sempre justificada como sendo essencial ao sucesso da estabilização e do controle definitivo da altíssima inflação. Devido ao sistema de âncora cambial, o governo necessitava atrair a entrada de dólares para manter a taxa de câmbio valorizada e aumentar a competição com produtos estrangeiros. 70 Nos primeiros anos do governo FHC o salário mínino apresentou queda em seu valor real e houve aumento do desemprego.
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e as melhorias nas políticas sociais, como mostra Cohn: “é perceptível, portanto, uma contradição de base entre a política de ajuste e de estabilização econômica adotada pelo governo e a possibilidade de se promover políticas sociais com impacto efetivo sobre o desenvolvimento social no país” (1999, p.184). A política econômica já estava com sua orientação definida de priorizar a estabilidade macroeconômica, dar continuidade e aprofundar as reformas do Estado: reformas administrativa, fiscal, da previdência, privatizações dentre outras medidas. Dizia-se que, seguindo estas orientações, o crescimento da economia – muito bem avaliado como fundamental para a maior efetividade das políticas sociais e diminuição da pobreza e da desigualdade – iria ser retomado, sob os novos parâmetros mundiais de abertura comercial e grande competição. Apesar de fundamental, o crescimento econômico já era entendido como não suficiente na busca de melhoria das condições sociais e, então, foi preciso montar uma estratégia para as políticas sociais, que se norteou em estabelecer prioridades. A falta de planejamento, coordenação e prioridades, a superposição de competências entre as esferas de governo, o pequeno impacto redistributivo, além dos insuficientes critérios de alocação e mecanismos de fiscalização foram apontados como os problemas das políticas sociais, que deveriam ser solucionados (CASTRO; CARDOSO JR. 2005). É importante salientar que este conjunto de críticas fazia parte do “postulado da ineficiência intrínseca do Estado” que entrava na cena das políticas sociais naquele momento. Portanto, dever-se-ia buscar novos modelos alternativos como a focalização das políticas sociais, a descentralização e as parcerias com o Terceiro Setor e com a iniciativa privada. Na realidade, estes modelos alternativos serviriam para permitir “ao Estado ver-se aliviado de tamanha responsabilidade de ser o provedor dos direitos sociais básicos dos cidadãos brasileiros” (COHN, 1999, P.188). A defesa da descentralização baseava-se, de certa forma, nos preceitos constitucionais, pois reconhecia que a maior proximidade da população e a eliminação da atividade-meio garantiriam uma maior fiscalização e, conseqüentemente, maior transparência e efetividade. A focalização das políticas sociais foi justificada como sendo uma melhor forma de inserir os socialmente excluídos no campo de ação das políticas sociais. Argumentava-se que a focalização não impactaria na diminuição dos serviços sociais básicos, mas faria com que os mais pobres passassem a ter acesso a eles. As parcerias com os outros setores basearam-se na argumentação de que a atividade pública, não necessariamente, deve ser atividade estatal. Assim, através desta 63
nova forma de organização, buscar-se-ia uma melhor qualidade dos serviços e da gestão dos recursos públicos, através da fiscalização e da co-responsabilização dos cidadãos nos processos de gestão do Estado (CASTRO; CARDOSO JR. 2005). Em linhas gerais, pode-se dizer que o programa do primeiro governo de FHC apresentou três eixos de ações: os serviços sociais básicos – de vocação universal e de responsabilidade pública – os programas básicos e os programas de enfrentamento à pobreza. O primeiro eixo englobava as políticas da seguridade social, educação, trabalho, habitação e saneamento, que deveriam ter papel decisivo para o desenvolvimento, através de uma reestruturação dos serviços e benefícios que visavam sua plena universalização, melhora na qualidade e aumento do impacto redistributivo. Mas, para cumprir tais objetivos, também deveriam passar por uma reforma profunda para melhorar sua eficiência e eficácia, diminuir desperdícios, além de promover a descentralização e o aumento da participação social e da parceria com a sociedade civil. O segundo eixo – os programas básicos – na realidade se constituiu em estabelecer, dentro dos serviços sociais básicos universais, alguns programas prioritários, que deveriam apresentar resultados, no curto prazo, no combate às questões da pobreza e da desigualdade. No total, foram eleitos 45 programas de caráter estratégico ao novo padrão de crescimento, que deveriam atuar em diferentes frentes: enfrentar importantes pontos de estrangulamento, como a reforma agrária; acelerar reformas e reestruturação dos serviços básicos, como o ensino fundamental; enfrentar questões que necessitavam de ação imediata, como a redução da mortalidade na infância, a erradicação do trabalho infantil, a capacitação de jovens e a renda mínima para idosos e deficientes. Devido ao caráter e ao novo status recebido, estes programas teriam preferência para financiamento, garantia de fluxo financeiro regular, esforço concentrado para sua articulação e boa implementação, bem como apoio para gerenciamento, monitoramento e avaliações de cumprimento de metas. O terceiro eixo, mais específico e localizado no topo da pirâmide prioritária, foi o de combate à pobreza, à fome e às situações emergenciais, através da ação em diversas frentes, de acordo com as prioridades estabelecidas: redução da mortalidade infantil, desenvolvimento e expansão do ensino fundamental e do infantil, políticas de trabalho e geração de renda, segurança alimentar, moradia, saneamento e agricultura familiar. Para tal, foi criado o Programa Comunidade Solidária, que articulava ações das três esferas de governo e da sociedade civil. Foram selecionados 20 programas, que deveriam ser aprimorados, direcionados aos mais 64
carentes e focalizados, tanto por critérios regionais (municípios mais carentes), como pessoais (renda familiar). Seguindo a orientação de maior integração e participação popular, foi criado, também, o Conselho da Comunidade Solidária que, além de suas funções como conselho, deveria, ainda, incentivar e articular parcerias entre o governo e a sociedade civil que visavam, em última instância, à mobilização e implementação de experiências inovadoras. A partir desta iniciativa, foram criados os programas Alfabetização Solidária, Universidade Solidária, Artesanato Solidário e Capacitação Solidária (DRAIBE, 2003 e TIEZZI, 2004). O segundo mandato de FHC (1999-2002) caracterizou-se por uma mudança na política econômica. Após passar por duas crises internacionais – México em 1994 e Ásia em 1997 – respondendo apenas com a elevação da (já alta) taxa de juros, em 1998, com a crise da Rússia esta estratégia não foi mais possível. Havia uma grande fuga de capitais, provocando grande perda de reservas internacionais e pressão para uma desvalorização cambial – que se encontrava artificialmente sobrevalorizada. Com a falta de reservas iminente, o Brasil recorreu à ajuda do FMI e, como contrapartida, assumiu uma política de realização de superávits primários e, conseqüentemente, passou a ter que realizar um maior aperto fiscal. No início de 1999, houve, também, a liberação da taxa de câmbio, que acarretou em uma rápida e grande desvalorização. Para combater a possível volta da inflação, causada pela desvalorização cambial, decidiu-se elevar mais uma vez a taxa de juros básica e, também, adotar o sistema de metas de inflação (GIAMBIAGI, 2005a). No que diz respeito às políticas sociais, houve, no segundo mandato, a manutenção das mesmas diretrizes gerais que continuavam a ser a consolidação da estabilidade econômica, a busca pelo crescimento da economia, a geração de empregos, o combate à fome, à miséria, à pobreza e à desigualdade. Houve, porém, uma grande mudança na estratégia política de enfrentamento da pobreza e os programas de transferência direta de renda passaram a ser priorizados. Estes programas já existiam, mas passaram a receber destaque e uma maior atenção com o objetivo de aperfeiçoá-los e universalizá-los para todo seu público alvo. A educação sofreu sua primeira mudança em 1996, através de uma Emenda Constitucional, que manteve a gratuidade e universalização tanto do ensino fundamental para os que não haviam tido acesso a ele na idade correta, como do ensino médio em geral. Porém, esta medida retirou o caráter obrigatório destas esferas de ensino, 65
característica que permaneceu somente para o ensino fundamental regular. Neste mesmo ano foi aprovada a Lei de Diretrizes a Bases (LDB) que apresentou um grande avanço ao introduzir a concepção de educação básica, que engloba a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Além disso, numa decisão de ampliar ainda mais a garantia da educação básica, o termo ensino pré-escolar foi substituído por educação infantil, pois esta incorpora, também, a creche. A LDB reconheceu a importância da educação infantil71 como primeiro passo para o desenvolvimento integral da criança e, por isso, realocou este campo, que historicamente no Brasil era de responsabilidade da assistência social, para a educação. Definiu mecanismos, como o recenseamento da população em idade escolar, a chamada pública às pessoas que não freqüentaram o ensino fundamental em idade correta e assumiu o compromisso, juntamente com os responsáveis, pela freqüência às aulas, para, assim, tentar garantir sua universalidade. Mais uma vez, seguindo as orientações constitucionais que estabeleciam além da universalidade o bom nível do ensino público, a qualidade foi tema de vários dispositivos da nova lei – currículo, magistério, gestão e condições financeiras e materiais das escolas. (CORBUCCI et. al., 2009). Outra mudança de grande importância para a área educacional foi a criação, também em 1996, do Fundo e Plano de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Seus objetivos foram melhorar a regra de distribuição dos recursos entre as esferas governamentais, alocá-los de forma progressiva e valorizar a carreira e o salário dos professores. Um novo sistema de partilha para o financiamento foi implementado, em que parte dos recursos72 dos estados e municípios seria primeiramente centralizada em um fundo estadual e depois o montante seria redistribuído ao próprio estado e seus municípios, de acordo com o número de matrículas no ensino fundamental de cada um. O valor estipulado foi de US$300 por aluno/ano e caberia a União complementar o montante, caso necessário. Foi estipulado, ainda, que deveriam ser gastos com a remuneração dos docentes do ensino fundamental pelo menos 60% dos recursos totais do fundo. Pouco tempo após sua implementação já foi possível observar melhora na redistribuição regional dos
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Como visto no primeiro capítulo, a educação infantil é um dos pilares das novas tendências dos estados de bem-estar social. 72 “O valor transferido ao fundo deveria ser igual a 60% do total de recursos constitucionalmente destinados à educação por estados e municípios – ou 15% das receitas e transferências fiscais disponíveis” (DRAIBE, 2005a, p.12).
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recursos, aumento do gasto médio por aluno e também dos salários dos docentes, um impulso à municipalização e melhora na qualificação dos professores (DRAIBE, 2005b). A partir de iniciativas regionais, foi criado, em 2001, o Bolsa Escola, um programa de transferência de renda às famílias carentes, vinculada à freqüência escolar de suas crianças de 7 a 14 anos. Em relação ao ensino médio, a LDB não explicita sua estruturação, o que foi feito em 1997 com a lei das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEMs). Houve a separação do ensino médio regular do profissionalizante, que passou a ter um currículo independente. Em 2004, porém, foram possibilitadas diversas formas de interação entre eles, principalmente sua integração – voltando ao modelo vigente antes da DCNEMs. Desde sua primeira reforma em 1997, o ensino técnico tem apresentado diversas mudanças no sentido de se aproximar das novas necessidades do mercado de trabalho. Nos primeiros anos do governo, o ensino médio não recebeu muita atenção, por não ser obrigatório e nem de competência direta da União. Não houve uma política que assegurasse recursos financeiros e físicos para sua manutenção (CORBUCCI et. al., 2009). No ensino superior houve a continuidade da política estabelecida no governo Collor, de aumentar rapidamente a oferta privada73, com a liberação de autorizações, sem uma maior análise das condições de manutenção da qualidade da instituição74. No âmbito público, procurou-se aumentar a oferta de vagas aos estudantes, porém, sem que fosse ampliado o quadro de docentes75, de servidores técnico-administrativos ou ainda as instalações físicas, ou seja, sem que gerasse aumento no gasto da União. A política de crédito para o financiamento de ensino também sofreu alterações. Foi criado, em 1999, o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior (Fies) que, para diminuir a taxa de inadimplência e garantir sua sustentabilidade, implementou maiores restrições à
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Uma das medidas que visavam o aumento da oferta foi dar permissão para o funcionamento de instituições de ensino isoladas. 74 Alegava-se que por estas instituições de ensino serem privadas, o mercado seria capaz de fazer “seleção natural” e expulsar as instituições de má qualidade. 75 Os autores mostram, ainda, que, além de não ter havido novas contratações, o quadro de funcionários do ensino superior diminuiu, pois a quantidade de aposentadorias foi relevante.
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concessão de bolsas, como a garantia de uma renda mínima e a necessidade de um fiador76 (op. cit.). Em 2001foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) que tentou estabelecer a educação como um sistema, em que cada nível e modalidade de ensino teria uma avaliação. A União deveria receber metas e objetivos a serem cumpridos e, também, sinalizava a elaboração de planos educacionais para os estados e municípios. Um dos principais pontos para a garantia da expansão com qualidade do ensino foi a proposta de vinculação de 7% do PIB para a educação, mas esta medida acabou vetada pelo presidente da República. Diante destas medidas, pode-se perceber que a prioridade na educação foi dada ao ensino fundamental, obrigatório. Principalmente, no que diz respeito à expansão de sua cobertura – uma das diretrizes da Constituição de 1988 – que passou de 93% em 1997 para sua quase universalização ao final do governo FHC. Porém, este processo de expansão se sobrepôs à qualidade do ensino. No mesmo período, o desempenho das escolas públicas piorou nos exames. Além disso, a universalidade da cobertura somente foi possível devido à baixa carga horária da jornada escolar77 - um dos motivos da baixa qualidade do ensino brasileiro. Se a política educacional optasse por elevar a qualidade de seu ensino e, assim, aumentar a carga horária escolar, o déficit de cobertura de escolas e de professores seria enorme e a universalização estaria muito longe de ser realidade78 (KERSTENETZKY, 2006). Após a aprovação da Loas em 1993, ocorreram algumas tentativas de remodelar e modernizar o sistema de proteção social brasileiro para adequá-lo aos desafios propostos pela Constituição. Em 1997 foi aprovada a primeira Norma Operacional Básica (NOB) que sinalizava a importância da centralidade na relação entre as esferas governamentais e a criação de uma comissão tripartite de gestores de Política Nacional de Assistência Social e, em 1998, a primeira Política Nacional de Assistência Social 76
O Crédito Educativo, sistema anterior de financiamento estudantil, apresentava um índice muito elevado de inadimplência. 77 No Brasil a média foi de 4,3 horas diárias, cinco dias por semana. No Chile e nos Estados Unidos esta média é elevada para cerca de seis horas, cinco dias semanais. 78 Como mostra a autora, se a opção fosse pela carga horária de seis horas semanais – equivalente a do Chile e dos Estados Unidos – o déficit já seria considerável. Se a opção, porém, fosse de uma carga horária de oito horas diárias – equivalente à coreana – o Brasil deveria ter que aumentar em 100% sua capacidade instalada na educação.
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(PNAS). Mesmo com estas iniciativas, durante a década de 90, poucas foram as mudanças em relação ao seu planejamento, definição de responsabilidades de cada esfera de governo, garantia de financiamento e constituição de um sistema único, descentralizado. Em 2001 foi apresentada uma proposta de emenda constitucional para vincular 5% do orçamento de estados e municípios à Assistência Social, mas, até hoje, a proposta continua em tramitação no Legislativo. Apesar de, em sua forma sistêmica, não ter ocorrido grandes avanços em relação à assistência social, algumas iniciativas, principalmente no que diz respeito às garantias de renda tiveram relevante importância nesse período. Instituído pela Constituição e regulamentados em 1993, pela Loas, somente em 1996 o BPC foi efetivamente implementado79. A nova regulamentação do BPC previu que a diminuição da idade dos beneficiários ocorresse em duas etapas: de 70 para 67 anos em 1º de janeiro de 1998, e para 65 anos, em 1º janeiro de 200080. Indo na contramão do universalismo, porém, deliberou normas mais restritivas do que as estabelecidas na Loas, para a definição de pessoa portadora de deficiência ao instituir a irreversibilidade das anomalias ou lesões. Além disso, tais anomalias deveriam impedir a realização de atividades laborais e da vida diária. Para receber o benefício, as pessoas portadoras de deficiência deveriam passar por uma perícia médica do INSS81. Além deste benefício previsto na Constituição, surgiram outras iniciativas de programas de transferências de renda82. Entre 1994 e 1995 foram criados três desses programas: no Distrito Federal, em Campinas e em Ribeirão Preto. Cada um tinha sua especificidade, mas, grosso modo, proviam algum benefício monetário para famílias com crianças que tivessem uma renda per capita inferior à linha de pobreza estabelecida por cada um dos programas. Como contrapartida, as famílias deveriam garantir a freqüência das crianças às aulas, comparecer às reuniões socioeducativas do programa ou, no caso de um responsável estar desempregado, comprovar estar procurando emprego83. Em 1996, foi criado, sob o âmbito do governo federal, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Este programa tinha como objetivo combater o trabalho de crianças entre sete e 14 anos 79
Ao se implementar o BPC, extinguiu-se a RMV. A partir de 1996 não foram concedidos novos benefícios, mas deu-se continuidade ao pagamento dos que já estavam em vigor. Em 2004 a RMV passou para responsabilidade da Assistência Social. 80 A primeira redução da idade ocorreu dez meses depois da data prevista e a segunda, somente, em 2003. 81 Até 1997 esta perícia era realizada por equipes multiprofissionais do SUS. 82 Vale mencionar que em 1991 foi aprovado, pelo congresso, um programa de renda mínima. 83 As contrapartidas também variavam de acordo com o programa, mas a freqüência escolar das crianças era comum a todos.
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– principalmente os realizados em condições insalubres ou degradantes – mediante a transferência monetária para as famílias que, como contrapartida, deveriam manter suas crianças afastadas do trabalho e na escola (com freqüência escolar mínima de 75%). Devido ao sucesso destes programas, que apresentaram impacto positivo na melhoria de qualidade de vida das famílias beneficiárias e, também, diminuição da taxa de evasão escolar a partir de 1997, o governo federal passou a conceder apoio financeiro aos municípios que adotassem estas iniciativas84. Em 2001 mais um passo foi dado e estes programas, ainda iniciativas isoladas, foram substituídos pelo Programa Nacional Bolsa Escola, sob gestão do MEC. O programa beneficiava famílias com crianças entre 6 e 15 anos e renda per capita inferior a R$90,00. O benefício era de R$15,00, mensais, por criança, com um limite de três crianças por família. Como contrapartida, as crianças deveriam estar cursando o ensino fundamental e ter, no mínimo, 85% de presença nas aulas. Além do Bolsa Escola foram criados, também, o Bolsa Alimentação, ainda em 2001, e o Auxílio-Gás, em 2002. O Bolsa Alimentação era vinculado ao Ministério da Saúde e beneficiava mulheres grávidas e crianças de até seis anos. Os valores de referência eram os mesmos, R$15,00 por beneficiário, com um máximo de três por família e renda per capita de até R$90,00. O principal objetivo era melhorar as condições nutricionais das crianças e, por isso, o benefício deveria ser gasto com alimentação85. As contrapartidas eram: a realização de exames pré-natal, para as grávidas; amamentação para as crianças de até seis meses; pesagem periódica e vacinação, em dia, para todas as crianças. O auxílio gás tinha um caráter um pouco diferente, pois foi criado com o fim do subsídio governamental ao gás de cozinha. Para que as famílias mais pobres – com renda familiar per capita de até meio salário mínimo – não sofressem tanto com o aumento em seu preço, instituiu-se este benefício, que era de R$15,00 a cada dois meses e gerenciado pelo Ministério de Minas e Energia. Estes programas não eram excludentes entre si e eram totalmente independentes (JACCOUD; HADJAB; CHAIBUB, 2009).
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Nos anos seguintes, foram muitas as iniciativas espalhadas que surgiram pelo Brasil, inspirados, principalmente, no Bolsa Escola do Distrito Federal. Nos anos de 1997 e 1998, Belém, Belo Horizonte, Boa Vista, Catanduva, Ferraz de Vasconcellos, Franca, Guaratinguetá, Guariba, Goiânia, Jaboticabal, Jundiaí, Mundo Novo, Limeira, Osasco, Ourinhos, Paracatu, Piracicaba, Presidente Prudente, Santo André, São Francisco do Conde, São José do Conde, São José dos Campos, São Luiz, Tocantins e Vitória instituíram algum programa de transferência de renda condicionada (LAVINAS, 1998 apud SOARES; SÁTYRO, 2009) 85 Esta era a orientação do programa, mas não havia fiscalização em relação ao dispêndio do benefício. Havia, contudo, um acompanhamento das crianças, para sua pesagem e orientações nutricionais.
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Devido ao grande volume de recursos despendido na Previdência Social, ela passou a ser vista como a “vilã” dentre as políticas sociais pelos defensores da diminuição dos gastos públicos e equilíbrio das contas governamentais. Os seus benefícios têm valores regulamentados e o pagamento é garantido por lei. Assim, o valor a ser despendido é exógeno, “incomprimível” e, portanto, independe de ações do governo. Os gastos com a Previdência foram aumentando ao longo dos anos: em um primeiro momento pela incorporação dos beneficiários rurais, mas, também, ao longo dos anos pelo envelhecimento da população e, conseqüente, diminuição da proporção da população em idade ativa. Para tentar conter este crescimento, ocorreram diversas iniciativas retrógradas em relação aos direitos adquiridos. Em 199886, sob o mote do equilíbrio das contas públicas, foi aprovada uma emenda constitucional que alterava as regras do sistema previdenciário. Os principais objetivos foram estreitar os vínculos contributivos e aumentar, mesmo que indiretamente, o tempo de contribuição. As principais mudanças foram: introdução do critério de tempo de contribuição no lugar do tempo de serviço; mudança na fórmula do cálculo dos benefícios, introduzindo o fator previdenciário87;
eliminação
da
aposentadoria
especial
para
os
professores
universitários; e previsão de criação de regimes complementares aos servidores públicos, que seriam responsáveis pelo pagamento da diferença entre o valor dos benefícios e o teto vigente no RGPS. O teto do benefício do RGPS não sofreu alteração na reforma, mas, na prática, teve seu valor corroído de 10 para 6,5 salários mínimos em 2003. Outra proposta que vigorava à época, ainda mais contrária aos preceitos universalizantes e inclusivos da Constituição, era o de transformar previdência brasileira em um sistema de capitalização individual. Esta mudança, porém, mostrou-se economicamente inviável. Para realizá-la, de acordo com cálculos de experientes empresas do ramo, seria necessário, em um primeiro momento, investir um montante de aproximadamente duas vezes o PIB brasileiro. Assim, esta proposta mais radical foi deixada de lado (RANGEL ET. AL., 2009). Em 1996 mais uma NOB da saúde foi aprovada. Ela delineou de forma mais clara as responsabilidades de cada esfera de governo, reduziu para dois os estágios de gestão
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A proposta foi enviada pelo Poder Executivo ao Congresso em 1995, ou seja, pouco tempo depois de FHC assumir a presidência da República. 87 O fator previdenciário leva em consideração tanto o tempo de contribuição quanto a idade do contribuinte ao se aposentar e realiza descontos no valor do benefício se ambos não tiverem atingido o limite mínimo.
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– gestão plena de atenção básica e gestão plena do sistema – e, conseqüentemente, acelerou o processo de descentralização da saúde. Além dos recursos destinados à assistência médico-hospitalar, passaram a ser transferidos recursos específicos para vigilância sanitária, controle epidemiológico e de doenças. Foram criados o Programa Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS), com o objetivo de mudar o modelo assistencial vigente e focalizar ações de saúde para a população de baixa renda. O PSF opera com equipes multidisciplinares (com participação e ajuda com agentes comunitários) e visa dar atendimento comunitário, reorientar as ações de atenção básica e fortalecer os sistemas locais de saúde. Seu principal objetivo é a prevenção e detecção ainda no estágio precoce das doenças. O PACS realiza ações educativas de saúde básica nas comunidades mais pobres, principalmente as da zona rural. Para tanto, mobiliza e treina as pessoas da própria comunidade. Em ambos os programas há metas de cobertura que cada equipe/agente deve cumprir (PIOLA ET. AL. 2009). Em relação à forma de financiamento, devem-se mencionar duas mudanças. Ainda em 1996, para tentar solucionar o problema da instabilidade das bases de financiamento do SUS, foi criada a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)88 vinculada à saúde. Apesar de ter sido criada com caráter provisório, foi renovada até 2007 e em 1999 teve sua alíquota aumentada de 0,2% para 0,38%. A outra mudança foi referente ao financiamento das esferas subnacionais. Em 1997 foi instituído o Piso de Atenção Básica (PAB) que alterou o sistema de repasses de recursos aos estados e municípios e passou a destinar, no mínimo, R$10,00 por habitante/ano para cada município. Esta medida aumentou o gasto em saúde de inúmeros municípios e diminuiu em até 10 vezes a diferença de recursos recebidos do Ministério da Saúde. Através do Farmácia Básica foi garantida a transferência de medicamentos à pequenos municípios em valor correspondente a R$2,00 por habitante/ano (DRAIBE 2005a). Em 1999 foi instituída lei que permitiu a comercialização de medicamentos genéricos, que representou uma diminuição nos preço de diversos medicamentos89. Finalmente, no ano 2000 foi aprovada uma emenda constitucional (EC29) que vinculava recursos à saúde90. Esta emenda previa que a 88
Como já mencionada, na realidade, a CPMF acabou sendo uma fonte substitutiva e não adicional de recursos para a saúde. Além disso, apesar de sua vinculação à saúde, seus recursos acabaram sendo distribuídos entre outras áreas (FLEURY, 2008). 89 Esta é uma medida muito importante, pois a maior parte da renda de famílias mais pobres é gasta com a compra de remédios. 90 A proposta estava em tramitação desde 1993, quando o Ministério da Saúde teve que realizar um empréstimo junto ao FAT.
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União aplicasse, no primeiro ano, 5% a mais do que o empenhado no ano anterior e nos anos seguintes o valor do exercício anterior corrigido pela variação do PIB nominal. Os estados e municípios deveriam aplicar, ao menos, 7% de seus orçamentos. Este valor deveria aumentar até atingir, em 2004, no mínimo, 12% para os estados e 15% para os municípios. Mesmo com um acordo que previa o que poderia ser incluído como gasto em saúde, para cumprir com a nova lei, porém, os estados e, em menor escala, também os municípios, passaram a colocar na rubrica, indevidamente, os gastos com inativos, empresa de saneamento, recursos hídricos, habitação, merenda escolar, dentre outros (MARQUES; MENDES, 2008). Os avanços que podem ser identificados deste conjunto de ações foram o aumento da produtividade e efetividade do sistema de saúde e a alta correlação entre o PSF e a redução da mortalidade infantil. Porém, a descentralização e a expansão dos sistemas municipais ocorreram sem integração e articulação regional, o que acarretou em inúmeras ineficiências91. Além disso, verificou-se um comportamento, por parte dos municípios de burlar as regras, para diminuir seus gastos. Foram verificadas tentativas de impedir o atendimento de moradores de outros municípios (constatado principalmente nos municípios de grande porte) e também o inverso, ou seja, o encaminhamento direto de seus habitantes para atendimento em outros municípios. Em 2001 e 2002, para tentar solucionar estes problemas através das Normas Operacionais da Assistência à Saúde, foram estabelecidas medidas de integração dos municípios e formação de redes de serviços (PIOLA ET. AL. 2009). 2.2.5 O Governo Lula (2003-2010) As eleições de 2002 causaram um grande alvoroço no Brasil, principalmente no mercado financeiro. Muitas foram as especulações nacionais e internacionais sobre o que aconteceria à economia brasileira caso Lula saísse vitorioso da disputa eleitoral. O risco país aumentou de forma exponencial, o câmbio se desvalorizou de forma rápida e intensa, por causa da grande saída de capitais, e as expectativas inflacionárias para 2003 aumentaram consideravelmente. Os principais receios eram em relação ao possível decreto da moratória, à potencial quebra de acordo com o FMI e, ainda, a uma 91
Tais ineficiências estão relacionadas, principalmente, à problemas de escala. Devido à “heterogeneidade dos municípios brasileiros, tanto em termos de tamanho populacional, quanto de condições econômicas e capacidade instalada, características associadas ao fato de que os equipamentos de saúde atuam com escalas mínimas de produção, abaixo das quais passam a ser ineficientes (...) 58,2% dos hospitais vinculados ao SUS tinham menos de 50 leitos, e somente 7% apresentavam a escala mínima econômica de 200 leitos” (PIOLA ET. AL. P.118). Para mais exemplos, olhar referência.
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imaginável “reestatização” da economia. Para evitar que estas especulações interferissem no resultado das eleições, o PT e Lula publicaram um documento, conhecido como Carta aos Brasileiros, onde se comprometiam, em um primeiro momento, a não mudar a política econômica estabelecida. Garantiam também a realização do superávit primário, o cumprimento do acordo em vigor com o FMI e o pagamento da dívida pública. Assim que Lula assumiu a presidência da República, as especulações começaram a reaparecer, mas ele cumpriu o que prometera na Carta aos Brasileiros. Mais do que isso. Nos primeiros anos de seu governo, a política fiscal foi ainda mais austera, aumentou a meta de superávit primário, elevou a taxa básica de juros e anunciou metas de inflação consideravelmente menores do que a efetivamente observada na economia (GIAMBIAGI, 2005b). Algumas pequenas mudanças ocorreram na sinalização da política econômica, que aos poucos foi deixando de seguir todas as orientações do modelo liberal-conservador, vigente desde 1999. A partir de 2006 estas mudanças tornaram-se mais claras e mostraram que o governo pretendia flexibilizar a política macroeconômica. O controle da inflação continuou sendo um pilar importante da política econômica, mas ela deixou de ser feita exclusivamente pela elevação da taxa de juros. Outros instrumentos de controle, como redução de impostos e o crédito agrícola, passaram a ser utilizados. O regime cambial continuou sendo o flutuante, mas o Banco Central soube aproveitar a oportunidade e acumulou reservas significativas, para intervir em momentos que julgar necessário. Além da responsabilidade fiscal, que não foi abandonada, passou a se prezar pela “responsabilidade social e responsabilidade com o ritmo e a qualidade do crescimento econômico” (SICSÚ, 2008, p.84) e, assim, as variáveis investimento e criação de empregos formais assumiram papel de destaque nos objetivos macroeconômicos, principalmente a partir da criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O aumento dos empreendimentos e do emprego formal, além de gerar renda para seus beneficiários diretos, gera aumento de receita para o governo, através do aumento da base tributária. Apesar de ter aumentado seus gastos e investimentos, o governo apresentou melhora em suas contas fiscais – a relação dívida/PIB diminuiu e o déficit nominal foi menor do que o recomendado. Pode-se dizer que se iniciou uma transição do modelo liberal-conservador para o modelo desenvolvimentista, com real capacidade de obter resultados eficazes de suas políticas sociais e de diminuição da pobreza e da desigualdade (SICSÚ, op. cit.). 74
Diferentemente da política econômica, desde o início do primeiro mandato, a política social do governo Lula apresentou diretrizes bem definidas no combate à pobreza e à desigualdade e acabou sendo a principal frente de combate à recessão econômica. Algumas prioridades foram estabelecidas, como políticas de governo, que deveriam ser implementadas, a despeito de seus impactos na elevação do gasto público. Foram elas: o aumento real do salário mínimo, que gera impactos positivos para os trabalhadores e também para os aposentados e pensionistas92, o reforço na provisão de seguro-desemprego, um forte instrumento anti-cíclico, e a unificação dos programas de transferência de renda já existentes no Bolsa Família e sua larga expansão. (CASTRO; RIBEIRO, 2009) A educação sofreu uma nova mudança progressista em 2006. Ampliou-se de oito para nove anos a duração, obrigatória, do ensino fundamental. Assim, as crianças passaram a ingressar na escola com seis anos, seguindo tendência internacional de educação obrigatória antes dos sete anos de idade. Em 2007, com o intuito de melhorar a baixa qualidade do ensino básico da rede pública e também de ampliar o acesso aos níveis não obrigatórios, foi criado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). A educação deveria ser vista como um sistema conexo entre seus diferentes níveis e tipos – básica (infantil, fundamental e médio), superior, profissional e educação de jovens e adultos (EJA) – que deveriam reforçar-se mutuamente. Foram seis os pilares estabelecidos: visão sistêmica da educação, territorialidade, desenvolvimento, regime de colaboração, responsabilização e mobilização social. A meta estabelecida pelo novo plano foi a de que, em 2022, a nota das escolas públicas brasileiras seja igual à média da OCDE de 2007 – seu ano de elaboração. Esta nota é dada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado com a finalidade de avaliar o desempenho das escolas, dos municípios e dos estados, ou seja, de monitorar o programa. Para se atingir este objetivo, juntamente com o PDE, foi instituído o Plano de Metas e Compromissos Todos pela Educação em que se responsabilizam as três esferas de governo, que devem atuar conjuntamente entre si e com a população (CORBUCCI et. AL. 2009). Além disso, o FUNDEF foi substituído pelo FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Sua estrutura bruta é semelhante ao fundo anterior, ou seja, continua 92
Há indicações de que a valorização do salário mínimo também gera impactos positivos para os trabalhadores informais e por conta própria (SABOIA, 2007).
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sendo um fundo de natureza contábil, com objetivo de redistribuir os recursos de acordo com o número de alunos em cada esfera. A grande diferença é que o FUNDEB visa garantir o financiamento para todo o ensino básico93 e não somente para o fundamental. Para tanto, o fundo teve de ser ampliado. O percentual de vinculação de receitas municipais e estaduais elevou-se de 15% para 20% do total arrecadado. A participação da União também aumentou e passou a 10% do valor total do fundo94. Em 2008 foi estabelecido um piso nacional para os professores da rede pública de educação básica, mais uma medida de valorização do magistério (MEC). Foi criado, em 2004, o Programa Universidade para Todos (ProUni) com objetivo de garantir o acesso à universidade a uma parcela da população que, sem alguma forma de intervenção, teria pequena, ou nenhuma, possibilidade de se graduar. O ProUni concede bolsas – integrais ou parciais95 – à estudantes de baixa renda em cursos superiores de instituições privadas que aderirem ao programa. Estas devem oferecer bolsas em 10% de suas vagas96 e, em contrapartida, recebem isenções fiscais. Apesar de ter recebido diversas críticas por estar promovendo isenção fiscal às instituições privadas ao invés de investir este recurso nas instituições públicas, Corbucci et. al. (2009) mostram que o gasto97 por aluno do ProUni é muito inferior ao gasto proporcional para o aumento das mesma quantidade de vagas nas instituições públicas. O senão que permanece é a questão da qualidade que, em muitas das universidades particulares, é duvidosa. Vale ressaltar que estas medidas não estão ocorrendo em detrimento de investimento nas universidades públicas. Pelo contrário. O ensino superior voltou a ser contemplado com políticas de expansão do número de docentes e técnico-administrativos, através de diversos concursos públicos. Como braço universitário do PDE foi instituído o Reuni – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, que propiciou o já mencionado aumento do quadro de funcionários, a criação de novas universidades 93
Como já dito anteriormente, inclui a educação infantil (creche e pré-escola), o ensino fundamental (independente se ainda de oito anos ou se já de nove anos de duração), o ensino médio, o ensino técnico e a educação de jovens e adultos. Inclui as instituições de ensino da área urbana e também das áreas rurais, indígenas e quilombolas. A única restrição é seguir a orientação das atuações prioritárias segundo a Constituição. Assim, os municípios devem utilizar os recursos do FUNDEB para a educação infantil e ensino fundamental e os estados para o ensino fundamental e médio (Ministério da Educação). 94 Foi estabelecido que a implementação do aumento de receitas deveria ocorrer de forma gradual, ao longo de três anos. 95 O critério para a concessão de bolsas é a renda familiar per capita. Pessoas que têm renda familiar per capita de até 3 salários mínimos estão aptas a receber bolsa, mas as integrais somente são concedidas aos que apresentam renda per capita de até 1,5 salários mínimos. 96 As bolsas devem ser proporcionais aos cursos, turnos e unidades, sem poder “acumular” em algum desses itens e “compensar” em outros. Em cada Estado, a concessão de bolsas deve respeitar a proporção de sua composição étnica. 97 Na realidade, o valor que não foi de arrecadado.
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federais, de novos campi em outros municípios. Além disso, visando à ampliação do acesso aos estudantes, foram estabelecidas políticas para aumento de vagas, através da criação de novos cursos e da ampliação da oferta de cursos noturnos. Pode-se dizer que apenas em 2004, com a aprovação de mais um PNAS, é que um novo modelo do sistema de assistência social ganhou real possibilidade de ser estruturado. A principal mudança foi a regulamentação do Sistema Único da Assistência Social (Suas)98 que pretendeu aumentar as garantias de acesso à população, realizar sua descentralização, determinar os princípios e as finalidades da assistência social, especificando responsabilidades para cada esfera de governo e afirmou a atuação pública como sendo, além de fundamental, central. A forma de financiamento também foi alterada. Passou a ser realizado automaticamente, baseada em pisos e critérios de partilha para agilizar o andamento de transferências e garantir a continuidade dos atendimentos. Assim, procurou-se assegurar maior autonomia aos municípios, pois não mais precisariam depender dos repasses de recursos por meio de convênios e negociações atrelados à projetos previamente definidos pela União99. Buscou-se acabar com a fragmentação do “sistema” de assistência social existente, que não apresentava garantias de proteção nem metas de cobertura. Seus objetivos foram ampliados e além da garantia de renda, passou a promover garantias de serviços para a socialização e integração, desenvolvimento de autonomia e defesa em situações de risco. Seu alvo de políticas passou dos segmentos populacionais (idosos, mulheres, etc.) para as seguranças de direitos, como mostram Jaccoud, Hadjab e Chaibub: Quanto às seguranças a serem garantidas – direitos e proteções ao conjunto da população – as novas regulamentações da Assistência Social pretendem superar uma visão centrada apenas no indivíduo, assim como visam atender a demandas amplas e diferenciadas, cujo objetivo de proteção não se restringe à temática da pobreza. Como decorrência, atualmente, a política de Assistência Social é entendida como responsável por garantir as seguintes seguranças: de acolhida, de renda, de convivência familiar, comunitária e social, de autonomia e de sobrevivência a riscos circunstanciais (2009, p.190). 98
Foram seis as diretrizes para implementação do Suas: reafirmação da responsabilidade pública na oferta da assistência social; uma gestão descentralizada e integrada; determinação e padronização das proteções sob responsabilidade do Estado; instituição da proteção por território e complexidade; estabelecimento das bases para promover atendimento integral; e previsão para integração das entidades privadas à rede pública de oferta de serviços. 99 Em 2005 foi aprovada nova NOB/Suas que consolidou o Suas como uma rede integrada de serviços, atrelou instrumentos para garantir a continuidade e padronização dos serviços (de oferta pública e privada) e detalhou suas normas de operação, definindo o papel de cada esfera de governo em relação à gestão e ao financiamento.
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Somente em 2003, com a aprovação do Estatuto do Idoso, é que a segunda redução na idade (para 65 anos) dos beneficiários do BPC aconteceu. Além disso, o benefício recebido por um membro idoso de uma família deixou de contar como parte da renda familiar per capita para a liberação do BPC para outro ente idoso100. Em 2007 ocorreu nova mudança na regulamentação do BPC, que alterou, principalmente, a “questão da deficiência”. Mudou-se a nomenclatura “pessoa portadora de deficiência” por “pessoa com deficiência”, com objetivo de alargar sua definição, como proposto na Loas. O conceito de incapacidade também foi modificado e passou a ser entendido como um fenômeno multidimensional, que engloba além da, já prevista, limitação para a realização das atividades, também a possibilidade de participação e integração do indivíduo. Assim, o processo de avaliação para a liberação do benefício sofreu alterações, que deixou de ser exclusivamente médico e passou a considerar aspectos sociais, “conjugando a análise das limitações físicas com o efeito dos fatores ambientais e sociais na limitação do desempenho de atividades” (JACCOUD, HADJAB E CHAIBUB, 2009 p 204). A perícia continuou a cargo do INSS, mas além da equipe médica é realizada também pela equipe de serviço social. Diante do caráter prioritário e emergencial concedido às políticas de combate à fome e à miséria, foi criado, sob responsabilidade do novo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa), o Cartão Alimentação, outro programa de transferência de renda. Este benefício concedia R$50,00 para famílias vulneráveis, como uma ação emergencial, dentre outras medidas do programa Fome Zero, com objetivo de garantir a segurança alimentar de toda a população. Alguns meses depois, em outubro de 2003, os quatro programas de transferência de renda condicionada que estavam em vigor – PETI, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação – e mais o Auxílio Gás101, foram unificados e se tornaram o Programa Bolsa Família (PBF). Este novo programa ampliou o público alvo, pois todas as famílias que viviam em extrema pobreza – independente de terem ou não crianças – deveriam receber o novo benefício. As consideradas pobres continuaram recebendo somente em caso de terem crianças de 6 a 15 anos. As condicionalidades também permaneceram: exames pré-natais regulares para as gestantes, freqüência escolar mínima de 85% e vacinação em dia para as crianças. Foram, então, designadas uma linha de extrema pobreza – renda familiar per capita de 100
Esta mudança não ocorreu somente para os idosos, não alterando o cálculo da renda familiar per capita para a liberação dos benefícios aos portadores de deficiência 101 Como já visto, o auxílio-gás não apresentava necessidades de contrapartidas pelos seus beneficiários. O critério de elegibilidade era somente a renda domiciliar per capita.
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até R$50,00 – e uma linha de pobreza – renda familiar per capita de até R$100,00. Para o primeiro grupo foi concedido um benefício fixo no valor de R$50,00, e para ambos os grupos benefício de R$15,00 por criança, para um máximo de três crianças por família. Ao longo dos anos ocorreram algumas mudanças com intuito de expandir o programa. Em 2006 os valores de referência das linhas de pobreza e extrema pobreza foram revistos e aumentados para R$120,00 e R$60,00 per capita, respectivamente. Em 2007 os valores dos benefícios foram alterados. O benefício básico passou para R$58,00 e o variável para R$18,00 por criança. Além disso, criou-se outro tipo de benefício, para os jovens de 16 e 17 anos, no valor de R$30,00, com o máximo de dois jovens por família. Nova alteração ocorreu em 2008 quando elevou-se, novamente, o benefício básico para R$62,00 e o variável para R$20,00102. Apesar dos avanços, aumento do público alvo e, conseqüentemente, da cobertura103 do programa, ainda há um considerável número de famílias pobres que não são beneficiárias do programa e “em que pese ser um benefício assistencial, o Programa Bolsa Família não pode ser identificado a um direito social” (op. cit. p. 216). Portanto, diferentemente do BPC, o PBF é uma política de governo e não de Estado. Mesmo após a emenda constitucional de 1998, os gastos da Previdência Social continuaram aumentando. Como mais uma forma de sinalizar que o novo governo iria respeitar os compromissos econômicos assumidos, em 2003, foi encaminhada outra proposta de emenda constitucional relativa à previdência. Seu principal objetivo era a aproximação das regras entre o RPPS e o RGPS. Na prática não foram tantas as mudanças e a isonomia procurada entre os dois sistemas não ocorreu. As regras para a aposentadoria dos servidores públicos ficaram um pouco mais rígidas e a fórmula para cálculo de seus benefícios também sofreu pequena alteração. No RGPS houve uma revisão do teto de contribuição, que voltou a ser de 10 salários mínimos. Houve, ainda, a previsão de criação do Sistema Especial de Inclusão Previdenciária, que garantiria o acesso a benefícios no valor de um salário mínimo aos trabalhadores de baixa renda. Outra emenda constitucional, que tramitou paralelamente no Congresso, foi também aprovada. Enquanto a primeira apresentou medidas mais restritivas, a segunda ampliou novamente os direitos previdenciários. Ela devolveu a paridade aos reajustes e permitiu a minoração dos limites etários para a aposentadoria aos beneficiários do RPPS. No 102 103
O limite de três crianças por família permaneceu. Hoje em dia o PBF beneficia mais de 11 milhões de famílias.
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âmbito do RGPS também alargou os direitos ao incluir, como beneficiários, as pessoas de famílias de baixa renda que realizem, exclusivamente, trabalho doméstico não remunerado, em sua própria residência. Estas pessoas, com precária inserção no mercado de trabalho, passaram a usufruir de um regime especial, que lhes garante um salário mínimo como benefício, mas que lhes exige menores alíquotas de contribuição. (RANGEL ET. AL., 2009). A política de acessibilidade a medicamentos sofreu mudanças em 2004 com a aprovação da Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF) que realizou uma revisão na relação dos medicamentos considerados essenciais para garantir à população o acesso a medicamentos estratégicos. Foi criado também o Programa Farmácia Popular, que subsidia até 90% do valor de diversos medicamentos genéricos. Em 2006, após uma avaliação que mudanças via normas operacionais não mais teriam resultados, foi estabelecido o Pacto pela Saúde104, que estabelece metas e compromissos entre as esferas de governo. No lugar da padronização presente nas NOBs, procurou-se respeitar as diferenças regionais. Apesar de ser uma melhoria por considerar as especificidades e necessidades de cada local, estas regras específicas tornam a negociação entre a União e demais esferas mais complexa e demorada. Foram propostas novas formas de gestão que permitem melhor controle dos gastos, avaliação realizada de acordo com os resultados obtidos e diminuição do uso político das unidades do SUS. Em 2007 a CPMF não foi renovada e a saúde perdeu uma fonte significativa de financiamento. Em 2008 foi apresentada proposta de criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), já aprovada pela Câmara, mas ainda em tramitação no Senado. Ainda está em tramitação a lei complementar da EC 29 e serão regulamentadas as questões da vinculação de recursos e do estabelecimento de quais os tipos de gastos que podem ser computados na rubrica da saúde para a comprovação do gasto mínimo constitucional. Há, então, uma grande esperança que haja um aumento dos recursos destinados à saúde (PIOLA ET. AL. 2009; FLEURY, 2008; MARQUES; MENDES, 2008). Este capítulo fez um acompanhamento das políticas desenvolvidas nas áreas da saúde, educação, previdência e assistência, desde a Constituição de 1988 até 2008. O
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Na realidade, foram três os pactos construídos: pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, englobados no Pacto pela Saúde.
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próximo, também fará um acompanhamento das quatro áreas, mas seu foco será a evolução dos gastos sociais.
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3. O GASTO PÚBLICO SOCIAL BRASILEIRO O estado de bem-estar social é baseado em três pilares: o bem-estar ocupacional, relacionado ao mercado de trabalho; o bem-estar fiscal, referente ao desenho do sistema tributário; e a política social propriamente dita, expressa através da provisão de bens e serviços públicos. Esta é considerada a ponta visível de um iceberg, por ser a esfera de maior associação direta com a política social e, além disso, ter toda uma estrutura de sustentação – as outras duas esferas – que são fundamentais para seu bom funcionamento e resultados desejados (TITMUSS, 1964). Portanto, para uma análise completa do estado de bem-estar social não basta analisar o gasto social. Deve-se observar, também, o padrão da arrecadação pública – se regressivo ou progressivo –, as políticas macroeconômicas e as de geração e valorização de emprego. Devido à complexidade e enorme extensão dos temas, estas esferas das políticas sociais, entretanto, não serão objeto de estudo deste trabalho. De qualquer forma, a análise do gasto público social “é uma boa aproximação disponível para mensurar a ação pública nas áreas sociais” (CASTRO ET. AL., p.4, 2009). É, portanto, uma forma de perceber a sinalização de prioridades do governo para as áreas sociais. O gasto social pode ser definido de diversas formas. Sob uma perspectiva mais abrangente, podem ser considerados os dispêndios nas áreas sociais tanto do governo quanto das famílias, das empresas privadas e das organizações não governamentais. Ou seja, além dos gastos do setor público, os do setor privado (RIBEIRO; FERNANDES, s/d). Apesar de este método contemplar todos os gastos sociais realizados na sociedade e gerar uma visão mais completa da esfera social, ele extrapola os limites da ação pública. Para uma análise da atuação do Estado na promoção de bem-estar, igualdade de oportunidades, combate à pobreza e inclusão social é o gasto público social, e não o gasto social total, que deve ser considerado. O gasto público social contempla os gastos sociais realizados nas três esferas de governo105. Apesar de a maior parte do gasto social brasileiro ser realizado pela União, uma análise mais próxima à real oferta de bens e serviços pelo setor público deve ser feita a partir do gasto público social total. Ou seja, além do gasto social da União deve ser levado em consideração, também, o gasto social das esferas subnacionais. Como visto no capítulo anterior, no Brasil, desde 1988,
105
Doravante, gasto social se referirá ao gasto público social e não à soma dos gastos sociais das esferas pública e privada.
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seguindo as diretrizes constitucionais, a descentralização de competências vem se intensificando, principalmente nas áreas de educação e saúde. Já as áreas da previdência e da assistência continuam bastante centralizadas. Por isso, ao considerar somente o gasto social federal, podem ocorrer algumas distorções na interpretação sobre as direções sociais prioritárias do Estado. Os gastos com educação ilustram um bom exemplo: ao examinar somente o gasto federal, cria-se uma falsa percepção de que quase não há investimento no ensino fundamental e médio, pois a maior parte destes gastos é realizada pelos estados e municípios. A análise do gasto social de apenas uma esfera nacional, se não for contextualizada pela estrutura federativa brasileira de divisão de competências, pode gerar superestimação de relevância para algumas áreas sociais e subestimação para outras. A consolidação dos gastos sociais, porém, não é trivial, como será visto adiante, nas considerações metodológicas. Por causa da dificuldade de trabalhar com os dispêndios das três esferas governamentais e, também, por grande parte do gasto social total ser realizada pelo governo federal106, muitos trabalhos utilizam, apenas, o gasto social federal como base para análise107. Esta dissertação utiliza tanto os dados de gasto social federal, mais completos e detalhados, todavia para um período menor (de 1995 a 2005), quanto os dados para as três esferas de governo para o período completo (de 1988 a 2008), entretanto, em funções mais agregadas108. Sabemos que as políticas públicas sociais – e, conseqüentemente, o gasto social – engloba, além da assistência, da previdência, da saúde e da educação, diversas áreas como organização agrária, proteção ao meio ambiente, trabalho, ciência e tecnologia e alimentação e nutrição, dentre outras. Entretanto, neste trabalho, as áreas escolhidas foram assistência, previdência, saúde e educação109, por serem consideradas, desde a promulgação da Constituição de 1988, como direito da população e dever do Estado, por terem um papel fundamental na promoção de igualdade de oportunidades para a população e por serem as áreas sociais que apresentam os maiores gastos – em 2008, 106
Na maioria dos anos analisados, o governo federal é responsável por mais de 50% do gasto social. 107 O texto para discussão 598 do IPEA “Gasto Social das Três Esferas de Governo – 1995”, Fernandes et. AL., 1998, é um dos poucos trabalhos que fez a consolidação dos dados de gastos sociais. Sua base de dados é completa, a dupla contagem foi retirada e ele analisa todas as áreas sociais, pelo conceito de área de atuação. Originalmente, como mostra o texto, a idéia era que este trabalho fosse contínuo e replicado para os anos seguintes. Porém, como nos diz Castro et. AL., 2009, não foi possível realizar esta desejada continuidade “parte por exigir intenso esforço de interlocução e cooperação interinstitucional, parte pelo volume de recursos envolvidos” (p. 9). 108 As especificidades e considerações metodológicas de cada base de dados serão explicitadas na próxima seção – considerações metodológicas. 109 Como será explicitado, para a análise destas quatro áreas, tiveram de ser incluídas outras duas – cultura e saneamento – por falta de dados desagregados para os anos iniciais.
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representavam 86% do gasto social total com assistência, previdência, saúde, saneamento, educação, cultura, direitos de cidadania, habitação, urbanismo, trabalho, gestão ambiental, ciência e tecnologia e organização agrária. Este capítulo pretende mostrar as tendências dos gastos sociais brasileiros de 1988 a 2008, em uma tentativa de perceber se os preceitos constitucionais de universalização e inclusão social foram seguidos. Para tanto, faz um amplo levantamento dos gastos sociais em educação, previdência, assistência e saúde, para as três esferas de governo desde 1988 até 2008. Para uma melhor compreensão de resultados, além dos dados sobre os gastos sociais, também são utilizados alguns indicadores, que mostram as condições sociais da população (como pobreza e desigualdade) ou dos serviços oferecidos (como a colocação do sistema educacional no PISA). Ainda, um breve panorama sobre debates atuais que permeiam as políticas sociais brasileiras, em uma tentativa de mostrar as perspectivas futuras. Ao longo do processo de levantamento de dados, algumas limitações foram encontradas. Essas limitações estão explicitadas na primeira seção desse capítulo que trata das considerações metodológicas do trabalho. No capítulo, há ainda, mais duas seções. A segunda retrata o gasto público social brasileiro ao longo do período que se inicia em 1988 e vai até 2008. Para uma visualização mais completa, esta seção está divida em subseções. A primeira traça um panorama geral acerca dos gastos, indicando a principal tendência em relação ao total despendido, ao gasto per capita e ao gasto como proporção do PIB. Além disso, apresenta alguns indicadores sociais, para que se tenha um quadro geral da sociedade brasileira no período, relacionado à trajetória dos gastos. As outras duas subseções tratam, respectivamente, do ajuste interno entre as políticas sociais – sinalizando quais áreas foram ganhando ou perdendo espaço na agenda pública – e da descentralização das políticas sociais – quais esferas vêm aumentando ou diminuindo sua participação nos gastos sociais. A terceira e última seção do capítulo analisa a trajetória e tendência de cada um das quatro áreas sociais em separado, mostrando suas principais subfunções e alguns possíveis indicadores sobre seus serviços. Para tanto, está divida em quatro subseções que tratam, respectivamente, da previdência, da assistência, da saúde e da educação. 3.1 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS
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A Secretaria do Tesouro Nacional (STN) disponibiliza, através de seu site, um banco de dados bastante significativo, com informações sobre o gasto público dos municípios, dos estados e da União. Neste capítulo, o banco de dados da STN é a principal fonte utilizada para analisar os gastos sociais das três esferas de governo. Contudo, é necessário que algumas ressalvas sejam feitas para que não haja equívocos na interpretação desses dados. Primeiramente, é importante dizer que os dados utilizados são disponibilizados por funções. Isto quer dizer que neles estão inclusos, além dos gastos realmente empregados com a finalidade social de sua rubrica, gastos administrativos e benefícios previdenciários e assistenciais. Ou seja, os gastos com professores aposentados, por exemplo, são computados na função educação e não na função previdência, como deveriam ser realizados. Os gastos administrativos, que não necessariamente refletem suas reais finalidades, também são alocados nas funções e subfunções (CASTRO ET. AL. 2009). Uma segunda questão que deve ser mencionada é a dificuldade de agregar, de forma correta, os gastos sociais de municípios, estados e União para se chegar ao gasto social consolidado, ou seja, o gasto social total. Devido à falta de detalhamento dos dados, apenas é possível ter informação sobre a transferência total de recursos entre as esferas de governo, mas não há como saber o valor das transferências realizadas em cada uma das áreas. As transferências intergovernamentais fazem parte do orçamento de ambas as esferas – da que realizou a transferência e da que a recebeu. Assim, ao realizar uma soma simples dos valores despendidos por todos os entes do governo, haverá dupla contagem destes recursos que foram transferidos de uma esfera à outra. Para chegar ao valor real do gasto social consolidado, o montante das transferências intergovernamentais deve ser descontado. É muito importante ressaltar que no site da STN a consolidação dos gastos é realizada de forma equivocada, pois, para calcular esta informação, em cada uma das áreas, eles somam os gastos de cada ente da federação, sem descontar as transferências. Ou seja, os dados disponibilizados pela STN apresentam dupla contagem e, por isso, estão superestimados. Infelizmente, por causa da já mencionada falta de detalhamento dos dados, será utilizada neste capítulo, como uma proxi do gasto público social total, a soma simples dos gastos das três esferas de governo. As informações para os gastos municipais por função passaram a ser divulgadas apenas a partir de 1996. Para os anos iniciais (1988 A 1995), somente os dados das capitais estão disponíveis. Observando a relação entre os gastos das capitais e dos 85
municípios, para os anos de 1996 a 2008, foi possível perceber que seguiram um padrão relativamente estável, sem grande variação110. Portanto, seguindo a suposição de que este padrão deveria ser o mesmo para os anos de 1988 a 1995, foi possível estimar os valores dos gastos municipais para este período, de acordo com a metodologia proposta por Castro, K. P. (2009). Para os gastos orçamentários, ou seja, sociais e não sociais, há informações sobre dados municipais. A série disponibilizada no site da STN, somente começa em 1989111. Portanto, para o ano de 1988, o “gasto social total” diz respeito ao gasto da União, dos estados e das capitais, ao invés dos municípios em geral. No decorrer dos anos, os dados tornaram-se cada vez mais desagregados. No início da série, os dados eram divulgados para cada duas funções, possivelmente consideradas “similares”, pois, normalmente, sob comando de um único ministério. Os dados, então, eram disponibilizados da seguinte forma: educação e cultura; assistência e previdência; e saúde e saneamento. Somente em 2000, para a União, e em 2002, para os estados e municípios, é que os dados passaram a ser divulgados, em separado, para cada uma das áreas. Neste estudo, para tentar minimizar o problema referente à falta de desagregação para os anos iniciais, a análise será realizada de duas formas. Os dados serão analisados nas “funções conjuntas” para a série completa – 1988 a 2008 – e, também, para cada função, em separado, a partir de sua disponibilidade. Outra ressalva importante a ser dita é que ao longo do período aqui analisado, o país passou por cinco diferentes padrões monetários. De 28/02/1986 a 15/01/1989 o padrão monetário era o Cruzado (Cz$). De 16/01/1989 a 15/03/1990 o Cruzado Novo (NCz$). De 16/03/1990 a 31/07/1993 o Cruzeiro (Cr$). De 01/08/1993 a 30/06/1994 o Cruzeiro Real (CR$). A partir de 01/07/1994 o Real (R$). Por isso, houve a necessidade de converter os valores do período de 1988 a 1993 para o Real. De acordo com o Banco Central do Brasil, as conversões devem ser realizadas conforme as seguintes fórmulas: De Cruzado (Cz$) para Real (R$):
R$ = Cz$ ÷ (2750 X 10002)
De Cruzado Novo (NCz$) para Real (R$):
R$ = NCz$ ÷ (2750 X 1000)
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Para o período de 1996 a 2008, as participações dos gastos das capitais em relação aos gastos dos municípios apresentaram os seguintes desvios-padrão: assistência e previdência 0,03, saúde e saneamento 0,03 e educação e cultura 0,02. 111 Os gastos municipais orçamentários não seguiram um padrão relativamente estável e, assim, sua estimação poderia não ser uma boa aproximação.
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De Cruzeiro (Cr$) para Real (R$):
R$ = Cr$ ÷ (2750 X 1000)
De Cruzeiro Real (CR$) para Real (R$):
R$ = CR$ ÷ 2750
Para os anos em que ocorreram mudanças no padrão monetário, a STN disponibiliza os dados já com os valores da nova moeda112. Assim, os dados de 1989 estão disponíveis em Cruzado Novo; os de 1990 em Cruzeiro; os de 1993 em Cruzeiro Real; e os de 1994 em Real. Após a transformação de todos os dados para o mesmo padrão monetário – Real – eles foram deflacionados para o ano de 2008. O deflator ideal para se usar na atualização dos gastos sociais do governo seria um que utilizasse, para o seu cálculo, exatamente os bens e serviços ofertados e consumidos pelo governo. Porém, este deflator não existe. Dentre os índices existentes, o mais adequado para este cálculo é o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI)113. Na realidade, ele é um índice sintético, calculado pela média ponderada de outros três índices: o Índice de Preços no Atacado (IPA), o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e o Índice Nacional da Construção Civil (INCC). Parte do gasto público, por ser de grande escala, é realizada no mercado de atacado. O Estado realiza diversas obras e investimentos de infra-estrutura, ou seja, realiza gastos no setor de construção civil. Há, ainda, parte considerável do gasto público que é realizada por meio de transferência às famílias, como, por exemplo, o pagamento dos salários, das aposentadorias e dos benefícios assistenciais, ou seja, o setor público financia, parcialmente, o consumo privado. Portanto, o IGP-DI é sensível a diversos componentes do gasto público e, na ausência de um deflator ideal, foi o escolhido114 (CASTRO ET. AL. 2009). As informações referentes ao gasto social federal de 1995 a 2005 foram disponibilizadas pela Diretoria de Estudos Sociais (DISOC) do IPEA115. Eles estão organizados de acordo com a finalidade dos gastos, e não pela sua função 112
Vale relembrar que os dados da STN são anuais. Portanto, eles têm que estar disponibilizados em um único padrão monetário, já realizadas as conversões dos meses de vigor da antiga moeda. 113 O IGP-DI é calculado pela Fundação Getúlio Vargas. Sua série completa pode ser facilmente acessada através do IPEADATA. 114 A série utilizada é a disponível no IPEADATA e tem como base agosto 1994 = 100. 115 As informações utilizadas pela DISOC são provenientes do Sistema Integrado de Dados Orçamentários (SIDOR), alimentados pelo Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal (SIAFI) e da Caixa Econômica Federal, para os recursos provenientes do FGTS – fonte de financiamento importante para as áreas de saneamento e habitação. A base SIDOR/SIAFI apresenta acesso restrito.
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programática116. Como já visto, esta forma de utilização dos dados proporciona uma maior proximidade com o que, de fato, é despendido em cada uma das áreas sociais. Para todos os anos da série a finalidade é única, ou seja, os dados para educação estão separados dos da cultura, os da previdência podem ser vistos dissociados dos da assistência, etc. Além disso, há informações sobre alguns programas relevantes que merecem ser analisados, como, por exemplo, o BPC e o PBF. É possível, também, distinguir os gastos do RGPS e do RPPS. Como o período de análise não apresentou mudança no padrão monetário, para trazer as informações a valor presente (Real de 2008), somente foi necessário deflacionar os dados. O deflator utilizado foi, pelos motivos acima explicados, o IGP-DI. Os dados para educação do período de 1995 a 2005 foram retirados de Castro e Duarte117, uma vez que oferece, sobre a mesma metodologia do IPEA, além do gasto federal o gasto estadual e municipal. No referente trabalho, os dados estão apresentados em valores constantes de 2005, deflacionados pelo IPCA médio. Para uma melhor comparação com as demais áreas (todas em valores constantes de 2008, deflacionadas pelo IGP-DI médio), foi necessário trabalhar os dados. Primeiramente, foi necessário retornar as informações para seus valores correntes, dividindo seus valores pelo deflator de IPCA médio com base 2005. Uma vez com os dados em valores de reais correntes, o procedimento foi o mesmo já citado, ou seja, multiplicou-se os valores pelo deflator de IGP-DI médio com base 2008. Assim, todos os dados deste capítulo referentes a valores estão em valores constantes de 2008, deflacionados pelo IGP-DI. 3.2. ANÁLISE DO GASTO PÚBLICO SOCIAL: 1988 – 2008 3.2.1 UM PANORAMA GERAL Nestes 20 anos pós Constituição, a política social brasileira, de um modo geral, expandiu-se resultando no alargamento dos direitos sociais. Conseqüentemente, os gastos sociais também apresentaram um aumento – seu valor foi triplicado. Este aumento não ocorreu de forma linear, nem no tempo, nem entre as diferentes funções. O 116
Para maiores informações sobre a metodologia utilizada pela DISOC/IPEA ver Castro et all. 2009. As fontes primárias de dados utilizadas são: Ipea/Disoc, IBGE/MP, STN/Siafi, MEC/Inep e Almeida, I.C., Gastos com educação no período de 1994 a 1999. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v.82, n.200/201/202, p.137-198, jan/dez 2001. Para maiores informações, ver Castro e Duarte, p. 13. 117
88
maior aumento de gasto foi realizado nas áreas de previdência e assistência que teve seu orçamento ampliado de 65 bilhões de reais em 1988 para mais de 350 bilhões em 2008. Isto pode ser explicado pelo aumento de clientela da previdência, bem como pela sua impossibilidade de corte de gastos. Saúde e saneamento tiveram seus gastos aumentados de 51 bilhões para 154 bilhões de reais em 2008. Educação e cultura foram as áreas que apresentaram o menor aumento, passando de pouco mais de 100 bilhões em 1988 para cerca de 154 bilhões em 2008 e, também, sofreram o maior número de períodos com diminuição em seus gastos Além disso, estas áreas perderam importância relativa no gasto social, uma vez que em 1988 eram as que mais recebiam recursos públicos e perderam sua posição, apresentando, em alguns anos, os menores aportes monetários. O Gráfico 1 mostra a evolução dos dispêndios e a Tabela 4 a variação dos gastos, ano a ano, para cada área.
Assistência e Previdência Educação e Cultura
700.000,00
Saúde e Saneamento Total
600.000,00 500.000,00 400.000,00 300.000,00 200.000,00 100.000,00
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
Milhões de Reais Constantes de 2008
Gráfico 1 - Gasto Social "Consolidado" por Função
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA-FGV
Além do valor nominal do gasto, é muito importante analisar, também, sua relação com o PIB, principalmente na análise de períodos. Assim, é possível observar se as variações dos gastos das políticas sociais estão ocorrendo como uma proporção maior ou menor do que a economia como um todo. Ou seja, qual a relevância dos gastos sociais dentro da economia do país. Outro agregado que deve ser utilizado é o gasto per capita, representando o gasto real. Sua importância decorre do fato de que mesmo com o aumento nominal do valor gasto em uma rubrica, a sociedade pode estar se beneficiando 89
relativamente menos, uma vez que a população tenha crescido a uma taxa maior do que a do aumento dos gastos. Os gráficos 2 e 3 retratam, respectivamente, a evolução dos gastos sociais em relação ao PIB e o gasto social per capita total e de cada área.Na Tabela 4 também podem ser vistas as variações, ano a ano, destas variáveis de análise dos gastos sociais.
Gráfico 2 - Participação do Gasto no PIB Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
Total
25%
% PIB
20% 15% 10% 5%
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
0%
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA - IBGE
Grosso modo, as tendências são similares para as três séries. Em todas as áreas, tanto o gasto em relação ao PIB quanto o gasto per capita apresentaram crescimento ao longo do período. Pode-se dizer, então, que o gasto social real aumentou e, também, que expandiu sua importância dentro da economia brasileira. Porém, estes apresentaram uma menor variação do que o gasto corrente. O gasto social per capita aumentou em 1,2 vezes o seu tamanho, passando de pouco mais de R$1500,00 para cerca de R$3500,00. O gasto per capita com educação e cultura, ao longo destes vinte anos, aumentou apenas R$96,00, ou seja, 13%. Saúde e saneamento mais do que dobrou seu orçamento per capita e assistência e previdência mais do que quadruplicou.
90
Gráfico 3 - Gasto Social per Capita Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
Total
Reais Constantes - 2008
4.000,00 3.500,00 3.000,00 2.500,00 2.000,00 1.500,00 1.000,00 500,00 2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
-
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA - IBGE, IPEADATA-FGV
Foi possível observar uma clara tendência de aumento dos gastos sociais (tanto nominal quanto real) nos dois primeiros anos da série, provavelmente já sob o impacto da nova Constituição. De 1990 a 1992, no governo Collor, há uma queda nos valores dispendidos na área social, com recuperação em 1993, seguindo tendência de elevação até 1998 (governos Itamar e primeiro FHC). Em 1999, ano do início da política de superávit primário (com forte impacto no ajuste fiscal), há uma retração nos gastos, que mantém tendência de baixa até 2003 (segundo mandato de FHC e primeiro ano do governo Lula). No ano de 2003, eles tenderam a diminuir ainda mais, como resposta ao “compromisso fiscal” prometido por Lula. Ao longo deste período, alguns anos apresentaram expansão de seus gastos, mas não foram suficientes para retornar ao nível de 1998 – isto ocorreu somente em 2005, para o gasto social nominal, e em 2006, para o gasto social per capita. A partir de 2004 os gastos voltam a aumentar e seguiram em tendência de crescimento até o final do período (governos Lula).
91
Tabela 4 - Variação do gasto em relação ao ano anterior Gasto em Reais Constantes de 2008 Gasto/PIB Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura Total
Assistência e Previdência
Saúde e Educação Saneamento e Cultura Total
Gasto per Capita
Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura Total
1989
73,51%
17,14%
9,20%
30,37%
70,05%
14,81%
7,01%
27,77%
70,28%
14,96%
7,16%
27,94%
1990
74,45%
-10,04%
-1,29%
27,15%
82,60%
-5,84%
3,31%
33,09%
71,36%
-11,63%
-3,04%
24,90%
1991
-25,53%
41,55%
-12,88% -11,73%
-26,56%
39,58%
-14,09%
-12,96%
-26,78%
39,17%
-14,34%
-13,21%
1992
0,21%
4,81%
-7,50%
-1,00%
2,87%
7,59%
-5,05%
1,63%
-1,41%
3,12%
-8,99%
-2,60%
1993
26,18%
9,90%
7,66%
16,90%
26,41%
10,10%
7,86%
17,11%
24,18%
8,16%
5,95%
15,05%
1994
0,64%
-2,94%
9,84%
2,16%
1,85%
-1,78%
11,16%
3,38%
-0,94%
-4,46%
8,12%
0,56%
1995
18,52%
13,03%
9,04%
14,66%
-1,78%
-6,34%
-9,64%
-4,98%
16,70%
11,29%
7,36%
12,89%
1996
11,87%
-8,58%
-2,53%
3,54%
3,91%
-15,09%
-9,46%
-3,83%
10,17%
-9,97%
-4,01%
1,97%
1997
1,93%
10,02%
-6,76%
1,36%
-1,16%
6,69%
-9,58%
-1,70%
0,40%
8,37%
-8,16%
-0,16%
1998
12,82%
4,18%
37,38%
16,58%
12,40%
3,80%
36,87%
16,14%
11,14%
2,63%
35,34%
14,84%
1999
-2,77%
1,42%
-1,68%
-1,68%
-0,47%
3,81%
0,64%
0,64%
-4,21%
-0,09%
-3,14%
-3,14%
2000
-4,64%
3,33%
-7,08%
-3,73%
-2,03%
6,15%
-4,54%
-1,10%
-6,04%
1,81%
-8,45%
-5,15%
2001
-1,42%
9,56%
3,62%
2,20%
-1,46%
9,53%
3,58%
2,16%
-2,86%
7,97%
2,11%
0,71%
2002
0,83%
3,22%
-2,90%
0,39%
0,84%
3,23%
-2,89%
0,40%
-0,60%
1,76%
-4,27%
-1,03%
2003
-4,34%
-9,80%
-10,03%
-7,05%
2,12%
-3,71%
-3,95%
-0,78%
-5,65%
-11,03%
-11,26%
-8,32%
2004
7,50%
9,76%
-5,24%
4,87%
2,97%
5,14%
-9,23%
0,46%
6,09%
8,32%
-6,47%
3,51%
7,22% 7,91% 7,26% 7,39% 2,73% 2005 12,91% 12,92% 12,64% 12,85% 4,08% 2006 5,00% 1,93% 7,05% 4,73% -1,76% 2007 2,55% 5,02% 7,36% 4,21% 1,03% 2008 440,35% 202,31% 52,18% 203,86% 270,21% 2008-1988 Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA – IBGE, IPEADATA - FGV
3,39% 4,09% -4,63% 3,46% 107,12%
2,76% 2,89% 3,84% 4,03% 0,15% -2,02% 5,77% 2,66% 4,26% 108,18%
5,89% 11,58% 3,84% 1,49% 302,71%
6,57% 11,59% 0,81% 3,93% 125,30%
5,92% 11,32% 5,87% 6,25% 13,42%
6,06% 11,53% 3,57% 3,13% 126,46%
92
O gasto social em relação ao PIB apresentou um comportamento um pouco distinto, em alguns anos, dos gastos nominal e real. No início do período o comportamento é bastante similar: nos dois primeiros anos a participação das políticas sociais na economia brasileira também aumentou e, no começo do governo Collor, diminuiu. De 1991 para 1992 sua participação no PIB aumentou, porém, isto se deveu a uma retração do PIB de maior magnitude que a queda no volume total de recursos sociais. No governo Itamar os gastos sociais recuperam sua importância relativa na economia, com crescimento nos três indicadores. Até aqui, pouco diferença. Porém, no período de 1994 a 1997, em que houve aumento do gasto social, este perdeu importância relativa na economia, uma vez que ocorreu queda de seu percentual no PIB. Em 1998 há uma considerável elevação desta relação, devido ao aumento do volume gasto na área social e, também, a quase estagnação da economia, que apresentou crescimento de 0,04%. Neste ano, além do aumento nos gastos com previdência e assistência – que, apesar de já estarem crescendo, apresentaram uma aceleração com a “corrida pela aposentadoria” causada pela aprovação da reforma previdenciária, em 1998 – ocorreu, também, um aumento significativo nos gastos com educação e cultura. De 1998 a 2004 a relação gasto social/PIB manteve-se relativamente constante, oscilando entre 20% e 20,5%118. Neste período, a participação no PIB da previdência e assistência e, também, da educação e cultura não oscilaram muito, mas apresentaram tendencia de baixa. As primeiras tiveram aumento da participação a partir de 2002, mas apenas em 2004 é que ela foi maior que a de 1998. Já educação e cultura, apresentarm um comportamento com mais oscilações, mas a tendência de queda se manteve até 2004 e, apesar de nos anos seguintes ter voltado a aumentar sua participação na economia, ainda não foi o suficiente para retornar ao seu patamar de 1998. A área de saúde e saneamento apresentou crescimento de sua participação econômica, exceto no ano de 2003, que teve uma pequena queda. A partir de 2004 a tendência foi de aumento de participação de todas áreas sociais na economia, exceto em 2007, ano que estas relações diminuiram um pouco, devido ao elevado crescimento do PIB (6,09%, o maior do período analisado). Nestes 20 anos, o gasto social total dobrou o seu tamanho em relação ao PIB: em 1988 o governo brasileiro gastava cerca de 10% do PIB nas áreas sociais e passou a gastar pouco mais de 22% em 2008. 118
A seqüência completa para estes anos foi: aumento de 1998 para 1999; uma queda no ano seguinte, quando apresentou o menor valor do período (20,04%); crescimento em 2001 e 2002, com o maior valor do período (20,56%); uma nova queda em 2003; e um aumento, marcando o início da recuperação desta relação.
93
O quadro 1, a seguir, apresenta um resumo, por período presidencial, do gasto público social, do gasto público total, do crescimento da economia e de suas restrições externas. Como pode ser visto no quadro 1, em todos os governos analisados, de Sarney a Lula, ocorreu algum tipo de ajuste fiscal. O governo Collor apresentou um decrescimento do PIB e no gasto público total, mas, apesar disso houve um aumento no gasto social total em relação ao governo Sarney. Em 1991, porém, houve uma queda nos gastos sociais, mas a elevação do primeiro ano foi suficiente para deixar a variação do período positiva. Apesar do considerável ajuste fiscal do governo Itamar – que ocorreu como preparação para a implantação do Plano Real – e do acordo firmado com o FMI no primeiro governo FHC, O GPT e o GST cresceram em ambos os períodos e, de forma acelerada. O PIB e a relação GST/GPT também cresceram nos dois períodos, mas já apresentaram uma “desaceleração” no primeiro governo de FHC. O segundo governo de FHC foi fortemente marcado pelo início das políticas de superávit primário, com significativos impactos para os gastos públicos. Como pode ser visto, o PIB se desacelerou ainda mais, o GPT e o GST apresentaram retração e os gastos sociais perderam um pouco de sua importância relativa dentro dos gasto públicos. O primeiro governo Lula apresentou um forte ajuste fiscal no primeiro em 2003, como uma forma de sinalização ao mercado e comprometimento da “Carta aos Brasileiros”. Os dados para 2003 retratam diminuição no GST, na relação GST/GPT, desaceleração no PIB e um pequeno aumento no GPT. Mas, a partir de 2004, mesmo com a manutenção da política de superávit primário, essas tendências do primeiro ano foram revertidas. O balanço final do primeiro governo Lula foi de aumento (e aceleração) das quatro variáveis em questão. O fim do acordo com o FMI, em 2005, foi uma importante diferença, pois permitiu ao governo uma maior liberdade em suas políticas macroeconômicas – como visto no segundo capítulo. Os dois primeiros anos do segundo governo Lula apresentaram a maior taxa de crescimento do PIB nesses 20 anos. Porém, houve uma diminuição no GPT e o GST aumentou, mas a taxas menores que em seu primeiro governo. Como pode ser visto com o aumento da relação GST/GPT, os gastos sociais ganharam ainda mais relevância dentro da agenda de gastos públicos.
94
Quadro 1 - PIB, GST, GPT por governo Taxa de crescimento médio do PIB
Sarney (19881989) Collor (1990-1991) Itamar (19921994)
Taxa de variação do GPT no período
1,55% -
Taxa de variação GST/GPT do GST no (média do período período)
-
-1,66%
-30,77%
12,2%
3,18%
33,95%
18,2%
2,49%
62,26%
40,3%
Ajuste Fiscal e Restrição externa
Acordo Provisório FMI para renegociação 27,8% da dívida Início das 28,9% privatizações Forte ajuste fiscal - Adesão ao Plano 31,5% Brady
31,1% Acordo com FMI Acordo com FMI - Início da Política de Superávit FHC II (19992,13% -12,49% -2,9% 29,2% Primário 2002) Forte ajuste fiscal em 2003 - Fim do acordo com FMI (2005) Manutenção Política Superávit 3,49% 17,55% 18,1% 30,1% Primário Lula I (2003-2006) Manutenção da Política de Superávit Lula II (20075,61% -5,03% 9,1% 34,7% Primário 2008) Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA – IBGE, Informações contidas neste trabalho. FHC I (1995-1998)
3.2.1.1 ALGUNS INDICADORES SOCIAIS Para saber se os gastos sociais estão, de fato, tendo impactos sobre a realidade social é interessante analisar alguns indicadores, como o percentual de pobreza e extrema pobreza da população, a taxa de desemprego, de informalidade e o IDH. Dada a realidade brasileira, de muita pobreza e desigualdade, indicadores sobre estes temas são boas fontes de informação sobre a situação social do país. O gráfico 4 mostra o percentual de pessoas pobres e indigentes no Brasil. As duas séries apresentam um movimento bastante similar, mas a população indigente diminuiu a taxas ainda maiores do que a população pobre no período analisado, -64% e -48%, respectivamente. Houve 95
uma primeira grande queda em ambos os indicadores de 1993 a 1995, intervalo que além de ter apresentado um aumento do gasto social (nominal e per capita) também teve a introdução do Real, que gerou estabilização monetária. Como já visto no capítulo anterior, os pobres são os mais afetados pela alta inflação, uma vez que não têm acesso à mecanismos anti-inflacionários, como aplicações. Assim, a estabilização monetária teve um forte impacto na diminuição da pobreza e da miséria. No período de 1995 a 2003 o percentual de pessoas que viviam abaixo das linhas de pobreza e miséria119 se manteve relativamente constante, em torno de 35% e 15%, respectivamente. A partir de 2004 estes índices voltam a decrescer: o percentual de pobres caiu de 34% para 23% e o de miseráveis de 13% para 8% da população. Esta melhora na renda da população é efeito de um aumento mais acelerado tanto do gasto social quanto do PIB a partir de 2004. O Índice de Gini é um “indicador clássico” de desigualdade120. Como pode ser observado no gráfico 5, ele apresentou um período de queda entre 1989 e 1992, seguido de uma elevação em 1993 e considerável estagnação – com viés ligeiramente de baixa – entre 1993 e 2001. A partir de 2001 ele revela que a desigualdade de renda brasileira começou a cair acentuada e continuamente. De 2001 a 2008 o Índice de Gini diminuiu oito pontos percentuais – de 0,596 para 0,547. Segundo Barros et all. (2010) esta queda no Índice de Gini é proveniente principalmente do aumento da renda no trabalho121 – responsável por 52% da queda do gini – e da renda não trabalho122 – que explicam 40% da diminuição do Gini. Por sua vez, a diminuição na desigualdade verificade no período recente também contribuiu para a diminuição da pobreza.
119
A linha de extrema pobreza (indigência) apresentada no Ipeadata é estimada a partir de metodologia desenvolvida pela comissão IBGE-IPEA-CEPAL que define uma cesta básica de alimentos que satisfaça os requisitos nutricionais em cada região brasileira. Uma vez definidos os produtos mínimos necessários, a linha foi valorada de acordo com preço médio dos mesmos para as regiões metropolitanas. A linha de pobreza é o dobro da linha de indigência. Para mais esclarecimentos, ver 120 Vale dizer, que o Índice de Gini no Brasil somente consegue captar a renda do trabalho, de aposentadorias e pensões. Se fosse possível mensurar todos os rendimentos, tais como o rendimento de juros, sem dúvida este indicador revelaria uma situação de desigualdade ainda maior. 121 O aumento da renda no trabalho é proveniente tanto do aumento dos postos de trabalho quanto do aumento real dos salários. Pode-se dizer então que sofre influência da taxa de crescimento do PIB – influenciando a quantidade de trabalho demandada – e a política de valorização real do salário mínimo. 122 A renda não trabalho é a proveniente de transferências de renda por parte do governo, como os programas de transferência de renda condicionada e o BPC e, também, aposentadorias e pensões.
96
Gráfico 4 - População Pobre e Indigente
% População
pobreza
indigência
50% 45% 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 198819891990199219931995199619971998199920012002200320042005200620072008 Obs: Dados não disponíveis para os anos 1991, 1994 e 2000
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA - IBGE
Gráfico 5 - Índice de Gini Gini 0,66 0,64 0,62 0,6 0,58 0,56 0,54 0,52 2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
1999
1998
1997
1996
1995
1993
1992
1990
1989
1988
0,5
Obs: Dados não disponíveis para os anos 1991, 1994 e 2000 Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA - IBGE
Apesar deste trabalho não tratar das políticas de trabalho, os indicadores da taxa de desemprego e do grau de informalidade são importantes indicadores sociais. Os desempregados não recebem rendimentos, exceto os “desempregados formais” que recebem o seguro desemprego – este é garantido por no máximo cinco meses e equivalente a até 80% do salário, com valor máximo de R$954,21 (Ministério do Trabalho e Emprego, 2010). Ou seja, encontram-se em situação de privação e contenção 97
de gastos e, consequentemente, de queda de bem-estar. Por sua vez, os trabalhadores informais estão despotregidos de toda a legislação trabalhista, como o próprio seguro desemprego, o abono salarial, a contribuição para a previdência, direito a férias e 13º salário,
licença
maternidade,
etc.
Assim,
apresentam-se
em
situação
de
vulnerabilidade123. Os gráficos 6 e 7 retratam a taxa de desemprego124 e o grau de informalidade125 no mercado de trabalho brasileiro126.
Gráfico 6 - Taxa de desemprego Taxa de desemprego 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Obs: Dados não disponíveis para os anos 1988 a 1991, 1994 e 2000 Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA – DISOC/IPEA
A taxa de desemprego apresentou várias inflexões nestes 15 anos analisados. Entre os anos de 1995 a 2003, a tendência foi de alta e a partir de 2005, de queda. Fazendo uma relação com os gastos sociais, não é possível perceber uma clara relação entre eles – talvez por este trabalho não tratar dos gastos sociais em trabalho. Mas ao comparar esta série com o crescimento do PIB para os mesmos períodos, pode-se perceber uma clara relação inversa entre elas, ou seja, os períodos de aumento na taxa de desemprego são aqueles que apresentam um menor crescimento do PIB e vice versa. Esta é, 123
Além da diminuição de bem-estar direta, as situações de desemprego ou emprego informal geram, também, um estigma para as pessoas, influenciando negativamente na satisfação e no bem-estar pessoal. 124 A definição utilizada pelo IPEA para o cálculo da taxa de desemprego foi: “Percentual das pessoas que procuraram, mas não encontraram ocupação profissional remunerada entre todas aquelas consideradas “ativas” no mercado de trabalho, grupo que inclui todas as pessoas com 10 anos ou mais de idade que estavam procurando ocupação ou trabalhando na semana de referência da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)”. 125 A definição utilizada pelo IPEA para o cálculo deste grau de informalidade: “corresponde ao resultado da seguinte divisão: (empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria) / (trabalhadores protegidos + empregados sem carteira + trabalhadores por conta própria)”. As informações para cálculo foram retiradas das PNADs – IBGE. 126 Como pode ser visto nos gráficos 6 e 7, estes dados somente estão disponíveis de 1992 a 2007.
98
portanto, uma relevante indicação da importância da política macroeconômica – neste caso de crescimento econômico – para a questão social. O grau de informalidade apresentou comportamento distinto da taxa de desemprego. Sem maiores detalhes, pode-se dizer que de 1992 a 1999 esta taxa tendeu a aumentar e de 1999 até 2007 a diminuir. Por mais que não haja uma causalidade direta, os anos recentes, de maiores taxas de crescimento econômico e dos gastos sociais, são os que apresentam uma taxa decrescente do grau de informalidade no mercado de trabalho. Além de a diminuição do grau de informalidade ser importante para o aumento de bemestar dos trabalhadores, via garantia de direitos, é, também, fonte de incremento na receita da seguridade social, devido ao aumento na arrecadação das contribuições. Provavelmente, a formalização provocará uma diminuição futura dos beneficiários da assistência social, pois estarão cobertos pela previdência. Gentil (2007, p.28) afirma que “empregos formais adicionais, porém, só são gerados na fase ascendente do ciclo econômico, quando cada vez mais trabalhadores são incorporados ao mercado de trabalho” mostrando, mais uma vez, a importância do crescimento econômico para a consolidação e ampliação da rede de proteção social. Além disso, considera-se que o próprio aumento dos gastos sociais podem ter impactos positivos sobre o mercado de trabalho (ESPING-ANDERSEN).
Gráfico 7 - Grau de informalidade Grau de informalidade 57% 56% 55% 54% 53% 52% 51% 50% 49% 48% 47% 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Obs: Dados não disponíveis para os anos 1991, 1994 e 2000 Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA – DISOC/IPEA
O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH – é um índice sintético, multidimensional. Apesar de não ter ano a ano é importante olhar para ele, uma vez que 99
é uma medida de bem-estar da população que se baseia em outros critérios além da renda. É uma pena que não haja disponibilidade para todos os anos, para uma análise mais precisa de sua relação com os gastos sociais. Porém, de qualquer forma, pode-se ver que este índice aumentou ao longo do intervalo de tempo estudado. Porém, muito ainda deve-se melhorar, pois o Brasil ocupa a 70ª colocação entre os países no ranking mundial de IDH (PNUD).
Gráfico 8 - IDH 0,82 0,8 0,78 0,76 0,74 0,72 0,7 0,68 0,66 0,64 1985
1990
1995
2000
2005
Elaboração Própria. Fonte: PNUD
Analisando estes indicadores sociais foi possível constatar uma melhora nas condições de vida da população brasileira. A proporção de pobres e indigentes na população diminuiu, assim como a desigualdade, cujas quedas foram intensificadas a partir de 2003. A taxa de desemprego e o grau de informalidade, após anos de aumento, também apresentaram uma inflexão e começaram a diminuir a partir de 2005 e 1999, respectivamente. E o Índice de Desenvolvimento Humano vem apresentando constante crescimento. Porém, ainda é cedo para comemorar. Apesar de tais melhoras, o passivo social brasileiro ainda é bastante elevado. Ainda há mais de 20% da população vivendo em condições de pobreza e 7,5% em condições de indigência. A taxa de desemprego ainda é de 8,9%, mais elevado que a dos cinco primeiros anos da série. A informalidade – e sua conseqüente “desproteção social” – atinge ainda mais da metade da população. A despeito de sua constante melhora no IDH, o Brasil é o último país a ser classificado como pertencente ao grupo dos altos IDH (70º colocado), e fica bastante atrás de outros países latinoamericanos como Argentina (38º), Chile (40º), Uruguai (46º), Cuba (51º), México (52º) e Panamá (62º). Isto implica dizer que, apesar de estarmos no caminho 100
correto, é necessário acelerar este processo. Para tanto, deve haver uma prioridade nas políticas sociais e econômicas para combater a pobreza e as desigualdades, para gerar e formalizar empregos, para melhorar o acesso aos serviços. 3.2.2 AJUSTE INTERNO DAS POLÍTICAS SOCIAIS Foi possível observar que ao longo destes 20 anos as áreas sociais não apresentaram um comportamento uniforme. Os gráficos 9, 10, 11 e 12 irão mostrar, respectivamente, a tendência de prioridade dada à elas, pela União, pelos estados, pelos municípios e pelas três esferas conjuntamente. Na esfera federal, assistência e previdência apresentaram um grande aumento de sua participação no gasto social, que ocorre, principalmente, pela “incompressão” dos gastos previdenciários, garantidos pela Constituição, mas também pela crescente relevância da assistência nos últimos anos. Em 1988 estas áreas, juntas, equivaliam a cerca de 40% do GSF e, em 2008, dobraram sua importância relativa e passaram para 80%. Este ganho de participação se deu, praticamente, pela perda de educação e cultura, que inicialmente apresentavam a maior participação no GSF. De 48% em 1988, vieram a receber, em 2008, um aporte de apenas 8% dos gastos federais. Isto, porém, pode ser uma decorrência da grande centralização dos gastos previdenciários e da significativa descentralização dos gastos educacionais. As áreas saúde e saneamento oscilaram ao longo dos anos. De forma simplificada, apresentaram queda de sua participação nos dois primeiros anos; em 1991 aumentou para cerca de 20%, patamar que se manteve até 1995; a partir de 1996 ficou em torno de 15% e fechou o período com participação igual à inicial, de 12%.
101
Gráfico 9 - Participação das Funções no Gasto Social Federal Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
% do Gasto Social Federal
100% 80% 60% 40% 20%
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
0%
Elaboração Própria. Fonte: STN
A esfera estadual, como era de se esperar, apresenta um perfil diferente de seus gastos sociais. As áreas que tem maior participação são educação e cultura, com cerca de 40% do gasto social estadual. Os cerca de 60% restantes são divididos de forma quase igual entre saúde e saneamento e assistência e previdência. É possível observar que este padrão não apresentou grandes alterações ao longo destes 20 anos. A assistência e previdência apresentaram tendência de aumento em sua participação a partir de 1990, intensificada em 1994, até 1997 quando atingiu 41% - a maior participação funcional daquele ano. Este aumento ocorreu em detrimento de quedas na participação da saúde e saneamento – principalmente em 1990 e 1996 – e também de uma queda em 1997 de educação e cultura, que até este ano apresentara um comportamento relativamente estável. A partir de 1998 assistência e previdência começam um ciclo de queda em sua participação no gasto estadual e chegam a seu menor patamar, 23%, em 2001. A partir de 2008, apresentam uma retomada e terminam o período com 28% do gasto social estadual, patamar bastante similiar ao de 1988, que foi de 26%. Saúde e saneamento apresentaram sua mais baixa participação no período de 1996 a 1999, quando voltou a aumentar sua proporção no GSE, retornando ao mesmo percentual de 1988, cerca de 29%. De um modo geral, pode-se dizer que os gastos com educação e cultura se mantiveram em um mesmo patamar de participação do gasto social estadual (exceto de 2000 a 2003, que foram um pouco superiores, chegando a 50%), como se estivessem assegurados a um patamar mínimo. Isto vai de 102
acordo com a legislação que garante que os estados devem gastar, pelo menos 25% de seu orçamento com educação. Assim, o que parece é que as demais áreas “competem” entre si para ganhar uma maior participação dos gastos sociais. A partir de 1997, também foi instituído o piso de atenção básica à saúde, o que pode justificar a retomada do crescimento de sua participação, percebida a partir de 1999.
Gráfico 10 - Participação das Funções no Gasto Social Estadual Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
100% 80% 60% 40% 20%
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
0% 1988
% do Gasto Social Estadual
Assistência e Previdência
Elaboração Própria. Fonte: STN
O gasto social municipal assemelha-se mais com o estadual do que com o federal. Porém, também não segue exatamente o mesmo padrão. Como no caso dos gastos estaduais, a rubrica educação e cultura é a que recebe a maior parte dos dispêndios municipais nas áreas sociais, para todos os anos. Apesar de não ter apresentado grandes variações, pode-se dizer que perdeu um pouco de espaço para saúde e saneamento. A primeira era equivalente a cerca de metade do gasto social municipal em 1988 e permaneceu nesta faixa, com poucas oscilações, até 1996. De 1997 a 2003 caiu um pouco de patamar, para perto de 47% e no período final, de 2004 a 2008, diminuiu mais um pouco para aproximadamente 43% do gasto social municipal. Saúde e saneamento apresentaram o comportamento inverso: até 1995 participaram, em média, de pouco mais de trinta por cento do gasto, aumentando para cerca de 36% entre 1996 e 2001, e para 42% até o final do período. Os gastos com previdência e assistência não apresentaram uma tendência tão clara, mas, sem muita precisão pode-se dizer que até 1997 seu viés foi de aumento, quando chegou a seu valor máximo de 18%. A partir de 103
1998, apresentou viés de baixa e terminou o período com a participação de 14% no gasto social municipal, dois pontos a menos que em 1988.
Gráfico 11 - Participação das Funções no Gasto Social Municipal Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1988
% do Gasto Social Estadual
Assistência e Previdência
Elaboração Própria. Fonte: STN
Quando se analisa o perfil do gasto social “consolidado” percebe-se que ele é bastante similar ao gasto social federal, com maior participação de assistência e previdência que, por sua vez, foi ganhando participação em detrimento de educação e cultura. As primeiras eram responsáveis por 30% do GS em 1988, cresceram rapidamente sua participação e, a partir de 1993 já correspondiam a metade do gasto. Já educação e cultura, que em 1988 respondiam por 46% do GST, foram diminuindo sua participação até 1997 quando atingiram cerca de 23%. De 1998 a 2004 apresentaram pequena recuperação, com cerca de 26% e após este ano voltaram ao patamar de 1997. Saúde e saneamento, com excessão de 1990, não apresentaram grandes oscilações, com cerca de pouco mais de vinte por cento do gasto. Em 1988 e em 2008 eram responsáveis por 23% do GST. A maior similaridade entre os gastos sociais “consolidados” e os gastos sociais federais decorre do volume dos gastos sociais da União ser bastante superior ao dos estados e dos municípios, cerca de 50% do GST. Este comportamento diferente das esferas em relação ao gasto social se deve à estrutura federativa brasileira e às indicações de descentralização das políticas sociais presentes na Constituição de 1988. Este é o tema da próxima seção. 104
Gráfico 12 - Participação das Funções no Gasto Social "Consolidado" Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1988
% gasto social "total"
Assistência e Previdência
Elaboração Própria. Fonte: STN
3.2.3 DESCENTRALIZAÇÃO O maior comprometimento de orçamento com os gastos sociais é dos municípios. Nos primeiros anos, este gasto correspondia a cerca de 80% dos gastos totais dos municípios127. Em 1993 ele caiu para aproximadamente 50% e, nos anos seguintes, apresentou tendência de aumento até chegar perto de 60% em 2008. Os estados não apresentaram grandes mudanças em seu percentual de investimento na área social. Com exceção de 1997, que teve uma grande queda dos mesmos (o gasto ficou em torno de 25%), a esfera estadual comprometeu ao longo destes 20 anos quase 40% de seu orçamento para as áreas sociais. A União é o ente da federação que gasta, relativamente, a menor parte de seu orçamento com as áreas sociais. De 1988 a 1989 a participação social caiu consideravelmente, contudo, o gasto social federal aumentou bastante, só que em proporções muito menores que o gasto federal total. O inverso ocorre em 1991, quando há um grande aumento da proporção GSF/GTF. Na realidade, neste ano o GSF diminuiu, porém, o aumento é decorrente de uma diminuição, ainda maior, no GTF. Apesar de uma queda em 1992, no período de 1991 a 1994 a União manteve relativamente estável a participação das esferas sociais em seu gasto público. Em 1995 127
Os dados para os gastos sociais de 1988 a 1995 foram estimados. Assim, são de fonte diferente dos dados referentes ao gasto total municipal. Esta grande diferença para os anos seguintes pode ser decorrente de um menor número de municípios na base dos gastos totais.
105
este percentual aumenta um pouco, porém ao longo do período 1995-1998 a tendência é de queda, voltando em 1998 à mesma participação de 1988, de 22% do GTF. O período 1999-2002 é caracterizado, contra-intuitivamente, pelo aumento da participação dos gastos sociais no gasto federal. Este aumento, porém, é decorrente da diminuição do gasto público federal, enquanto o gasto social federal se manteve relativamente constante, com leve tendência de queda. Em 2003, há uma nova queda, tanto nominal, quanto de participação no gasto total. No período 2003-2006 o gasto nominal aumentou, mas sua participação oscilou ano a ano, entre 22 e 25%. Em 2007 e 2008 a participação social no orçamento federal aumentou, devido ao aumento nominal dos gastos sociais e, também, à queda nos gastos totais.
Gráfico 13 - Participação do Gasto Social no Gasto Total - por Esfera Estados
União
"Total"
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
% Gasto Total de Cada Esfera
Municípios 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
Obs: Dados do gasto total dos municípios em 1988 não disponível Elaboração Própria. Fonte: STN
O gasto social total é quase um “espelho” do gasto social federal, pois apesar de a União ser a esfera que menos investe, proporcionalmente, na área social, é a que apresenta o maior volume de recursos – pelo menos 60% do orçamento público consolidado128. Portanto, o aporte de gastos do governo federal na área social é muito maior que o das demais esferas, o que provoca este reflexo de tendências do gasto social 128
Na maioria dos anos, o orçamento da União em relação ao orçamento público das três esferas é ainda maior. Os valores para a série completa são: 1988 = 61%; 1989 = 76%; 1990 = 80%; 1991 = 65%; 1992 = 69%; 1993 = 69%; 1994 = 68%; 1995 = 66%; 1996 = 66%; 1997 = 65%; 1998 = 71%; 1999 = 74%; 2000 = 72%; 2001 = 70%; 2002 = 69%; 2003 = 72%; 2004 = 71%; 2005 = 72%; 2006 = 71%; 2007 = 68%; 2008 = 65%.
106
federal em relação ao gasto social. Os gráficos 13 e 14 mostram, respectivamente, o gasto na área social de cada esfera nacional como proporção de seus orçamentos e a participação de cada uma das esferas no gasto social total. Apesar dos preceitos constitucionais de descentralização das políticas sociais, a União aumentou sua participação no gasto público social – em 1988 era de pouco mais de 40% e em 2008 de 53%. É possível observar que este movimento de expansão ocorreu, principalmente, tomando espaço dos gastos estaduais, que passaram de cerca de 40% para 25% nestes 20 anos. A participação municipal aumentou um pouco: passou de 18,5% para 21,8% no período. Esta centralização dos gastos sociais é consequência, principalmente, do grande peso dos gastos previdenciários que são, por sua natureza, muito centralizados no governo federal. Ao analisar as áreas em separado, os resultados, portanto, são distintos.
Gráfico 14 - Participação das Esferas no Gasto Social Estados
União
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1988
% Gasto Social "Total"
Municípios
Ano Elaboração Própria. Fonte: STN
Desde 1988, os gastos com previdência e assistência já eram em sua maior parte de responsabilidade da esfera federal – com 54%. Esta centralização foi aumentando ao longo dos anos e, em 2008, já era responsável por mais de 80% do mesmo. Tanto os estados quanto os municípios foram perdendo importância relativa nestas áreas. Os estados que, no início do perído, eram responsáveis por 35% dos gastos em previdência 107
e assistência, passaram a ser por somente 13% em 2008. Os municípios que já apresentavam uma participação pequena – 10% – diminuiram em quase metade sua importância relativa nas áreas, pouco mais de 5% em 2008.
Municípios
Estados
União
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1988
% Gasto em Assistência e Previdência
Gráfico 15 - Participação das Esferas em Assistência e Previdência
Elaboração Própria. Fonte: STN
Gráfico 16 - Participação das Esferas em Saúde e Saneamento Estados
União
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1988
% Gasto em Saúde e Saneamento
Municípios
Elaboração Própria. Fonte: STN
Os gastos em saúde e saneamento não apresentaram um comportamento uniforme ao longo do tempo. Nos três primeiros anos, os estados eram os maiores responsáveis pelos 108
gastos nesta rubrica, com mais da metade do dispêndio, enquanto o restante era dividido entre a União e os municípios. Em 1988 e 1990, os municípios tiveram maior importância relativa do que a União e, em 1989, o contrário ocorreu. No período de 1991 a 1997, os governos federal e estadual inverteram sua importância como provedores nestas áreas e a União passou a dispender cerca de 50%, enquanto os estados e os municípios eram responsáveis pelos outros 50%. A partir de 1998, a participação da União foi decrescendo, até chegar a 29% em 2008 – valor ainda um pouco mais elevado que o inicial129. A participação dos estados tendeu a diminuir até 2000, quando voltou a uma trajetória de crescimento e terminou o período dispendendo 32% dos gastos. Os municípios, de um modo geral, aumentaram sua participação, que saiu de 27% em 1988 para 39% em 2008. Ou seja, grosso modo, assim como no gasto social total, pode-se dizer que os estados perderam participação para os municípios.
Gráfico 17 - Participação das Esferas em Educação e Cultura Estados
União
100% 80% 60% 40% 20%
2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
0% 1988
% Gasto Educação e Cultura
Municípios
Elaboração Própria. Fonte: STN
A função educação e cultura foi a que apresentou a maior descentralização de seus gastos, seguindo as diretrizes da Constituição. A União diminuiu sua participação de 42% para 14,5%. Os estados aumentaram um pouco e passaram de 38% para 44%. Mas foram os municípios os que mais ampliaram sua participação: em 1988 era de menos de
129
Vale lembrar que, devido às características da descentralização da Saúde, parte significativa de seus gastos é proveniente da União é repassado aos estados e, pricipalmente, municípios – fazendo parte do orçamento de ambas as esferas.
109
20% e em 2008 mais de 40%. Ou seja, os municípios passaram a ocupar um espaço na área de educação e cultura, que era antes do governo federal. O Quadro 2 mostra um resumo sobre o processo de descentralização das políticas sociais: a esfera com maior participação em cada área e a principal tendência ao longo destes 20 anos para se chegar a atual situação. Quadro 2 - Resumo Descentralização GST Principal Responsável União em 2008
Tendência
Aumento da participação da União em detrimento dos Estados
Assistência e Previdência
Saúde e Saneamento
Educação e Cultura
União
Municípios
Estados e Municípios
Aumento da participação da União em detrimento dos Estados e Municípios
Aumento da participação dos Municípios em detrimento, principalmente, dos Estados, que eram os principais responsáveis em 1988. A partir de 2000, Estados crescem em detrimento da União
Grande crescimento da participação municipal e leve crescimento da participação estadual. Grande diminuição da participação federal.
Elaboração: Própria a partir de dados deste capítulo.
3.3 AS ÁREAS SOCIAIS Com o objetivo de entender quais as tendências dos gastos sociais nas quatro áreas de interesse deste trabalho – previdência, assistência, saúde e educação –, a prioridade dentro de suas possíveis subáreas e, ainda, as principais questões do debate atual sobre os caminhos a serem seguidos, esta parte do capítulo irá tratar da trajetória dos gastos de cada uma delas em separado. Para tal, serão utilizados os dados da STN, para as três esferas a partir do ano de sua disponibilidade (2000 para a União e 2002 para estados e municípios), e os dados cedidos pela DISOC – IPEA130, para o gasto federal de 1995 a 2005. Para a análise dos gastos em educação, serão utilizados os dados de CASTRO e
130
Referência de dados primários nas considerações metodológicas seção 3.1 deste capítulo.
110
DUARTE131, onde há informação sobre o gasto das três esferas para o período 1995 a 2005. 3.3.1 PREVIDÊNCIA O sistema previdenciário brasileiro, como visto no capítulo anterior, divide-se em dois regimes diferentes: o regime geral da previdência social (RGPS) e o regime próprio da previdência social (RPPS). O primeiro diz respeito aos trabalhadores da iniciativa privada e aos autônomos e é parte integrante da Seguridade Social. Portanto, seu financiamento é proveniente do Orçamento da Seguridade Social. Já o segundo, beneficia os servidores da iniciativa pública e seu financiamento, além da contribuição dos mesmos, procede do Orçamento Geral da União. Uma das principais “confusões” dos dias atuais é a não diferenciação destes dois sistemas – bem como a não consideração do orçamento previsto na Constituição de 1988. O cálculo do orçamento previdenciário é feito, por muitos, considerando como receita apenas a contribuição para a previdência social e não todas as fontes orçamentárias previstas para o orçamento da seguridade social132. De fato, a contribuição previdenciária é exclusiva à previdência e, portanto, ela não deve ser utilizada pelas demais áreas da seguridade. Porém, ela não é sua única fonte de financiamento – é previsto na Constituição a utilização das outras fontes da seguridade pela previdência. Na realidade, não há um “orçamento da previdência social”. A combinação destas duas “confusões” leva à falácia do déficit previdenciário. Como pode ser visto no gráfico 18, a contabilização dos dois sistemas de forma conjunta, eleva o valor despendido com a previdência (que deveria ser contabilizado somente como o RGPS) em cerca de 50 bilhões de reais, ou, aproximadamente, um terço de seu total. Ou seja, o valor do “déficit da previdência” aumenta em 50 bilhões, somente pela contabilização de forma equivocada dos dados. Na seção anterior, foi possível ver que os gastos com assistência e previdência eram realizados em sua maior parte pela União. O gráfico 19 mostra que, entre 2002 e 2008, para as três esferas, a maior parte deste gasto conjunto foi, na verdade, empenhado na previdência: para os municípios este percentual foi de cerca de 60% e para os estados e a união cerca de 90%. Os gastos previdenciários, por definição, são de responsabilidade 131
Idem. Como visto na seção 2.1.1.4, as fontes do OSS são a Contribuição Para a Previdência Social, CSLL, Cofins, CPMF, PIS/PASEP e Receitas de Concursos Prognósticos. 132
111
quase exclusiva da União (entre 81% e 86% do gasto previdenciário total), como, também, pode ser visto no gráfico 19. Para o pequeno período em que há disponibilidade dos dados, as proporções despendidas por cada esfera praticamente não sofreram alteração. Pode-se dizer, então, que para a análise dos gastos sociais previdenciários, o gasto federal é bastante representativo.
Gráfico 18 - Gasto Federal Previdenciário
Milhões de Reais Constante de 2008
Aposentadorias e pensões - RPPS Outros Total RGPS + RPPS
Aposentadorias e pensões - RGPS Total só RGPS
250.000,00 200.000,00 150.000,00 100.000,00 50.000,00 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA-FGV
Gráfico 19 - Gastos Previdência e Assistência P Municípios 400.000,00
P e A Estados
P e A União
P e A "Total
P Estados
P União
P "Total
350.000,00 300.000,00 250.000,00 200.000,00 150.000,00 100.000,00 50.000,00 2008
2007
2006
2005
2004
2003
2002
2001
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
1991
1990
1989
1988
Milhões de Reais Constantes de 2008
P e A Municípios
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA-FGV
112
O gasto previdenciário é o maior responsável pelo aporte de recursos sociais do governo federal. O gráfico 20 mostra que o RGPS é responsável por mais da metade do gasto social. Ao se considerar também o RPPS, este valor sobe para mais de 70%. O gráfico 21 mostra o percentual do gasto total do governo federal que é despendido com a previdência. Este apresentou uma oscilação um pouco maior no período, mas pode-se dizer que a União gasta entre 10 e 15% de seu orçamento somente com o RGPS e entre 15% e 20% ao incluir o regime próprio.
Gráfico 20 - Participação do Gasto Previdenciário Federal no GSF Aposentadorias e pensões - RPPS
Aposentadorias e pensões - RGPS
Outros
Total só RGPS
Total - RGPS e RPPS
% Gasto Social Federal
80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
113
Gráfico 21 - Participação do Gasto Previdenciário Federal no GTF Aposentadorias e pensões - RPPS Outros Total RGPS + RPPS
Aposentadorias e pensões - RGPS Total só RGPS
% Gasto Total Federal
25% 20% 15% 10% 5% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
Por causa do elevado valor despendido com a previdência, ela é um forte alvo de críticas dos mais conservadores. A mais comum é que ela é a principal responsável pelo desequilíbrio fiscal do governo. Portanto, devem ser tomadas medidas para diminuir seus gastos, através de novas reformas previdenciárias, que deveriam diminuir o valor das aposentadorias e/ou aumentar o tempo de contribuição e desvincular o valor do piso previdenciário – principalmente da aposentadoria rural – ao valor do salário mínimo (GIAMBIAGI ET AL., 2004). Porém, Gentil (2007) mostra que na realidade, ao contrário do que muitos afirmam, a previdência não é deficitária, e sim, superavitária133. Outra crítica bastante usual ao sistema previdenciário é que seus gastos são muito regressivos, já que os mais ricos recebem os maiores benefícios. O que estes críticos não levam em consideração é que parte do benefício recebido é referente à contribuição, também proporcional ao seu valor. Além disso, e ainda mais importante, é necessário lembrar que os valores dos benefícios previdenciários refletem os valores dos salários
133
Na realidade, o cálculo é feito para a Seguridade Social e não somente para a Previdência Social. Esta escolha segue os preceitos constitucionais que garantem um OSS integrado e não um orçamento separado para cada uma das esferas da seguridade. Realmente, há um “déficit previdenciário” ao se calcular o saldo da previdência somente como o valor das contribuições previdenciárias subtraído pelo valor despedido com as aposentadorias e pensões. Porém, este cálculo não é correto (como já dito neste trabalho, além das contribuições previdenciárias, é previsto que as demais fontes de recurso da SS também financiem a previdência). Em seu estudo, Gentil mostra que ao contabilizar todas as receitas do Orçamento da Seguridade Social e descontar todas as despesas com saúde assistência e previdência e, ainda, a DRU, o saldo é positivo.
114
do mercado de trabalho. Ou seja, as maiores desigualdade e regressividade estão na estrutura de remuneração do mercado de trabalho brasileiro e não no da previdência (LAVINAS; GARSON, 2003). Na realidade, a previdência apresenta uma estrutura mais equânime, ou seja, menos regressiva que a economia como um todo (CAETANO, 2008). Ainda em relação à regressividade da previdência é essencial separar os dois sistemas. O RGPS beneficia mais de 21 milhões de pessoas, das quais, cerca de 65% recebem até um salário mínimo e outros 20% entre um e três salários mínimos134. Ou seja, apenas 15% dos beneficiários deste sistema recebiam, em 2003, mais de R$720,00. Já o RPPS135 beneficia somente 980 mil pessoas, das quais 87% recebiam mais de R$700,00 e 56% recebem mais do que R$1000,00 (CASTRO ET AL. 2008). Ou seja, O RPPS é demasiado mais regressivo que o RGPS. Portanto, ao se tratar dos dois sistemas como único, sua característica regressiva aumenta consideravelmente. Há ainda, os que afirmam que o problema da previdência é a eficiência, pois seu gasto é muito grande para atingir um percentual pequeno da população. Assim, alegam que os recursos despendidos com a previdência deveriam ser redirecionados para outras áreas que tivesse uma população alvo maior, como a população infanto-juvenil. (CAMARGO, 2004). Porém, seu impacto é consideravelmente maior do que pode parecer à primeira vista, pois para cada beneficiário direto da previdência social há, em média, 2,5 beneficiários indiretos136 (IBGE, 2007). A incidência da pobreza na população com mais de 65 anos é a menor dentre as diferentes faixas etárias (em 2006 era de 1% contra 52% da população entre 16 e 64 anos e 47% de zero a 15 anos) (LAVINAS; CAVALCANTI, 2007). O principal fator explicativo para este grande diferencial são as aposentadorias e pensões – juntamente com o BPC. Se não houvesse o sistema previdenciário o percentual de pobres da população maior de 80 anos aumentaria de forma exponencial e seria de mais de 60% (CAMARGO, op. cit.). Este pequeno percentual de pobres na população idosa parece ser um demonstrativo de que a previdência está, de fato, garantindo renda para esta parcela da população. Portanto, cumprindo sua principal função: a suavização do consumo ao longo do ciclo de vida (BARR, 2004). Outro dado muito importante é que devido aos beneficiários indiretos, as aposentadorias e pensões foram responsáveis pela 134
Dados referentes a 2003. Em 2003, o valor do salário mínimo era de R$240,00. Dados referentes a 2004. Em 2004, o valor do salário mínimo era de R$260,00. 136 Isto sem contar com todo o impacto que é gerado na economia pelo consumo dos beneficiários da previdência. 135
115
queda de 7,1% na desigualdade137 e de 11,38% da pobreza total do Brasil em 2008 (IPEA,2009). Além de ser um importante pilar de qualquer tipo de estado de bem-estar social, é, ainda, inegável o papel fundamental e o efeito positivo da previdência social no Brasil no combate a pobreza e na geração de bem-estar. Por mais que seus gastos representem a maior parte dos gastos sociais brasileiros, não se deve construir um falso trade-off entre previdência e outras políticas sociais (como, por exemplo, as focalizadas nas crianças), considerando que o orçamento social é totalmente fixo e exógeno às decisões econômicas. Outras políticas sociais devem ser ampliadas – como será indicado nas próximas seções – mas não em detrimento da previdência, uma vez que esta vem apresentando resultados satisfatórios138. Nesta seção foi possível ver que os gastos previdenciários respondem pela maior parte dos gastos sociais brasileiros e vem apresentando constante crescimento ao longo dos anos e a União é a maior responsável por estes gastos. Apesar de diversas reformas implementadas139 sua tendência continua sendo de aumento. Alguns dados analisados retratam um considerável impacto na diminuição da pobreza entre os idosos e seus dependentes, o que reforça o papel dos benefícios previdenciários no combate à pobreza e na garantia de bem-estar. 3.3.2 ASSISTÊNCIA Apesar de a rubrica previdência e assistência ser a que recebe maior aporte dos recursos públicos destinados às áreas sociais, como visto na seção anterior, quem recebe a maior parte deste bolo é, na verdade, a previdência. A assistência fica apenas com uma pequena parte e, dentre as quatro áreas estudadas, é a que apresenta os menores gastos140. Como pode ser visto no gráfico 22, eles são, predominantemente, provindos da União: em 2002, 55% do gasto assistencial vinha do governo central e, em 2008, já eram mais de 70%. Os gastos dos municípios e dos estados são muito pequenos nesta área, mas enquanto os primeiros aumentaram o dispêndio (em 1,6 bilhões, ou 30%), os 137
Medida pelo Gini da população antes e depois das aposentadorias e pensões. Na realidade, mudanças no sistema previdenciário devem ocorrem no sentido de aumentar a inclusão e não no sentido de diminuir. Em 2008, 81,8% dos idosos estavam cobertos pela previdência. “Não obstante, um em cada cinco brasileiros, ou 3,8 milhões de pessoas com mais de 60 anos, não conta ainda com cobertura previdenciária, o que evidencia a necessidade de novos esforços tendo em vista a ampliação da proteção social da população desta faixa etária” (IPEA, 2009, p.27) 139 Visto ao longo do segundo capítulo. 140 Saneamento, habitação, urbanismo e cultura apresentam gastos ainda menores do que o assistencial. 138
116
segundos diminuíram ainda mais o valor dedicado à assistência (em 0,4 bilhões, ou 12%). O gráfico 23 mostra a trajetória dos gastos da União nesta área, que nos onze anos aumentou em cerca de dez vezes seu valor nominal. Ou seja, apesar de pequeno, ele vem aumentando consideravelmente.
Gráfico 22 - Gastos da Assistência - 3 Esferas Milhões de Reais Constantes de 2008
Municípios
Estados
União
"Total"
45000 40000 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA-FGV
Gráfico 23 - Gasto Federal em Assistência Milhões Reais Constantes de 2008
BPC e RMV
Transferência de Renda
Outros
Total
25000 20000 15000 10000 5000 0 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA-FGV
117
A regulamentação do Benefício de Prestação Continuada somente ocorreu em 1996 e foi, então, a partir de 1997 que os gastos assistenciais começaram a aumentar. Desde sua implementação, o BPC (junto com os remanescentes da Renda Mensal Vitalícia) é o principal componente do gasto federal em assistência, que apresentou contínuo crescimento ao longo dos anos. Em 2004 ocorreu um aumento em sua taxa de crescimento, decorrente da aprovação do Estatuto do Idoso, em 2003, que homologou uma segunda redução na idade – para 65 anos – dos beneficiários do BPC. Liderada pela criação do Bolsa-Escola, em 2001, as transferências de renda141 começaram a ganhar um espaço considerável dentro da assistência. No final de 2003 houve a unificação dos programas de transferência, com a criação do Bolsa-Família e a partir de 2004, pode se observar uma aceleração em seu crescimento, referente à sua expansão. O governo federal, além de aumentar nominalmente seu gasto com a assistência vem ampliando, de forma acelerada, sua importância relativa dentro das políticas sociais, revelado pelo aumento de sua participação no gasto social federal, de menos de 1% em 1995 para quase 7% em 2005 – ver gráfico 24.
Gráfico 24 - Participação do Gasto Assistencial Federal no GSF BPC e RMV
Transferência de Renda
Outros
Total
8%
% Gasto Social Federal
7% 6% 5% 4% 3% 2% 1% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
141
Nesta seção, quando tratamos de “transferências de renda” estamos nos referindo aos programas de transferência de renda condicionais, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família.
118
O comportamento dos gastos assistenciais federais em relação ao PIB, em relação ao gasto federal total e, também, os gastos per capita foram bastante semelhantes. Ou seja, apresentaram tendência de crescimento, com uma pequena desaceleração na taxa de crescimento em 1999 e em 2003. Como proporção do orçamento da União, a assistência em 1995 não recebia nem 0,25% de seu total, participação que subiu consideravelmente para 1,6% em 2008 (gráfico 25). 2003 foi o único ano da série que apresentou retração na participação da assistência no orçamento total federal. Mas isso ocorreu não por causa de uma queda no gasto assistencial, e sim, por um aumento no gasto federal de maior magnitude.
Gráfico 25 - Participação do Gasto Assistencial Federal no GTF BPC e RMV
Transferência de Renda
Outros
Total
1,8%
% Gasto Total Federal
1,6% 1,4% 1,2% 1,0% 0,8% 0,6% 0,4% 0,2% 0,0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
Pode-se perceber que nos últimos anos os gastos com transferência de renda condicionada estão crescendo a uma taxa maior que os gastos com o BPC. A principal razão para esta diferença é a já certa estabilidade dos beneficiários do BPC em contraposição à novidade dos programas de renda condicionados que, mesmo com sua crescente expansão, ainda não atingem a totalidade de seu público-alvo potencial. Diferentemente do BPC, que é um benefício de transferência de renda garantido pela Constituição “a todos que dele necessitem”, o PBF foi instituído por lei e é um programa e não um direito. Isto implica que o primeiro é uma obrigação do Estado e os beneficiários receberão seus benefícios independentemente de problemas orçamentários 119
e fiscais ou, ainda, da vontade e orientação política dos governantes. Já o PBF, depende de um orçamento específico, definido de acordo com as “condições orçamentárias” do governo e das prioridades políticas. Isto significa dizer que, mesmo em condições de elegibilidade, famílias podem permanecer excluídas do programa devido à sua restrição orçamentária. Apesar da grande relevância que vem recebendo do governo, não há nenhuma garantia sobre seu caminho futuro. Ou seja, não há garantia que este benefício venha a atingir todo o seu público alvo potencial (ou “todos que dele necessitem”) e nem mesmo de sua continuidade ou seu desenho com o passar do tempo. Há grande discussão sobre o futuro do PBF. De forma simplificada, pode-se dizer que são dois os caminhos possíveis: seguir tendência restritiva ou expansiva. A primeira delas visa o aprimoramento da focalização, para diminuir o erro de inclusão (mesmo que as famílias continuem em situação de vulnerabilidade) e também dos mecanismos de controle sobre o cumprimento das condicionalidades, não importando, porém, que o sucesso destes objetivos de controle dependa de um grande aumento de gastos. É, então, uma proposta clara de segregação entre os “pobres merecedores” e os “pobres não merecedores”. Bons exemplos de acontecimentos que exprimem esta linha são as diversas reclamações que ocorreram em relação ao aumento do valor dos benefícios, as críticas recorrentes de que os beneficiários do PBF estavam utilizando o benefício para o consumo de bens, tais como geladeiras e fogões (ou seja, para aumento de seu bemestar) e, ainda, a recente proposta de lei que visa relacionar o valor do benefício com o rendimento escolar das crianças a adolescentes142. A segunda via é a que encara o PBF como um primeiro passo para a implementação de uma renda de cidadania. Isto significa que as condicionalidades deveriam ser eliminadas, até porque, são as famílias mais vulneráveis as que não conseguem cumpri-las. Além disso, o público alvo deveria ser ampliado – até o limite de transformar o PBF em um benefício universal – e, ainda, seu valor deveria aumentar, para proporcionar um maior impacto no combate à pobreza 142
Os que defendem o total cumprimento das condicionalidades por parte dos beneficiários nada falam sobre o “cumprimento das condicionalidades do governo”. Como exemplo pode-se analisar a condicionalidade da freqüência escolar. Uma vez que seu objetivo é romper com o ciclo inter-geracional da pobreza, o governo deveria ter a obrigação de prover uma escola de qualidade para que, de fato, tal ciclo possa ser rompido. Como será visto na subseção 3.3.4 a realidade do ensino público ainda está longe de ser a ideal “In short, social services are overcrowded and precarious, obviously unprepared to offer a credible hope of emancipating future generations from their families’ poverty” (KERSTENETZKY, 2008, P. 18).
120
(MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007, KERSTENETZKY, 2009; SOARES; SÁTYRO, 2009). Esta “disputa” sobre o caráter dos benefícios assistenciais também atinge o BPC, apesar de sua garantia constitucional. O principal argumento contra o formato do BPC é o possível desincentivo à contribuição previdenciária, principalmente dos que recebem em torno de um salário mínimo. Estes trabalhadores poderiam optar por não contribuir para a previdência ao longo de sua vida laboral (e, conseqüentemente, não ter direito algum, como férias, 13º salário, seguro desemprego, etc.), pois à mesma idade que poderiam requerer suas aposentadorias, podem solicitar o benefício assistencial. A solução apresentada para evitar tal problema, seria elevar a idade mínima dos beneficiários e diminuir o valor do BPC (GIAMBIAGI ET AL. 2004). Além do distanciamento desta proposta das diretrizes constitucionais, é importante relembrar (apesar de não ser o tema deste trabalho) que, devido ao grande peso dos tributos indiretos (neste caso específico, das contribuições sociais) e conseqüente alto grau de regressividade do sistema tributário brasileiro, os mais pobres, ao contrário do que muitos dizem, contribuem sim para a seguridade social (SALVADOR, 2007; AFONSO; ARAÚJO; VIANNA, 2004). “Cerca de 50% do financiamento da Seguridade Social é feito através das contribuições sociais, portanto, por via indireta, taxando o consumo, o que acaba por exigir esforço proporcionalmente maior das classes menos favorecidas às receitas do sistema de proteção social, justamente as menos contempladas no âmbito da Seguridade” (LAVINAS, 2008, p.90). Inclusive, devido à alta propensão a consumir dos mais pobres, estes têm maior proporção de suas rendas gasta com impostos indiretos do que os mais ricos143. A seção 3.2.1.1 mostrou que a pobreza e a desigualdade no Brasil diminuíram nos últimos anos e que, a renda não trabalho (transferências) foi um fator importante para tais quedas. Soares et al. (2006) fazem uma análise do impacto, em separado, do BPC e do PBF. Ambos apresentam um alto grau de focalização, sendo o PBF mais focalizado nas famílias que vivem abaixo da linha de extrema pobreza. Porém é o BPC, por causa da vinculação do seu valor ao salário mínimo, que tira grande parte das famílias beneficiadas das situações de pobreza e indigência. Já o PBF, devido ao baixo valor de 143
Só para ilustrar, de acordo com Zockun 2005 (apud Salvador 2007) em 2002/2003 as proporções da renda gastas em tributos indiretos eram de 46% e 16% para as famílias com renda de até 2 salários e superior a 30 salários mínimos, respectivamente.
121
seu benefício, proporciona maior impacto na diminuição da intensidade da pobreza e da indigência. Estes resultados corroboram a proposta dos que vêem o PBF como um primeiro passo para a criação de uma renda de cidadania, uma vez que seguindo no caminho da majoração do benefício e da ampliação dos beneficiários, o impacto sobre a pobreza tende a ser maior. Ainda, mostra que a diminuição do valor do BPC seria um equívoco, que poderia gerar retrocessos no combate à pobreza e à desigualdade. 3.3.3 SAÚDE Em 1996 foi aprovada mais uma Norma Operacional Básica da saúde que reduziu para dois os estágios de gestão – gestão plena de atenção básica e gestão plena do sistema e explicitou as responsabilidades de cada ente da federação. Como conseqüência direta, o processo de descentralização da saúde foi acelerado. O financiamento da saúde, contudo, não acompanhou a mesma trajetória de descentralização de execução. Ou seja, grande parte dos recursos da área da saúde é proveniente do governo federal e repassado aos estados e municípios, de acordo com seu tipo de gestão e indicadores de atendimento. A partir dos dados dos gráficos 26 e 27 pode-se dizer que entre 2002 e 2005 o percentual gasto pelos municípios proveniente de transferências da União foi de aproximadamente 40%. Já o gasto estadual proveniente das transferências do governo federal, como era de se esperar, foi um pouco menor, entre 20% e 30%144. De qualquer forma, estes valores são significantes e indicam que uma análise somente do gasto federal em saúde, para o período 1995 a 2005, não é irrelevante e representa cerca da metade do gasto total nesta área145. Ao desconsiderar a dupla contagem das transferências federais, o período de 2002 a 2008 revela que cada uma das três esferas é responsável por mais ou menos um terço do gasto em saúde. De 2002 a 2005 a União era a esfera que mais aportava recursos na saúde, sendo ultrapassada em 2006 pelos municípios e em 2008 pelos estados (lembrando que, na realidade, parte do total gasto pelos estados e municípios é proveniente das transferências federais). O gasto total com saúde foi crescente no período, apresentando
144
É importante lembrar que os gráficos 26 e 27 foram realizados a partir de bases de dados distintas e, portanto, estes valores são, apenas, uma aproximação. 145 Esta é uma aproximação para os anos de 2002 a 2005 e este valor estaria retirando, de forma corriqueira, a dupla contagem, das transferências provenientes da União às demais esferas. Como a descentralização foi aumentando ao longo dos anos, é de se esperar que este valor fôsse, ao menos, bastante semelhante, senão maior, para os anos anteriores.
122
uma queda em 2003 – para as três esferas – mas se recuperando em 2004, já com valor ligeiramente maior que o de 2002.
Gráfico 26 - Gastos com Saúde - 3 Esferas Milhões de Reais Constantes de 2008
Municípios
Estados
União
"Total"
160000 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA-FGV
O gasto federal com saúde oscilou a cada ano no período de 1995 a 2002, com maior intensidade nos quatro primeiros anos. As transferências aos estados e aos municípios, porém, apresentaram trajetória sempre crescente. Em 2003 o gasto da União apresentou uma queda significativa que desta vez teve impacto negativo, também, no montante transferido às esferas subnacionais. A partir de 2004 o gasto volta a crescer. O valor das transferências aumentou significativamente e foi suficiente para recuperar a perda do ano anterior. O gasto total federal, apesar do aumento, ficou abaixo do patamar de toda a série, exceto de 1996.
123
Milhões de Reais Constantes de 2008
Gráfico 27 - Gasto Federal em Saúde saúde
transferências a municípios
transferências a estados
total transferências
50.000 45.000 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA-FGV
Gráfico 28 - Participação do Gasto Federal com Saúde no GSF e no GTF % Gasto Social Federal
% Gasto Total Federal
20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
A saúde, além de ter sofrido uma diminuição dos valores despendidos pelo governo federal, apresentou perda de importância relativa no período de 1995 a 2005. Sua participação no gasto da União com as quatro áreas sociais era de 18% em 1995 e passou para 13% em 2005. Exceto para 1997 e, com menor intensidade para 1999 e 2004, em todos os demais a saúde diminuiu sua participação nos gastos sociais federais. 124
Em relação ao gasto total do governo federal, sua direção também foi descendente. De 1995 a 1999 a queda foi acentuada, de mais de 2%. De 1999 a 2002 houve uma pequena elevação em sua participação que chegou a 3,67%. Entre 2002 a 2005 sua participação oscilou, mas terminou o período com praticamente a mesma participação de 1999 – a menor do período – ver gráfico 28.
Reais Constantes de 2008
Gráfico 29 - Gasto Federal com Saúde per Capita saúde 290 270 250 230 210 190 170 150 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA-IBGE, FGV
Gráfico 30 - Participação do Gasto Federal com Saúde no PIB saúde 1,9% 1,8% % PIB
1,7% 1,6% 1,5% 1,4% 1,3% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA-IBGE
O gasto federal com saúde per capita (gráfico 29) e sua participação na economia (gráfico 30) também diminuíram ao longo destes 11 anos. Em 1995, o governo federal gastava cerca de R$265 na área da saúde para cada brasileiro e 1,8% do PIB. Onze anos depois, estes valores diminuíram para R$211 e 1,6%. É importante lembrar, porém, que 125
o gasto total (das três esferas) em saúde, tanto per capita, quanto em relação ao PIB apresentaram aumento no período. Kerstenetzky 2009 mostra que o gasto per capita em saúde no Brasil era, em 2004, a metade do gasto per capita médio dos países da OCDE e que, dado este baixo investimento na saúde pública “a provisão de saúde acaba perpetuando as desigualdades sociais em vez de compensá-las” (p.19).
Gráfico 31 - Participação de Atenção Básica e Hospitalar no Gasto Federal em Saúde Atenção Básica
Total Básico
Atenção Hospitalar e Ambulatorial
% Gasto Federal com Saúde
80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Obs: Total Básico é igual a: Atenção Básica; Suporte Profilático e Terapêutico; Controle de Doenças e Agravos; e Vigilância Sanitária Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA
Uma interessante característica na trajetória dos gastos com saúde pode ser vista no gráfico 31: o aumento da importância relativa dos gastos de atenção básica. A atenção básica cresce a partir de 1998 – era insignificante entre 1995 e 1997 – e desde então vem aumentando sua participação no total dos gastos com saúde. O total básico apresentou uma queda em 1996, em contraponto a um aumento da atenção hospitalar, mas já em 1997 uma recuperação, e nos demais anos, crescimento. É interessante notar que a atenção básica e a atenção hospitalar, apesar de não serem as únicas componentes do gasto em saúde146, se comportam exatamente de forma complementar: quando uma aumenta a outra diminui e vice-versa. A atenção básica tem impactos bastante positivos para as condições de saúde das pessoas. Seu papel é, principalmente, de atuar de forma preventiva, detectando as doenças ainda em estágio precoce. Portanto, para diversos
146
Há ainda o (re)aparelhamento de serviços do SUS, atividades administrativas, Hospitais de Ensino e Residência Médica e Outros Projetos e Atividades, todas englobadas na rubrica outros do gráfico 32.
126
tipos de enfermidades, é possível combatê-la logo no seu início, impedindo, muitas vezes, alguma forma de complicação. Outra vantagem da atenção básica em relação à ambulatorial é seu menor custo147. Vale, então, o dito popular “prevenir é melhor do que remediar”, tanto para as famílias quanto para os cofres públicos. Este aumento da participação relativa dos gastos básicos em saúde ocorreu por causa de um aumento real de aporte para este setor, mas, também, por causa de uma diminuição do valor gasto com atenção hospitalar e ambulatorial, como pode ser visto no gráfico 32. A uma primeira vista, este resultado parece positivo. Pode, afinal, ser um indicativo de que as ações preventivas estão sendo realmente eficazes e, portanto, a demanda pelos serviços mais complexos está diminuindo. Porém, como se sabe, a situação do sistema público de saúde brasileiro não está tão bem assim. Muitas vezes faltam leitos, remédios e equipamentos nos hospitais e o paciente demora horas, ou dias para ser atendido. Kerstenetzky e Alvarenga (2009) calcularam o déficit em saúde no Brasil, sob alguns cenários de comparação com outros países, o montante que deveria ser gasto em saúde para que nosso sistema apresentasse bons resultados de qualidade e cobertura. Para se ter um sistema semelhante ao da Argentina, o segundo melhor sistema de saúde da América Latina, o déficit é equivalente a 2,3% do PIB148. Ou seja, o gasto brasileiro nesta área deveria aumentar em 1,5 vezes seu valor. Portanto, o aumento no gasto em atenção básica não seria suficiente para justificar, pela qualidade do sistema de saúde, a queda no gasto em atenção hospitalar. Seria desejável que ambos estivessem aumentando.
147
Kerstenetzy e Alvarenga (2009) mostram que Cuba apresenta um sistema de saúde muito eficiente e de baixos custos, principalmente, por ser baseado na atenção básica. 148 O país que apresentou melhor desempenho na América Latina foi Cuba, com um sistema de saúde de elevados resultados e baixos custos. O déficit em relação à Cuba seria de somente o,1% do PIB, mas se implementado no Brasil “pode não gerar resultados equivalentes por conta das importantes diferenças societárias e políticas, que nos afastam enquanto países” (p.13). Já se o sistema escolhido fosse o japonês – o melhor resultado dos países da OCDE – o déficit seria superior a 20% do PIB.
127
Milhões de Reais Constantes 2008
Gráfico 32 - Gasto Federal em Saúde - Subáreas Atenção Básica Controle de Doenças, Suporte Profilático, Vigilância Sanitária Total Básico Atenção Hospitalar e Ambulatorial Outros Total
50.000,00 40.000,00 30.000,00 20.000,00 10.000,00 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Elaboração Própria. Fonte: DISOC/IPEA, IPEADATA- FGV
Tabela 5 – Indicadores de Saúde Mortalidade infantil (por mil Esperança de vida ao nascer nascidos vivos) 1980 1991 2000 2005 1990 2000 2008 62,5 66,9 70,4 72,1 48,3 30,1 28,3 Elaboração Própria. Fonte: IBGE e Kerstenetzky 2010.
A tabela 5 mostra dois indicadores, bastante primários, da área de saúde: a esperança de vida ao nascer e a mortalidade infantil. A esperança de vida aumentou, de 1980 a 2005, em 10 anos. A mortalidade infantil diminuiu a quase metade em 18 anos. Como era de se esperar, a evolução destes indicadores está indicando uma melhora de bemestar da população brasileira. Porém, estas variáveis além de sofrerem influência de diversos fatores (saúde, saneamento, educação, segurança, etc.), tem característica de se modificarem a médio prazo. Somando à ausência de dados para todos os anos, é, então, mais complicado apontar uma correlação direta com os gastos públicos em saúde. Podese dizer, contudo, que a queda da mortalidade infantil, no último intervalo de tempo (2000 a 2008), foi relativamente pequena. Este período coincide com a diminuição do gasto federal per capita. Ou seja, este pode ser um indício de que o gasto com saúde deve ser aumentado, pois, no último período, teve pequeno impacto na melhoria de bem-estar da população.
128
2005
Como visto ao longo desta seção, o gasto federal com saúde tendeu a diminuir no período de 1995 a 2005 e também a perder importância relativa. Os gastos per capita e em proporção ao PIB também terminaram o período em patamar inferior ao de 1995. Houve um aumento na participação dos gastos em atenção básica, sinalizando um correto caminho a ser seguido, mas este foi acompanhado de queda nas demais áreas da saúde. A boa notícia é que a partir de 2004 os gastos voltaram a crescer, para as três esferas de governo. Mais uma vez, em relação aos indicadores analisados – esperança de vida ao nascer e mortalidade infantil – pode-se dizer que houve considerável melhora, mas que ainda estão longe de estarem em um patamar adequado. Isto implica dizer que, apesar de estarmos avançando, ainda há muito que melhorar. Para tanto, seria importante que os gastos em saúde continuassem crescendo. 3.3.4 EDUCAÇÃO O sistema educacional brasileiro foi desenhado para ter a participação ativa das três esferas governamentais. Ficou definido que cada esfera deveria atuar, prioritariamente, sobre uma parte do sistema. Assim, cada nível educacional recebe aportes financeiros majoritariamente de um ente da federação e vice versa, cada ente despende a maior parte de seus recursos destinados à educação em um dos níveis escolares. Esta é a razão pela qual uma análise dos gastos de somente uma das esferas (normalmente a União) não é suficiente para retratar a real situação do financiamento educacional. Felizmente, para o período de 1995 a 2005 há bons dados disponíveis sobre todos os níveis educacionais, provenientes das três esferas de governo (CASTRO e DUARTE).
129
Gráfico 33 - Gasto Educacional Consolidado
Milhões de Reais Constantes de 2008
120.000,00
Total Ensino Fundamental Ensino Superior
Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante Outros
100.000,00 80.000,00 60.000,00 40.000,00 20.000,00 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13), IPEADATA-FGV
O gasto total com educação foi bastante irregular ao longo destes anos. Em 2005 o gasto foi maior que em 1995, respectivamente, de 94 e 103 bilhões, mas não foi o maior valor do período, 108 bi em 1998. Como pode ser visto no gráfico 33, a maior parte dos gastos educacionais é empenhada no ensino fundamental que, por garantia constitucional, é obrigatório a toda a população. Após uma queda em 1997, o gasto em educação fundamental e também o gasto total cresceram significativamente em 1998. Porém, nos dois anos seguintes, provavelmente sob a pressão do ajuste fiscal, eles voltaram a diminuir. De 2000 a 2002 houve uma leve tendência de crescimento dos gastos, deixando-os quase no mesmo patamar. Em 2003 houve uma nova queda dos mesmos, também sob provável impacto do comprometimento com a austeridade fiscal do primeiro ano do governo Lula. A partir de 2004, a tendência volta a ser de aumento nos gastos educacionais do ensino fundamental e no total (esta tendência de aumento após 2004 pode ser vista no gráfico 34)149. O ensino superior é a segunda maior rubrica dentro dos gastos educacionais. Este nível sofreu queda de seus recursos desde 1995 até 149
Os gráficos 31 e 32 são provenientes de base de dados e metodologias diferentes. Por isso, deve-se comparar somente a tendência e não os valores de continuidade da série. Além disso, os dados para os níveis educacionais do gráfico 32 estão disponíveis somente para os estados e municípios. Para a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e profissionalizante, esta é uma boa aproximação, pois a maior parte do gasto destes níveis é realizada pelos municípios e estados. Já os dados para educação superior estão completamente distantes da realidade, uma vez que seu maior aporte financeiro provém da União. O gasto total em educação está disponível para as três esferas.
130
2003 e somente a partir de 2004 que passou a ter seu orçamento aumentado. Os ensinos médio e profissionalizante ocupam a terceira posição dos gastos educacionais, com exceção de 1995 quando foram superados pela educação infantil. Até 2001 o montante aplicado nestes níveis educacionais aumentou (em 40%), mas nos dois anos seguintes, apresentou queda e voltou a crescer a partir de 2004. A educação infantil teve seu financiamento praticamente estagnado de 1995 a 1999, em 2000 sofreu um grande corte, de quase 30%, em 2001 e 2002 teve um pequeno incremento, mas sofreu novo corte em 2003. A partir de 2004, assim como as demais esferas educacionais, passou a receber mais recursos a cada ano.
Gráfico 34 - Gasto Educacional - 2 Ensino Fundamental - Est e Mun Ensino Superior - Est e Mun Outros - Est e Mun 160.000,00
Ensino Médio e Profissional - Est e Mun Educação Infantil - Est e Mun Total - 3 esferas
Milhões de Reais Constantes de 2008
140.000,00 120.000,00 100.000,00 80.000,00 60.000,00 40.000,00 20.000,00 2004
2005
2006
2007
2008
Elaboração Própria. Fonte: STN, IPEADATA-FGV
Analisando o gasto educacional consolidado per capita – gráfico 35 – é possível perceber que eles foram, para todos os níveis educacionais, na mesma direção dos gastos nominais. Porém, sua magnitude revela piores resultados. Enquanto o valor gasto no país com educação aumentou em 9,6% de 1995 a 2005, o gasto per capita diminui 5%, ou seja, a população cresceu a uma taxa maior do que os gastos educacionais. Isto quer dizer que este incremento dos gastos educacionais não foi suficiente para garantir a todos os brasileiros o mesmo aporte de gastos do início do período. A educação infantil, que sofreu uma queda de 21% de seus recursos nominais, apresentou perda ainda maior, 131
de 31%, para os recursos reais (per capita). O mesmo ocorreu para o ensino superior, com quedas de 15% e 26%, respectivamente. As demais esferas apresentaram aumento em seus gastos per capita, porém sempre de menor magnitude que o aumento do gasto nominal.
Gráfico 35 - Gasto Educacional Consolidado per Capita 700
Total Ensino Fundamental
Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante
Reais Constantes de 2008
600 500 400 300 200 100 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13), IPEADATA-IBGE
2003
2004
2005
Os gráficos 36, 37, 38 e 39 mostram a participação das três esferas de governo nos gastos de cada nível educacional: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e profissionalizante e ensino superior, respectivamente. É possível perceber a clara divisão dos níveis educacionais pelos entes da federação, como determina a Constituição. A educação infantil é primordialmente realizada pelos municípios, que ao longo dos anos aumentou ainda mais sua participação, devido à diminuição dos gastos estaduais. O ensino fundamental no início do período era realizado majoritariamente pelo governo estadual, mas ao longo dos anos foi perdendo participação para o governo municipal, que em 2000 passou a ser o provedor majoritário da educação fundamental. A participação do governo federal, que desde o princípio era muito pequena – cerca de 5% – diminuiu e passou para 3% em 2005. Os gastos relativos ao ensino médio e ensino profissionalizante são em maioria absoluta realizados pelos estados. A participação da União oscilou durante o período – queda de 1995 a 1998, aumento até 2001, nova queda até 2003, aumento em 2004 e mais uma queda em 2005 – mas ficou sempre entre 10% e 132
20% do total deste nível. Os gastos municipais também oscilaram no período, mas foram sempre inferiores a 10%. Finalmente, o ensino superior é em sua maioria financiado pelo governo federal – cerca de 60%. O governo estadual é responsável por mais de 35% e os municípios por somente uma parcela bem pequena. A participação das esferas ao longo dos anos apresentou apenas pequenas alterações e seguiu um padrão bastante estável.
Gráfico 36 - Participação das Esferas no Gasto em Educação Infantil % Gasto Total em Educação Infantil
Governo Federal
Governo Estadual
Governo Municipal
100% 80% 60% 40% 20% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
Gráfico 37 - Participação das Esferas no Gasto com Ensino Fundamental % Gasto Total no Ensino Fundamental
Governo Federal
Governo Estadual
Governo Municipal
100% 80% 60% 40% 20% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
133
Gráfico 38- Participação das Esferas no Gasto dos Ensinos Médio e Profissionalizante % Gasto Total nos Ensinos Médio e Profissionalizante
Governo Federal
Governo Estadual
Governo Municipal
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
Gráfico 39 - Participação das Esferas no Gasto do Ensino Superior Governo Federal
Governo Estadual
Governo Municipal
% Gasto Total no Ensino Superior
100% 80% 60% 40% 20% 0% 1995 1996 1997 1998 1999 Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
2000
2001
2002
2003
Outra forma de evidenciar a especialização da educação é mostrá-la sob o ponto de vista das esferas nacionais, ao invés dos níveis educacionais. Os gráficos 40, 41 e 42 retratam o quanto do orçamento dos municípios, dos estados e da União, respectivamente, são despendidos em cada nível educacional.
134
Gráfico 40 - Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Municipal de Educação Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante Outros
Ensino Fundamental Ensino Superior
% Gasto Municipal em Educação
100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
Gráfico 41 - Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Estadual de Educação Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante Outros
% Gasto Estadual em Educação
100%
Ensino Fundamental Ensino Superior
80% 60% 40% 20% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
135
Gráfico 42 - Participação dos Níveis Educacionais no Gasto Federal de Educação 100%
Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante Outros
Ensino Fundamental Ensino Superior
% Gasto Federal em Educação
90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
Os municípios gastam a maior parte de seus recursos educacionais com o ensino fundamental. Ao longo dos anos este foi crescendo ainda mais, porém sobre os gastos com educação infantil, que são de quase exclusiva responsabilidade desta esfera. Isto mostra uma provável pouca importância dada à educação de crianças de zero a seis anos. Os estados também priorizam o ensino fundamental, com cerca de 65%, ao longo de todo o período, de seu gasto educacional destinado a este nível. Os ensinos médio e profissionalizante aumentaram de relevância ao longo dos anos, passando de 15% para 19% dos gastos estaduais com educação. O ensino superior recebeu em torno de 15% por todo o período e a pequena participação da educação infantil tornou-se irrisória a partir de 2000. Sabe-se que a União prioriza o ensino superior. Porém, ao longo dos anos sua participação nos gastos federais tendeu a diminuir. O ensino fundamental é o nível que recebe a segunda maior parcela dos gastos federais, mas ele também diminuiu sua participação no período. Já os ensinos médio e profissionalizante não sofreram grandes alterações na participação dos gastos federais.
136
Gráfico 43 - Participação do Gasto Educacional no Gasto Federal % GSF
% GTF
10% 9% 8% 7% 6% 5% 4% 3% 2% 1% 0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13)
O gráfico 43 mostra que os gastos federais em educação perderam importância relativa no gasto social federal e no gasto total federal. Em 1995 a educação representava cerca de 9,5% do GSF. Exceto no ano de 2000, diminuiu sua participação até 2003, quando começou a apresentar leve tendência de aumento – porém, sem voltar ao valor de 2002 – e em 2005 foi de pouco mais de 6%. Em relação ao gasto total do governo federal, teve sua participação reduzida a pouco mais da metade do início do período. Finalmente, o gráfico 44 mostra a evolução da importância dos gastos educacionais na economia como um todo. Exceto em 1997 e 1998, que apresentaram grande queda e aumento, respectivamente, nos demais anos não houve grandes alterações, e os gastos com educação foram equivalentes a 4% do PIB
137
Gráfico 44 - Participação do Gasto Educacional Consolidado no PIB Total Ensino Fundamental Ensino Superior
4,5%
Educação Infantil - 0 a 6 anos Ensino Médio e Profissionalizante Outros
4,0% 3,5%
% PIB
3,0% 2,5% 2,0% 1,5% 1,0% 0,5% 0,0% 1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Elaboração Própria. Fonte: CASTRO E DUARTE (p.13), IPEADATA-IBGE
Os indicadores mais convencionais e simples mostram uma melhora da situação educacional brasileira no período de 1988 a 2007, como pode ser visto nos gráficos 45, 46 e 47 que mostram a evolução, respectivamente o percentual de freqüência escolar da população de 7 a 14 anos (ou seja, do ensino fundamental obrigatório), a taxa de analfabetismo da população com 15 anos ou mais e a média de anos de estudo da população brasileira com 25 anos ou mais. Realmente, o ensino fundamental praticamente se universalizou ao longo destes anos e, em 2007, mais de 95% dos jovens entre 7 e 14 anos estavam freqüentando a escola. A taxa de analfabetos declinou pela metade. Mas, 10% da população incapaz de ler e escrever não é, exatamente, um bom índice. Além disso, apesar desta queda em seu percentual, a quantidade absoluta de analfabetos no Brasil não apresentou grandes alterações e ficou em torno de 14 milhões de brasileiros150 (CASTRO, 2009). A média de anos de estudos dos brasileiros aumentou em 50%. Porém, mesmo com a universalização do ensino fundamental, ela era, em 2007, de 6,9 anos, ou seja, inferior aos oito anos de estudo obrigatórios. 150
Dado para os anos de 1992 a 2007 (p. 680). Esta pequena alteração no volume total de analfabetos pode ser explicada, em grande parte, pela constatação de que “a taxa de analfabetismo dentro de uma mesma geração é pouco sensível a mudanças com o passar dos anos. A queda no analfabetismo está ocorrendo pela escolarização da população mais nova e pela própria dinâmica populacional, isto é, com a morte dos idosos analfabetos” (p.695).
138
Gráfico 45 - Frequência Escolar - 7 a 14 anos % População entre 7 e 14 anos
Frequência Escolar - 7 a 14 anos 100% 95% 90% 85% 80% 75% 70%
Elaboração Própria. Fonte: IPEADATA
Gráfico 46 - Analfabetos - 15 anos e mais % População de 15 anos e mais
Analfabetos - 15 anos e mais 25% 20% 15% 10% 5% 0%
Elaboração Própria. Fonte: IPEADATA
Gráfico 47 - Média de Anos de Estudo Média de anos de estudo - pessoas com 25 anos ou mais 7,5 7 6,5 6 5,5 5 4,5 4
Elaboração Própria. Fonte: IPEADATA
139
Em comparações internacionais de qualidade do ensino, o Brasil não tem apresentado resultados satisfatórios. A tabela 6 mostra o fraco desempenho dos estudantes brasileiros nos exames do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que figurou entre os últimos colocados. Tabela 6 Resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) Modalidade Leitura Ciências Matemática ano/desempenho Nota Colocação Nota Colocação Nota Colocação 2001 (1) 396 31 375 31 334 31 2003 (2) 403 40 390 40 356 41 2006 (3) 393 49 390 52 370 54 Fonte: PISA 2000, 2003, 2006. OECD, Apud Kerstenetzky, 2010. (1) em 31 países; (2) em 41 países; (3) em 57 países.
O pequeno aumento no gasto nominal e a queda no gasto per capita com educação ao longo destes anos implicam neste mau desempenho da educação brasileira. Kerstenetzky e Alvarenga (2009) calcularam, sob diversos cenários, o percentual do PIB que deveria ser gasto em educação para se alcançar resultados satisfatórios. Este déficit educacional é de, no mínimo 5,6% do PIB, para se ter um desempenho parecido com o chileno e a atual cobertura. Mas se o objetivo for uma educação de ponta, como a Finlandesa (tanto em desempenho como em cobertura), este déficit chega a 20,5% do PIB brasileiro. Além disso, a educação infantil – tendência de ponta dos países escandinavos e excelente mecanismo para romper o ciclo intergeracional da pobreza – não vem sendo priorizada pelo governo brasileiro. Apesar da melhora em alguns indicadores educacionais, ainda é necessário um grande investimento para que a educação seja uma ferramenta de diminuição das desigualdades e promoção de oportunidades. Como pode ser visto na tabela 7, há consideráveis desigualdades nos indicadores educacionais entre as pessoas pertencentes às diferentes faixas de renda familiar.
140
Tabela 7 - Indicadores educacionais por quintil de renda familiar per capita - 2007
1o quinto 2o quinto 3o quinto 4o quinto 5o quinto
Média de anos Taxa de de estudo - pop analfabetismo 15 anos ou pop 15 anos ou mais mais 5 18,5 5,8 14,2 6,3 13,3 7,5 7,1 10,3 2
Taxa de freqüência bruta(1) à educação Taxa de infantil escolarização 0a3 4a6 líquida(2) - pop anos anos 15 anos ou mais 10,2 71 28 14,2 76,2 39,2 19,5 79,7 51,4 26,4 85,8 63,8 36,2 92,2 76,9
Fonte: Castro, 2009. (1) Proporção de pessoas que freqüenta escola em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária. (2) Proporção de pessoas matriculada no nível de ensino adequado para sua idade em relação ao total de pessoas da mesma faixa etária.
A média de anos de estudo mais do que dobra ao se comparar o quinto da população mais pobre com o quinto da população mais rica e é apenas a partir do 4º quinto que a população atinge a média de sete anos de estudo – equivalente ao ensino fundamental obrigatório. A taxa de analfabetismo entre os mais pobres é mais de nove vezes maior que a dos mais ricos. O estoque de escolarização da população apresenta grande diferença de acordo com a renda. É ainda mais preocupante perceber que o fluxo da escolaridade não está indo em direção de mudança. Enquanto 76,9% dos mais ricos com 15 anos ou mais freqüentam a escola em seu nível adequado de ensino, esta proporção cai para somente 28% da população mais pobre – caracterizando forte quadro de repetência e/ou evasão escolar151. Na educação infantil, o acesso também apresenta desigualdades relevantes. Somente 10% das crianças de zero a três anos do primeiro quinto freqüentam a creche. Este número aumenta para 36,2% das crianças ao se olhar para o último quinto152. Para as crianças de quatro a seis anos, este indicador melhora, mas a desigualdade entre a população dos diferentes quintos de renda permanece considerável (mais de 20 pontos percentuais do primeiro para o último). Como já foi visto, a educação e, principalmente, a infantil, é fundamental para o desenvolvimento psicomotor e de habilidades que no futuro irão se refletir em oportunidades. Devido ao pequeno capital humano das famílias mais pobres, pode-se dizer que “as crianças que mais se beneficiam da experiência pré-escolar são justamente as crianças mais pobres” (CASTRO, 2009, p.686) Ou seja, vale dizer mais uma vez, que a educação (e
151
Sabe-se que quanto maior o grau de defasagem escolar, maior é a tendência ao abandono. O Plano Nacional de Educação previa que em 2006 a taxa de freqüência escolar das crianças de zero a três anos deveria ser de 30%. Este percentual apenas é atingido pelo quinto mais rico da população. 152
141
principalmente a infantil) é uma forma eficiente de se combater o ciclo intergeracional da pobreza. Porém, o acesso à educação ainda é muito desigual entre ricos e pobres. Mais uma vez, há evidências de que se deve aumentar os investimentos em educação, ampliando não só sua quantidade, mas, principalmente, sua qualidade. Nesta seção foi possível ver que o gasto em educação apresentou relativa estabilidade no período de 1995 a 2005 (apesar de variações ano a ano, não houve mudança significativa no total do período), mas, felizmente, um acelerado aumento entre 2005 e 2008. Sua participação na economia (percentual do PIB) se manteve perto dos 4% ao longo do período. Em relação à descentralização, pode-se dizer que os preceitos constitucionais de especialização foram seguidos e cada esfera é a maior responsável por um nível educacional. A Educação Infantil e o Ensino Fundamental são, prioritariamente, providos pelos municípios. O Ensino Médio tem como seu maior responsável a esfera estadual e o Ensino Superior é garantido, principalmente, pela União. Todos os indicadores educacionais apresentaram melhora ao longo dos anos, mas os resultados finais ainda deixam a desejar. Ao comparar os resultados do Brasil com o de outros países foi possível perceber que a qualidade do nosso sistema educacional ainda é muito baixa. Além disso, ainda há uma grande desigualdade no acesso educacional para as pessoas pertencentes às diferentes faixas de renda. Ou seja, apesar das melhoras observadas, ainda há muito que investir no sistema educacional brasileiro para que ele ofereça à população uma real possibilidade de desenvolvimento e promoção social.
142
CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção do sistema de proteção social brasileiro teve seus primeiros tijolos assentados no início do século XX. Eram iniciativas isoladas que ainda não esboçavam um projeto consolidado de proteção. Em 1919, surgiu uma primeira norma legislativa que protegia os trabalhadores em casos de acidentes de trabalho. Em 1923, foi criado, por iniciativa do patronato, a Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos Ferroviários: o primeiro sistema de aposentadoria e pensões brasileiro, já baseado na contribuição tripartite – empregado, empregador e governo. Entretanto, estava sob o comando do empresariado, não do governo e funcionava sob o regime de capitalização. Três anos mais tarde, este sistema de caixa de aposentadoria foi replicado para algumas outras categorias de trabalho153. Foi, também em 1926, que se estabeleceu o direito às férias remuneradas, de 15 dias anuais. Em 1927, o trabalho infantil – para menores de 14 anos – foi proibido. Mas, foi somente a partir dos anos de 1930 durante o governo de Getúlio Vargas que o sistema de proteção social brasileiro começou a erguer seus primeiros pilares de sustentação. Foram instituídos os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP), sob o comando do governo, nacionalmente unificados, mas estratificados por categoria trabalhista. Por parte do governo, houve o reconhecimento do movimento sindical, mas, também, o seu efetivo controle. Nas áreas de educação, saúde e assistência, a despeito de uma importante centralização, as iniciativas foram menos inovadoras. São evidentes as marcas do modelo bismarckiano na construção do sistema de proteção social brasileiro. As iniciativas impostas pelo governo estão baseadas na idéia do seguro social, com um viés altamente corporativo, em que apenas alguns – os trabalhadores urbanos – são protegidos. Vale relembrar que, como a maioria da população brasileira ainda era rural, apenas a minoria estava protegida pelas novas leis trabalhistas. Ainda, a abrangência da proteção variava de acordo com o poder de contribuição da categoria profissional, enfatizando sua característica meritocrática. O período seguinte, de 1946 a 1964, marcado pela redemocratização, foi de grande efervescência política. Houve, sobretudo, ampliação dos direitos civis e políticos. Em relação ao sistema de proteção social, ocorreram alguns avanços. Na área da saúde, o combate às doenças de massa e a ampliação da assistência médica ganharam 153
Vale lembrar que esta replicação para outras categorias de trabalho não significou uma ampliação do sistema existente (a CAP dos ferroviários) e sim a criação de outras CAPs,exclusivas para cada categoria.
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importância. Na educação, passou-se a priorizar a democratização do ensino e a maior qualificação de seus profissionais. A habitação passou a ser vista como uma questão social e a previdência teve sua Lei Orgânica aprovada. Havia grande pressão popular pela implementação de grandes reformas estruturais, as chamadas “reformas de base”: agrária, financeira, tributária, administrativa, educacional e social. Uma conquista desta movimentação foi a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, que pela primeira vez na história do país, colocava o homem do campo sob a proteção social do Estado. A aprovação do Estatuto produziu impacto imediato sobre o processo de organização dos trabalhadores, facilitando a formação de sindicatos rurais. Porém, a despeito desse grande ganho, a significativa inovação do Estatuto, que previa a extensão da legislação trabalhista ao campo e a inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário, na prática, não se concretizou. Em função do acirramento do clima político do país, que culminou com um golpe militar que derrubou o presidente João Goulart da presidência da República, as reformas de base não foram realizadas. Por isso, pode-se dizer que, formalmente, os direitos sociais sofreram poucas alterações ao longo deste período. O sistema de proteção social manteve sua face corporativista, continuou fortemente baseado na lógica do seguro e não houve grande avanço no sentido da ampliação da sua inclusão. Cabe registrar que, durante a vigência do regime democrático (1946 a 1964), o modelo de organização sindical permaneceu orientado pela CLT, implantada no governo Vargas. Os sindicatos continuavam únicos e tutelados pelo governo. A grande novidade trazida pela Constituição de 1946 foi o reconhecimento do direito de greve, totalmente negado anteriormente, e a integração da Justiça do Trabalho, também criada no governo Vargas, ao Poder Judiciário. De acordo com o modelo adotado nos anos 1930, as greves eram consideradas desnecessárias, pois, em caso de qualquer reivindicação, cabia ao sindicato, em nome de sua respectiva categoria profissional, recorrer à Justiça do Trabalho (GOMES, 2002). Não havia, portanto, pressão direta sobre o patronato. A partir, sobretudo, dos anos 1950, com um maior fortalecimento do movimento sindical, os trabalhadores utilizaram bastante esses dois recursos para lutar pela ampliação dos seus direitos. Foi, ainda, nesse período, que o poder aquisitivo do salário mínimo sofreu uma elevação de 100%. A despeito da inflação que se acelera no início da década de 1960, o valor real do salário mínimo consegue ser mantido e o seu reajuste, antes trienal, passa a ser anual. 144
Em 1964 deu-se início a mais um período de governo autoritário e centralizador, com perdas de autonomia das esferas subnacionais e, também, dos direitos políticos e civis. A despeito das restrições dos direitos civis e políticos, os militares ampliaram alguns direitos sociais, fortemente demandados por setores da sociedade brasileira no pré 64. Em 1966, houve a criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) que, finalmente, unificou os antigos IAPs e definiu regras iguais de contribuições e benefícios para todas as categorias – à exceção dos funcionários públicos e militares, que continuaram com regimes próprios. Esta unificação era, também, uma estratégia dos militares para “despolitizar” o sistema de proteção social, pois, agora, eram os indivíduos, e não mais as organizações sociais trabalhistas, seus atores principais. Apesar de ter perdido um pouco sua característica corporativa, o sistema de seguro continuou baseado nos princípios meritocráticos. A saúde era atrelada ao sistema previdenciário, ou seja, somente os trabalhadores formais é que tinham acesso a este serviço. A desmercantilização, portanto, era mínima. Do ponto de vista do sistema educacional, houve expansão. Outra importante inovação foi a incorporação dos trabalhadores rurais na previdência social. Porém, o sistema que foi criado, o Fundo de Assistência Rural (Funrural), era totalmente separado do INPS. Ao longo do regime militar, houve ainda, em 1974, a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, que sinalizava a inclusão de toda a população no sistema de proteção social. Mas, esta expansão somente ocorreu anos depois. O sistema de proteção, apesar de ter se expandido e consolidado neste período, ainda se apresentava muito heterogêneo e fragmentado e, apesar da expansão de cobertura e de programas sociais, o principal pilar do sistema continuava sendo o seguro da lógica bismarckiana. A partir de 1985, com o fim do regime militar, marcado pela grande repressão aos direitos civis e políticos e grande aumento da desigualdade social, muitos eram os anseios da população pelo alargamento destes direitos e, também, por uma maior inclusão e equidade social. A nova Constituição de 1988 foi fruto deste processo. Foi somente a partir de sua promulgação, que os pilares de sustentação do sistema de proteção social brasileiro sofreram significativa mudança. A proteção social passou a ser fundamentada sob o viés beveridgeano, de universalização e inclusão social. A lógica da proteção deixava de ser o seguro e passava a ser a seguridade. Pretendia-se deixar de lado a “cidadania regulada” do passado, para alcançar a cidadania universal. Pretendia-se, também, desmercantilizar o bem-estar social e aumentar as bases 145
solidárias de contribuição para o sistema de proteção. Assim, as políticas sociais passavam a ser direito da população e dever do Estado. Os habitantes dos meios urbano e rural, finalmente, foram colocados em pé de igualdade, com a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para ambas as áreas. Os benefícios previdenciários e assistenciais permanentes tiveram seu piso vinculado ao valor do salário mínimo, reafirmando a coesão social. Nesse novo contexto, a principal inovação foi a instituição do sistema de Seguridade Social, englobando sob uma mesma diretriz, as políticas de previdência, assistência e saúde. Estas três políticas foram colocadas sob um mesmo patamar de importância para ajudar a combater os diversos riscos sociais que as pessoas podem enfrentar ao longo da vida. A idéia era haver uma atuação integrada e complementar entre elas, na busca de melhores resultados na provisão de bem-estar da população. Além disso, o afrouxamento do vínculo contributivo também foi uma importante mudança, que fez parte da agenda em pauta. A saúde deixou de ser atrelada ao mercado de trabalho e passou a ser universal, para toda a população. Para viabilizar esta universalização, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS): uma rede pública de ações e serviços de saúde, que foi planejada para atuar em diversas áreas. A intenção era de ser um sistema abrangente e completo e, portanto, pretendia acabar com as “dicotomias históricas” entre as ações de saúde pública e o atendimento clínico individualizado, entre o individual e o coletivo e, ainda, entre as ações de caráter preventivo e as de caráter curativo. O objetivo era de prover o atendimento integral na área da saúde, para toda a população. A assistência foi, pela primeira vez, dissociada da previdência e passou a ser, per se, considerada como uma política pública social. Os benefícios assistenciais deveriam cobrir “todos que deles necessitassem”, afirmando seu caráter universal e, também, a inédita responsabilidade do Estado pelas pessoas pobres e desprovidas. Uma significante mudança foi a transferência da Renda Mensal Vitalícia (RMV) do âmbito da previdência para a assistência, pois, como isso, foi abolida a necessidade da prévia contribuição para o recebimento do benefício – que passou a ser denominado de Benefício de Prestação Continuada (BPC).
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A previdência teve, como principal mudança, a incorporação dos trabalhadores rurais, que tiveram um afrouxamento do vínculo contributivo e passaram a contribuir de acordo com suas possibilidades. O benefício deixou de ser dado por unidade familiar e passou a ser pessoal. Porém, ela continuou estratificada entre os trabalhadores da iniciativa privada (sob o Regime Geral da Previdência Social – RGPS) e os servidores públicos (sob o regime próprio da previdência social – RPPS). Além de regras diferentes de contribuição e benefício, o primeiro integra a seguridade social, e o segundo não. À exceção da previdência rural, esta esfera continuou seguindo a lógica estrita do seguro e o valor do benefício continuou sendo compatível com a capacidade contributiva. Não se conseguiu implementar, no âmbito da seguridade social, um benefício básico para toda a população. Como forma de garantir a implementação das políticas de saúde, assistência e previdência e resguardá-las das disputas orçamentárias com as demais rubricas do governo, foi a criado o Orçamento da Seguridade Social (OSS). Assim, são garantidas fontes próprias de financiamento para estas políticas, exclusivas (não poderiam ser utilizadas para outros fins), mas não únicas (cabe à União complementar eventuais necessidades financeiras nestas áreas). Na educação, a principal inovação foi a obrigatoriedade do ensino fundamental para toda a população, bem como sua gratuidade e qualidade. Mais uma vez, seguindo a lógica beveridgeana de universalização e promoção de equidade através da equalização das oportunidades. A gratuidade do ensino público, também foi garantida para os demais níveis, sem, porém, a sua condição obrigatória. Nos dois anos seguintes à promulgação da Constituição, houve um relevante aumento nos gastos sociais, tanto em seus valores absolutos, quanto per capita e em relação ao PIB. O que indica que o sistema de proteção social brasileiro estava se ampliando, de acordo com as diretrizes que se estabelecera em 1988. Em 1991, porém, houve grande diminuição dos gastos, nas três modalidades acima descritas, como resultado de um governo liberal que começava a instituir políticas de diminuição do Estado. Durante todos estes 20 anos, o Brasil sofreu algum tipo de restrição externa com conseqüente ajuste fiscal interno. O gasto social tendeu a aumentar no período, sob todas as óticas analisadas, porém, foi possível perceber uma menor aceleração no 147
crescimento destes gastos nos períodos em que o ajuste fiscal foi mais severo. Inclusive, no segundo mandato de FHC e no primeiro ano do governo Lula, os gastos sociais não só desaceleraram, mas retrocederam. Há, portanto, um indicativo que as políticas sociais sofrem significativa influência das políticas econômicas. Para uma maior ampliação das mesmas, devem fazer parte da agenda política, integradas às políticas econômicas. É importante lembrar que elas não devem ser encaradas somente como fim, mas, também, vistas como meio de gerar desenvolvimento econômico e social. As áreas sociais que mais aumentaram sua importância relativa nos gastos sociais totais foram previdência e assistência social. Juntas, elevaram em quase 70% sua participação no total das políticas sociais. Em 2008, respondiam por mais da metade do gasto social total. Educação (atrelada à cultura) foi a que mais perdeu espaço, caindo quase à metade de sua participação original. Já a saúde (atrelada ao saneamento) manteve-se relativamente constante, mas com leve queda de participação. Isto indica que os serviços universais, de suma importância para diminuir as desigualdade sociais pré-existentes (como a diferença de capital humano familiar) e promover equidade de oportunidades, foram perdendo relevância na agenda política. A assistência social ainda é a área que recebe os menores aportes financeiros, mas apresentou grande aumento nos últimos anos. Este crescimento ocorreu, basicamente, por causa do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e, mais recentemente, pelos programas de transferência de renda condicionados – a partir de 2003 expressos pelo Programa Bolsa Família (PBF). Ambos apresentaram grande relevância para a melhora da situação social brasileira. O BPC, devido ao seu valor atrelado ao salário mínimo, apresenta grande impacto na diminuição da pobreza e, também, da desigualdade. Já o PBF atinge um número muito maior de beneficiários, mas seu maior impacto é no alívio à pobreza. Devido ao valor reduzido de seu benefício, não consegue tirar muitas pessoas da linha de pobreza. Além disso, por não ser um direito, mas apenas um programa, não atinge à totalidade de seu público alvo. Há polêmica sobre o futuro de ambos os benefícios. O que está em disputa é qual deles deve seguir o caminho do outro (KERSTENETZKY, 2010). Assim, em relação ao BPC discute-se sobre uma possível diminuição de seu valor e aperto das regras de elegibilidade (indo, portanto, na direção de um programa de transferência de renda condicionado). Quanto ao PBF o que está em questão é a possível ampliação do valor 148
dos benefícios, afrouxamento das condicionalidades e sua universalização – mesmo que apenas dentro de um grupo determinado, assim como no BPC. Ou seja, é a sua transformação em um direito e ampliação de seu impacto redistributivo. Pode-se dizer que o resultado desta disputa irá aproximar a assistência social brasileira do modelo liberal, se o que prevalecer forem os benefícios residuais, de baixos valores, atrelados a condicionalidades e rigorosos testes de meio. Se o caminho inverso for seguido, ou seja, ampliação do valor dos benefícios de acordo com o mínimo vital, afrouxamento das condicionalidades e ampliação do público alvo – no limite universalização do mesmo, transformando a transferência de renda em um programa de renda básica de cidadania – a aproximação ocorrerá em direção ao modelo social-democrata. O gasto previdenciário é o mais elevado dentre aqueles das áreas sociais. Devido a seu caráter “incomprimível”, sua tendência foi de grande aumento nestes 20 anos. Por causa deste elevado valor despendido nesta área, algumas foram as tentativas de mudar as regras previdenciárias, aumentando tempo e alíquota de contribuição. A previdência rural, por apresentar regras especiais de contribuição, com maior afrouxamento em relação ao cálculo atuarial, também sofreu tentativas de mudança de regras e diminuição no valor de seu benefício. A principal função do sistema de proteção social é a realização de transferência horizontal, ou seja, ao longo do ciclo da vida, para a garantia da suavização do consumo. Ao se analisar os dados de pobreza entre a população idosa, é possível perceber que ela realmente está cumprindo o seu papel. Os idosos são o grupo etário de menor incidência da pobreza. Porém, à exceção da previdência rural, nosso sistema previdenciário continuou baseado na lógica do seguro bismarckiano. Assim, assemelha-se mais ao sistema corporativo. Um país com grau de informalidade de mais de 50% deveria atentar para este fato e procurar modificar as regras previdenciárias com objetivo de incluí-los e, assim, protegê-los. Os gastos na área da saúde apresentaram aumento significativo. O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado a partir de bases muito pequenas. Ou seja, foi necessário construir e elaborar todo um sistema nacional, unificado e completo – em relação ao atendimento dos diversos graus de complexidade da saúde. Por causa da orientação de descentralização, que realmente foi verificada, foram aumentando as transferências para as esferas subnacionais – principalmente os municípios - dos gastos federais em saúde. Nos últimos anos, foi possível perceber uma importante priorização 149
dos gastos em atenção básica. Porém, este aumento da atenção básica ocorreu acompanhado de uma diminuição da atenção hospitalar. Como demonstrada no terceiro capítulo, a qualidade do sistema de saúde brasileiro ainda está longe do ideal, para se justificar tal diminuição. Os indicadores de saúde melhoraram ao longo dos anos, mas ainda deixam a desejar. Apesar de universal, nosso sistema de saúde gera estratificação social e pequeno grau de desmercantilização (KERSTENETZKY, 2010). Devido à sua baixa qualidade, todos os que podem pagar por este serviço o fazem. Portanto, de um modo geral, a saúde ficou dividida entre a provisão pública e gratuita, mas de qualidade insuficiente para os pobres, que não tem outra alternativa, e a provisão do mercado privado, com diferentes graus de qualidade no serviço oferecido, para aqueles que podem comprar. A estrutura dos gastos com educação segue, exatamente, os preceitos constitucionais. Cada uma das esferas atua, prioritariamente, em um nível educacional e vice-versa. A educação infantil e o ensino fundamental recebem seus recursos principalmente dos municípios. O ensino médio e profissionalizante, dos estados e o ensino superior da União. Por ser o único nível obrigatório, o ensino fundamental é o responsável pela maior parte dos gastos educacionais. Ao se comparar 1995 à 2005, pouco foi o incremento do gasto nesta área e o gasto per capita apresentou queda no total e um pequeno aumento no ensino fundamental. Apesar de se ter conseguido universalizar o acesso à educação básica, pouco foi realizado em se tratando de qualidade. Assim como na saúde, alguns indicadores apresentaram melhora ao longo do período, porém, ainda são insuficientes e revelam um alto grau de desigualdade e exclusão em nossa sociedade. O sistema público educacional de base, também acabou implicando em uma estratificação dual de classes: os que podem pagar por uma educação privada de qualidade e os demais (pobres), que freqüentam o ensino público, de baixa qualidade. Além disso, a educação infantil – política de ponta dos estados de bem-estar social-democratas – que, como já dito algumas vezes ao longo deste trabalho, é de grande importância para o desenvolvimento da criança e um forte instrumento de promoção de igualdade de oportunidade e quebra do ciclo intergeracional da pobreza, não está sendo priorizada. (KERSTENETZKY, 2010). Apresentou um pequeno aumento nos últimos anos, mas sua cobertura ainda é muito pequena.
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Portanto, as orientações beveridgeanas de inclusão, universalização e promoção de equidade, apesar de presentes nas diretrizes de nosso estado de bem-estar social, na prática não conseguiram ser suficientemente implementadas. Nestes 20 anos, muitos foram as melhorias em nossa realidade social. A pobreza, a extrema pobreza e a desigualdade diminuíram, assim como o grau de informalidade no mercado de trabalho, principalmente nos últimos anos, que também mostraram queda no desemprego. A esperança de vida ao nascer aumentou e a mortalidade infantil diminuiu. A média de anos de estudo cresceu e a taxa de analfabetismo diminuiu. Os avanços são inegáveis. Porém, ainda há muito para progredir. Para dirimir nossas enormes e históricas desigualdades sociais e de oportunidades, é muito importante que nosso estado de bemestar social continue avançando no caminho universalista e inclusivo.
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