1.1. Projeto-intervenção - Escola de gestores

Projeto Vivencial 1.1. Projeto-intervenção O curso de formação de gestores escolares que estamos realizando orienta-se por dois eixos básicos: a) a e...
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Projeto Vivencial

1.1. Projeto-intervenção O curso de formação de gestores escolares que estamos realizando orienta-se por dois eixos básicos: a) a educação compreendida como direito social a ser suprido pelo Estado e b) a gestão democrática da escola como meio indispensável à realização da finalidade social

Suas atividades terão como horizonte a escola (de modo particular, a escola em que você atua).

da educação. Esses dois eixos, que orientam nosso curso do começo ao fim, levam-nos a uma compreensão de que a escola, em sua forma concreta de ser, é objeto de análise e intervenção. Esses pressupostos fundamentam a metodologia adotada na construção da proposta de formação e nas várias atividades que lhe serão propostas ao longo de sua formação. Inúmeras pesquisas sobre formação continuada de professores já demonstraram a necessidade de que os espaços formativos, especialmente aqueles destinados a profissionais que estão em serviço, tomem como ponto de partida a sua prática na escola. Essa

afirmação,

todavia,

embora

pertinente,

nem

sempre

foi

compreendida

adequadamente, levando muitas vezes a formações de caráter extremamente pragmático, centradas no “como fazer”, ou limitadas às questões imediatas do cotidiano escolar. Nessas perspectivas, a teoria é considerada supérflua e secundária, afirmando-se a primazia da prática como lugar por excelência da formação de educadores. Embora não discordemos da importância da prática, observamos, como nos lembra Vazquez (1977), que se a teoria em si não transforma o mundo, pode contribuir para sua transformação, desde que assimilada por aqueles que vão fazer, com seus atos reais, efetivos, essas transformações. O Projeto-intervenção, tal como o propomos, deve ser compreendido e desenvolvido como ação conjunta, partilhada entre o diretor e o coletivo da escola. Logo, não se trata da elaboração solitária de um projeto para, posteriormente, outros executarem. Trata-se, ao contrário, de um projeto que desde sua proposição, passando pela elaboração e

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desenvolvimento, ocorre no e com o coletivo da escola. Desse modo, podemos criar formas e modos de concretizar/vivenciar os princípios da gestão democrática na escola não como intenção proclamada, mas como práxis criadora. Sabendo um pouco mais sobre o Projeto-intervenção... O Projeto-intervenção, como o próprio título alude, fundamenta-se nos pressupostos da pesquisa-ação. Tem como base a idéia de uma relação dialética entre pesquisa e ação, supondo ainda que a pesquisa deve ter como função a transformação da realidade. No campo educacional, essa modalidade de pesquisa é bastante enfatizada, devido à relevância de seu caráter pedagógico: os sujeitos, ao pesquisarem sua própria prática, produzem novos conhecimentos e, ao fazê-lo, apropriam-se e re-significam sua prática, produzindo novos compromissos, de cunho crítico, com a realidade em que atuam. Nesse tipo de pesquisa, a prática é compreendida como práxis1. Tanto pesquisador como pesquisados estão diretamente envolvidos em uma perspectiva de mudança. De acordo com Thiollent (2005): Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (p. 16)

Ainda de acordo com o autor, o que qualifica uma pesquisa como sendo “pesquisa-ação” é a presença efetiva de uma ação por parte das pessoas ou grupos implicados no problema proposto como alvo de intervenção. Nesse tipo de pesquisa, os pesquisadores desempenham

um

papel

ativo

na

resolução

dos

problemas

identificados,

no

acompanhamento e na avaliação das ações desenvolvidas para sua realização. Dois objetivos são atribuídos à pesquisa-ação: a) objetivo prático: relacionado ao tipo de problema que a pesquisa pretende resolver ou contribuir para sua resolução e b) objetivo de conhecimento: obter informações, aumentar o conhecimento sobre determinado tipo de problemática. Em síntese, para Thiollent (2005, p. 18), a pesquisa-ação se caracteriza: a) por uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação investigada;

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b) desta interação resulta a ordem de problemas a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta c) o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação social e pelos problemas de diferentes naturezas encontradas nessa situação d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos em esclarecer os problemas da situação observada e) há, durante o processo, um acompanhamento das decisões, das ações e de toda a atividade intencional dos atores da situação f) a pesquisa-ação não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo). Pretende-se aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento, ou o ‘nível de consciência’, das pessoas e dos grupos considerados.

Esses pressupostos da pesquisa-ação fundamentam o que aqui estamos designando como Projeto-intervenção: uma pesquisa centrada na realidade da escola, envolvendo sua comunidade, com vistas a uma transformação. Certamente que, na definição do problema, objeto de pesquisa e de intervenção, deverão ser considerados fatores como uma boa delimitação do problema, o tempo para seu desenvolvimento, as pessoas envolvidas e a contribuição para a comunidade escolar.

O que pode ser objeto do Projeto-intervenção? Seguindo os pressupostos teórico-metodológicos e objetivos deste curso, seu Projetointervenção pode ter como objeto: a) a construção do Projeto Político-Pedagógico de sua escola, caso esta ainda não o tenha elaborado b) a re-elaboração do Projeto Político-Pedagógico de sua escola, caso está já o tenha c) uma

problemática

considerada

relevante

por

sua

comunidade

escolar,

estreitamente vinculada com o Projeto Político-Pedagógico ou com o âmbito da gestão da escola Tomando,

então,

como

referência

os

pressupostos da pesquisa-ação, em especial considerando

seu

potencial

transformador,

sugerimos que a definição do que será o objeto do Projeto-intervenção seja resultado de debates e acordo entre você (diretor) e sua unidade

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escolar. Essa “negociação” é importante, pois a exemplo da pesquisa-ação, também no Projeto-intervenção, procura-se forjar uma experiência de pesquisa em que o pesquisador é também parte do universo pesquisado. É por essa vinculação estreita entre teoriaprática com a realidade cotidiana da escola e do seu

trabalho

como

gestor

denomina-se Projeto Vivencial.

que

esta

sala

Você pode discutir suas propostas em reuniões de professores, de pais, com o conselho escolar, com o grêmio, dependendo do foco de seu projeto.

No Projeto-intervenção, a elaboração do projeto e o seu desenvolvimento são processos simultâneos. Logo, não se faz um projeto para aplicá-lo depois; ao contrário, a elaboração inicial do próprio projeto é aberta, ou seja, vai sendo modificada na medida em que a intervenção vai ocorrendo. Do mesmo modo, seus resultados já são apropriados pela comunidade pesquisada no próprio decorrer de seu desenvolvimento. Exemplificam bem este tipo de pesquisa muitos projetos de formação continuada de professores, em que o objeto de formação já se constitui no próprio processo formativo, ou a própria elaboração do Projeto Político-Pedagógico, por exemplo, quando os diferentes momentos de seu desenvolvimento já implicam ou promovem ações transformadoras.

Contribuições metodológicas para a elaboração e desenvolvimento do Projetointervenção Recorremos, novamente, às contribuições de Thiollent (2005), observando, em especial, os diferentes momentos que ele propõe para o desenvolvimento de uma pesquisa-ação. Resguardadas as particularidades que delimitam e constituem um Projeto-intervenção numa unidade escolar, acreditamos que os procedimentos propostos pelo autor podem auxiliar na elaboração e desenvolvimento do mesmo. Apresentamos a seguir as etapas propostas: 1a) Fase exploratória: consiste na identificação inicial dos problemas ou situações problemáticas (diagnóstico inicial), identificando-se também as pessoas interessadas em participar da pesquisa. Esse momento inicial destina-se também ao esclarecimento dos objetivos da pesquisa, conhecimento das expectativas dos participantes, discussão sobre a metodologia da mesma, divisão de tarefas etc. Depende da pesquisa proposta o número

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de pessoas e de ações envolvidas para sua realização, bem como as condições de sua participação. Após esse levantamento inicial, os pesquisadores e participantes podem estabelecer os principais objetivos da pesquisa – definir o problema prioritário, as pessoas envolvidas, o campo da intervenção e o processo de investigação-ação, avaliação etc. 2a) Tema da pesquisa: é a designação do problema prático a ser investigado e da área de conhecimento na qual essa problemática se insere. O tema deve ser definido de modo simples, dando possibilidade para desdobramento posterior em problemas a serem investigados. A delimitação do tema deve ser resultado de discussão com o grupo envolvido. Ainda nessa etapa procede-se ao levantamento de indicações bibliográficas que irão compor o marco teórico orientador da pesquisa. 3a) Colocação de problemas: definidos o tema e os objetivos da pesquisa, passa-se à definição de uma problemática na qual o tema escolhido adquira sentido (transformação do tema em forma de problema). Dizendo-se de outro modo, trata-se de, a partir do tema, levantar ou colocar os problemas que se pretende resolver ou sobre os quais se deseja intervir. No caso da pesquisa-ação e do “Projeto-intervenção”, os problemas devem ser de ordem prática, posto que se pretende alcançar alguma mudança ou transformação em uma determinada situação. 4a) Lugar da teoria: embora focalizada em questões práticas, a pesquisa-ação não prescinde da teoria. Pelo contrário, a delimitação do marco teórico é fundamental, pois é ele que dará suporte para interpretar situações e construir hipóteses ou diretrizes orientadoras da pesquisa. 5a) Hipóteses: não se trata aqui de elaboração de hipóteses formais. A hipótese na pesquisa-ação se dá sob a forma de diretrizes que podem orientar a ação, tanto no que se refere às estratégias como aos recursos a serem utilizados. As hipóteses centram-se nos possíveis meios ou caminhos para se obterem os objetivos, nos possíveis resultados negativos ou positivos, etc. Em função dessas hipóteses, os pesquisadores e participantes podem antecipar quais informações serão necessárias e que técnicas poderão utilizar para a busca de dados ou de informações.

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6a) Seminários: trata-se do trabalho grupal de discussão que acompanha todo o processo de pesquisa – desde sua elaboração inicial (planejamento) até sua execução e avaliação. Reúne os principais envolvidos na pesquisa. É o espaço para redefinição, realinhamento dos objetivos, “correção de rumos”, interpretação de dados, debates teóricos, entre outros. É, ainda, o espaço coletivo de direção da pesquisa. 7a) Campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa: é importante delimitar-se o campo da observação empírica no qual se aplica o tema da pesquisa, pois uma pesquisa-ação pode abranger desde uma comunidade concentrada (por exemplo, uma escola, um bairro) até um espaço maior (uma cidade). A delimitação empírica também está relacionada com o tema, com a problemática a ser abordada e com os objetivos da pesquisa. 8a) Coleta de dados: principais técnicas utilizadas na pesquisa-ação são as entrevistas grupais (podem ser na forma de “grupos focais”) e a entrevista individual, realizada de modo aprofundado. Outras técnicas podem ser associadas: questionários, quando aplicados a um número grande de pessoas; análise de documentos; observação participante; diário de campo (ou “diários de bordo”). No caso de crianças pequenas, podemos utilizar recursos como pequenos grupos de discussão acompanhados de elaboração de desenhos sobre a situação pesquisada. A técnica deve ser escolhida em função dos itens anteriormente já mencionados – tema, problema e objetivos da pesquisa. A esses itens, Thiollent (2005) acrescenta ainda: a) aprendizagem; b) saberes formais e informais; c) plano de ação e d) divulgação externa. Enfim, os pressupostos da pesquisaação aqui apresentados não devem se constituir como um “receituário” para o Projetointervenção.

Podem,

no

entanto,

fornecer

algumas

pistas

importantes para

o

planejamento e realização do projeto, sobretudo, se este pretender valorizar a participação efetiva dos envolvidos na pesquisa. Importante destacar que a participação dos envolvidos não apenas na condição de pesquisados, mas como sujeitos ativos de um processo de mudança, pode oportunizar não apenas a resolução de um problema ou de conhecimentos sobre o mesmo, mas também ricas situações de aprendizagem para todos.

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Para melhor organizar seu trabalho, sugerimos que as observações sobre método de estudo apresentadas no tópico Trabalho de Conclusão do Curso sejam também aqui observadas. Relembrando... Projeto-intervenção, o que é... Como fazer... ● Na Sala Ambiente Projeto Vivencial, sua principal tarefa deverá ser a realização de um Projeto-intervenção. Esse projeto, como o próprio nome diz, não é apenas um projeto de pesquisa a ser desenvolvido e depois seus resultados apresentados. Tratase de um projeto que tem como eixo central a intervenção, ou seja, a atuação em alguma situação considerada relevante na/para a escola, estreitamente vinculada ao PPP ou à gestão da mesma ● O Projeto-intervenção pode ter como objeto: a) a construção do Projeto PolíticoPedagógico (PPP) da escola, naquelas unidades que ainda não o tenham; b) a reelaboração do PPP, ou de partes do mesmo, nas escolas que já o têm e c) uma situação problemática e relevante na escola, vinculada ao PPP ou à gestão da mesma ● O Projeto-intervenção será realizado em equipes de trabalho com até quatro componentes, sob a orientação dos professores responsáveis pela Sala Ambiente Projeto Vivencial. Será desenvolvido desde o início do curso, devendo ao final deste ser apresentado um relatório analítico do mesmo, como item de avaliação desta Sala ● O Projeto-intervenção é fonte para a elaboração do seu Trabalho de Conclusão do Curso

Referências THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 14 ed. São Paulo: Cortez, 2005. VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Anexos 7

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Anexo A 1

Práxis

A palavra práxis é comumente utilizada como sinônimo ou equivalente ao termo “prático”. Todavia, se recorrermos à acepção marxista de práxis, observaremos que “práxis” e “prática” são conceitos diferentes. No sentido que lhe atribui o marxismo, práxis diz respeito à “atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz) e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico a si mesmo” (Dicionário Marxista). Já o conceito de prática se refere a uma dimensão da práxis: a atividade de caráter utilitário-pragmático, vinculada às necessidades imediatas. Nesse sentido, em nossa vida cotidiana, tomamos as atividades práticas como dadas em si mesmas, sem questionarmos, para além das formas como aparecem, aquilo que constitui sua essência. Segundo Vazquez (1977, p. 10), “a consciência comum pensa os atos práticos, mas não faz da práxis – como atividade social transformadora – seu objeto; não produz – nem pode produzir, como veremos, uma teoria da práxis”. Compreendida então como atividade social transformadora, Vazquez (1977, p. 185) afirma que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. Nesse sentido, a práxis é uma atividade conscientemente orientada, o que implica não apenas as dimensões objetivas, mas também subjetivas da atividade. Dizendo de outro modo, a práxis não é apenas atividade social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de objetos, de instrumentos, de tecnologias; é atividade transformadora também com relação ao próprio homem que, na mesma medida em que atua sobre a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo. Se a atividade prática por si só não é práxis, tampouco a atividade teórica, por si só, é práxis. “A atividade teórica proporciona um conhecimento indispensável para transformar a realidade, ou traça finalidades que antecipam idealmente sua transformação, mas num e noutro caso, fica intacta à realidade” (VAZQUEZ, 1977, p. 203). Assim, se a teoria não transforma o mundo, “pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair

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de si mesma e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transformação” (p. 207). Das afirmações acima, depreendemos que práxis, compreendida como prática social transformadora, não se reduz ao mero praticismo, tampouco à pura teorização. Nessa compreensão, a relação teoria e prática é indissociável. A compreensão da realidade, sustentada na reflexão teórica, é condição para a prática transformadora, ou seja, a práxis. A atividade transformadora é, então, atividade informada teoricamente. Nesse sentido, colocam-se em questão posições rotineiramente afirmadas em nível de senso comum, de refutação da teoria e de centralidade da prática, ou seja, de contraposição teoria-prática. Como bem afirma Vazquez (1977, p. 207): entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo isso como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação.

Em síntese, a relação entre teoria e prática implica um constante vaivém entre esses dois planos – teórico e prático. A atividade prática se sujeita, conforma-se à teoria, do mesmo modo que a teoria se modifica em função das exigências e necessidades do próprio real. Esse fenômeno entre teoria e prática só pode ocorrer se a consciência se mostrar ativa ao longo de todo processo prático. Resulta daí que é certo que a atividade prática, sobretudo como práxis individual, é inseparável dos fins que a consciência traça, estes fins não se apresentam como produtos acabados, mas sim num processo que só termina quando a finalidade ou resultado ideal, depois de sofrer as mudanças impostas pelo processo prático, já é um produto real (VAZQUEZ, 1977, p. 243).

Diferentes níveis de práxis Considerando a práxis como ação transformadora do homem sobre o mundo, o que significa não apenas atividade prática, mas atividade prática sustentada na reflexão, na teoria, Vazquez (1977) postula a existência de diferentes níveis de práxis, dependendo do grau de consciência do sujeito no curso da prática, e com o grau de criação com que 9

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transforma a matéria, convertendo-a em produto de sua atividade prática. Com base nesses critérios – grau de consciência e de criatividade –, distingue, de um lado, a práxis criadora e a reiterativa ou imitativa e, de outro, a práxis reflexiva e a espontânea. Comecemos com o que o autor denomina de práxis criadora. Segundo Vazquez (1977), esta é determinante, já que nos possibilita enfrentar novas necessidades ou situações, criando permanentemente novas soluções. Todavia, uma vez encontrada, esta nova solução não se pereniza, pois a própria vida, com suas necessidades sempre renovadas, coloca a condição de transitoriedade de tudo aquilo que nos parece, por vezes, como permanente. Isso significa que entre os problemas e as suas soluções é preciso um diálogo permanente. Assim, em nossa ação sobre o mundo, alternamos a criação com a permanência, pois a própria dinâmica da atividade humana faz conviver o ato criador com o imitativo, criação com reiteração. A práxis criadora supõe uma íntima relação entre as dimensões subjetivas e objetivas – entre aquilo que planejamos e realizamos. Criar significa idealizar e realizar o pensado. Todavia esse processo é simultâneo, pois, sendo indissociáveis, não se conhecem de antemão seus caminhos, seus resultados. Assim, o projeto e a sua realização sofrem mudanças, correções, ao longo de seu caminho. Por isso afirmamos que é um “processo”. Ao contrário da práxis criadora, que é única e não se repete, temos a práxis reiterativa ou imitativa, que se caracteriza exatamente por sua “repetibilidade”, ou seja, por seu caráter de repetição. Nesse caso, opera-se uma ruptura entre o “pensado” e o “realizado”, entre o objetivo e o subjetivo. Essa ruptura se expressa pela repetição de um processo e de um resultado obtidos por meio da práxis criadora. Atua-se aqui a partir de “modelos” previamente construídos, em outras situações diversas daquela que originaram sua criação. Nesse caso, fazer é repetir ou imitar outra ação. Dizendo-se de outro modo, separa-se, aqui, planejamento de execução, e a ação torna-se mecânica. Se há um aspecto positivo nessa práxis – a possibilidade de generalização ou transposição de modelos, de ampliar o já criado –, por outro lado, essa mesma qualidade pode ser inibidora, impeditiva de ações criadoras, pois ela não produz mudanças qualitativas na realidade, não a transforma criativamente.

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Toda atividade prática humana exige algum tipo de consciência. Todavia, a complexidade, a qualidade e os graus de consciência implicados na atividade prática variam. Por exemplo, a práxis criadora exige um elevado grau de consciência com relação à atividade realizada, na medida em que não há modelos a priori, o que exige de nós uma capacidade maior de “dialogar”, problematizar, intervir, corrigir nossa própria ação. O contrário se observa na práxis reiterativa, em que o grau de consciência declina e quase desaparece quando a atividade assume um caráter mecânico. Considerando esses aspectos, Vazquez (1977) defende ainda que práxis humana – de acordo com o grau de consciência envolvido – pode ser distinguida em “práxis espontânea” e “práxis reflexiva”. Com isso o autor não estabelece uma relação linear entre “práxis reflexiva e práxis criadora” e, em oposição, “práxis espontânea e práxis reiterativa”. Ao contrário, negando essa linearidade, o autor afirma a possibilidade de existência da consciência reflexiva em atividades mecânicas. Por exemplo, um operário na linha de produção: o seu trabalho é mecânico, repetitivo, práxis reiterativa, todavia, pode possuir um grau de consciência elevado sobre o seu processo de trabalho e as condições em que ocorre. Nesse caso, observa-se uma elevada “consciência reflexiva”. Ou seja, uma elevada “consciência da práxis”. Assim, podemos dizer que a “práxis espontânea” implica o grau de consciência que se faz necessário à execução de qualquer tarefa – podendo ser aquela quase inexistente. De sua prática, o sujeito não extrai os elementos que possam propiciar uma reflexão sobre a mesma. Por isso, a práxis espontânea não é transformadora, ao passo que a “práxis reflexiva”, por implicar uma “reflexão sobre a práxis”, contém em si as possibilidades de transformação.

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Quadro comparativo entre os diferentes conceitos de práxis, conforme proposto por Vazquez (1977) Práxis criadora É determinante, pois possibilita enfrentar novas necessidades, situações, criando novas soluções

Práxis reiterativa Opera a partir da “reiteração”, da “imitação” e não da criação

Práxis espontânea Relaciona-se ao grau de consciência envolvida na atividade prática

Práxis reflexiva Refere-se a um elevado grau de consciência envolvido na atividade prática

Estabelece-se pelo diálogo constante entre o “problema” e suas soluções; não implica modelos prévios, o “caminho se constrói ao andar”; seu caráter é processual

Supõe a transposição de modelos forjados na práxis criadora; a adoção de modelos implica ruptura, todavia com o contexto de sua criação, daí que essa práxis pode assumir um caráter mecânico, repetitivo, desprovido de sentido

Na práxis espontânea, a consciência envolvida na atividade é pequena, quase inexistente

Supõe a “reflexão sobre a prática”

Todavia, nem sempre em uma atividade repetitiva, mecânica, podemos dizer que há predomínio da práxis espontânea

Tem caráter transformador

Supõe uma íntima relação entre as dimensões subjetivas e objetivas; entre o “planejado”, “pensado” e o “executado”, “realizado” É sempre única, irrepetível

Supõe uma ruptura entre as dimensões subjetivas e objetivas; entre o “pensado” e o “realizado”

É consciência da práxis

É reiteração, imitação, por isso repetível Por implicar a generalização do já criado, pode funcionar tanto positivamente – multiplicação deste, como negativamente, como inibição da criação

Referências BOTTOMORE, T. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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