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1 ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS DALTON YOSHIO HIRATA O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDAD...
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ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

DALTON YOSHIO HIRATA

O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR: Uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking

SÃO PAULO 2012

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DALTON YOSHIO HIRATA

O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR: Uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Campo

de

conhecimento:

Direito

Desenvolvimento/Direito Tributário Orientador: Prof. Dr. Eurico Marcos Diniz de Santi

SÃO PAULO 2012

e

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DALTON YOSHIO HIRATA

O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR: Uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking

Dissertação apresentada à Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito Campo

de

conhecimento:

Direito

e

Desenvolvimento/Direito Tributário Data de Aprovação: __/__/____ Banca examinadora:

___________________________________ Prof. Dr. Eurico Marcos Diniz de Santi (Orientador)

___________________________________ Profª Dr. Susy Gomes Hoffman

___________________________________ Prof. Dr. Tercio Sampaio Ferraz Jr.

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Hirata, Dalton Yoshio. O Regime Brasileiro de Tributação de Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior: uma visão do atual regime por meio da ótica da teoria do rent seeking / Dalton Yoshio Hirata. – 2012. 162 f. Orientador: Eurico Marcos Diniz de Santi. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. 1. Direito tributário. 2. Direito internacional privado - Impostos. 3. Imposto de renda. 4. Sociedade por ações. 5. Renda. I.De Santi, Eurico Marcos Diniz. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. III. Título.

CDU 34::336.2

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor e orientador Dr. Eurico Marcos Diniz de Santi, por toda a dedicação demonstrada durante o curso do trabalho, mas, especialmente, por sempre me fazer questionar os conceitos, princípios e interpretações consolidados no Direito. Agradeço a Rioiti Hirata e Suely de Almeida Hirata, pais dedicados e modelos de vigor, honestidade e orientação ao trabalho e à família, por todos os momentos de apoio moral e afetivo que tanto foram necessários para a conclusão desta dissertação. Agradeço aos coordenadores do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas, Isaias Coelho e Vanessa Rahal Canado por todas as opiniões sobre meu trabalho e minha formação acadêmica. Agradeço aos tantos amigos que me acompanharam durante esta jornada. Cada um de vocês foi importante por vários motivos diferentes. Com a injustiça e o inescusável risco de esquecer alguém, agradeço principalmente a Andrea Vainer, Andressa Torquato, André Lima, Basile Christopoulos, Carolina Jatene, Carla Novo, Cesar Manzione, Daniel Zugman, Fabio Albuquerque, Felipe Lopes, Frederico Bastos, George Carvalho, Larissa Lukjanenko, Leda Batista, Leonardo Portelada, Lucas Pires, Luisa Galliez, Mariana Tosi, Richard Lee, Roberto Pereira e Vinicius Pereira. Agradecimentos especiais devem ser reservados a André Lima, Cesar Manzione e Roberto Pereira pelas horas de debate sobre os temas e conclusões deste trabalho. Obviamente, qualquer equívoco aqui cometido deve ser creditado apenas a mim. Por fim, agradeço a todos os meus companheiros de Mestrado que tanto sofreram comigo, mas que conquistaram inúmeras façanhas dentro da Academia: Bruno Paschoal, Clarissa Gross, Daniela Fichino, Gustavo Antonio, Lívia Xavier, Marina Gelman, Mônica de Paulo, Natália Novaes, Renato Vilela e Thiago Ribeiro. Só posso sentir orgulho de fazer parte desta turma tão talentosa e promissora.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo analisar, pela ótica da teoria do rent seeking, a evolução da legislação e da jurisprudência administrativa e judicial acerca do regime da tributação dos lucros, ganhos de capital e rendimentos auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior. Observar-se-á a hipótese da legislação e das suas diversas interpretações refletirem interesses predominantemente de apropriação de renda, tanto por parte da Administração Pública quanto dos agentes privados. Nesse sentido, após uma exposição da teoria do rent seeking e da sua relação com a teoria do patrimonialismo no Brasil, ela será aplicada no tema tributário proposto. Para tanto, verificar-se-á a evolução da legislação até o último diploma normativo relevante sobre o tema: a Medida Provisória nº 2.158-35/01. Neste momento, serão identificadas as principais controvérsias e os possíveis interesses nas diversas interpretações dadas às regras em questão, associando-os com os diversos problemas de rent seeking observáveis. A seguir, verificar-se-á, nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF), e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) qual a evolução do entendimento dos tribunais a respeito das referidas interpretações, verificando se algum consenso foi atingido e quais interesses estariam atingidos pelo rumo tomado pela jurisprudência sobre o tema. Neste contexto, a análise da evolução legislativa e jurisprudencial abordará os seguintes pontos controversos: (1) caracterização das regras brasileiras como CFC rules (característica antielisiva); (2) tributação de distribuição ficta ou de lucro da própria controladora ou coligada no Brasil; (3) constitucionalidade do artigo 43, parágrafo 2º, do Código Tributário Nacional, bem como do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01; e (4) a compatibilização com os Tratados contra a Dupla Tributação. Por fim, far-se-á uma conclusão, a partir dos resultados verificados, a respeito de como a evolução das regras tributárias em questão pode representar uma apropriação de renda sem benefícios públicos que pode favorecer indevidamente tanto o setor público como o privado.

Palavras-chave: Direito Tributário Internacional; Imposto de Renda; Regras CFC; Rent Seeking; Tratados contra a Dupla Tributação

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ABSTRACT

This work intends to analyze, from the perspective of the “rent seeking” theory, the historical evolution of the legislation and case law about the tax on profits, capital gains and income earned by corporations established abroad. The hypothesis is that this legislation and its many interpretations reflect rent seeking interests by both some government sectors as well as the private sector. Accordingly, the theory of rent seeking is analyzed and its relation to the theory of “patrimonialismo” in Brazil is demonstrated. Afterwards, the theory is applied to the proposed tax theme. To reach this objective, this work analyzes the evolution of the legislation until the last relevant law: Provisional Measure No. 2158-35 / 01. The main controversies will be identified as well as possible economic (rent seeking) interests in the various interpretations of the rules in question. Afterwards, this works verifies in the decisions of the Superior Court of Justice (STJ), the Supreme Federal Court (STF) and the Administrative Tax Court (CARF) the evolution of courts’ understanding about the various interpretations. It will be analyzed if any consensus could be obtained and which economic interests would be affected by the course taken by the case law on the theme. In this context, the analysis of legislative and jurisprudential evolution will address the following controversial issues: (1) characterization of the Brazilian rules as CFC rules (antiavoidance feature), (2) taxation of a deemed profit distribution or of the own Brazilian company profits; (3) the constitutionality of Article 43, paragraph 2, of the National Tax Code, and Article 74 of the Provisional Measure No. 2158-35/01; and (4) the compatibility of this regime with the Treaties on Double Taxation. Finally, a conclusion will be made from the findings, regarding how the changing tax rules in question may represent a rent seeking situation without public benefits that may unduly benefit both the public and the private sectors.

Keywords: International Tax Law; Income Tax; CFC rules; Rent Seeking; Double Taxation Treaties

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LISTA DE SIGLAS ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade CF – Constituição Federal CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais CFC - Controlled Foreign Companies CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido CTN - Código Tributário Nacional DF – Distrito Federal IBD - Investimento Brasileiro Direto IN – Instrução Normativa IRPJ - Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas LC – Lei Complementar MEP – Método de Equivalência Patrimonial MP – Medida Provisória OCDE - Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento ONU – Organização das Nações Unidas PIB – Produto Interno Bruto RE – Recurso Extraordinário RIR – Regulamento do Imposto de Renda RFB – Receita Federal do Brasil RG – Repercussão Geral SRF – Secretaria da Receita Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal TDT – Tratado contra a Dupla Tributação

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13 1.1. Delimitação do Tema ..................................................................................................... 13 1.2. Justificativa e Importância do Tema .............................................................................. 16 1.2.1. Tributação e Desenvolvimento................................................................................ 16 1.2.2. Tributação de Lucros Auferidos no Exterior e seu Impacto no Crescimento Econômico......................................................................................................................... 19 1.2.3. Insegurança Jurídica, Diferentes Níveis de Arrecadação e a Tributação de Lucros Auferidos no Exterior ........................................................................................................ 28 1.3. O Objeto de Estudo e a Metodologia Proposta .............................................................. 33 2. O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DOS DOS LUCROS, GANHOS DE CAPITAL E RENDIMENTOS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR ............................................................................................... 35 2.1. Introdução ...................................................................................................................... 35 2.2. Da Territorialidade para a Universalidade: Lei nº 9.249/95 .......................................... 35 2.3. A Instrução Normativa nº 38/96 .................................................................................... 37 2.4. Enfatizando a Disponibilização da Renda: Lei nº 9.532/97 .......................................... 39 2.5. Mais uma Alteração: Lei Complementar nº 104/2001 e Medida Provisória nº 2.15835/2001 ................................................................................................................................. 40 2.6. A Instrução Normativa nº 213/2002 .............................................................................. 43 2.7. Breves Comentários Acerca da Evolução Legislativa do Tema .................................... 46 3. AS PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS ACERCA DAS REGRAS BRASILEIRAS DE TRIBUTAÇÃO DO LUCRO DAS SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR ............................................................................................... 47 3.1. Objetivos do Capítulo .................................................................................................... 47 3.2. Regras de CFC e a Tributação de Lucros das Sociedades Controladas e Coligadas ..... 48

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3.3. Artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 e IN nº 213/02: Tributação do Lucro da Controladora ou Tributação de Disponibilização Ficta?............................................................................. 52 3.4. A Possível Constitucionalidade da Inserção do Art. 43, Parágrafo 2º no CTN e do Artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 ........................................................................................... 56 3.4.1. O Dispositivo Constitucional em Questão: Artigo 153 e o Suposto Conceito Implícito de Renda ............................................................................................................ 57 3.4.2. A Lei Complementar nº 104/01 e a Introdução do Art. 43, §2º: Novo Conceito de Disponibilidade?................................................................................................................ 59 3.4.3. Os Argumentos a Favor da (In)constitucionalidade Material e da (I)legalidade do Regime de Tributação dos Lucros das Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior 62 3.4.4. Sistematização das Linhas Doutrinárias Acerca da (In)constitucionalidade do Artigo 43, parágrafo 2º, do CTN e da MP nº 2.158-35/01 ................................................ 69 3.5. A Compatibilização com os Tratados contra a Dupla Tributação ................................. 71 3.5.1. O Fenômeno da Dupla Tributação .......................................................................... 72 3.5.2. Natureza dos Tratados contra a Dupla Tributação e o modelo OCDE ................... 74 3.5.3. Os Artigos 7º, 10 e 21 do Tratado Modelo da OCDE e a Controvérsia com o Art. 74 da MP nº 2.158-35/01................................................................................................... 77 3.6. Considerações Finais sobre os Pontos Controversos na Doutrina ................................. 81 4. AS CONTROVÉRSIAS RELATIVAS AO REGIME DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR SOB A ÓTICA DAS TEORIAS DO RENT-SEEKING E DO PATRIMONIALISMO .......... 83 4.1. Objetivos do Capítulo .................................................................................................... 83 4.2. A Teoria do Rent Seeking e sua Relação com a Tributação .......................................... 84 4.2.1. Pressupostos Básicos e a Evolução da Teoria do Rent Seeking .............................. 84 4.3. Rent Seeking e Estado .................................................................................................... 89 4.4. Rent Seeking e Tributação.............................................................................................. 92 4.5. Rent Seeking, Estado e o Histórico de Patrimonialismo no Contexto Brasileiro........... 98

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4.6. A Teoria do Rent Seeking e os Efeitos das Opções Legislativas de Tributação dos Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior já Adotadas pelo Brasil ................................................................................................................................... 104 4.6.1. Implicações do Regime da IN nº 38/96 e da Lei nº 9.532/97 – Diferimento Completo da Tributação .................................................................................................. 104 4.6.2. Implicações do Regime da Lei nº 9.249/95 e da MP nº 2.158-35/01 – Tributação pela Distribuição Automática dos Lucros ....................................................................... 106 4.7. A Teoria do Rent Seeking e os Efeitos das Interpretações dadas às Controvérsias Jurídicas do Regime da Tributação dos Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior. ........................................................................................................ 114 4.7.1. A Natureza Geral do Sistema e a Regra do Art. 43, §2º, do CTN ........................ 114 4.7.2. A Natureza do Artigo 74 da MP 2.158-35/01 e sua Constitucionalidade ............. 116 4.7.3. Os Tratados contra a Dupla Tributação e os Artigos 7º, 10 e 21 .......................... 118 4.7.4. Considerações Finais sobre o Regime de Tributação de Lucros Auferidos no Exterior por Controladas e Coligadas e os Problemas de Rent Seeking.......................... 120 5. A ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SOBRE AS CONTROVÉRSIAS DO REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR E OS PROBLEMAS DE RENT SEEKING ......................... 122 5.1. Introdução .................................................................................................................... 122 5.2. Metodologia Específica de Pesquisa............................................................................ 122 5.3. O STF e o Debate sobre a Constitucionalidade do Regime de Tributação dos Lucros no Exterior ............................................................................................................................... 124 5.3.1. O Primeiro Precedente Paradigmático – RE nº 172.058 ....................................... 124 5.3.2. O Interminável e Interminado Julgamento da ADI nº 2.588................................. 127 5.3.2. Repercussões da ADI nº 2.588 .............................................................................. 131 5.4. O STJ e o Debate sobre a Legalidade do Atual Regime de Tributação dos Lucros Auferidos no Exterior ......................................................................................................... 132 5.4.1. Recurso Especial nº 1.211.882-RJ ........................................................................ 133 5.4.2. Recurso Especial nº 1.236.779-PR ........................................................................ 134

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5.4.3. Recurso Especial nº 1.161.003-RS ........................................................................ 134 5.4.4. Recurso Especial nº 1.222.719-RS ........................................................................ 135 5.4.5. Recurso Especial nº 907.404-PR ........................................................................... 136 5.4.6. Recurso Especial nº 983.134-RS ........................................................................... 137 5.4.7. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.047.525-RJ ................................... 138 5.4.8. Comentários a Respeito dos Acórdãos Analisados do STJ ................................... 138 5.5. Refratec, Eagle I e Eagle II – Os Casos Paradigmáticos sobre Tratados contra a Dupla Tributação no CARF ........................................................................................................... 139 5.5.1. O Acórdão 108-08.765 – Caso Refratec ............................................................... 140 5.5.2. O Acórdão 101-95.802– Caso Eagle I .................................................................. 141 5.5.3. O Acórdão 101-97.070 – Caso Eagle II ................................................................ 142 5.5.4. Comentários sobre o Desenvolvimento do Tema no CARF ................................. 144 5.6. Conclusões: As Incertezas Dentro da Própria Jurisprudência ..................................... 145 6. CONCLUSÕES E PROPOSIÇÕES: POSSÍVEIS PANORAMAS PARA O FUTURO DA REGRA DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR ..................... 147 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 152

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1. INTRODUÇÃO

1.1. Delimitação do Tema

O cenário econômico brasileiro, neste início de século XXI, revela considerável pujança de diversos setores produtivos nacionais. Com efeito, tem-se que o Brasil, ao longo dos últimos vinte anos, tem aumentado sua posição no ranking das economias mundiais. Dentro de uma economia global em que a importância das relações comerciais entre os diversos países cresce constantemente, o Brasil destacou-se como o 7º maior PIB do mundo em 2010 1. Ocorre que, justamente pela crescente importância do mercado externo e das trocas comerciais mundiais, as empresas brasileiras cada vez mais buscam novos mercados, expandindo seus negócios para além da fronteira nacional, explorando novas formas de distribuição de seus produtos e serviços de forma global 2. Este panorama representa um novo momento da participação brasileira na economia mundial, pois o País sempre foi considerado um importador de capitais, isto é, local de recepção de investimentos. Verifica-se, contudo, no início do século, que o constante crescimento dos valores relativos ao Investimento Brasileiro Direto (IBD) demonstra um aumento de importância do investimento no exterior para a economia brasileira 3. Por se cuidar de um fenômeno relativamente recente, trata-se de um desafio às empresas que efetivamente buscam se internacionalizar, pois estas passam a necessitar da análise dos custos decorrentes do investimento no estrangeiro para determinar a viabilidade do negócio. Torna-se importante, nesse sentido, a consideração das obrigações legais que a 1

Com US$ 2.087.890,00 - em milhões de dólares. 2010 é o ano disponível no ranking disponibilizado pelo Banco Mundial. Informações disponíveis em , último acesso: 2 abr. 2012. Até 20 ago. 2012, nem o Fundo Monetário Internacional, nem o Banco Mundial, tinham divulgado a estatística oficial do ano de 2011, havendo apenas estimativas. Preferiu-se trabalhar com os dados oficiais de 2010. 2 Segundo estudo realizado em 2011, mais de 80% das 51 grandes companhias entrevistadas afirma que a tendência do investimento voltado para a internacionalização da empresa é manter-se igual ou crescer em até 30%. Ver estudo conjunto da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (SOBEET) e do Valor Econômico, disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2012. 3 A projeção para o IBD em 2012 é de R$ 5 bilhões, invertendo o saldo negativo de R$ 9,3 bilhões do ano de 2011, conforme dados da Revista Exame online. Disponível em: , acesso em: 3 abr. 2012.

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empresa deve cumprir em outro país, sejam elas de ordem societária, trabalhista, tributária etc. Como, obviamente, a empresa que deseja se internacionalizar não conhece a legislação estrangeira tão bem quanto a de sua pátria, ela possuirá um evidente custo de adaptação às exigências de cada jurisdição onde ocorrer o seu investimento. Além de observar a jurisdição estrangeira, a empresa nacional que deseja investir no exterior deve também atentar para novas obrigações legais dentro do próprio País, visto que existe uma série de determinações jurídicas que cuidam de diversos aspectos relacionados a tais operações. Uma das mais evidentes, nesse sentido, é a observância das regras atinentes às operações de câmbio, uma vez que tanto para investir em país estrangeiro quanto para repatriar recursos, faz-se necessária a conversão da moeda nacional na moeda do país-alvo dos investimentos, bem como o cumprimento de normas referentes à forma de remessa e repatriação de recursos 4. Outro componente fundamental relativo ao custo de internacionalização das empresas nacionais refere-se ao próprio custo da tributação que seus investimentos podem sofrer, principalmente no que tange ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas 5 e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido 6. Com efeito, os lucros decorrentes de investimentos no território nacional respeitam um determinado regime relativo a estes dois tributos, enquanto a empreitada internacional deve respeitar outra série de regras atinentes à tributação dos lucros auferidos no exterior, dependendo da estrutura da operação jurídica realizada no estrangeiro. Isto é, além de ter de recolher os tributos de suas operações nacionais, as companhias brasileiras que auferem lucros no exterior, sob qualquer forma, também têm de observar as regras específicas atinentes à tributação de tais lucros. O referido custo tributário, se não decisivo, influencia consideravelmente uma série de decisões relativas ao investimento das empresas brasileiras no exterior, por exemplo, quanto ao (i) lugar 7; (ii) forma 8; e (iii) realização do investimento 9, pois estas três variáveis influenciam o tempo (data de recolhimento) e montante do tributo a ser pago no Brasil em

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Em relação às remessas de valores para o exterior, por exemplo, deve-se observar, entre outras, o disposto na Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962. 5 Atualmente disposto de forma consolidada no Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 (RIR/99). 6 Contribuição criada na Lei nº 7.689, de 15 de dezembro de 1998. 7 Em que país/jurisdição os investimentos serão estruturados. 8 A estrutura que irá se utilizar para a efetivação dos investimentos – se por meio de uma pessoa física, uma filial ou estabelecimento permanente ou ainda por pessoa jurídica estabelecida sob as leis locais - controlada ou coligada. 9 Repatriação dos lucros auferidos no exterior.

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decorrência da atividade internacional. Além disso, ressalte-se que o custo tributário das operações dentro do Brasil em si já é considerado uma relevante variável no resultado das empresas 10, de forma a compor um importante elemento na tomada de decisão empresarial. Nesse contexto, espera-se que as referidas regras relativas à tributação das empresas nacionais por conta dos lucros auferidos no exterior sejam suficientemente claras para que a tomada de decisão se dê da forma mais racional possível. Mais do que isso, espera-se também que estas regras protejam um interesse público claro e definido, sem subterfúgios jurídicos para privilegiar um grupo de interesse privado ou público. Em outras palavras, a companhia brasileira, quando da decisão da internacionalização do investimento, deveria ser capaz de estimar com relativa facilidade qual seria o custo tributário que determinada forma de investir lhe traz. Por seu lado, o contribuinte brasileiro deve, também, recolher algum tributo ao Brasil mesmo que este advenha do exterior, uma vez que foram as condições socioeconômicas e de infraestrutura do País (financiadas em parte pelo Poder Público) que possibilitaram a busca da empresa por novos mercados internacionais. Entretanto, o atual cenário brasileiro, no que tange às regras de tributação dos lucros, ganhos de capital e rendimentos auferidos no exterior por sociedades controladas ou coligadas 11 (tema do presente trabalho), não enseja segurança jurídica para o contribuinte e até mesmo dificulta a visualização da política pública que embasa tais regras. Ao longo dos últimos vinte anos de evolução legislativa relativa ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido incidente sobre os lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas, o Brasil ofereceu aos seus contribuintes uma legislação confusa, em que se alterou constantemente os critérios materiais e temporais de arrecadação destes tributos. Esta situação, por sua vez, ocasionou considerável insegurança jurídica, com contribuintes vendo-se diante de autuações fiscais substanciais e intenso debate doutrinário, sem que um consenso pudesse ser atingido. A última grande mudança no regime de tributação de lucros auferidos no exterior ocorreu no biênio de 2001/2002, quando foram introduzidas ao ordenamento tributário 10

Para um exemplo do significativo do custo da tributação para as empresas, ver BIFANO, Elidie Palma. A tributação no setor comercial: panorama da carga tributária nas operações de comércio. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas – Do Fato à Norma, da Realidade ao Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2008. 11 Tecnicamente, o lucro pode ser auferido no exterior por pessoas físicas, filiais, sucursais, controladas e coligadas no exterior (estas duas últimas são pessoas jurídicas independentes). O regime jurídico da tributação dos lucros auferidos por pessoas físicas, filiais e sucursais no exterior não será analisado, por não suscitar relevante controvérsia jurídica, ao contrário dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior.

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brasileiro, respectivamente, a Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, e a Instrução Normativa SRF nº 213, de 7 de outubro de 2002. Como, mais uma vez, estes dois diplomas normativos alteraram sensivelmente o regime de tributação de lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas, uma nova rodada de intensos debates doutrinários se seguiu. Surge, então, a dúvida da razão pela qual não se chega à estabilidade de tratamento sobre o tema da tributação dos lucros auferidos no exterior. Como existem diversas formas de regular o tema, cumpre verificar como o legislador e o administrador público moldaram as regras em questão, contrapondo a teórica justificativa de política pública por trás de cada modelo possível com os seus efeitos arrecadatórios. O presente trabalho tem por objetivo, justamente, verificar, na evolução legislativa e jurisprudencial sobre o tema, quais interesses estariam em contraposição com a constante alteração das regras. Para tanto, usar-se-á a teoria do "rent seeking" (apropriação/caça de rendas) para verificar se os modelos adotados pelo Brasil para regular o tema sugerem algum tipo de benefício econômico a algum ente público ou privado em detrimento do benefício público 12.

1.2. Justificativa e Importância do Tema

Estabelecido o tema geral da discussão, passa-se a expor a importância do seu estudo, principalmente levando-se em conta a linha de “Direito e Desenvolvimento” proposta pela DireitoGV. Em seguida, expor-se-á de forma mais detalhada os objetivos finais que esta dissertação pretende alcançar. Por fim, propor-se-á uma metodologia geral para a investigação pretendida, delimitando as formas em que se pretende conduzi-la.

1.2.1. Tributação e Desenvolvimento

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Entende-se preliminarmente por benefício público o balanceamento das demandas privadas e públicas, em que as instituições públicas, incluindo a legislação, contrapõe a necessidade de expansão dos investimentos privados com a necessidade de regulá-los e tributá-los por conta de falhas de mercado e da demanda por financiamento dos gastos públicos.

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O estudo da tributação, bem como de sua faceta jurídica – o Direito Tributário –, está intimamente relacionado com questões de desenvolvimento 13. Com efeito, a tributação cuida de uma das mais primordiais relações entre a Administração Pública e o cidadão, qual seja, o financiamento do próprio Estado a partir da contribuição compulsória de cada contribuinte. Em outras palavras, cuida-se do financiamento do gasto público e da apropriação de recursos financeiros da sociedade. Dada a sua importância, e especialmente em um contexto democrático, é imprescindível que esta relação se dê da forma mais eficiente e transparente possível, com o respeito à legislação tributária vigente por parte de ambas as partes envolvidas – Autoridades Fiscais e contribuintes. Entra-se, nesta seara, na questão do próprio desenvolvimento das instituições públicas envolvidas na atividade tributária. Assim, importa verificar se o Poder Legislativo cria as leis tributárias conciliando interesses econômicos e sociais, se o Ministério da Fazenda e a Receita Federal do Brasil (no âmbito federal) exercem suas competências conferidas pela legislação de forma legal e eficiente e se o Poder Judiciário aprecia com celeridade e conhecimento adequado as lides tributárias que lhe são trazidas, para ficar em alguns poucos exemplos. Argumenta-se que se as instituições que lidam com a tributação em geral funcionam, tem-se um ambiente em que há maior conformidade do cidadão para com suas obrigações tributárias, pois este teria uma maior percepção de legitimidade da cobrança. A esse respeito, verifique-se as lições de Bird 14:

As decisões de política tributária não são feitas no vácuo. Tampouco são realizadas por um governo benevolente. Ao contrário, elas são o resultado de complexas interações sociais e políticas entre diversos grupos na sociedade em um contexto institucional estabelecido pela história e pela capacidade administrativa do Estado. A tributação não é simplesmente um meio de financiamento do governo; é também um componente muito verificável do contrato social subjacente ao Estado. Os cidadãos tendem a cumprir com maior frequência as leis tributárias se eles aceitam o Estado como legítimo e confiável e sentem, até certo ponto, que podem tanto apoiálo quanto temê-lo em consequência da falta de seu apoio.

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Entendido como a melhora nos indicadores econômicos e sociais de um determinado país ou região. BIRD, Richard. Tax Challenges Facing Developing Countries. University of Toronto, Institute for International Business, Working Paper Series, IIB Paper No. 12, March 2008, p. 16. Disponível em: . Acesso em: 3 abr. 2012. Tradução livre do autor: “Tax policy decisions are not made in a vacuum. Nor they are made by a benevolent government. Instead, they are the outcome of complex social and political interactions between different groups in society in an institutional context established by history and state administrative capacity. Taxation is not simply a means of financing government; it is also a very visible component of the social contract underlying the state. Citizens are more likely to comply with tax laws if they accept the state as legitimate and credible and are to some extent both willing to support it and afraid of what will happen to them if they don’t.” 14

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Outro ponto a ser destacado é o equilíbrio extremamente delicado na relação entre interesses da Autoridade Fiscal e do contribuinte, uma vez que de um lado está o interesse comum de financiamento do Estado e de suas ações para a sociedade que o legitima; do outro, a importância de estimular as atividades econômicas, incluindo o consumo dos cidadãos, sem tirar-lhes de forma excessiva seus rendimentos. Nesse sentido, observe-se as linhas escritas pelo professor Tanzi 15:

Pelo fato dos altos tributos necessários para financiar os altos gastos públicos diminuírem a renda livre de tributos dos contribuintes, restringindo sua liberdade econômica e, provavelmente, no longo prazo, tendo um impacto na eficiência da economia e no crescimento econômico, a questão que surge é se o nível de gastos públicos e, consequentemente, da tributação deve ser reduzido se isto pode ser realizado sem reduzir o bem-estar comum.

Considerando-se a tributação com uma preocupação em relação ao desenvolvimento, portanto, podem ser estudados dois focos ao mesmo tempo complementares e antagônicos entre si: de um lado, a necessidade de financiamento do Estado e, do outro, as consequências socioeconômicas para os agentes de mercado e cidadãos em geral da incidência tributária. Complementares, pois o financiamento do Estado pode, dependendo da utilização dos recursos, promover melhorias sociais e estimular o crescimento econômico 16. E antagônicas porque, (i) dependendo do setor onerado e da carga tributária imposta, os investimentos privados podem ser desestimulados e (ii) se a tributação for excessivamente regressiva 17, a população de menor poder aquisitivo será proporcionalmente mais onerada. É por isso que o balanceamento desta relação é de fundamental importância para o desenvolvimento de um país, considerando-se a necessidade de recursos por parte do Estado (e que tipo de gastos se

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TANZI, Vito. The Economic Role of the State in the 21st Century, Cato Journal, v. 25, n. 3 (Fall 2005), p. Disponível em: 622 623. . Acesso em: 23 abr. 2012.. Tradução livre do autor: “Because the high taxes needed to finance high public spending reduce the post-tax (or disposable) income of taxpayers, thus restricting their economic freedom and, most likely, over the long run, have a negative impact on the efficiency of the economy and on economic growth, the question arises whether the level of public spending and, consequently, of taxation should be reduced if this could be done without reducing public welfare.” 16 Por exemplo, ao conceder uma isenção de tributos a determinado setor, argumenta-se que este seria estimulado por conta da queda de seu custo de produção (do qual o custo do pagamento de tributos é parte considerável). 17 Adota-se o seguinte conceito de imposto regressivo: “um imposto segundo o qual os contribuintes com altas rendas pagam uma fração menor de sua renda do que os contribuintes com rendas menores.”. MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. Tradução da 3ª edição norte-americana. São Paulo: Thomson Learning, 2006, p. 255, tradução da 3ª edição norte-americana.

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espera dele) e o estímulo do consumo e da atividade econômica como um todo. Os dois focos de discussão são bem retratados por Coelho 18:

Visto do ângulo da tributação, o governo tira recursos do setor privado e com isso diminui a renda líquida das pessoas e empresas além de prejudicar, com o peso real ou potencial da tributação, a realização de muitas atividades legítimas. O imposto reduz a taxa de retorno líquida dos trabalhadores (proprietários do capital humano) e empresários (proprietários do capital físico) ou de ambos (proprietários dos recursos financeiros). Dessa maneira desestimula a pesquisa e desenvolvimento, a acumulação e a inovação, tudo isso resultando num impacto negativo sobre o crescimento econômico. Mas é a arrecadação tributária que permite à sociedade, através do estado e governo, financiar os bens sociais de que carece para prosperar: a educação geral, a saúde pública, as obras de infraestrutura, a pesquisa pura etc. – todas despesas produtivas no sentido de que aumentam a produtividade do setor privado e impactam positivamente sobre o crescimento.

Assim, por conta de todos seus impactos na economia e no comportamento dos cidadãos, o estudo da tributação e, no caso em questão, do Direito Tributário, torna-se imprescindível em relação a qualquer consideração que se realize acerca do desenvolvimento de uma região ou país. Nesse contexto, como se verá, a discussão da tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior insere-se perfeitamente nesta discussão, pois representa, especialmente no Brasil, a permanente tensão entre a necessidade de arrecadação de recursos pelo Estado e o estímulo ao investimento das empresas nacionais.

1.2.2. Tributação de Lucros Auferidos no Exterior e seu Impacto no Crescimento Econômico

De um ponto de vista do crescimento econômico, componente fundamental do desenvolvimento de qualquer país ou região, a tributação de lucros auferidos no exterior toma, cada vez mais, um papel proeminente nas discussões de política econômica. Deve-se essa importância ao crescente fenômeno da globalização, iniciado nos anos 1990 19. 18

COELHO, Isaias. Tributação e Crescimento Econômico. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, p. 282 – 283, 2011. 19 A esse respeito, verifique-se a criação, em 2002, do “International Tax Dialogue”, uma iniciativa conjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) e do Banco Mundial. A iniciativa tem por objetivo a otimização dos estudos e dos entendimentos dos

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A partir do maior acesso às diferentes formas de telecomunicação e aos transportes, foi possível um maior fluxo de pessoas, ideias e capitais de um país para o outro. Um dos efeitos deste novo contexto foi a internacionalização das empresas que passaram a ser chamadas “transnacionais”, grandes companhias que exploram diversos mercados e centros de produção pelo mundo todo. Por conta das mudanças sociais e econômicas em operação, também o paradigma clássico de que a tributação era uma questão de interesse isolado de cada país começou a ser questionado. O movimento internacional de investimentos, no âmbito da tributação, fez com que os Estados disputassem as rendas geradas dentro e fora de seu território, por residentes e não-residentes, desde que houvesse algum elemento de conexão que lhes permitisse a tributação. Veja-se que a adaptação da tributação aos fenômenos da globalização já era percebido no final da década de 90, como se observa do relatório da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), compilado em 1998 20:

A globalização e a crescente mobilidade do capital também promoveu o desenvolvimento dos mercados financeiro e de capital e encorajou países a reduzirem suas barreiras tributárias a fluxos de capital e a modernizarem seus sistemas tributários para refletir esses desenvolvimentos. Muitas dessas reformas também se preocuparam com a necessidade de adaptação do sistema tributário a este novo ambiente global.

Para responder aos desafios que a mobilidade de pessoas e capitais trouxe 21, os países desenvolveram uma série de alterações em seus regimes tributários. Nesse sentido, a mudança de paradigma mais impactante foi a substituição do princípio da territorialidade pelo princípio da universalidade. Pelo princípio da territorialidade, os países, preocupados com as rendas geradas em seu próprio território, poderiam apenas tributar as manifestações de capacidade econômica

países sobre assuntos tributários, sendo grande parte dos seus estudos voltados para os tratados de cooperação em matéria tributária e para a tributação das multinacionais. Ver, para mais informações, o sítio: . Último acesso: 7 abr. 2012. 20 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Harmful Tax Competition An Emerging Global Issue, 1998. Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2012, p. 13 e 14. Tradução livre do autor: "Globalisation and the increased mobility of capital has also promoted the development of capital and financial markets and has encouraged countries to reduce tax barriers to capital flows and to modernise their tax systems to reflect these developments. Many of these reforms have also addressed the need to adapt tax systems to this new global environment." 21 Já verificado pelos países tradicionalmente exportadores de capitais, como os EUA e os países europeus, desde a década de 70.

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dentro de seus limites territoriais. Contudo, dentro do crescente cenário de comércio internacional acima exposto, os países verificavam que as companhias nacionais cada vez mais auferiam rendimentos fora de seus limites de jurisdição e, consequentemente, temiam pela erosão de sua base tributável. Nesse sentido, a tendência global atualmente é a adoção do regime da universalidade nos diversos regimes tributários mundiais. Pelo princípio da universalidade, não apenas os rendimentos auferidos dentro dos limites territoriais de certo país podem ser tributados, como os rendimentos auferidos no exterior pelos seus próprios contribuintes. Por esse regime, portanto, os rendimentos que uma empresa, residente em um determinado país, obtinha direta ou indiretamente em outro país seria também tributável no primeiro. Acerca das diferenças entre o princípio da territorialidade e da universalidade, verifique-se a posição de Xavier 22:

De harmonia com o princípio da territorialidade, anteriormente vigente no Brasil, nenhuma renda cuja fonte de produção se localize no exterior recai no âmbito de incidência do imposto de renda das pessoas jurídicas (...) No polo oposto ao princípio da territorialidade situa-se o princípio da universalidade (ou do worldwide-income), segundo o qual toda a renda da pessoa jurídica deve ser tributada no país de domicílio, incluindo a renda externa, seja esta decorrente de atividade funcional ou jurídica, seja esta obtida através de filiais ou de subsidiárias.

Ocorre, porém, que a simples adoção do regime da universalidade não é suficiente para combater a erosão da base tributável dos Estados. Isso se deve, em grande parte, ao surgimento (e sua utilização pelos contribuintes) dos "paraísos fiscais", jurisdições que oferecem, geralmente, baixa ou nula tributação sobre os rendimentos e sigilo dos dados bancários dos investidores que lá estabelecem seus negócios 23. De fato, existem determinadas jurisdições que, com o intuito de atrair empresas e investimentos, diminuem de forma substantiva sua imposição de tributos, bem como flexibilizam exigências de ordem societária e financeira. Segundo a posição de Carvalho e Bifano 24:

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XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 7. ed., Rio de Janeiro, 2010, p. 367. 23 Por sua característica de oferecimento de baixa tributação às pessoas físicas e jurídicas, muitas vezes os paraísos fiscais são também nomeados de “regimes de tributação favorecida”. 24 CARVALHO, Cassius Vinicius; BIFANO, Elidie Palma. Anotações sobre a Tributação Internacional da Renda. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz et. al (Coord.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, p. 290, 2005.

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O conceito, classificação, tratamento legal e tributário dispensado aos paraísos fiscais e às operações efetuadas com pessoas neles sediadas podem variar substancialmente de Estado para Estado, em função do ordenamento jurídico (e tributário) vigente. Não obstante, a experiência prática demonstra que os legisladores dos diversos países, quando aplicável, têm levando os seguintes principais aspectos como base para enquadramento de determinado “ente” no conceito de paraíso fiscal: a) não imposição de tributação, ou imposição em nível bastante reduzido, sobre determinadas pessoas e fatos, principalmente em relação à figura dos não-residentes e transações por eles realizadas. A comparação do nível da carga tributária (imposto sobre a renda) é normalmente em função da carga tributária média da região ou do próprio país, de forma isolada; (b) restrição quanto à divulgação de informações sobre a composição societária e titularidade, conceito esse introduzido no cenário jurídico brasileiro pela Lei nº 10.451/02; e (c) excesso de flexibilidade de operação e falta de transparência quanto ao funcionamento do sistema bancário e cambial lato e strictu sensu.

O problema decorrente do surgimento dos paraísos fiscais não é a baixa arrecadação nestas jurisdições em si, mas o redirecionamento de investimentos oriundos de outros países, com tributação mais alta, com o intuito de evitar esta incidência mais custosa. Trata-se, portanto, da própria erosão da base tributável de um país por conta da política agressiva e deliberada de outro de oferecer uma legislação societária e tributária extremamente vantajosa, como o supramencionado relatório OCDE explicita 25:

Aqui o efeito é de um país redirecionar os fluxos financeiros e de capital e o rendimento correspondente de outras jurisdições ao apostar agressivamente sobre a base tributável de outros países. Alguns descreveram este efeito como uma “caça ilegal” porque a base tributável pertence “de direito” ao outro país. Práticas deste tipo podem ser apropriadamente descritas como competição tributária danosa, pois elas não refletem diferentes julgamentos sobre o apropriado nível de tributação e políticas públicas ou o mix de tributos em uma economia particular, que são aspectos da soberania de cada país em aspectos fiscais, mas são, com efeito, desenhadas para atrair investimento ou poupança originados em outro lugar ou para facilitar a evasão dos tributos de outro país.

Dadas as vantagens do paraíso fiscal, aliadas à facilidade de se criar uma pessoa jurídica em um deles, é também crescente o número de empresas que estruturam suas operações nessas jurisdições de forma a maximizar a economia no pagamento de tributos. 25

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT, op. cit., p. 16. Tradução original do autor: “Here the effect is for one country to redirect capital and financial flows and the corresponding revenue from the other jurisdictions by bidding aggressively for the tax base of other countries. Some have described this effect as “poaching” as the tax base “rightly” belongs to the other country. Practices of this sort can appropriately be labeled harmful tax competition as they do not reflect different judgments about the appropriate level of taxes and public outlays or the appropriate mix of taxes in a particular economy, which are aspects of every country’s sovereignty in fiscal matters, but are, in effect, tailored to attract investment or savings originating elsewhere or to facilitate the avoidance of other countries’ taxes.”

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Trata-se de uma questão delicada, que envolve não apenas a relação entre as operações artificiais de determinado contribuinte para com seu país de nacionalidade ou residência, mas também as relações entre Estados em contexto mundial. Nesse sentido, tem-se que determinadas jurisdições abusam de sua soberania para oferecer, mediante a manipulação de suas legislações, agressivos benefícios principalmente de ordem societária e fiscal para as empresas que desejem lá se instalar, prejudicando, por consequência, os outros países que dependem das receitas tributárias para manter seus gastos públicos 26. A erosão da base tributável dos países, enfim, é um grave problema a ser enfrentado por todos os países que se relacionam de forma internacional. Como o professor Greco 27 lembra, ao comentar as novas formas de relacionamento entre os Estados, em que estes devem ser agentes cooperativos e não mais vistos como antagônicos:

(...) No contexto de um Estado transnacional, (...) o atingimento das manifestações de capacidade contributiva torna-se cada vez mais difícil, seja em razão das práticas adotadas pelos contribuintes (por escolha espontânea ou induzidos por atitudes de outros Estados), seja em razão da amplitude que a garantia ao sigilo de dados e de operações financeiras encontra em determinados Países. Assim, o esvaziamento da base imponível, que determinados Países podem sofrer, é cada vez mais difícil de ser neutralizado, na medida em que o ponto de apoio da tributação continua sendo a capacidade contributiva efetiva, pois a identificação completa e abrangente dos diversos elementos que seriam indispensáveis para tal constatação, muitas vezes, torna-se de difícil ou impossível aferição.

Nesse contexto, tornou-se prática comum da maioria dos países a adoção de medidas que possam neutralizar a concorrência danosa dos paraísos fiscais. Assim, para combater a manipulação do deslocamento de lucros e prejuízos em operações internacionais entre empresas do mesmo grupo (de forma a deslocar o lucro para a jurisdição com menor tributação e o prejuízo para a com a maior), adota-se as regras de “preços de transferência”, baseando-se no princípio do “arm’s length” 28. Essas regras partem do pressuposto que as

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Atualmente, discute-se até mesmo a questão mais delicada da existência de “paraísos fiscais produtivos”, isto é, países de níveis normais de tributação que concedem incentivos específicos para que empresas estrangeiras invistam em determinado setor. Para mais informações, ver AVI-YONAH, Reuven. Globalization, Tax Competition and the Fiscal Crisis of the Welfare State. Harvard Law School, Public Law and Legal Theory Working Paper Series, Working Paper No. 004, Spring 2000. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2012. 27 GRECO, Marco Aurélio. Globalização e Tributação da Renda Mundial. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte ano 1, n. 1, p. 75 – 90, jan/fev. 2003, p. 81. 28 O Brasil adotou suas regras de preço de transferência por meio da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em conjunção com a atual Instrução Normativa RFB nº 1.037, de 4 de junho de 2010, esta que relaciona os chamados “países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados”

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operações entre empresas do mesmo grupo devem se dar nas mesmas condições que empresas desvinculadas praticariam no mercado, sem a manipulação intencional de lucros e prejuízos. Sob a adoção deste princípio na legislação brasileira, veja-se a argumentação de Batista 29:

Partindo, portanto, da premissa de que os preços praticados em operações entre pessoas vinculadas devem seguir regras próximas às de mercado, a Lei 9.430 adota o conceito de preço sem interferência (preço arm’s lenght) segundo o qual, para a apuração do IRPJ e da CSL, necessariamente deverão ser observados preços mínimos e máximos em operações de importação e exportação, bem como em operações financeiras entre pessoas vinculadas ou em que uma das partes esteja localizada em paraíso fiscal.

Para além das operações entre companhias do mesmo grupo, porém, as empresas podem realizar outro tipo de operação para beneficiarem-se da menor tributação oferecida, preferencialmente, nos paraísos fiscais. Trata-se do estabelecimento de sociedades relacionadas, geralmente controladas, chamadas Controlled Foreign Companies, ou CFCs, incorporadas nestas jurisdições, para realizar negócios com outros países, sem a distribuição do lucro por ela auferido para a sociedade controladora – hipótese em que se daria a tributação pelo país de origem da controladora. Como ensina Schoueri 30:

Comumente, as CFCs são utilizadas como base para investimentos no exterior. Daí a referência a “sociedades-base” (base companies, Basisgesellschaften). Conforme relata Bellstedt, a expressão foi empregada pela primeira vez por Gibbons e compreende a constituição de empresas constituídas num ambiente tributária especialmente favorável (base country) a fim de se realizarem, a partir daí, negócios com parceiros em terceiros países. Os lucros “auferidos” pela sociedade-base ficam afastados da tributação no Estado da residência de seu sócio, enquanto não distribuídos.

Os benefícios são consideráveis para a empresa que estrutura desta forma o seu negócio internacional. Primeiramente, tem-se a óbvia economia de tributos obtida pela CFC localizada em um regime de tributação favorecida, visto que as alíquotas do Imposto de Renda nestas jurisdições geralmente são extremamente baixas. Outrossim, existe a própria vantagem de se diferir no tempo a tributação que caberia ao Estado da sociedade controladora.

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BATISTA, J. Uma Visão Panorâmica dos Preços de Transferência na Legislação Brasileira. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz et. al. (Coord.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 318-319. 30 SCHOUERI, Luís Eduardo. Imposto de Renda e os Lucros Auferidos no Exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 7, 2003, p. 306 – 307.

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Isto é, no tempo em que os lucros estão retidos na CFC, pode-se reinvesti-los e adquirir retornos partindo-se de um valor base maior do que o possível no caso da tributação pelo Estado da sociedade controladora (pois o lucro da CFC não foi tão diminuído pelo Imposto de Renda). Sobre as vantagens do diferimento dos tributos, escrevem Postlewaite e Hoffer 31:

A habilidade do acionista [do Estado de origem] de diferir a tributação por vezes gera benefícios econômicos significativos. Este é particularmente o caso de acionistas domésticos investindo ou conduzindo negócios por meio de uma corporação no exterior. A incorporação no exterior está repleta de benefício tributários tentadores para os acionistas domésticos. Ao abrigar a renda em uma corporação no exterior, a sociedade doméstica pode beneficiar-se de uma alíquota nominal ou derivada de tratado mais baixa sobre seus rendimentos, evitando ainda a tradicional dupla tributação nos rendimentos das corporações. (...) Ademais, e talvez de forma mais importante, os acionistas domésticos podem beneficiar-se economicamente do valor no tempo do diferimento pelo reinvestimento do custo tributário postergado, gerando rendimentos adicionais. O diferimento do tributo efetivamente opera para oferecer ao acionista um empréstimo livre de juros do governo federal, sendo que seus valores (maiores fundos disponíveis) podem ser reinvestidos em ativos que geram receitas pelo contribuinte.

Neste sentido, e no que interessa a este trabalho, uma das formas mais tradicionais de combate às operações de contribuintes que se utilizam de outras companhias no exterior para auferir seus rendimentos é a promulgação das chamadas regras CFC. Tais regras, pensadas de forma inicial nos Estados Unidos, têm por finalidade a tributação de lucros auferidos por companhias controladas e coligadas no exterior, mesmo que não tenham sido repatriados à sociedade-mãe no país de origem, desde que certos requisitos e condições tenham sido atingidos. É o que se observa da argumentação de Andrade 32:

Todavia, com a disseminação dos paraísos fiscais a propiciar aos investidores o diferimento ilimitado da tributação de seus lucros estrangeiros, logo se mobilizaram as autoridades fiscais dos países desenvolvidos para coibir as práticas elisivas que consistiam em prolongar indefinidamente o diferimento da tributação sobre os lucros 31

POSTLEWAITE, Philip F.; HOFFER, Stephanie Renee. International Taxation. Corporate and Individual. Durham: Carolina Academic Press, 6. ed., v. 1, 2011, p. 330. Tradução livre do autor: “The shareholder’s ability to defer tax liability often generates significant economic benefits. This is particularly true in the case of domestic shareholders investing or conducting business through a foreign corporation. The foreign corporation is replete with tempting tax benefits for domestic shareholders. By lodging income in a foreign corporation, the corporation may enjoy a lower statutory or tax treaty rate on its earnings while avoiding the traditional double taxation of corporate earnings.(…) Moreover, and perhaps most importantly, domestic shareholders may economically benefit from the time value of deferral by re-investing the deferred tax liability and generating additional earnings. Tax deferral effectively operates to provide the shareholder with an interest-free loan from the federal government, the “proceeds” (i.e., increased available funds) of which can be re-invested in income-earning assets by the taxpayer. 32 ANDRADE, André Martins de. Os (des)caminhos da tributação internacional da renda no Brasil após a ADI nº 2.588. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 9, n. 53, set/out. 2011, p. 26.

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auferidos no exterior deixando de repatriá-los. A partir de 1962, o que se criou nos EUA e que se espraiou pelo mundo foi uma sistemática especial antielisiva, que veio a ser denominada legislação CFC - Controlled Foreign Corporation (CFC rules) pela qual, em circunstâncias excepcionais, o lucro das controladas no exterior passaria a ficar sujeito à tributação imediata, quando da apuração no balanço da controlada.

Uma das principais preocupações dos países, endereçada pelas regras CFC, é a utilização de pessoas jurídicas no exterior de forma artificial, servindo a controlada ou coligada no estrangeiro (geralmente em país de tributação favorecida) para auferir principalmente as chamadas rendas passivas, como juros, royalties, aluguéis etc. que poderiam ser auferidos diretamente pela sociedade controladora ou coligada no país de origem. Trata-se, portanto, de uma norma antielisiva, que visa, no contexto dos lucros auferidos no exterior, à imputação destes lucros para a controladora, desconsiderando-se a personalidade jurídica da controlada no exterior. Por isto, atribui-se também o nome de “transparência fiscal” a este regime, pois, para fins fiscais, torna a sociedade controlada no exterior “transparente”, direcionando os lucros desta para a controladora. Parte-se do pressuposto, em relação às rendas passivas auferidas em regimes de tributação favorecida, que a operação foi estruturada com a única ou principal finalidade de fugir da tributação do país de origem da controladora. Nesse sentido, a posição de Bianco 33:

Na legislação tributária estrangeira, o regime de tributação das CFCs – que em alguns países é conhecido também como regime de transparência fiscal internacional – é aquele em que os lucros auferidos por determinadas pessoas jurídicas, sediadas em um país, passem a ser tributados diretamente na pessoa de seus sócios, residentes em outro país, como se estes últimos os tivessem auferido diretamente. É nesse sentido que a pessoa jurídica sediada no exterior, do ponto de vista da legislação fiscal do país de residência dos sócios, é chamada de transparente.

Ocorre, neste contexto, que as regras de CFC comumente são entendidas como “regras de exceção”, isto é, comandos legais a serem utilizados apenas quando fica evidente o intuito de elisão fiscal por parte do contribuinte, e não quando este efetivamente possui uma estrutura administrativa e produtiva para justificar a presença no local do investimento, mesmo que localizado em um paraíso fiscal. A excepcionalidade da aplicação destas regras fica clara na argumentação de Maciel 34:

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BIANCO, João Francisco. Transparência Fiscal Internacional. São Paulo: Dialética, 2007, p. 20. MACIEL, Taísa Oliveira. Tributação dos Lucros das Controladas e Coligadas Estrangeiras. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 26. 34

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Independentemente da teoria que se queira adotar, certo é que um ato tão extremo, de total ignorância da personalidade jurídica de uma sociedade, ainda que exclusivamente para fins tributários, deve ser revestido de critérios suficientes para demonstrar que existem ali indícios palpáveis de que o sócio auferiu – ou poderia ter auferido, se quisesse – disponibilidade econômica ou jurídica sobre aquela renda.

Por esse motivo, verifica-se, no Direito Comparado, que a maioria dos países divide-se na aplicação das regras CFC, ora atingindo apenas as rendas passivas auferidas em sociedades localizadas em paraísos fiscais, ora a totalidade da renda auferida nessas jurisdições, mas raramente atingindo a totalidade da renda sob qualquer circunstância 35. Tendo em vista o panorama geral da tributação do lucro auferido por sociedades controladas e coligadas no exterior e sua relação com as regras CFC, percebe-se claramente que este tema possui relevância fundamental nas discussões do papel do Sistema Tributário no desenvolvimento de um país, existindo várias dimensões possíveis para abordar a questão. Primeiramente, tem-se o próprio movimento de internacionalização dos investimentos, em que as empresas multinacionais efetivamente exploram o mercado de diversos países e, em consequência, sujeitam-se às regras tributárias que impõem o Imposto de Renda de diversas jurisdições. Ademais, tem-se o combate às operações abusivas estruturadas por contribuintes que desejam apenas a economia tributária, em detrimento da arrecadação e custeio da máquina estatal do seu país de origem ou residência. Tema correlato a este, tem-se de pano de fundo a própria relação entre os Estados e a arrecadação tributária, por vezes em desarmonia com a emergência dos paraísos fiscais. A questão da tributação de lucros auferidos no exterior por meio de sociedades controladas e coligadas, portanto, é fundamental no desenvolvimento: envolve o papel do Estado como agente internacional, como agente arrecadador e o papel das empresas na internacionalização - e dinamização - da economia. Neste sentido, espera-se que os países ofereçam legislações claras e coerentes, tanto para estimular o investimento efetivo, como para combater as estruturas artificiais dos contribuintes que prejudicam a arrecadação tributária. Sem um marco legal suficientemente previsível e claro, pode-se dizer que os investimentos das empresas no exterior (em um momento, como se viu, propício para a internacionalização) ficam comprometidos, pois haveria incertezas acerca do tributo devido

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As exceções podem ser identificadas nos regimes do Brasil e da Nova Zelândia. Para uma análise detalhada dos principais regimes CFC mundiais, ver o estudo feito por MACIEL, op. cit.

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para o país de origem da sociedade controladora ou coligada – incertezas estas que podem acarretar em autuações substanciais por parte das Autoridades Fiscal. Por outro lado, a própria expectativa de arrecadação do Estado pode ficar comprometida, pois o contribuinte pode buscar entendimento contrário no Poder Judiciário e os recursos esperados com a tributação dos investimentos no exterior podem nunca ser obtidos por parte do Estado. Uma última observação. Poder-se-ia considerar o trabalho relativamente obsoleto porque o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.5881/DF, estava a um voto de concluir o julgamento da constitucionalidade da regra inscrita no artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, que, como se verá, atualmente rege o tema da tributação dos lucros auferidos no exterior. Várias considerações apontam para a direção contrária. Primeiramente, o julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade ficou sobrestado pelo reconhecimento de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 611.586 RG / PR e, portanto, o julgamento recomeçará do início 36. Ademais, mesmo que a questão da constitucionalidade fosse solucionada, outras questões jurídicas relevantes, como a compatibilidade dos Tratados contra a Dupla Tributação com a regra do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, ainda restariam. Por fim, mesmo que todas as questões jurídicas fossem resolvidas, a presente análise ainda serviria de guia para analisar os efeitos econômicos (por uma ótica do rent seeking) da adoção de um ou outro modelo de tributação dos lucros auferidos no exterior, efeitos que devem ser considerados em uma possível e futura alteração legislativa do atual regime.

1.2.3. Insegurança Jurídica, Diferentes Níveis de Arrecadação e a Tributação de Lucros Auferidos no Exterior

No contexto acima descrito, ficam evidentes dois aspectos de política tributária em relação à tributação de lucros auferidos no exterior: (1) diante da ameaça de corrosão da base tributária por conta dos paraísos fiscais, o Estado precisa de instrumentos como as regras CFC para proteger a arrecadação; e (2) o contribuinte precisa de previsibilidade quanto à aplicação 36

Prevê-se que o julgamento do Recurso Extraordinário nº 611.586 RG / PR será efetuado somente em 2013, por conta da agenda apertada do STF com a Ação Penal nº 470. Ver, nesse sentido: BASILE, Juliano; MAGRO, Maíra. Mensalão leva STF a adiar definições na área tributária. Valor Online. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2012.

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destas regras para avaliar bem as possibilidades de investimentos no exterior - quanto menor o custo (tanto da insegurança jurídica quanto da tributação em si), maiores as chances de investimento. Conjugando-se os dois pontos, percebe-se que a pretensão arrecadatória do Estado pode mover-se em um espectro com dois polos, sendo um deles a máxima arrecadação de toda e qualquer manifestação de riqueza auferida no exterior 37 e o outro a completa renúncia do Estado a qualquer pretensão fiscal desta riqueza. Dificilmente uma política tributária desejaria localizar-se em qualquer um destes polos. Novamente, tem-se a tensão entre o estímulo ao setor privado (que não deseja ser tributado) e a necessidade de arrecadação para o financiamento do gasto público. É, porém, possível imaginar legislações que adotem posições bem próximas a qualquer um destes extremos. Perto do extremo da falta de arrecadação estaria uma regra de tributação que não possibilitasse qualquer tipo de controle ao planejamento tributário dos contribuintes, que então poderiam utilizar-se dos paraísos fiscais para, na prática, excluir a tributação dos lucros auferidos no exterior. Por outro lado, perto do extremo da arrecadação máxima estaria uma regra que tributasse a manifestação de riqueza sem considerar se tal materialidade está realmente disponível para o contribuinte do Estado que pretende tributá-lo. Ambos estes exemplos são prejudiciais em uma ótica de desenvolvimento. A hipótese da legislação que permite total planejamento tributário interessa somente a uma ótica de lucratividade para o setor privado, que se utiliza da infraestrutura do país de origem para internacionalizar os investimentos - sem contribuir para sua manutenção. Já a hipótese da legislação que não distingue as formas e o momento de auferimento da manifestação de riqueza gerada no exterior interessa ao Poder Público apenas no que diz respeito ao seu próprio sustento, desestimulando investimentos no estrangeiro que seriam legítimos. Isto é, esta hipótese não interessaria à política de desenvolvimento do Estado como um todo, mas apenas a uma política agressiva de arrecadação, beneficiando, possivelmente, a própria burocracia pública que se sustenta pelos recursos gerados pela tributação. Assim, em ambos os casos apenas haveria a transferência de recursos de um setor da sociedade para outro, sem que houvesse geração de benefícios socioeconômicos para o país de residência da sociedade que aufere o rendimento no exterior por controladas e coligadas. 37

Sem considerar, por exemplo, se esta riqueza já está disponível ao contribuinte brasileiro ou se foi anteriormente tributada por outro Estado.

30

No primeiro caso, dá-se a transferência da riqueza potencial gerada no País (isto é, dos recursos que poderiam ser tributados e distribuídos para toda a população) para as empresas que se utilizam de paraísos fiscais no exterior (e, em menor medida, a tais paraísos fiscais). No segundo caso, há transferência de recursos do setor privado para o setor público, mas a geração de riqueza fica prejudicada por conta da excessiva tributação das empresas que auferem lucros no exterior. É neste contexto que se pode compreender os diversos interesses de apropriação de riqueza em relação à tributação dos lucros auferidos no exterior pela literatura do "rent seeking". Esta teoria econômica, como se verá, estuda a simples transferência, envolvendo algum tipo de ação ou omissão do Estado, de riqueza de um setor da sociedade para outro sem que haja geração de rendas (ou que haja mais custos sociais do que a eventual riqueza gerada). Assim define o rent seeking o professor Conybeare 38:

No curso do desenvolvimento de modelos de comportamento político, os economistas vieram a distinguir o profit seeking (que envolve a criação de riqueza) do rent seeking (que se refere ao uso do poder do Estado para transferir riquezas entre grupos de pessoas).

Ademais, especialmente no tocante à apropriação de riqueza por parte do setor público primordialmente para seu benefício, pode-se fazer uma relação com a teoria do patrimonialismo, formulada mais detalhadamente por Raymundo Faoro, que detalha a característica do Poder Público brasileiro de se apropriar dos recursos do Estado para seu próprio proveito. Em outras palavras, a teoria do patrimonialismo poderia explicar em parte uma possível tendência das regras tributárias brasileiras de privilegiar a arrecadação pública mesmo em detrimento do desenvolvimento das atividades privadas. Por fim, resta esclarecer que a apropriação de recursos no âmbito da tributação, qualquer que seja o setor beneficiado, pode se estabelecer com a ajuda da insegurança jurídica do próprio sistema tributário. Pois, sem que haja clareza das normas e previsibilidade de sua aplicação pelo tribunal competente, é possível que as partes envolvidas utilizem a argumentação (e retórica) jurídica para fazer valer seu interesse.

38

CONYBEARE, John A. C. The Rent-Seeking State and Revenue Diversification. World Politics, v. 35, n. 1, out/82, p. 25.

31

Por compreender tanto o desenvolvimento dos negócios privados quanto a necessária arrecadação por parte do Estado, a segurança jurídica na tributação, aliás, já era defendida de forma contundente por Adam Smith, que a via como um princípio basilar do sistema tributária de qualquer país 39:

“2. O tributo que cada indivíduo deve recolher deve ser certo e não arbitrário. A data do pagamento, a forma de recolhimento e o montante a ser pago devem ser todos claros e simples ao contribuinte e a todas as outras pessoas. Caso contrário, toda pessoa sujeita ao tributo seria colocada mais ou menos no poder do coletor tributário, que pode tanto agravar o tributo sobre um contribuinte que não o agrade, quanto extorquir, pelo terror de tal agravamento, algum benefício para si. A incerteza da tributação encoraja a insolência e favorece a corrupção de uma ordem de pessoas que são naturalmente impopulares, mesmo quando não são nem insolentes ou corruptas. A certeza do que cada indivíduo deve recolher é, em tributação, uma questão de tão grande importância que um grande grau de iniquidade, aparentemente, acredito, da experiência de todas as nações, não é um mal tão grave quanto até mesmo um pequeno grau de incerteza.”

Atualmente, a insegurança jurídica também é criticada por estudiosos nacionais, que atentam para o seu impacto negativo no desenvolvimento, conforme se verifica na lição de Oliveira 40:

Realmente, quase todos os entraves para o desenvolvimento, que têm origem em incertezas, nascem da insegurança jurídica, que se apresenta, por conseguinte, como o principal e o maior obstáculo para o povo brasileiro se desenvolver economicamente, mas também culturalmente em qualquer outro aspecto da sua existência. Com razão, há outros fatores ou outras consequências dos múltiplos entraves ao desenvolvimento, mas a principal incerteza que o embaraça reside na insegurança jurídica, e seu entrave é de toda ordem, desde o entrave ao desenvolvimento econômico até o entrave ao próprio desenvolvimento institucional, com consequências na própria cultura do nosso povo.

39

SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Disponível em: . Acesso em: 6 abr. 2012. Tradução livre de: “2. The tax which each individual is bound to pay, ought to be certain and not arbitrary. The time of payment, the manner of payment, the quantity to be paid, ought all to be clear and plain to the contributor, and to every other person. Where it is otherwise, every person subject to the tax is put more or less in the power of the tax-gatherer, who can either aggravate the tax upon any obnoxious contributor, or extort, by the terror of such aggravation, some present or perquisite to himself. The uncertainty of taxation encourages the insolence, and favours the corruption, of an order of men who are naturally unpopular, even where they are neither insolent nor corrupt. The certainty of what each individual ought to pay is, in taxation, a matter of so great importance, that a very considerable degree of inequality, it appears, I believe, from the experience of all nations, is not near so great an evil as a very small degree of uncertainty.”. 40 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Incertezas que Entravam o Crescimento. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 603.

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Em suma, a insegurança jurídica não apenas tem impactos no desenvolvimento como um todo, mas também prejudica, mais concretamente, o próprio sistema tributário. Mostra-se prejudicial ao desenvolvimento das próprias instituições jurídicas e dos efeitos socioeconômicos correlatos. Ademais, pode servir à defesa de interesses políticos e econômicos nos tribunais, pois a falta de certeza sobre a interpretação das normas pode ensejar decisões que adotem a retórica jurídica das partes envolvidas, interessadas no resultado que mais lhes concederem recursos econômicos e políticos. Nesse contexto, dada a crescente participação do Brasil na economia internacional, também seria de se esperar que o País tivesse um marco legal sobre o tema suficientemente desenvolvido e estável para que suas empresas desenvolvessem seus negócios de forma mais segura – seja no mercado nacional ou no externo – e para que as Autoridades Fiscais pudessem estabelecer as obrigações tributárias de seus contribuintes, neste tipo de operação, com relativa certeza. Não é este, contanto, o panorama geral do regime brasileiro de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. As regras que regulam o tema foram, desde meados da década de 90, constantemente modificadas, de forma a alterar substancialmente o regime, até mesmo por meio de Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil (RFB), instrumento que em tese deveria apenas regular os dispositivos da legislação ordinária. A insegurança causada pela sucessão de alterações legislativas não é apenas teórica, pois a maioria das empresas de alguma forma afetadas pelas regras possui um substancial valor em disputa no Poder Judiciário: R$ 38,6 bilhões, aproximadamente, em 2012 41. Nesse ambiente de incerteza, seria de se esperar que os tribunais cumprissem o papel de pacificadores das discussões jurídicas, estabelecendo critérios claros a partir dos quais se dará a aplicação das leis em questão. Ocorre que, como se verá, a matéria da tributação dos lucros auferidos no exterior está longe de ser pacífica, existindo ainda a mais diversa gama de interpretações sobre o tema, cada qual importando a interesses específicos do setor privado ou do setor público. São justamente estes interesses, analisados pela ótica do rent-seeking, o objeto de estudo deste trabalho. 41

Estimativa realizada pelo jornal Valor: BAETA, Zínia. Tributação de coligadas ainda aguarda desfecho. Valor Online. Disponível em: . Acesso em 6 abr. 2012.

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1.3. O Objeto de Estudo e a Metodologia Proposta

Como se verá ao longo do trabalho, a produção doutrinária em relação ao tema foi extensa, produzindo diversas teorias que muitas vezes não se coadunam. Isso, entretanto, é normal para qualquer discussão jurídica, pois a função da doutrina, principalmente quanto a um tema dogmático, é expor a sua interpretação e melhor aplicação de uma dada norma. Divergências, nesse sentido, são mais do que comuns, são esperadas. Divergências podem ser esperadas também, em um primeiro momento, na jurisprudência, quando os tribunais têm o primeiro contato em relação à norma. Entretanto, à medida que mais e mais processos são analisados, cumpre aos tribunais a pacificação da discórdia relativa ao tema, podendo-se até mesmo utilizar a produção doutrinária para justificar suas decisões. Pois, se a insegurança prevalecer até mesmo na jurisprudência, os contribuintes e destinatários em geral da norma ficarão sem parâmetros suficientes para guiar sua conduta, obtendo assim potenciais prejuízos, como argumenta Oliveira 42:

Ou, pior dos piores, quando hoje a decisão é uma, no próximo mês outra, depois mais outra ou novamente a primeira, depois outra das outras, e assim sem fim na incerteza? Isto não se tratando de lei nova ou fato distinto! (...) Seguramente, esta é a maior das inseguranças, pois o empresário ou o cidadão em geral (contribuinte ou não) não sabe se a sua decisão de fazer algo tem um mínimo de segurança quanto aos respectivos ônus fiscais, segurança que a função de gerir sociedades exige de qualquer administrador probo e confiável, até por sua interferência na vida de milhares de pessoas.

A hipótese deste trabalho é que a persistente insegurança jurídica em relação ao tema da tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior reflete e é alimentada por interesses econômicos tanto privados quanto públicos. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar a evolução do regime brasileiro de tributação dos lucros, ganhos de capital e rendimentos auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior pela ótica da teoria do rent seeking. Trata-se, desta forma, de verificar se e de que forma o atual desenho destas regras privilegia a apropriação de recursos econômicos para um setor da sociedade sem que haja ganhos para o desenvolvimento do País. Em outras

42

OLIVEIRA, 2011, op. cit., p. 608.

34

palavras, pretende-se realizar uma análise crítica da legislação atualmente em vigência – e suas interpretações - tendo em vista os potenciais efeitos econômico-sociais de sua aplicação. Para tanto, após uma breve exposição do regime atual brasileiro de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior, identificar-se-á na doutrina os principais pontos de discórdia acerca da aplicação da legislação em questão. A seguir, identificar-se-á quais os possíveis interesses econômicos que cada interpretação dos pontos controversos tende a defender, utilizando-se para tanto as teorias do rent seeking e do patrimonialismo. A seguir, o tratamento destes mesmos pontos será analisado nos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF), e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) para verificar se há alguma tendência de consolidar alguma das interpretações possíveis sobre as controvérsias do tema. A metodologia específica de pesquisa jurisprudencial será explicitada no seu capítulo específico. Realizada esta etapa, far-se-á uma conclusão acerca do atual panorama legislativo e jurisprudencial sobre as regras de tributação dos lucros auferidos no exterior, verificando-se a possibilidade de algum setor da sociedade (público/privado) ser privilegiado em detrimento do desenvolvimento do País como um todo.

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2. O REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DOS DOS LUCROS, GANHOS DE CAPITAL E RENDIMENTOS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR

2.1. Introdução

Estabelecido o tema e o método de pesquisa, é possível expor, em breves linhas, a evolução do regime geral brasileiro de tributação dos lucros, ganhos de capital e rendimentos auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior (referido, daqui a diante, simplesmente como “regime de tributação dos lucros auferidos no exterior”), com o intuito de deixar mais clara a posterior exposição das controvérsias doutrinárias a respeito do assunto. Uma vez que este trabalho foca-se nas referidas controvérsias, a exposição do regime geral obedecerá o seu propósito de sustentar a posterior discussão, de forma que nem todas as regras relativas ao tema serão analisadas na presente seção. Percorrer-se-á o histórico legislativo recente, desde a adoção do princípio da universalidade no ordenamento brasileiro até a mais recente alteração promovida pela Instrução Normativa SRF nº 213/02. Pretende-se, à medida do possível, expor os contornos da evolução do regime, sem que qualquer tipo de controvérsia jurídica seja suscitado no presente momento. Algumas normas, entretanto, foram alteradas justamente por algum tipo de controvérsia existente anteriormente, de forma que a questão será brevemente explicitada para ser mais detalhada no capítulo posterior.

2.2. Da Territorialidade para a Universalidade: Lei nº 9.249/95

Até a década de 90, o Brasil valia-se do princípio da territorialidade para regular a incidência do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isso quer dizer que apenas os rendimentos auferidos dentro do território brasileiro eram passíveis de tributação por parte das Autoridades Fiscais nacionais. Este princípio estava inscrito, na legislação brasileira, até o Regulamento do Imposto de

36

Renda (RIR) de 1994, no seu artigo 337 43: “O lucro proveniente de atividades exercidas parte no País e parte no exterior somente será tributado na parte produzida no País”. Como se depreende do artigo, apenas o lucro produzido no território brasileiro estava sujeito à tributação – o lucro proveniente de atividades exercidas fora do País estava isento. Ocorre que, em 1995, o princípio da territorialidade foi substituído pelo princípio da universalidade, no qual a totalidade da renda auferida pelo nacional e residente no Brasil seria tributada, independentemente do local de seu auferimento. Esta alteração foi promovida pela Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995 (Lei nº 9.249/95) 44, que, em seu artigo 25, instituiu a referida tributação em bases universais:

Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano.

Observe-se que, ao contrário da regra inscrita no RIR/94, a nova regra inclui expressamente a renda obtida no exterior pelas pessoas jurídicas. Assim, não mais as pessoas jurídicas brasileiras somente recolheriam o IRPJ e a CSLL dos lucros decorrentes das atividades no território nacional – simplesmente, a partir da referida lei, não haveria mais a divisão entre renda auferida no Brasil e no exterior para fins de incidência dos tributos. É como comentam Coêlho e Derzi (2006) 45:

(...) A Lei nº 9.249 (...) seguindo tendência observável em diversos outros países, introduziu entre nós o conceito de “renda mundial”, passando a tributar com o IR, no Brasil, os lucros diretamente auferidos no exterior por empresas brasileiras e também aquelas por elas auferidos através de suas controladas e coligadas no exterior.

43

BRASIL. Decreto nº 1.041, de 11 de janeiro de 1994. Aprova o regulamento para a cobrança e fiscalização do imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. disponível em: . Acesso em: 6 abr 2012. 44 BRASIL. Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/leis/ant2001/lei924995.htm>. Acesso em: 6 abr. 2012. 45 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. Tributação pelo IRPJ e pela CSLL de Lucros Auferidos por Empresas Controladas ou Coligadas no Exterior – Inconstitucionalidade do art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 130, jul. 2006, p. 136.

37

Outro ponto a se destacar, ainda no artigo 25 da referida Lei nº 9.249/95, é que este instituiu uma tributação automática dos lucros auferidos no exterior, lucros estes apurados no balanço do dia 31 de dezembro de cada ano. Vale dizer, independentemente do veículo pelo qual se auferiu o lucro no exterior (por meio de filial, sucursal, controlada ou coligada), este seria tributado pelo regime do artigo 25. Para efetivar o caput, a forma da apuração deste lucro estava contida nos parágrafos 2º e 3º do mesmo artigo, que previam a adição do lucro da filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior no lucro líquido da controladora ou coligada nacional, na proporção de sua participação. Como ensina Barreto 46:

Passados sete anos, com a publicação da Lei 9.249/95, os lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior passam a ser computados na apuração do lucro real, proporcionalmente à participação da pessoa jurídica residente ou domiciliada no país no capital da controlada ou coligada.

Em linhas gerais, essas são as características da adoção do princípio da universalidade na tributação do IRPJ e da CSLL no Brasil.

2.3. A Instrução Normativa nº 38/96

O regime previsto pela Lei nº 9.249/95, entretanto, teve pouca duração. Já no ano seguinte, a então Secretaria da Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 38, de 27 de junho de 1996 (IN nº 38/96), que regulamentou o sistema acima descrito. À época de sua promulgação, a Lei nº 9.249/95 causou espanto por conta da regra da tributação automática dos lucros auferidos no exterior, apurados no balanço da empresa estabelecida no exterior. Para muitos, era necessário um evento de disponibilização, isto é, um ato da sociedade controlada ou coligada no exterior que tornasse o lucro por elas auferido disponível para a controladora ou coligada nacional.

46

BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a Renda e os Lucros Auferidos no Exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 6, p. 335.

38

Nesse sentido, a referida IN nº 38/96, em seu artigo 2º, previu a regra da disponibilização para a tributação dos lucros auferidos no exterior por intermédio de outra empresa (filial, sucursal, coligada ou controlada) 47:

Art. 2º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido do período-base, para efeito de determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados.

Assim, o critério temporal da incidência do IRPJ e da CSLL, antes 31 de dezembro do ano-calendário da própria apuração dos lucros, que seriam adicionados ao balanço da sociedade no Brasil, passou a ser o dia 31 de dezembro do ano-calendário da efetiva disponibilização para a sociedade brasileira. A respeito dessa alteração, assim escreve Silva 48:

8. Apercebendo-se do problema e na tentativa de superá-lo, a Secretaria da Receita Federal, lamentavelmente de forma inadequada, baixou a Instrução Normativa nº 38/96 (...). O conceito de “lucros disponibilizados”, que aparecia pela primeira vez na legislação tributária ordinária nacional, com a finalidade de, via regulamentação, contornar a inconstitucionalidade do artigo 25, §3º, II, da Lei nº 9.249/95, está explicitado no §2º do artigo 2º da IN nº 38/96.

Com efeito, para efetivar o novo regime, a IN nº 38/96 ainda previu as hipóteses de disponibilização do lucro para a sociedade matriz, controladora ou coligada no Brasil – o pagamento ou crédito do lucro à sociedade brasileira – no artigo 2º, parágrafos 1º e 2º:

§ 1º Consideram-se disponibilizados os lucros pagos ou creditados à matriz, controladora ou coligada, no Brasil, pela filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior. § 2º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, considera-se: I - creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior;

47

BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Dispõe sobre a tributação de lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior pelas pessoas jurídicas domiciliadas no País. Instrução Normativa nº 38, de 27 de junho de 1996. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2012. 48 SILVA, Eivany Antonio. O Imposto de Renda e os Lucros e Rendimentos Auferidos no Exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 6, 2003, p. 63.

39

II - pago o lucro, quando ocorrer: a) o crédito do valor em conta bancária em favor da matriz, controladora ou coligada, domiciliada no Brasil; b) a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária; c) a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça; d) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior.

O referido regime de convivência da Lei nº 9.249/95 com a IN nº 38/96 perdurou até 1997, quando outras regras referentes ao sistema de tributação dos lucros auferidos no exterior foram promulgadas.

2.4. Enfatizando a Disponibilização da Renda: Lei nº 9.532/97

Como explicitado acima, a IN nº 38/96 explicitou o critério temporal para a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os lucros auferidos no exterior, determinando que estes fossem apenas tributados quando houvesse a efetiva disponibilização mediante crédito ou pagamento. Contudo, referida Instrução Normativa gerou considerável polêmica na doutrina. Argumentou-se, à época, que por conta do princípio da legalidade inscrito na Constituição Federal (CF) em seu artigo 150 49, I, um ato infralegal como uma Instrução Normativa não pode alterar a definição do fato gerador de um tributo. É o que teria acontecido com a IN nº 38/96, que teria anulado a tributação automática prevista na Lei nº 9.249/95 para dispor sobre a tributação a partir da distribuição de lucros. Nesse sentido, a lição de Schoueri 50:

É comum que se diga que a Instrução Normativa SRF nº 38/96 alterou o momento da tributação no Brasil dos lucros das coligadas e controladas no exterior, que teria passado de 31 de dezembro de cada exercício de apuração para 31 de dezembro do ano-calendário em que foram disponibilizados. No entanto, tal veículo não era instrumento adequado para alterar a Lei nº 9.249/95, já que instrução normativa pode no máximo interpretar o texto da lei ordinária, e nunca alterá-lo, principalmente no que tange à matéria de incidência tributária.

49

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 50 SCHOUERI, Luis Eduardo. Tributação Internacional das Empresas Nacionais e Desenvolvimento: Novos Rumos? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. Editora Quartier Latin. São Paulo, p. 470 – 471.

40

No contexto desta controvérsia jurídica, promulgou-se a Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997 (Lei nº 9.532/97) 51. O referido diploma, já em seu artigo 1º, caput, prevê o mesmo critério da disponibilização trazido pela IN nº 38/96 52:

Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do anocalendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.

Observe-se, também, que a Lei nº 9.532/97 manteve, em seu artigo 1º, parágrafos 1º, alínea “b”, e 2º, o mesmo critério geral de disponibilização da IN nº 38/96 para os lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior: o crédito ou pagamento, nos moldes acima explicitados. A preocupação, à época, tanto da IN nº 38/96 quanto da Lei nº 9.532/97, era a compatibilidade do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior com o Código Tributário Nacional (CTN), mais especificamente com seu artigo 43, que dispõe sobre o fato gerado do Imposto de Renda 53: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:”. Nesse sentido, argumentava-se que a Lei nº 9.249/95, ao pretender tributar automaticamente os lucros auferidos no exterior sem um evento de disponibilização, infringia o supramencionado dispositivo do CTN. Por fim, note-se que, no período de três anos (1995 a 1997), contabilizaram-se três diplomas normativos que alteraram sensivelmente o tratamento legal do tema ora em discussão. Haveria ainda um período de mais quatro anos até a próxima alteração substantiva.

2.5. Mais uma Alteração: Lei Complementar nº 104/2001 e Medida Provisória nº 2.15835/2001 51

BRASIL. Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Altera a legislação tributária federal e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2012. 52 Parte da doutrina entendeu que a Lei nº 9.532/97 teve o efeito de positivar o regime trazido pela IN nº 38/96, de forma a sanar o teórico conflito existente entre esta Instrução Normativa e a Lei nº 9.249/95. 53 BRASIL. Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: < http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm>. Acesso em: 19 abr. 2012.

41

O ano de 2001 trouxe grandes novidades para o tema da tributação dos lucros das controladas e coligadas no exterior. Primeiramente, deve-se destacar a promulgação da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001 (LC nº 104/2001) 54. Além de prever a possibilidade da norma geral antielisiva no ordenamento brasileiro (mediante a introdução do parágrafo único ao artigo 116 do CTN), o diploma ainda introduziu os parágrafos 1º e 2º ao artigo 43 do CTN, a seguir transcritos:

§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.

O parágrafo primeiro consagra a adoção do princípio da universalidade já introduzido desde a época da Lei nº 9.249/95, não causando nenhuma alteração substantiva no ordenamento jurídico então vigente. Contudo, o parágrafo supramencionado causou inúmeras controvérsias à época de sua introdução, sendo que seu efeito legal foi debatido intensamente, como se verá adiante. Certo é, porém, que após a sua promulgação, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro mais uma regra sobre o lucro das controladas e coligadas no exterior – a Medida Provisória nº 2.158-34, de 27 de julho de 2001, atual Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001 (MP nº 2.158-35/01) 55, que em seu artigo 74 dispôs o seguinte: Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento.

54

BRASIL. Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. Altera dispositivos da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. Disponível em: . Acesso em: 7 abr. 2012. 55 BRASIL. Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. Altera a legislação das Contribuições para a Seguridade Social - COFINS, para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e do Imposto sobre a Renda, e dá outras providências. Disponível em . Acesso em: 7 abr. 2012.

42

Parágrafo único. Os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 serão considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação em vigor.

Da leitura do artigo supratranscrito depreende-se, do caput 56, teoricamente baseado no artigo 43, §2º, do CTN (introduzido pela LC nº 104/01), que a MP nº 2.158-35/01, em seu artigo 74, faz voltar o regime instituído pela Lei nº 9.249/95 de tributação de lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior. Isto é, dá-se, novamente, a tributação por disponibilização automática dos lucros, para a controladora ou coligada no Brasil, na data em que tiverem sido apurados no balanço da controlada ou coligada no exterior, independentemente de um ato de distribuição destas. Nesse sentido, alguns autores entenderam que se equiparou, para fins fiscais, as controladas e coligadas no exterior às sucursais e filiais, pois o lucro destas também poderia ser tributado no Brasil a partir de sua apuração. Como escrevem Machado Segundo e Machado 57:

O fato é que, com base na “liberdade” concedida pelo citado §2º do artigo 43, o Poder Executivo Federal, através da 34ª edição da Medida Provisória nº 2.158, dispôs que “os lucros auferidos pela controla ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controlada ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados” (art. 74), atribuindo às coligadas e controladas (que têm personalidade jurídica distinta) o mesmo tratamento tributário conferido às filiais e sucursais (ramificações da matriz brasileira).

Deve-se observar, ainda, que a MP nº 2.158-35/01 ressaltou a incidência da CSLL sobre os lucros, ganhos de capital e rendimentos auferidos no exterior, conforme se depreende do artigo 21:

Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior sujeitam-se à incidência da CSLL, observadas as normas de tributação universal de que tratam os arts. 25 a 27 da Lei nº 9.249, de 1995, os arts. 15 a 17 da Lei nº 9.430, de 1996, e o art. 1º da Lei nº 9.532, de 1997.

56

O parágrafo único do artigo 74 causou controvérsias acerca da possível violação ao princípio da anterioridade, inscrito no artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal. Este, contudo, não é o cerne das discussões sobre o regime de tributação dos lucros das controladas e coligadas no exterior, sendo o parágrafo único relevante apenas para os fatos ocorridos no ano de 2001. Por esse motivo, esta discussão não será desenvolvida no presente trabalho. 57 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. O Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e os Resultados Verificados no Exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 7, 2003, p. 204.

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São, em suma, quatro alterações substantivas em sete anos (1995 a 2001). A partir da MP nº 2.158-35/01, poder-se-ia esperar que o regime aplicável para o lucro das controladas e coligadas no exterior voltaria simplesmente a ser o da Lei nº 9.249/95, tendo a Medida Provisória apenas suspendido a eficácia da Lei nº 9.532/97, no que tange ao tema. Ocorre, porém, que mais uma norma seria editada para regular o tema.

2.6. A Instrução Normativa nº 213/2002

No ano seguinte ao da promulgação da MP nº 2.158-35/01, a Receita Federal do Brasil (RFB) editou a Instrução Normativa RFB nº 213, de 7 de outubro de 2002 (IN nº 213/02) 58, regulamentando a aplicação do artigo 74 da referida Medida Provisória. Dentre os artigos nela contidos, alguns são especialmente relevantes para a discussão aqui desenvolvida, pois refletem o momento e a forma de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Primeiramente, observar-se-ão os dispositivos relacionados à disponibilização dos lucros. Teoricamente, regras sobre a disponibilização não seriam mais necessárias, tendo em vista a tributação automática dos lucros em 31 de dezembro de cada ano. Contudo, as hipóteses seguintes tratam de casos em que há alteração substantiva da estrutura jurídica da pessoa jurídica brasileira – investidora - ou da pessoa jurídica/empreendimento estrangeiro (filiais ou sucursais) - investida:

Art. 2º (...) § 1º No caso de encerramento do processo de liquidação da empresa no Brasil, os recursos correspondentes aos lucros auferidos no exterior, por intermédio de suas filiais, sucursais, controladas e coligadas, ainda não tributados no Brasil, serão considerados disponibilizados na data do balanço de encerramento, devendo, nessa mesma data, serem computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL. § 2º No caso de encerramento de atividades da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliadas no exterior, os lucros auferidos por seu intermédio, ainda não tributados no Brasil, serão considerados disponibilizados, devendo ser computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL no balanço

58

BRASIL. Receita Federal do Brasil. Dispõe sobre a tributação de lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior pelas pessoas jurídicas domiciliadas no País. Instrução Normativa RFB nº 213, de 7 de outubro de 2002. Disponível em: . Acesso em: 7 abr 2012.

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levantado em 31 de dezembro do respectivo ano-calendário ou na data do encerramento das atividades da empresa no Brasil. § 3º Os lucros ainda não tributados no Brasil, auferidos por filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliadas no exterior, cujo patrimônio for absorvido por pessoa jurídica sediada no Brasil, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, serão computados para fins determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário do evento. (...) § 5º Ocorrendo a absorção do patrimônio da filial, sucursal, controlada ou coligada por empresa sediada no exterior, os lucros ainda não tributados no Brasil, apurados até a data do evento, serão considerados disponibilizados, devendo ser computados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL da beneficiária no Brasil, no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário do respectivo evento. § 6º Na hipótese de alienação do patrimônio da filial ou sucursal, ou da participação societária em controlada ou coligada, no exterior, os lucros ainda não tributados no Brasil deverão ser considerados para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL da alienante no Brasil, no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que ocorrer a alienação.

Em resumo, no artigo 2º, parágrafos 1º a 6º, são consideradas hipóteses específicas de disponibilização dos lucros os seguintes eventos: (i) processo de liquidação da empresa no Brasil (parágrafo 1º); (ii) encerramento das atividades da pessoa jurídica/empreendimento no exterior (parágrafo 2º); (iii) absorção de patrimônio por incorporação, fusão ou cisão com pessoa jurídica brasileira ou estrangeira (parágrafos 3º e 5º); e (iv) alienação de participação societária em pessoa jurídica/empreendimento no exterior. A racionalidade novas hipóteses de disponibilização de lucros 59, a despeito da cláusula de tributação por disponibilização automática, é descrita por Xavier 60:

No caso específico da alienação de participações societárias, sua inclusão no rol de equiparações da Instrução Normativa nº 213/02 (art. 2º, §6º) deve ser entendida com o significado e alcance de uma antecipação da própria apuração da totalidade do lucro da controlada ou coligada estrangeira. A razão de ser desta “antecipação” está em que nesta hipótese (bem como nas hipóteses de encerramento de atividades, incorporação, fusão ou cisão, absorção do patrimônio por empresa sediada no exterior, liquidação) altera-se a identidade do sujeito passivo no final do período, razão pela qual o Fisco procurou garantir um mecanismo que tornasse efetiva a tributação, que poderia ver-se definitivamente frustrada à época da apuração o contribuinte fosse um residente no exterior, fora do alcance da lei brasileira.

59 60

As hipóteses já eram previstas na IN nº 38/96, em seu artigo 2º. XAVIER, op. cit., p. 393.

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Algumas dessas hipóteses de disponibilização foram contestadas, principalmente pela dúvida se de fato configuram um evento de disponibilização. Ocorre que, para além destas regras, a IN nº 213/02 ainda trouxe outra novidade no seu artigo 7º, a saber, a tributação do resultado de equivalência patrimonial:

Art. 7º A contrapartida do ajuste do valor do investimento no exterior em filial, sucursal, controlada ou coligada, avaliado pelo método da equivalência patrimonial, conforme estabelece a legislação comercial e fiscal brasileira, deverá ser registrada para apuração do lucro contábil da pessoa jurídica no Brasil. § 1º Os valores relativos ao resultado positivo da equivalência patrimonial, não tributados no transcorrer do ano-calendário, deverão ser considerados no balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL. (...)

A referida introdução causou espanto na doutrina em geral, por conta do histórico da legislação tributária brasileira que tradicionalmente não tributava o chamado método de equivalência patrimonial (MEP) 61. Interpretou-se que o referido artigo 7º tinha o condão de efetivar o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, isto é, que o lucro apurado em balanço pela coligada ou controlada, disponibilizado automaticamente no dia 31 de dezembro, seria tributado justamente por sua contabilização no patrimônio líquido da controladora ou coligada no Brasil pela aplicação do MEP. Ainda na lição de Xavier 62:

Enquanto o argumento do controle vislumbra o fundamento da disponibilidade legitimadora da tributação no mero poder de vontade do sócio controlador, o argumento da equivalência patrimonial vê esse fundamento no fato de o método de patrimônio líquido considerar que aquela equivalência já é parte integrante do lucro da controladora brasileira, independentemente de um ato de distribuição. Foi precisamente este argumento que levou a Instrução Normativa nº 213, de 7 de outubro de 2002, a proceder à distinção (não prevista na lei) entre os investimentos avaliados pelo método da equivalência patrimonial, em relação aos quais se aplicaria o regime da tributação automática por ocasião da apuração do lucro (...)

Em suma, a IN nº 213/02 trouxe regras que alteraram de forma significativa o regime de tributação de lucros auferidos no exterior, muitas das quais foram intensamente debatidas pela doutrina.

61 62

Ver o artigo 389 do RIR/99, bem como o artigo 25, §6º, da Lei nº 9.249/95. XAVIER, op. cit., p. 404.

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2.7. Breves Comentários Acerca da Evolução Legislativa do Tema

Como se depreende das linhas acima escritas, o regime de tributação dos lucros auferidos no exterior foi alterado constantemente nos últimos 20 anos. O Brasil passou do princípio da territorialidade para o princípio da universalidade com tributação automática dos lucros auferidos no exterior (Lei nº 9.249/95) para a tributação apenas com a disponibilização (IN nº 38/96 e Lei nº 9.532/97), voltando para a tributação por disponibilização automática (MP nº 2.158-35/01) e, por fim, efetivando-a por meio do MEP (IN nº 213/02). São alterações substantivas acerca do tempo e da forma de incidência do IRPJ e da CSLL referentes aos lucros auferidos no exterior por meio de sociedades controladas ou coligadas. Nesse sentido, não surpreendem as diversas controvérsias jurídicas que surgiram desde a edição do primeiro diploma normativo, em 1995, controvérsias estas enfrentadas pelos mais diversos juristas que tentam colocar ordem a esta sucessão quase desordenada de leis e atos infralegais. Ver-se-á, enfim, quais são as controvérsias e quais foram as diferentes respostas propostas pela doutrina.

47

3. AS PRINCIPAIS CONTROVÉRSIAS DOUTRINÁRIAS ACERCA DAS REGRAS BRASILEIRAS

DE

TRIBUTAÇÃO

DO

LUCRO

DAS

SOCIEDADES

CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR

3.1. Objetivos do Capítulo

O presente capítulo irá expor as controvérsias jurídicas (bem como os argumentos que tentam solucioná-las) que foram identificadas pela doutrina na aplicação das regras relativas aos lucros 63 das sociedades controladas e coligadas no exterior. Serão observadas as controvérsias relativas principalmente ao regime atualmente em vigor, isto é, aquele previsto conjuntamente pelo artigo 43, parágrafo 2º, do CTN (introduzido pela LC nº 104/2001), pelo artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 e pela IN nº 213/02. Cada ponto de controvérsia será considerado em subcapítulo específico, mas atente-se para o fato de que alguns deles são complementares, isto é, a análise de um pode influenciar a do outro. Nesse sentido, escolheu-se por dividi-los porque, apesar de vários temas serem conexos, cada um tem um foco argumentativo particular. Ademais, a divisão servirá para outro propósito básico: verificar no capítulo posterior, à luz das teorias do rent seeking e do patrimonialismo, qual posição interessaria mais ao setor privado (contribuintes atingidos) ou ao setor público (Administração Pública e Autoridades Fiscais), verificando-se ainda a legitimidade, quanto ao interesse de desenvolvimento do país, de cada interpretação para as controvérsias jurídicas em questão. Por fim, as controvérsias aqui identificadas servirão também para a análise de jurisprudência. Nesse sentido, os pontos de discórdia analisados em relação à doutrina serão também verificados na jurisprudência, observando-se qual é a posição dos tribunais sobre os pontos não pacificados. Observe-se que os tópicos de controvérsia dos subcapítulos seguintes não esgotam todas as questões que surgem da aplicação das regras ora analisadas. Contudo, representam os

63

Far-se-á referência, a partir deste capítulo, à incidência de “Imposto de Renda” genericamente, englobando tanto o IRPJ como a CSLL, por serem tributos que incidem paralelamente sob as mesmas circunstâncias, como se viu no capítulo anterior.

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pontos discutidos de forma mais frequente e aprofundada pela doutrina 64, havendo assim mais material disponível para analisá-los.

3.2. Regras de CFC e a Tributação de Lucros das Sociedades Controladas e Coligadas

A primeira discussão e, talvez, uma das mais importantes, é aquela sobre o próprio efeito pretendido pelas regras ora em análise. Como exposto no capítulo anterior, o artigo 74, caput, da MP nº 2.158-35/01, tem teoricamente o efeito de tributar os lucros auferidos das sociedades controladas ou coligadas no exterior, independentemente de um ato destas que disponibilize tais lucros. Este dispositivo, portanto, guarda uma semelhança inegável com as regras CFC vistas no primeiro capítulo, as quais também têm o condão de tributar os lucros auferidos por sociedades controladas no exterior independentemente de um ato de distribuição. Isto é, aparentemente, o sistema brasileiro adotaria, como as regras CFC, a chamada teoria da “transparência fiscal”, em que, para fins fiscais, desconsidera-se que a controlada e coligada no exterior têm existência jurídica distinta de sua controladora – e, portanto, os lucros daquelas poderiam ser tributados nestas. Ocorre que, ao contrário das regras CFC geralmente previstas nos diversos ordenamentos jurídicos do mundo, a aplicação da regra brasileira não pode ser afastada sob nenhuma hipótese – aplica-se a toda e qualquer sociedade brasileira que possua uma controlada ou coligada no exterior. Ao contrário, geralmente as regras CFC somente são aplicadas após a verificação de alguns requisitos, como a existência de controlada em paraíso fiscal e/ou composição do rendimento derivado primordialmente de rendas passivas. Nesse sentido, veja-se as considerações de Avi-Yonah – observe-se, curiosamente, que ele considera o Brasil como um país que adotou regras CFC, a despeito da peculiaridade acima mencionada 65: 64

Como já se indicou anteriormente, escolheu-se por não incluir a questão da possível violação ao princípio da anterioridade, inscrito no artigo 150, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal, uma vez que o debate se esgota nos efeitos da MP nº 2.158-35/01 (mais especificamente do artigo 74, parágrafo único) sobre os fatos geradores ocorridos no ano de 2001. 65 AVI-YONAH, Reuven. Back to the Future? The Potential Revival of Territoriality. University of Michigan Law School The John M. Olin Center for Law & Economics Working Paper Series, paper 88, 2008, p. 2. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2012. 12. Tradução livre do autor: “The rest of the world followed. Germany was first in 1972, followed by Canada (1975), Japan (1978), France (1980), and the UK (1984). By 2008, 26 countries had CFC rules, including developing countries like Indonesia, Mexico, South Korea, Argentina and Brazil. Moreover, many countries that traditionally had only territorial taxation (e.g., Israel and most of Latin America) moved to world-wide taxation

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O resto do mundo acompanhou [a adoção de regras CFC]. A Alemanha foi a primeira em 1972, seguida pelo Canadá (1975), Japão (1978), França (1980) e o Reino Unido (1984). Por volta de 2008, 26 países tinham regras CFC, incluindo países em desenvolvimento como Indonésia, México, Coréia do Sul, Argentina e Brasil. Ademais, vários países que tradicionalmente possuíam apenas a tributação territorial (e.g., Israel e a maioria da América Latina) adotaram a tributação universal de seus residentes. Como resultado, a tradicional linha que divide jurisdições globais e territoriais tornou-se esfumaçada, de forma que pode ser dito que a maioria dos países tributa a renda passiva de seus residentes, mas não tributam atualmente a renda ativa auferida no exterior (que é submetida ao diferimento ou isenção).

Em relação à doutrina brasileira escreve, por exemplo, Maciel sobre tais regras (por ela nomeadas de regras TLCE – tributação dos lucros das controladas e coligadas estrangeiras) 66:

A TLCE nada mais é que um mecanismo neutralizador das condutas de sócios residentes de países de tributação normal, participantes de entidades (geralmente pessoas jurídicas) localizadas em paraísos fiscais ou países que apliquem um regime fiscal privilegiado, e que desviam para estas seus maiores lucros, adiando o máximo possível o momento da distribuição e, conseqüentemente, da tributação desses lucros. As normas de TLCE determinam, então, que haja a imputação automática, ou seja, independente de um ato formal de distribuição de dividendos, dos lucros de uma entidade não-residente a seus partícipes residentes, submetendo à tributação um lucro do exterior tal como se ele tivesse sido produzido internamente (teoria da desconsideração da personalidade jurídica); ou como se a sociedade, para fins tributários, já tivesse distribuído dividendos. (não grifado no original).

Percebe-se, portanto, que, tradicionalmente, as regras CFC não se aplicam indiscriminadamente para qualquer tipo de renda auferida por controlada ou coligada no exterior, e/ou em relação aos países com nível normal de tributação. Trata-se, antes, de um mecanismo antielisivo que procura atingir apenas determinados casos em que se presume a intenção primária de economia de tributo por parte do contribuinte. Comparando-se o regime brasileiro com as regras CFC mundiais, pode-se ter dois entendimentos: (i) o Brasil, ao tributar toda a renda de todas as sociedades controladas e coligadas no exterior, adotou uma “extensão” das regras CFC, em um regime mais agressivo 67

of their residents. As a result, the traditional dividing line between global and territorial jurisdictions became blurred, so that it could be said that most countries tax foreign passive income of their residents, but they do not tax currently foreign source active income (which was entitled to deferral or exemption).” 66 MACIEL, op. cit., p. 4 -5. 67 Pois não é necessário verificar o país de incorporação da sociedade controlada ou coligada no exterior e tampouco o tipo de renda por esta auferido.

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que combate o diferimento do lucro no exterior por meio da teoria da “transparência” da sociedade controlada ou coligada no exterior; ou (ii) o Brasil não adotou um regime de regras CFC propriamente dito, sendo seus objetivos e efeitos diferentes de uma regra antielisiva. A partir da análise doutrinária, percebe-se que a maioria dos autores filia-se a primeira corrente, isto é, a de que o Brasil adotou uma espécie de regime CFC (mas cujo escopo seria maior do que se verifica nos diversos ordenamentos pelo mundo). Veja-se, primeiramente, o entendimento de Bianco 68:

Analisemos agora a legislação que instituiu a tributação dos lucros auferidos no exterior, por empresas coligadas e controladas. No caso, temos uma legislação introdutora do regime de transparência fiscal internacional que claramente visou coibir o desvio de lucros para o exterior, por contribuintes pessoas jurídicas, com o objetivo de diferir ou mesmo evitar a sua tributação no Brasil. Temos então um meio (a legislação de transparência fiscal internacional) adotado pelo legislador para atingir um fim (coibir o desvio de lucros para o exterior e evitar sua tributação.

No mesmo sentido, observe-se o entendimento de Musa 69, que critica o atual regime de tributação dos lucros das controladas e coligadas no exterior:

Só há uma explicação plausível para o retrocesso da legislação promulgada em 2001: responder a alguma prática abusiva e reiterada do contribuinte. No entanto, ao invés de atacar essa ou essas práticas abusivas, primando a praticidade para fiscalização e arrecadação, houve o governo por bem estabelecer uma norma de antecipação da tributação para a data do balanço aplicável a todas as operações, de todos os contribuintes, sem exceções. Ou seja, estabeleceu-se uma norma tipicamente anti-abusiva como regra geral de tributação universal!

Outra parte da doutrina não considera o regime brasileiro uma extensão das regras CFC. Ao contrário, as regras introduzidas tanto pela Lei nº 9.249/95 como pela MP nº 2.15835/01 não teriam sequer um caráter antielisivo. O objetivo seria a consagração do próprio princípio da universalidade, que, segundo esta corrente, ficaria esvaziado se o diferimento da

68

BIANCO, op. cit., p. 82. MUSA, Simone Dias. Uma Visão Desenvolvimentista para a Tributação Internacional no Brasil. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 719. 69

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tributação dos lucros no exterior pudesse ser realizado apenas pelo fato de haver uma pessoa jurídica autônoma no exterior. Verifique-se o entendimento de Andrade 70: Apesar da identidade dos efeitos econômicos, a sistemática brasileira de tributação dos lucros auferidos no exterior não constitui uma legislação CFC, visto serem as normas aplicáveis genericamente, sem as restrições que caracterizam a especialidade das regras, pelo seu escopo antielisivo. O que há são regras amplas e gerais de tributação que alcançam todas as situações, sejam as que poderiam configurar hipótese de elisão, sejam as decorrentes de razões exclusivamente operacionais.

E, mais adiante, continua o jurista especificamente sobre as regras CFC estadunidenses 71: As CFCs constituíram, em sua origem, a opção do legislador norte-americano para viabilizar a aceleração do aspecto temporal da hipótese de incidência, nas situações por ele especificadas, tendo em vista a escolha legislativa de diferir a tributação dos lucros das subsidiárias no exterior para o momento do pagamento dos dividendos (deferral). Tudo como manifestação soberana da vontade do legislador. Nenhum impedimento existiu para que o legislador norte-americano tributasse os lucros auferidos pelas subsidiárias no exterior no momento de seu registro pelo investidor daquele país. Optou por tributá-lo mais tarde, antecipando a tributação somente em alguns casos que especificou.

Assim, para este tipo de entendimento, o artigo 74 da MP nº 2.158-35 (e a própria Lei n 9.249/95, antes dele) não teria a característica de uma regra CFC (norma antielisiva). Antes, seria a consagração da própria tributação com base no princípio da universalidade, que abarca as rendas auferidas, por sociedade brasileira, no exterior. Nos diversos ordenamentos jurídicos do mundo, o diferimento da tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior, nesse sentido, seria apenas uma opção legislativa, sendo que o Brasil optou por não abarcar somente algumas operações, mas a totalidade do lucro auferido no exterior. Em outras palavras, as regras CFC teriam a característica de alterar o tempo do recolhimento, o momento que o tributo é devido - mas, desde que se aufira lucro no exterior, o imposto sobre este já seria considerado como devido, sendo apenas postergado, por algumas legislações, até que haja algum evento de disponibilização para a sociedade controladora ou coligada no país de origem. A diferenciação entre as duas linhas de raciocínio, como se verá, não tem efeitos meramente teóricos, mas é um dos componentes principais da discussão sobre a própria 70

ANDRADE, André Martins de. A Tributação Universal da Renda Empresarial – Uma Proposta de Sistematização e uma Alternativa Inovadora. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 136. 71 Ibidem, p. 261.

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constitucionalidade do regime de tributação de lucros auferidos no exterior adotado pelo Brasil.

3.3. Artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 e IN nº 213/02: Tributação do Lucro da Controladora ou Tributação de Disponibilização Ficta?

Outra controvérsia relevante para a discussão refere-se ao efeito da regra inscrita no art. 74, caput, da MP nº 2.158-35/01. Com efeito, ao dispor que os lucros auferidos por sociedades controladas ou coligadas no exterior serão considerados disponibilizados na data do balanço na qual tiverem sido apurados, pode-se perguntar se a tributação recai sobre os lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior, lucros estes fictamente disponibilizados por efeito da referida legislação, ou se a legislação brasileira está tributando um acréscimo patrimonial da própria sociedade controladora ou coligada no Brasil (isto é, uma receita desta, relacionada, mas distinta dos lucros da controlada ou coligada no exterior). É conveniente aqui, transcrever novamente o dispositivo supramencionado, ressaltando-se parte de sua redação 72:

Art. 74. Para fim de determinação da base de cálculo do imposto de renda e da CSLL, nos termos do art. 25 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e do art. 21 desta Medida Provisória, os lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados, na forma do regulamento. (não grifado no original)

Pela sua leitura, e levando-se em consideração a parte destacada, pode-se pensar em um primeiro momento que o objeto da tributação é o lucro das sociedades controladas e coligadas no exterior que, para efeitos de incidência tributária, são considerados disponibilizados para a sociedade controladora ou coligada no Brasil independentemente de um ato concreto da pessoa jurídica no exterior neste sentido. Recorre-se, frequentemente, à ideia de que tais lucros auferidos no exterior estariam “fictamente disponibilizados”, por força

72

BRASIL (2001), op. cit.

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de lei, para justificar a tributação. É esse o entendimento de parte da doutrina brasileira, como se verifica, por exemplo, em Schoueri 73:

Não é difícil determinar o objetivo pretendido pelo artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01, que, como referido, já estava presente desde a edição da Lei nº 9.249/95: pretendeu o legislador obstar a alocação dos lucros de residentes brasileiros em países de diminuta carga tributária, destacadamente, os paraísos fiscais, bem como impedir a prática do deferral (diferimento da tributação) desses lucros sob o escudo da jurisdição estrangeira.

Do mesmo pressuposto partem Coêlho e Derzi, ao comentar sobre os efeitos da MP nº 2.158-35/01 74:

A uma, desconsidera a personalidade jurídica da controlada ou coligada no exterior e acresce ao fato gerador da coligada ou controladora no Brasil os lucros havidos no exterior tão logo erguido o balanço, contra precedente do STF (caso da distribuição de lucro líquido antes de sua distribuição ou separação).

Deve-se, ainda, considerar a característica desta ficção de disponibilização dos lucros. Isso porque se pode considerar (i) que os lucros em si continuam na sociedade no exterior, contudo houve uma hipótese de “distribuição ficta de dividendos”, dividendos estes que aumentam o patrimônio da sociedade brasileira; ou (ii) que os próprios lucros da sociedade no exterior integraram automaticamente o patrimônio da sociedade brasileira, não havendo distribuição de dividendo. Em relação à primeira linha argumentativa, alega-se que há uma tributação de “dividendos fictos” porque esta seria uma conclusão lógica da própria redação do artigo 74, sendo a distribuição (ficta) de dividendos a única forma de disponibilizar os lucros auferidos no exterior. É esta a posição de Maciel 75:

(...) Em segundo lugar, o regime brasileiro utilizou o método do fictive dividend, o que se depreende tanto da redação do artigo 74 da MP nº 2.158-35, como do fato de ele não permitir a consolidação de prejuízos auferidos pela sociedade no cômputo do lucro do sócio brasileiro, de forma que está bem claro na legislação que se trata de lucro da sociedade não-residente (...) 73

SCHOUERI, Luis Eduardo. Tributação Internacional das Empresas Nacionais e Desenvolvimento: Novos Rumos? In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Tributação e Desenvolvimento – Homenagem ao Professor Aires Barreto. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 473. 74 COÊLHO e DERZI, op. cit., p. 141. 75 MACIEL, op. cit., p. 150 – 151.

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A segunda linha de pensamento alega que existem problemas conceituais para considerar o lucro fictamente disponibilizado como um dividendo. Nesse sentido, tem-se o argumento de Xavier 76:

Esta construção [a dos dividendos fictos] não merece, porém, acolhimento por várias ordens de razões. A principal crítica que deve ser dirigida a este entendimento está em que a lei interna que fundamenta a tributação (o art. 25 da Lei 9.249/95, para o qual remete o art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01) não permite a referida construção, eis que alude à adição ao lucro da pessoa jurídica brasileira dos próprios lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, independentemente de serem pagos ou creditados. A ficção de disponibilização mais não significa do que a determinação do momento temporal que esse cômputo se deve verificar, não tendo o condão de alterar a natureza do objeto de tributação. Que a lei interna trata de uma tributação de lucro e não de dividendos é confirmado pelo fato de os lucros serem computados pelos seus valores integrais, sem dedução do imposto pago pelo país de origem. Ora, não se distribuem dividendos em valor superior ao lucro disponível após a tributação.

Existem, ainda, juristas que alegam que o objeto de tributação não é exatamente o lucro das sociedades controladas ou coligadas no exterior, não havendo ficção de disponibilização. Ao contrário, o que se está tributando seria um acréscimo patrimonial da sociedade controladora ou coligada no Brasil em decorrência do auferimento de lucro pela pessoa jurídica a ela relacionada no exterior. Isto é, o lucro da sociedade brasileira depende da existência do lucro da sociedade estrangeira, mas com este não se confunde. Nesse sentido, a IN nº 213/02, ao prever a tributação pelo MEP, nada mais faz do que operacionalizar esse entendimento, uma vez que a contrapartida na conta de investimento pelo evento do auferimento do lucro da controlada ou coligada no exterior tem o condão de aumentar o patrimônio da sociedade brasileira. Nesse sentido, tem-se a argumentação de Souza Júnior77:

Ora, conforme a seguir demonstrado, só se pode falar de disponibilidade econômica e acréscimo patrimonial, em virtude de lucro apurado no balanço da investida, mas ainda não pago ao investidor, se este estiver obrigado a avaliar o investimento pelo MEP, pois, em caso de avaliação pelo custo de aquisição, não há dúvida, de que só se poderia considerar ocorrida a disponibilidade econômica após o efetivo recebimento dos dividendos pela investidora. Disso não divergiu a Secretaria da Receita Federal, ao proferir em sua interpretação sobre o art. 74 em tela, na Instrução Normativa nº 213, 7 de outubro de 2002. 76

XAVIER, op. cit., p. 417 – 418. SOUZA JÚNIOR, Alberto Pinto. A Disponibilidade de Lucros Oriundos do Exterior. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, n. 02, mar./abr. 2003, p. 50.

77

55

Na mesma esteira, tem-se o entendimento de Saraiva Filho 78, que faz uma diferenciação entre a tributação pelo MEP de sociedades controladas nacionais e no exterior:

Autoriza-se a exclusão porque, referidos valores, majoram os lucros apurados pelas pessoas jurídicas investidoras no País, e sua exclusão justifica-se, simplesmente, porque decorrem do produto de resultados positivos de participações societárias em empresas controladas ou coligadas no Brasil, os quais já foram nelas tributados, pelo IRPJ e CSLL, evitando-se a dupla incidência tributária sobre um mesmo resultado. Diferentemente dessa situação, os lucros apurados no exterior, pelas empresas submetidas à avaliação pelo método de equivalência patrimonial, não estão por elas (controladas ou coligadas) tributados no Brasil, razão pela qual é de pleno direito que a tributação interna do País determine a sua adição na apuração do IRPJ e da CSLL tomando por base o acréscimo patrimonial deles decorrentes que repercute no valor do investimento.

Portanto, parece ser clara a existência de duas correntes de pensamento consideravelmente diferentes. A primeira grande linha, que pode ser subdividida em duas correntes, dá maior relevância à MP nº 2.158-35/01 e à sua utilização, no artigo 74, da expressão “serão considerados disponibilizados”. Por conta da própria inserção na lei do requisito da disponibilização, defende-se que o atual ordenamento jurídico brasileiro tributa o lucro da controlada e coligada no exterior. Uma das principais ideias que justificam esta hipótese de tributação refere-se à disponibilização ficta (esta, o evento que permite a disponibilização prevista na Medida Provisória), em que apesar de não haver um ato formal de distribuição dos lucros, estes são, por força legal, considerados disponibilizados. Neste contexto, a primeira subcorrente defende que a “ficção de disponibilização dos lucros” significa que há uma distribuição de dividendos para a sociedade controladora ou coligada no Brasil. Já a segunda subcorrente considera que os próprios lucros auferidos pela sociedade controlada ou coligada no exterior é que são tributados, por integrarem (a partir do efeito do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01) o patrimônio da sociedade brasileira. A segunda grande linha, ao contrário, dá maior prevalência à regulamentação da referida MP nº 2.158-35/01 por parte da IN nº 213/02, quando esta prevê expressamente a tributação do aumento patrimonial da sociedade controladora e coligada no Brasil em decorrência da avaliação do investimento na sociedade no exterior pela aplicação obrigatória do método de equivalência patrimonial. Segundo esta tese, mesmo não considerando que os 78

SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. Fatos Geradores do IRPJ: Lucros no Exterior. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, n. 01, jan./fev. 2003, p. 36.

56

lucros auferidos no exterior estejam eles mesmos disponíveis (sem um evento de distribuição para a sociedade no Brasil), o reflexo deles, pelo MEP, traduz-se em um acréscimo patrimonial na sociedade controladora ou coligada no Brasil, este sim apto a ser tributado pelo IRPJ e pela CSLL, pois cumpre o requisito da “disponibilidade jurídica e econômica” do artigo 43 (caput e §2º) do CTN 79. A adoção de uma ou outra linha de pensamento terá reflexos diretos na equação de outras controvérsias geradas pelo regime de tributação dos lucros auferidos no exterior – principalmente na questão da compatibilização dos Tratados contra a Dupla Tributação com o referido sistema de tributação.

3.4. A Possível Constitucionalidade da Inserção do Art. 43, Parágrafo 2º no CTN e do Artigo 74 da MP nº 2.158-35/01

O cerne, provavelmente, das discussões acerca da tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior, refere-se à própria constitucionalidade do regime atual previsto no artigo 43, §2º, do CTN, no artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 e na IN nº 213/02. Obviamente, tem-se um apelo maior nesta questão, pois não há sentido em se debater todas as outras controvérsias se o próprio regime como um todo não pode ser aplicado, posto sua possível inconstitucionalidade 80. Mesmo apesar de aproximadamente dez anos terem decorrido após a promulgação da referida Medida Provisória, ainda faz sentido analisar as correntes que defendem a (in)constitucionalidade do regime ora em questão porque a decisão última sobre este assunto ainda não foi proferida pelo STF - a despeito da longa existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588-1/DF, ajuizada ainda em 2001. Como são vários os argumentos que defendem uma ou outra tese, é conveniente dividir esta subseção nas diversas questões que são analisadas em relação à constitucionalidade do regime supramencionado.

79

Note-se que alguns defensores desta linha sequer consideram a inserção do parágrafo 2º no artigo 43 do CTN necessária para legitimar as regras da MP nº 2.158-35/01 e da IN nº 213/02. 80 Discutir-se-á, aqui, apenas a inconstitucionalidade material do regime. A questão formal da constitucionalidade do artigo 43, §2º, do CTN (inserido pela Lei Complementar nº104/2001) orbita em torno da possibilidade de delegação à Lei Ordinária o momento de ocorrência do fato gerador na “hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior”. Discute-se se esta competência não é exclusividade de Lei Complementar, por força do artigo 146, inciso III, da Constituição Federal.

57

3.4.1. O Dispositivo Constitucional em Questão: Artigo 153 e o Suposto Conceito Implícito de Renda

Primeiramente, deve-se destacar qual seria o dispositivo constitucional teoricamente violado pelas normas supracitadas. Como preliminarmente verificado acima, a controvérsia parece orbitar em torno da possibilidade de disponibilização da renda ou de acréscimo patrimonial para a sociedade controladora ou coligada no Brasil mesmo sem um ato concreto de distribuição dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Está-se, assim, analisando quando existe renda, isto é, quais são os pressupostos da existência de renda e da sua consequente tributação. Nesse sentido, os dispositivos da CF81 mais relevantes para a discussão são o artigo 153, inciso III, e §2º, a seguir transcritos:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) III - renda e proventos de qualquer natureza; (...) § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

Como se verifica, não são dispositivos muito abrangentes na sua descrição do que seja renda e proventos, bem como dos limites que controlam a incidência do imposto. Sequer há a conceituação de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, sendo os critérios da “generalidade”, “universalidade” e “progressividade” apenas balizadores das leis que devem regular o tributo. Assim, como se pode argumentar a inconstitucionalidade do artigo 43, parágrafo 2º, do CTN, bem como do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01? O conceito fundamental em questão sequer está positivado na CF – a disponibilidade da renda e dos proventos. Parte da doutrina entende que dentro do dispositivo constitucional acima mencionado existe um conceito mínimo de renda que está intimamente relacionado com a sua disponibilidade. Assim, para que haja renda tributável, seria necessário haver algum tipo de acréscimo patrimonial em relação ao qual o titular tenha, pelo menos, um direito constituído a sua aquisição. Nesse sentido, o artigo 43, caput, do CTN, nada mais teria feito do que explicitado esse requisito 81

BRASIL, Constituição Federal. Disponível . Acesso em: 10 abr. 2012.

em:

58

constitucional do Imposto de Renda: “O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica (...)” (não grifado no original). Estando o requisito da disponibilidade econômica ou jurídica umbilicalmente ligado ao próprio conceito de renda, qualquer hipótese de tributação de um suposto aumento patrimonial que não seja disponível ao seu titular seria inconstitucional. É o que seria interpretado da análise do regime criado pela LC nº 104/01 em conjunto com a MP nº 2.15835/01. Confira-se, nessa linha, o argumento de Bianco 82, ao comentar sobre o parágrafo 2º do artigo 43 do CTN:

É óbvio que a outorga de competência ao legislador ordinário, de estabelecer o momento em que se dará a ocorrência do fato gerador do imposto, está subordinada à premissa maior, fixada no caput do artigo 43 do CTN e que deflui do artigo 153, inciso III, da Constituição Federal, que é a efetiva e definitiva aquisição da disponibilidade da renda. Assim, somente após a aquisição da disponibilidade da renda, pode o legislador ordinário estabelecer o momento em que se dará o fato gerador do imposto.

Por outro lado, outros juristas entendem que o artigo 153, inciso III, da CF não possui um conceito intrínseco de renda e proventos, inclusive levando-se em consideração a mínima redação deste dispositivo. Esta linha entende que caberia à própria legislação complementar e ordinária conceituar os fatos geradores dos tributos previstos na CF por mandamento do artigo 146, inciso III 83:

Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...)

82 83

BIANCO, op. cit., p. 85. BRASIL (1988), op. cit.

59

Nesse sentido, se, em relação aos impostos previstos na CF (caso do Imposto de Renda) é a Lei Complementar que tratará inclusive da definição do fato gerador, ficaria difícil argumentar qualquer conceito mínimo de renda implícito. É assim o entendimento de Saraiva Filho 84:

A Constituição não traz a definição de renda e proventos de qualquer natureza. Ademais, sempre se admitiu que cabe à lei complementar estabelecer, como norma geral, o fato gerador material desse imposto, permitindo-se à lei ordinária precisar o fato gerador material desse imposto, permitindo-se à lei ordinária precisar o fato gerador temporal da exação, definir o exato momento em que se considera ocorrido o fato gerador do imposto. Aliás, em relação ao imposto sobre a renda, isto é indiscutível, já tendo sido criada uma antiga tradição a esse respeito, por parte da legislação desse tributo. (grifado no original)

Assim, tem-se duas posições claramente opostas acerca da possibilidade de um conceito de renda implícito no artigo 153, inciso III, da CF. Ambas têm impactos relevantes na consideração da constitucionalidade do regime de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior.

3.4.2. A Lei Complementar nº 104/01 e a Introdução do Art. 43, §2º: Novo Conceito de Disponibilidade?

Outro ponto que divide a doutrina e que é fundamental para se considerar a constitucionalidade do regime ora em questão refere-se ao efeito do artigo 43, parágrafo 2º, do CTN, isto é, qual o tratamento que ele dá ao termo “disponibilidade”, também inscrito no caput. Para conveniência da análise, transcrever-se-á novamente o artigo 43:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. (...) 84

SARAIVA FILHO, op. cit., p. 29.

60

§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001) (não grifado no original)

Para alguns juristas, o parágrafo 2º deve-se compatibilizar com o caput, isto é, não poderia ter previsto outro fato gerador para o Imposto de Renda completamente diferente daquele inscrito na cabeça do artigo. Isso porque, por conta de técnica de redação legislativa os parágrafos devem sempre subordinar-se ao caput, complementando-o ou, no máximo, prevendo uma exceção ao que este dispõe. Esta recomendação, inclusive, está positivada no ordenamento jurídico brasileiro desde a edição da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 (LC nº 95/98) 85:

Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: (...) III - para a obtenção de ordem lógica: (...) c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; (não grifado no original)

Com base neste entendimento de subordinação dos parágrafos ao caput, parte dos tributaristas entende que o parágrafo 2º não dispensou o requisito da disponibilidade para a tributação dos lucros auferidos no exterior – mesmo porque, a palavra “disponibilidade” continua nele escrita -, tendo, apenas, expressado que a lei pode dispor sobre o critério temporal da incidência do imposto. Confira-se, a esse respeito, o entendimento de Schoueri 86:

Não lemos no dispositivo uma dispensa, mas sim as condições e o momento em que se dará a disponibilidade a que se refere o caput do próprio artigo 43 do CTN, aquela disponibilidade econômica e jurídica. Portanto, em nosso entendimento, o parágrafo segundo não veio autorizar que houvesse uma tributação de uma renda 85

Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp95.htm>. Acesso em: 11 abr. 2012. 86 SCHOUERI, Luís Eduardo. Anotações sobre Temas do Direito Tributário Internacional. In: Eurico Marcos Diniz de Santi et al.(Coord.). Tributação Internacional e dos Mercados Financeiro e de Capitais. Editora Quartier Latin. São Paulo, 2005, p. 240 – 241.

61

ainda não disponível: o artigo 43 continua exigindo que a tributação não se dê apenas pela existência de uma renda, de uma aquisição de disponibilidade econômica e jurídica de renda, ou seja, que se tenha acréscimo patrimonial disponível. A lei vai fixar o momento em que se dá a disponibilidade, mas não vai dispensá-la. (...) Uma outra dúvida diria respeito à possibilidade de o legislador complementar dispensar a disponibilidade. Essa questão parece não ter sentido neste momento, uma vez que o legislador complementar não dispensou a disponibilidade. (não grifado no original).

Para outra corrente de pensamento, a introdução do artigo 43, §2º do CTN não dispensou o requisito da disponibilidade, mas representa outro tipo de disponibilidade. Isto é, não se nega que o Imposto de Renda, para sua incidência, requer um evento que traduza disponibilidade de renda para quem a aufere – ocorre, contudo, que o referido parágrafo 2º, introduzido pela LC nº104/01, criou outro evento de disponibilidade paralelo ao do caput, este sim que demandaria a tradicional “distribuição de lucros” por parte da sociedade controlada ou coligada no exterior. Bastaria o auferimento de lucro por parte destas para que a controladora ou coligada no Brasil já tivesse, por mandamento legal, disponibilidade de renda apta a fazer valer a incidência do imposto. A nova hipótese de disponibilização seria possível até mesmo em decorrência do grande escopo que as Leis Complementares possuem para definir os fatos geradores dos tributos. É nesse sentido a lição de Saraiva Filho 87: Parece claro que a disponibilidade, prevista no §2º do art. 43 do CTN, não é a mesma disponibilidade econômica e jurídica do caput do mesmo artigo, pois, se assim fosse, esse parágrafo seria desnecessário e despiciendo. Insta ressaltar que sempre se considerou normal que o Código Tributário Nacional definisse, como norma geral, o elemento material do fato gerador do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, da mesma forma em que sempre foi considerado legítimo que lei ordinária federal estabelecesse o aspecto temporal ou o momento de ocorrência desse fato gerador. (não grifado no original)

Por fim, existe ainda uma terceira linha de pensamento que argumenta que o artigo 43, §2º, do CTN, criou uma exceção ao caput e dispensou o requisito da disponibilidade para a incidência do Imposto de Renda sobre os lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Isto é, ao dispor que a lei trataria do momento da disponibilidade de tais lucros, a LC nº 104/01 teria dado servido de suporte ao legislador ordinário para que este dispusesse com considerável liberdade em que circunstâncias seria pago o Imposto de Renda sobre os lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Esta é a opinião de Coêlho e Derzi 88: 87 88

SARAIVA FILHO, op. cit., p. 35. COELHO e DERZI, op. cit., p. 138.

62

Este quadro legislativo esteve a viger até a edição da Lei Complementar nº 104, de 2001, que acrescentou ao art. 43 do CTN, definitório do fato gerador do imposto de renda, um parágrafo 2º (...) As intenções eram as piores: fornecer fundamento de validez às normas ordinárias regentes do imposto de renda, coonestando as ficções e presunções que viessem a criar, transformar fato real em fato presuntivo ou ficto e violar a realidade pro domo da Fazenda Pública Federal.” (...) Ora, dizer que o fato já ocorreu, quando de fato não ocorreu ainda, viola a realidade e o bom senso. A Lei nº 9.532/97, relativamente à matéria em exame, havia reposto as coisas nos seus devidos lugares. Com o advento do parágrafo 2º do art. 43 do CTN, iniciou-se um retorno ao injurídico quadro instituído pela Lei nº 9.249/95. (não grifado no original)

Percebe-se, em suma, a existência de três tipos de linhas de pensamento acerca do real efeito do artigo 43, parágrafo 2º, do CTN: (i) trata-se de uma complementação do requisito de disponibilidade do caput, dispondo apenas sobre a possibilidade da Lei Ordinária regular o tempo de ocorrência do fato gerador, desde que já haja tal disponibilidade; (ii) trata-se de um novo tipo de disponibilidade, diferente do previsto caput, que não demandaria a tradicional “distribuição dos lucros” para que já estivesse configurado; e (iii) trata-se de uma exceção ao caput, criando praticamente uma ampla permissão ao legislador ordinário para que moldasse o requisito da disponibilidade para a incidência do Imposto de Renda.

3.4.3. Os Argumentos a Favor da (In)constitucionalidade Material e da (I)legalidade do Regime de Tributação dos Lucros das Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior

Vistos os pressupostos teóricos das diversas linhas de pensamento acerca do regime brasileiro de tributação de lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior, é possível

agora

analisar

mais

concretamente

os

argumentos

que

defendem

a

(in)constitucionalidade deste sistema. Passa-se agora a considerar os argumentos a favor da (in)constitucionalidade material e da (i)legalidade do regime de tributação previsto no artigo 43, parágrafo 2º, do CTN, no artigo 74 da MP nº 2.158/01 e na IN nº 213/02. A principal controvérsia reside no requisito de disponibilização inscrito no artigo 43 do CTN, tanto em seu caput quanto em seu parágrafo 2º, este especificamente sobre os lucros auferidos no exterior.

63

Para alguns autores que defendem a hipótese do artigo 43, parágrafo 2º, do CTN conter em si uma autorização para a indevida flexibilização do requisito da disponibilidade, este dispositivo deveria ser considerado inconstitucional frente a um conceito mínimo de renda do artigo 153, inciso III, da CF. Isto é, o próprio suporte legal do regime atual de tributação do lucro das sociedades controladas e coligadas no exterior seria inconstitucional, contaminando por consequência as outras normas que nele se baseiam. Por esse motivo, o referido artigo 43, parágrafo segundo, seria melhor interpretado como um mandamento que não dispõe da disponibilização para efeitos de incidência do Imposto de Renda, hipótese em que seria então constitucional. A respeito da impropriedade do artigo 43, parágrafo 2º, o entendimento de Martins 89:

À luz deste parágrafo, houve "por bem" o legislador ordinário entender que a "disponibilização legal" poderia independer de "disponibilização real", de tal maneira que a mera apuração, sem "disponibilização real", seria, contudo, tida por "disponibilização", apesar de não haver "lucro disponível". Em outras palavras a "não disponibilização de lucros" seria para todos efeitos "disponibilização de lucros", podendo a lei fazer do vermelho branco, do redondo quadrado, desde que assim a autoridade desejasse. Na leitura do referido dispositivo da Lei Complementar, não me parece ter havido a outorga ou delegação para o legislador ordinário de tornar "disponível" o "indisponível" ou pelo menos o "indisponibilizado". O que o legislador complementar autoriza é que a "disponibilidade" - não a indisponibilidade - possa ter, na legislação ordinária, a definição das condições e do momento em que a incidência se dará.

Outros autores, porém, concentram-se na inconstitucionalidade do artigo 74 da MP nº 2.158/01. Neste contexto, esta regra, ao considerar disponibilizados os lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior na data do balanço em que forem apurados, desconsideraria o próprio requisito da disponibilização, em afronta ao artigo 43, caput, do CTN e ao artigo 153, inciso III, da CF. Defensores desta linha, considerando que existe um conceito mínimo de renda e que o regime brasileiro pretende tributar o lucro auferido no exterior, alegam que tal artigo cria uma ficção jurídica, em que o lucro auferido no exterior é considerado disponibilizado sem que efetivamente o esteja. Ficção, pois não seria correto dizer que os lucros auferidos nas sociedades controladas e coligadas no exterior estão automaticamente disponíveis para seus sócios, devendo-se observar antes uma série de requisitos para só então ser deliberada sua

89

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Inteligência do Art. 74 da Medida Provisória 2.158-35, de 24.08.2001. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, n. 46, ano 10, set.-out. 2002, p. 140 – 141.

64

distribuição (se for o caso), como a legislação do país de incorporação e a decisão de reinvestimento destes lucros na própria sociedade estrangeira. Isto é, não seria verdadeira a alegação de que, pelo simples fato de haver controle, existe lucro disponível para a sociedade controladora, pois tal disponibilidade só ocorreria com o direito de crédito do acionista/controlador após a deliberação que decidir a distribuição dos lucros por meio de dividendos ou outras formas. Antes disso, porém, o controlador teria apenas o direito ao voto na Assembleia de Acionistas que, por ventura, disponibilizasse o lucro. Sendo assim, este dispositivo estaria em contradição com o próprio conceito de renda conceito que seria intrinsecamente ligado à disponibilidade de aumento patrimonial. Este é, por exemplo, o entendimento de Maciel 90:

Em suma, ao determinar a tributação dos lucros das controladas e coligadas na controladora/coligada brasileira, ao término do período-base em que tiverem sido apurados, independentemente de sua disponibilidade econômica ou jurídica, o artigo 74 da MP nº 2.158-34 contraria frontalmente o princípio constitucional da capacidade contributiva, traduzido in casu através do artigo 43 do CTN mesmo em se considerado a inclusão de seu parágrafo 2º, pela LC nº 104/01. É preciso ressaltar que os lucros auferidos por empresas controladas ou coligadas domiciliadas no exterior não serão necessariamente disponibilizados para a empresa controladora. Pode ser que isso nunca ocorra, por exemplo, na hipótese de estes lucros virem a ser compensados com eventuais prejuízos que a empresa controlada venha a sofrer; ou de a controlada/coligada necessitar desses recursos para fazer novos investimentos. Portanto, pretender tributar uma renda que ainda não está disponível é pretender atingir o patrimônio do contribuinte, o que é vedado pela CRFB/88. (não grifado no original).

Ademais, Ferraz Júnior, ao comentar sobre o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, também expressa preocupações com a inadequação deste dispositivo diante da manutenção da necessidade do requisito da disponibilidade da renda para a tributação 91:

Assim, o que a lei ordinária pode regular é o momento e as condições de uma renda realizada (não da realização desta) - disponibilidade econômica -, ou seja, o momento de uma venda com recebimento do preço à vista ou a prazo, de uma permuta, da extinção de uma dívida etc., ou então, o momento e as condições de uma definitiva constituição (separação), mas não, por essa via, criar, por ficção, uma situação em que não há uma separação. Por exemplo, tratando-se de lucro de uma empresa efetivamente distribuído como dividendo, disciplinar em que momento e condições será o lucro considerado como efetivamente distribuído, a teor da legislação pertinente, mas não considerar como efetivamente distribuído o que, pela legislação, não é considerado como tal. (...) 90

MACIEL, op. cit., p. 87. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Disponibilidade: CTN ART. 43. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 91, 2004, p. 24.

91

65

A tomar-se isso [apuração dos lucros no balanço] como condição (única) de aquisição da disponibilidade, comete o legislador ordinário um grave erro, pois, primeiro, estabelece uma falsa assertiva: todos os lucros apurados no balanço são, ipso facto, pela simples razão de constarem dele, disponíveis. Segundo, ao falar em controladoras e coligadas, supõe erradamente que, por estarem apurados em balanço, os sujeitos (controlador e coligada), por sua condição jurídica, têm disponibilidade (jurídica) em virtude dessa mesma condição, o que não é verdadeiro, obviamente, para as coligadas, nem o é, também, para a controladora. (grifos do autor)

Outros, porém, entendem que não há qualquer inconstitucionalidade no artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Uma linha de pensamento dos que defendem a constitucionalidade do dispositivo apega-se ao argumento supramencionado de que a tributação não se refere exatamente ao lucro da sociedade controlada ou coligada no exterior, mas de um aumento patrimonial da própria sociedade controladora ou coligada no Brasil em decorrência de tais lucros. Este aumento patrimonial decorreria da necessidade da avaliação do investimento na sociedade controlada ou coligada no exterior pelo Método de Equivalência Patrimonial, o MEP, em que o lucro da sociedade estrangeira refletir-se-ia na sociedade brasileira, na proporção da participação desta naquela. Assim, não seria o caso de considerar o regime brasileiro de tributação dos lucros auferidos no exterior como uma regra CFC, mas a própria consagração do princípio da universalidade (argumento visto na seção 3.2). Sendo assim, havendo um acréscimo patrimonial já disponível - pois reconhecido como tal no próprio balanço da sociedade -, não haveria como argumentar a existência de tributação sobre lucro ou provento não disponibilizado. É este o entendimento de Boiteux 92:

As pessoas jurídicas, ao contrário [das pessoas físicas], como explica Henry Tilbery, computam o lucro de acordo com a “teoria do balanço”, isto é, pela comparação do patrimônio no início e no fim do exercício, para concluir: “Assim a mais-valia entra no lucro global.” (...) Evidente, portanto, que, em matéria de tributação das pessoas jurídicas, todo e qualquer aumento patrimonial que se reflita no balanço pode ser tributado, sendo indiferente para tanto a existência, ou não, de um ato da fonte pagadora que coloque o rendimento à sua disposição. Basta a disponibilidade jurídica, ou virtual, na expressão preferida por Bulhões Pedreira.

92

BOITEUX. Fernando Netto. As Sociedades Coligadas, Controladoras, Controladas, e a Tributação dos Lucros Obtidos no Exterior. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 105, jun. 2004, p. 27.

66

Isto é, a tributação nos moldes do artigo 74 da MP nº 2.158-35 respeitaria plenamente o conceito de renda, sequer violando o requisito da disponibilização do artigo 43, caput, e parágrafo 2º. Como argumenta Andrade 93:

É certo que a equivalência patrimonial é um método de avaliação de ativos. Pois é pela avaliação de seus ativos e passivos que a sociedade apura a existência de lucro ou prejuízo em um determinado período. O lucro, a traduzir acréscimo patrimonial indicativo da aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica da renda, nada mais é do que o resultado da variação ocorrida na avaliação de ativos e passivos no início de um dado período e no final do mesmo período.

Argumenta-se ainda, a favor da constitucionalidade do artigo 74 da MP nº 2.15835/01, que a tributação com base no MEP da sociedade controladora ou coligada no Brasil, em relação aos lucros auferidos no exterior, seria uma simples decorrência do próprio princípio da universalidade e da aplicação do regime de competência (este que, pelo artigo 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, seria de adoção obrigatória). Respectivamente, ambos tratariam do aspecto espacial e temporal do Imposto de Renda, de forma que o regime de competência autorizaria a tributação dos lucros das sociedades no exterior pela receita reconhecida pelo MEP. Veja-se mais uma vez, neste sentido, a argumentação de Souza Júnior, ao tratar a disponibilização pelo pagamento ou crédito como simples diferimento opcional 94:

Ora, decerto que não havia mais nenhum motivo para deixar de tributar no Brasil os lucros das investidas no exterior avaliadas pelo MEP, pois já tínhamos abandonado o princípio da territorialidade (único obstáculo à tributação de tais lucros) e adotado a tributação em bases universais, logo, sendo tais investimentos sediados no exterior, a entidade econômica ainda não tinha sido tributada por tais lucros no Brasil, razão pela qual tais lucros haviam de ser computados no cálculo do lucro real da investidora. Entretanto, conforme já frisamos, a SRF, ao interpretar o art. 25 da Lei nº 9.249/95, em especial o §6º, entendeu que ali estava contemplada uma exceção ao reconhecimento pelo regime de competência, ou seja, exceção ao reconhecimento da receita da investidora no Brasil concomitantemente com a apuração do lucro pela investida no exterior (avaliada pelo MEP), de tal sorte que os lucros da investida no exterior só passavam a ser receitas tributáveis da investidor ano Brasil quando efetivamente pagos ou creditados (não grifado no original).

Aparentemente, a IN nº 213/02, ao regulamentar a MP nº 2.158-35/01, teria ratificado o entendimento dos juristas imediatamente supramencionados, ao prever, no artigo 7º, 93 94

ANDRADE, 2008, op. cit., p. 211 – 212. SOUZA JÚNIOR, op. cit., p. 63.

67

parágrafo 1º, que os valores relativos ao resultado positivo de equivalência patrimonial devem ser computados para a apuração do lucro real e da base da CSLL. Isto é, este diploma normativo infralegal teria previsto expressamente o MEP para que fossem tributados os lucros auferidos no exterior por meio de pessoas jurídicas, filiais e sucursais. Ocorre que também o artigo 7º da IN nº 213/02 é alvo de constantes questionamentos doutrinários, principalmente daqueles que entendem ser inconstitucional o regime trazido pela LC nº 104/01 e pela MP nº 2.158-35/01. Também esta IN é questionada tanto em sentido formal quanto material. Em sentido formal, porque, segundo alguns juristas, ela violaria o próprio princípio da legalidade previsto no artigo 150, inciso I, da CF ao prever uma hipótese de tributação (pelo MEP) sem suporte legal para tanto. Estaria, portanto, exigindo tributo sem lei que o estabeleça, em plena violação deste artigo constitucional. Ao contrário, a Lei nº 9.249/95, em seu artigo 25, parágrafo 6º, expressamente prevê que o resultado de equivalência patrimonial continuaria a ter o tratamento previsto na legislação vigente à época – isto é, excluindo o resultado positivo do MEP no cômputo do lucro real para a incidência do Imposto de Renda. Sequer a MP nº 2.158-35/01 faz menção ao resultado de equivalência patrimonial para a tributação dos lucros auferidos no exterior. Daí a alegação de ilegalidade em sentido formal, como expõe Oliveira 95:

(...) verificou-se toda a extensão da pretensão fazendária, quando a Instrução Normativa SRF nº 213, de 7 de outubro de 2002, no art. 7º, avançando além da própria Medida Provisória nº 2.158-35 e até contrariando dispositivo expresso da Lei nº 9.249, prescreveu que os lucros a serem tributados no Brasil sejam os reconhecidos através do método da equivalência patrimonial. (não grifado no original)

Além da crítica quanto à ilegalidade em sentido formal (incompatibilidade com a legislação tributária vigente), boa parte da doutrina também critica a ilegalidade em sentido material da IN nº 213/02. Esta objeção leva em conta que o resultado de equivalência patrimonial constituiria uma avaliação do investimento decorrente de obrigatória pela legislação comercial (a Lei nº 6.404/76). O MEP, neste sentido, teria a característica de demonstrar o valor da participação do acionista em determinada sociedade, porém não teria o efeito de constituir um aumento patrimonial disponível para a controladora ou coligada no

95

OLIVEIRA, 2004, op. cit., p. 96

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Brasil em decorrência do auferimento de lucro de sua controlada ou coligada no exterior. Haveria, sim, um lucro contábil por conta da adição do resultado positivo da equivalência patrimonial, mas não um lucro tributável, pois o MEP seria uma técnica que serviria para fins exclusivamente contábeis. Veja-se a opinião de Fernandes 96:

Os lançamentos em razão da equivalência patrimonial na empresa investidora (brasileira) não são considerados na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, independentemente da localização da empresa investida. Isso é o que se depreende dos dispositivos legais que tratam dessa matéria (...) Em quaisquer das situações descritas acima, o resultado de equivalência patrimonial não compõe a base de cálculo do IRPJ ou da CSLL. No caso de prejuízo da investida, a correspondente despesa na investidora será adicionada; do contrário, havendo a geração de lucro pela investida, a receita registrada na investidora, como ajuste de MEP, será excluída. Esse tratamento tributário, como visto, independe de a empresa investida estar localizada no Brasil ou no exterior.

Nesse sentido, o lucro auferido no exterior continuaria no âmbito da sociedade estrangeira, devendo ainda passar por um ato formal de distribuição para a sociedade brasileira – somente nesta hipótese poderia haver a tributação, sem levar em conta o MEP. Esta é a opinião de Xavier 97:

Por outras palavras, o método da equivalência patrimonial pode revelar, para efeitos de avaliação, um aumento do patrimônio dos sócios, mas o que de modo algum revela é, para efeitos de tributação, a aquisição pelo sócio da disponibilidade da renda própria das sociedades controladas e coligadas enquanto não ocorrer um ato jurídico de transferência patrimonial efetiva, a título de lucro distribuído. (...) Tal assimilação jamais foi feita pela lei, representando inovação de mero ato administrativo a Instrução Normativa nº 213, que, à semelhança da sua antecessora, Instrução Normativa nº 38, exorbitou do terreno da fiel execução da lei, que constitucionalmente lhe compete (...) O objeto da tributação do art. 74 não é, pois, a equivalência patrimonial, mas o lucro não distribuído da sociedade estrangeira, e este é, por definição, fiscalmente indisponível para a sociedade brasileira controladora ou coligada."

Verifica-se, portanto, também quanto a IN nº 213/02, uma divisão bem clara na doutrina em relação à possibilidade tributação dos resultados positivos decorrentes do MEP. Em suma, defensores de sua legalidade argumentam que o resultado positivo de equivalência

96

FERNANDES, Edison Carlos. A Tributação sobre o Lucro no Exterior segundo o Superior Tribunal de Justiça: Equívoco na Forma e no Conteúdo. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 191, p. 7 – 17, ago. 2011. 97 XAVIER, op. cit., p. 406.

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patrimonial constitui efetivamente um acréscimo patrimonial disponível à sociedade controladora ou coligada no Brasil, consagrando-se o próprio princípio da universalidade. Já aqueles que entendem ser a IN nº 213/02 ilegal alegam que ela (i) traz uma hipótese de incidência do Imposto de Renda diversa da que prevê a MP nº 2.158-35/01 e das outras Leis que regem o tributo, de forma a violar o princípio da legalidade tributária (art. 150, inciso I, da CF); e (ii) tributa uma receita que advém de uma técnica exclusivamente contábil, técnica esta que a própria lei tributária exclusivamente excluiu do âmbito da incidência do Imposto de Renda por não constituir renda ou acréscimo patrimonial disponível.

3.4.4. Sistematização das Linhas Doutrinárias Acerca da (In)constitucionalidade do Artigo 43, parágrafo 2º, do CTN e da MP nº 2.158-35/01

Após a exposição dos motivos pelos quais a doutrina divide-se na consideração da constitucionalidade do regime de tributação de lucros auferidos no exterior por sociedades controladas e coligadas, passa-se, em breves linhas, a sistematizar os diferentes argumentos, de forma a melhor visualizar as diversas correntes sobre o tema.

Em relação à constitucionalidade em sentido material do artigo 43, §2º, do CTN, a doutrina divide-se em:

(i) O artigo 43, §2º, do CTN é inconstitucional em sentido material, pois contém em si uma flexibilização indevida do conceito de disponibilização que não se coaduna com o caput, criando uma exceção que não seria autorizada pelo conceito constitucional de renda;

(ii) O artigo 43, §2º, do CTN é constitucional em sentido material porque era possível criar uma exceção ao caput, tendo em vista que não existe um conceito mínimo de renda e que a “disponibilidade” da cabeça do artigo é diferente daquela prevista no seu segundo parágrafo;

(iii) O artigo 43, §2º, do CTN é constitucional em sentido material porque ele complementa, e não excepciona, o caput, dispondo apenas que o legislador pode fixar critérios para

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averiguação do tempo de ocorrência do fato gerador, considerando inclusive o requisito de disponibilidade.

Para aqueles que consideram o artigo 43, §2º, do CTN constitucional, ainda há que se averiguar a constitucionalidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. A esse respeito, a doutrina divide-se em:

(i) O artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 é inconstitucional, tendo em vista que teria criado uma ficção jurídica de disponibilização dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior que não é compatível com o critério de disponibilização do CTN e do próprio conceito de renda intrínseco ao artigo 153, inciso III, da CF. Nesse sentido, a tributação do MEP prevista na IN nº 213/02 é ilegal, visto que inova no sistema tributário (em violação ao artigo 150, inciso I, da CF) e que utiliza uma técnica exclusivamente contábil que não se traduz em acréscimo patrimonial disponível para fins de tributação; e

(ii) O artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 é constitucional, tendo em vista que apenas consagra o princípio da universalidade na tributação brasileira, fazendo com que o Imposto de Renda incida sobre um acréscimo no patrimônio da própria sociedade brasileira. O instrumento para averiguar este acréscimo seria justamente o MEP e, nesse sentido, a IN nº 213/02 seria completamente legal pois apenas ratifica este entendimento.

Como

se

vê,

são

vários

os

possíveis

argumentos

para

defender

a

(in)constitucionalidade do regime de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior. De qualquer forma, a análise deve começar pela verificação da constitucionalidade em sentido formal do artigo 43, §2º, do CTN. Se a resposta for positiva, passa-se à constitucionalidade em sentido material do mesmo dispositivo. Caso entenda-se que o artigo 43, parágrafo 2º, é constitucional em todos os aspectos, ainda resta a consideração da constitucionalidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Em todas as linhas argumentativas pesquisadas na doutrina, quando se considerou este dispositivo constitucional, considerou-se também a IN nº 213/02 legal e vice-versa. A seguir, faz-se um organograma

71

para retratar graficamente o caminho percorrido para analisar-se a constitucionalidade do sistema.

Figura 1. Organograma da Argumentação sobre a Constitucionalidade do Regime Brasileiro de Tributação dos Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior

Constitucionalidade do Art. 74 da MP nº 2.158-35/01 e Ilegalidade da IN nº 213/02 Constitucionalidade em Sentido Material

Artigo 43, Parágrafo 2º, do CTN

Inconstitucionalidade do Art. 74 da MP nº 2.158-35/01 e Legalidade da IN nº 213/02 Inconstitucionalidade em Sentido Material

3.5. A Compatibilização com os Tratados contra a Dupla Tributação

Os Tratados contra a Dupla Tributação (TDTs) estão no centro de uma relevante controvérsia em relação à aplicação da regra prevista no artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Como visto anteriormente, este artigo faz com que os lucros auferidos por meio de companhia controlada ou coligada no exterior sejam considerados disponibilizados para a sua controladora ou coligada no Brasil. E, nesse sentido, como descrito na seção acima, isto significa ou (i) que os próprios lucros das sociedades estrangeiras sofrem tributação brasileira, ou (ii) que, apesar daqueles lucros não serem tributados diretamente, servem de parâmetro para o cálculo do lucro da sociedade brasileira. Ora, os TDTs influenciam na tributação destes lucros uma vez que alocam a competência tributária entre os Estados Contratantes em relação a manifestações econômicas que possuam algum elemento de conexão nestes dois Estados. Ou seja, em determinados casos previstos nos tratados, a competência de um dado Estado para tributar uma

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manifestação econômica que se relacione aos dois contratantes pode ser limitada, de forma que se torna necessário investigar exatamente qual tipo de manifestação econômica ocorreu para alocar corretamente as competências tributárias. Neste sentido, como a regra geral de transparência fiscal internacional 98 permite a tributação de lucros (manifestação econômica) auferidos em outro país (de maneira que estes lucros possuem algum tipo conexão com dois países diferentes), é possível que a aplicação dos TDTs limite a competência tributária do país que está aplicando a referida regra de transparência. As controvérsias jurídicas de aplicação dos TDTs em relação à aplicação do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 serão a seguir analisadas. Antes de analisar a aplicação dos TDTs em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, é necessário tecer algumas linhas a respeito da natureza jurídica dos tratados, da própria dupla tributação que visam a combater e das regras que podem se relacionar com a aplicação do regime brasileiro de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior.

3.5.1. O Fenômeno da Dupla Tributação

O fenômeno da dupla tributação pode ocorrer porque dois ou mais Estados podem possuir um mesmo elemento de conexão em relação à manifestação econômica que se pretende tributar, mesmo que esta tenha ocorrido fora de seu território. Observe-se, neste sentido, a lição de Grupenmacher 99:

É certo que na atualidade as normas tributárias de um dado Estado podem alcançar situações e manifestações de riqueza situadas fora de seu território. Essas manifestações podem partir de indivíduos residentes no território do Estado impositor, situação em que encontramos uma conexão do sujeito com o território por força da residência, ou ainda, mais raramente, da nacionalidade, ainda que estes indivíduos não sejam ali domiciliados. O indivíduo domiciliado em um determinado país tem uma relação pessoal com o Estado, mas tem também uma conexão potencial com o seu território, pois sempre possui a possibilidade de usufruir os serviços públicos nele prestados. Tem ainda um interesse na existência e manutenção do seu Estado. Legítimo é, pois, que contribua para o desenvolvimento das atividades prestadas dentro de seu âmbito territorial.

98

Não apenas a brasileira, prevista no artigo 74 da MP 2.158-35/01, como a maioria das regras CFCs mundiais. GRUPENMACHER, Betina Treiger. Tratados Internacionais em Matéria Tributária e Ordem Interna. São Paulo: Dialética, 1999, p. 97 – 98. 99

73

Como se vê, por conta dos chamados “elementos de conexão”, dois ou mais países podem fazer valer sua lei tributária sobre manifestações econômicas ocorridas até mesmo fora de seu território 100. Existem alguns elementos considerados autorizadores da pretensão tributária do Estado em relação a uma determinada manifestação econômica. Primeiramente, é possível que um determinado rendimento tenha sido auferido dentro do seu território, mesmo que por pessoa estrangeira. Neste caso, o Estado em que o rendimento foi auferido pretende tributá-lo porque tal rendimento foi obtido dentro de seus limites territoriais, até porque a disponibilização de sua infraestrutura pode ser relevante para o auferimento do rendimento – trata-se do princípio da fonte dos rendimentos. Ademais, é possível que um rendimento de uma pessoa residente no país tenha sido auferido em Estado estrangeiro. Neste caso, pelo princípio da tributação universal, é autorizada a tributação de todos os rendimentos da pessoa residente, independentemente de onde tenha sido gerado – trata-se do princípio da residência. Certa semelhança guarda o princípio da nacionalidade, em que o Estado entende ser possível a tributação de qualquer pessoa que detenha sua nacionalidade, mesmo que tal pessoa não mais resida neste Estado. Quando estes elementos de conexão autorizam que um mesmo imposto incida sobre um mesmo contribuinte e sobre uma mesma manifestação econômica, tem-se o fenômeno da dupla tributação 101. É o que se depreende da lição do professor Vogel 102:

A dupla tributação é atualmente tão difundida porque a vasta maioria dos Estados, além de impor tributos sobre bens domésticos e transações econômicas domésticos, 100

Sem, contudo, poder realizar o enforcement de sua lei em território estrangeiro, o que violaria a soberania dos Estados. 101 Trata-se da dupla tributação jurídica, que contém três elementos de similitude (imposto cobrado, manifestação econômica e pessoa tributada). Note-se que os TDTs não se aplicam para a dupla tributação econômica, em que há apenas dois elementos de similitude (imposto cobrado e manifestação econômica), onerando-se porém duas pessoas/contribuintes diferentes. 102 VOGEL, Klaus. Double Tax Treaties and Their Interpretation. International Tax & Business Lawyer, Vol 4:1, 1986, p. 6. Tradução livre do autor: “Double taxation is widespread today because the vast majority of states, in addition to levying taxes on domestic assets and domestic economic transactions, levy taxes on assets situated and transactions carried out in other countries to the extent that they benefit resident taxpayers. For example, the foreign income or foreign wealth of a resident natural or juridicial person is often subject to taxation based on the principle of residence, which implies the taxation of worldwide income or worldwide wealth. At the same time, since no state unilaterally waives its right to tax transactions or assets of residents and nonresidents within its own territory based on the principle of source, the tax claims of different states necessarily overlap. Double taxation may also arise when a person is deemed to be a resident simultaneously by two (or more) states, or when source rules overlap because two (or more) states find the same economic transaction or asset to be within their territory. Finally, double taxation may arise because certain states tax the worldwide income of their citizens even when they are residents of another state, as is the case with the United States and Mexico.”

74

impõem tributos sobre bens e transações situados em outros países na medida em que beneficiam contribuintes residentes. Por exemplo, o lucro no exterior ou o patrimônio no exterior de um residente - pessoa física ou jurídica – é comumente tributado por conta do princípio da residência, que implica a tributação da renda ou patrimônio universal. Ao mesmo tempo, uma vez que nenhum Estado renuncia unilateralmente ao seu direito de tributar transações ou bens de residentes e não residentes dentro de seu próprio território baseado no princípio da fonte, as imposições tributárias de diferentes Estados necessariamente sobrepõem-se. A dupla tributação pode ainda surgir quando uma pessoa é considerada residente simultaneamente em dois (ou mais) Estados, ou quando as regras de fonte sobrepõem-se porque dois (ou mais) Estados consideram que a mesma transação econômica aconteceu dentro do limite de seu território. Finalmente, a dupla tributação pode surgir porque certos Estados tributam a renda universal de seus cidadãos até mesmo quando eles são residentes em outro Estado, como é o caso dos Estados Unidos e do México.

Sendo a dupla tributação, portanto, um fenômeno inevitável, especialmente em um contexto em que cada vez mais transações, pessoas e bens movem-se com facilidade, pensouse na necessidade de os Estados pactuarem um instrumento que pudesse eliminar ou mitigar a dupla incidência de tributos. Isto porque há consenso de que este fenômeno é considerável inibidor da economia, tendo em vista que implica em maior carga tributária (e, portanto, maior custo) para um mesmo contribuinte, o que desestimularia os investimentos internacionais. É nesse sentido o entendimento de Bianco 103:

Essa multiplicidade de fundamentos a justificar os regimes de tributação das rendas auferidas em operações internacionais é que ocasiona o surgimento do fenômeno da dupla tributação pois, caso somente um único critério fosse utilizado uniformemente, por todos os Estados, não haveria superposição de incidências tributárias. A dupla tributação é universalmente reconhecida como prejudicial ao desenvolvimento da atividade econômica mundial. Todos – governos, contribuintes, doutrinadores, organizações internacionais – unanimemente concordam que ela deve ser evitada.

Assim, tendo em vista os malefícios econômicos advindos da dupla tributação, bem como por esta se tratar de um fenômeno que diz respeito à incidência de diferentes ordenamentos jurídicos, os Estados viram a possibilidade de negociarem entre si para eliminar ou mitigar a dupla incidência por meio de Tratados Internacionais.

3.5.2. Natureza dos Tratados contra a Dupla Tributação e o modelo OCDE

103

BIANCO, op. cit., p. 137.

75

Estabelecida a necessidade de combater a dupla tributação, os Estados envolveram-se na criação de Tratados Internacionais que pudessem evitá-la ao máximo. Historicamente, estes Tratados tiveram seus termos gerais negociados em órgãos multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) ou na OCDE, tendo as duas organizações, inclusive, seus próprios modelos-base de criação de tratados. Estes modelos, contudo, refletem interesses próprios dos países que os criaram, havendo prevalência dos países desenvolvidos que, tradicionalmente, eram exportadores de capitais – desejosos, portanto, de ênfase na possibilidade de tributação por meio do princípio da residência. Ao contrário, países em desenvolvimento, tradicionalmente importadores de capitais, desejavam maior ênfase no princípio da fonte, tendo em vista que de nada adiantava a eles a possibilidade de tributar lucros no exterior se os seus residentes não se engajavam em investimento internacionais. Observe-se a lição de Vogel 104:

Um modelo oposto, moldado mais de acordo com os interesses especiais dos países em desenvolvimento, foi concluído em 1971 pelos Estados Membros do Grupo Andino, uma aliança entre Bolivia, Chile, Equador, Colômbia, Peru e – desde 1973 – Venezuela. O Modelo Andino foi escrito como uma alternativa ao Modelo OCDE; enfatiza as preocupações tradicionais de países latino-americanos, especialmente o princípio da fonte. Outro modelo de tratado pensado para servir aos interesses dos países em desenvolvimento foi publicado pela Organização das Nações Unidas em 1980. Este modelo foi o resultado de mais de dez anos de preparação por um grupo de experts indicados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. Sua estrutura corresponde ao modelo OCDE. Contudo, diverge em alguns aspectos relevantes.

De uma forma geral, entretanto, o modelo da OCDE foi o mais recorrentemente utilizado pelos países, inclusive pelo Brasil 105. Obviamente, peculiaridades e diferenças existem, refletindo negociações e particularidades de cada sistema tributário dos países signatários, mas a estrutura OCDE foi a que prevaleceu de uma forma geral. Assim, é por meio desse modelo que a análise se seguirá.

104

VOGEL, op. cit., p. 12. Tradução livre do autor: “An opposing model, shaped more according to the special interests of developing countries, was concluded in 1971 by the member states of the Andean-Group, an alliance between Bolivia, Chile, Ecuador, Colombia, Peru and – since 1973 – Venezuela. The Andean Model was drafted as an alternative to the OECD Model; it emphasizes the traditional concerns of Latin American countries, especially the source principle. Another model treaty intended to serve the interests of developing countries was published by the United Nations in 1980. This treaty is the result of more than ten years of preparation by a group of experts appointed by the United Nations Economic and Social Council. Its structure corresponds to the OECD Model. Its content, however, diverges in some important respects.” 105 Segundo o prof. Bianco, a estrutura do Tratado Modelo da OCDE representa a estrutura padrão dos TDTs em geral. Nesse sentido, ver BIANCO, op. cit., p. 138.

76

O Tratado Modelo da OCDE distribui as competências tributárias dos países em relação à tributação de uma mesma manifestação econômica, relativa a um mesmo contribuinte. Esta distribuição de competências atua de dois modos: o Modelo distingue os tipos de manifestações econômicas que serão tributadas apenas em um Estado e aquelas que podem ser tributadas nos dois Estados que possuem algum elemento de conexão e que, portanto, teriam legítimas pretensões tributárias. A esse respeito, a lição de Grupenmacher 106:

Mediante tais convenções os Estados Signatários eliminam a dupla tributação internacional pela adoção de duas diferentes regras. Por força da primeira regra, tributam-se com exclusividade determinadas categorias de rendimentos em cada um dos Estados. De conformidade com a segunda regra, circunscrevem-se as categorias de rendimentos que podem ser tributados pelo Estado de residência, assim como pelo da fonte, atribuindo-se a um deles o dever de eliminar ou atenuar a dupla tributação, por isso utilizando o método da isenção ou o da imputação ou ambos.

Quando a regra é a tributação exclusiva por parte de um Estado Contratante, o outro Estado Contratante simplesmente abstém-se de cobrar o mesmo imposto do contribuinte que esteja sob sua jurisdição. Porém, quando a regra prevê a tributação conjunta de um mesmo rendimento, isto é, permitida para os dois Estados, o Tratado Modelo prevê, nos artigos 23-A e 23-B, duas formas para eliminar a dupla tributação que seria decorrente das duas pretensões tributárias: o sistema da isenção (artigo 23-A) e o sistema do crédito (artigo 23-B). Pelo sistema da isenção, um dos Estados Contratantes (o da residência do contribuinte, geralmente) simplesmente renuncia à sua pretensão tributária por conta da prévia tributação do mesmo rendimento pelo outro Estado Contratante. Afasta-se, portanto, a dupla tributação desta manifestação econômica. Já pelo sistema do crédito, o outro Estado Contratante não renuncia à tributação, mas aceita o montante pago como imposto no primeiro Estado Contratante como crédito a ser compensado com o imposto devido. Neste sentido, verifiquese a lição de Bianco 107:

Os Estados contratantes podem optar pela adoção do método da isenção (artigo 23A), segundo o qual o Estado de residência renuncia ao seu poder de tributar o rendimento em favor do Estado da fonte. Nesse caso, o rendimento tributado pelo Estado da fonte necessariamente será isento de tributação no Estado de residência, afastando-se a ocorrência de dupla tributação.

106 107

GRUPENMACHER, op. cit., p. 98 BIANCO, op. cit., p. 144 – 145.

77

Mas o Estado de residência pode não querer renunciar ao seu poder de tributar o rendimento auferido no Estado da fonte. Nesse caso, sendo exercida a competência tributária pelos dois Estados concorrentemente, deverão as partes necessariamente adotar o método do crédito (artigo 23-B) para que seja eliminada a dupla tributação. Nessa hipótese, o Estado de residência reconhece o direito do contribuinte ao crédito do valor do imposto pago no exterior, como dedução do valor do imposto a ele devido.

Assim, por meio destes dois tipos de sistema, no caso do Tratado prever a possibilidade de tributação de um mesmo rendimento pelos dois Estados Contratantes, a dupla tributação é eliminada - atingindo desta maneira o objetivo primordial da própria celebração dos TDTs.

3.5.3. Os Artigos 7º, 10 e 21 do Tratado Modelo da OCDE e a Controvérsia com o Art. 74 da MP nº 2.158-35/01

Vistos os pressupostos que embasam a criação e a aplicação dos tratados, pode-se detalhar quais são os dispositivos que importam na discussão deste trabalho e compreender quais são as controvérsias jurídicas com as regras brasileiras de tributação dos lucros no exterior. Um dos rendimentos importantes para esta discussão é o lucro empresarial, previsto no art. 7º. Prevê o art. 7º, parágrafo 1º, a tributação dos lucros empresariais apenas no Estado onde estiver situada a empresa que auferiu o lucro 108:

1. Os Lucros de uma empresa de um Estado Contratante devem ser tributados apenas neste Estado, a não ser que esta empresa exerça atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento permanente nele situado. Se a empresa exerce atividade por este modo, os lucros que são atribuíveis ao estabelecimento permanente de acordo com as previsões do parágrafo 2º podem ser tributáveis nesse outro Estado.

108

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Model Tax Convention on Income and on Capital, jul. 2010, p. 26. Disponível em: . Último acesso: 23 abr. 2012. Tradução livre do autor: “1. Profits of an enterprise of a Contracting State shall be taxable only in that State unless the enterprise carries on business in the other Contracting State through a permanent establishment situated therein. If the enterprise carries on business as aforesaid, the profits that are attributable to the permanent establishment.”

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Outro dispositivo relevante na discussão é o artigo 10, parágrafos 1 e 2, que preveem a tributação dos dividendos e que, ao contrário da regra prevista no artigo 7º, permitem a tributação conjunta dos dividendos pagos por uma empresa situada em um Estado Contratante para beneficiário residente no outro Estado Contratante 109:

1. Os dividendos pagos por uma companhia residente em um Estado Contratante para um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado. 2. Contudo, tais dividendos podem também ser tributados no Estado Contratante no qual se é residente a empresa que está pagando os dividendos, de acordo com as leis desse Estado (...)

Por fim, é relevante também citar o artigo 21, parágrafo 1º, do Tratado Modelo. Este artigo trata dos rendimentos de um residente não tratados nos artigos precedentes, prevendo a possibilidade de tributação de tais rendimentos apenas no Estado em que estes forem auferidos 110: “1. Itens de rendimentos de um residente de um Estado Contratante, independentemente de onde tiverem sua fonte, não tratados nos Artigos precedentes desta convenção serão tributáveis apenas nesse Estado.” Estes três dispositivos estão envolvidos na discussão da compatibilidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 com os TDTs celebrados pelo Brasil que, no geral, seguem a estrutura da OCDE acima descrita. Com efeito, se se considera que o objeto da tributação do artigo 74 é o lucro da sociedade controlada ou coligada no exterior, haveria colisão com o artigo 7º do Tratado Modelo, pois se estaria tributando o lucro de uma empresa que, por este último dispositivo, só pode ser tributado no país de residência desta empresa, e não no de sua controladora. É o que defendem Coêlho e Derzi 111:

A sete, conflita [o artigo 74 da Medida Provisória 2.158-35/01] com as convenções subscritas pelo Brasil (vinte e cinco), como já demonstrado. As convenções 109

OECD (2010), op. cit., p. 28. Tradução livre do autor: “1. Dividends paid by a company which is a resident of a Contracting State to a resident of the other Contracting State may be taxed in that other State. 2. However, such dividends may also be taxed in the Contracting State of which the company paying the dividends is a resident and according to the laws of that State, but if the beneficial owner of the dividends is a resident of the other Contracting State, the tax so charged shall not exceed:” 110 OECD (2010), op. cit., p. 21. Tradução livre do autor : " 1. Items of income of a resident of a Contracting State, wherever arising, not dealt with in the foregoing Articles of this Convention shall be taxable only in that State.” 111 COÊLHO E DERZI, op. cit., p. 142.

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consideram exclusivamente tributáveis na origem os lucros obtidos pelas empresas situadas nos territórios dos países subscritores (exceção à regra da renda mundial, sob pena de bitributação). Por tabela, a MP em tela cria uma situação profundamente desigual, favorecendo em tese a evasão internacional (treaty shopping), ou seja, a localização em um país mais favorecido, para deste modo circundar a draconiana legislação pátria.

Da mesma opinião é o professor Bianco 112:

Logo, o dispositivo aplicável da Convenção-Modelo é o artigo 7º, pois é ele que trata da tributação dos lucros auferidos por empresas investidas no exterior. E é com base no disposto no artigo 7º que nós vamos poder determinar se a legislação brasileira é ou não compatível com a Convenção-Modelo. (...) E o artigo 7º não permite que um Estado contratante tribute os lucros auferidos por uma pessoa jurídica residente no outro Estado contratante. A vedação é clara. Logo, o regime tributário previsto no artigo 74 da Medida Provisória n. 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, é incompatível com o artigo 7º da Convenção-Modelo da OCDE.

Assim, considerando-se que o artigo 74 da MP 2.158-35/01 tributa o lucro da sociedade controlada ou coligada no exterior, haveria incompatibilidade entre este dispositivo e o artigo 7º dos TDTs que preveem a tributação exclusiva deste lucro pelo país de residência da controlada ou coligada no exterior, e não da controladora ou coligada no Brasil. Neste sentido, ao dar efetividade ao referido artigo 74, o Brasil estaria descumprindo um compromisso firmado no âmbito internacional ao dar prevalência à sua regra interna. Ainda nesta linha, para os defensores da colisão entre os TDTs e a MP nº 2.158-35/01, deve-se levar em conta o artigo 98 do CTN, o qual prevê que “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.” 113. Ou seja, mesmo que o referido artigo 74 tenha sido editado posteriormente aos TDTs celebrados pelo Brasil, ainda assim estes teriam prevalência 114 no caso de conflito com as normas internas do País. Este é o entendimento de Martins 115:

Vale dizer, o art. 98 do CTN, por força dos arts. 5.º, §2.º e 150, caput, da CF foi hospedado pela nova ordem, com predominância, no campo exclusivamente normativo, sobre o direito interno, por ele não podendo ser revogado, a não ser que o governo brasileiro denuncie o tratado, conforme os padrões, processos e 112

BIANCO, op. cit., p. 157. BRASIL (1966) op. cit. 114 Há um consenso doutrinário de que a regra do artigo 98 não revoga a legislação interna, ao contrário do que sugere a literalidade do dispositivo. A principal razão é que no caso de denúncia do Tratado, a norma interna anteriormente afastada volta a ser aplicável, tendo sido apenas “suspensa” pela aplicação das disposições do Tratado. Neste sentido, ver OLIVEIRA (2004), op. cit. 115 MARTINS, op. cit., p. 147 – 148. 113

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procedimentos de direito internacional. E se esta denúncia não afetar cláusulas pétreas."

Neste contexto, os autores acima mencionados defendem a incompatibilidade do artigo 74 da MP 2.158-35/01 com o artigo 7º dos TDTs – sendo estes prevalentes, inclusive por força do artigo 98 do CTN 116. Existem, porém, outros autores que entendem haver outros motivos para a incompatibilidade entre a regra brasileira de tributação de lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Isso porque a regra do artigo 74 preveria a tributação da distribuição ficta dos lucros, isto é, de dividendos, devendo-se portanto analisar o artigo 10 dos TDTs. Como se viu anteriormente, o artigo 10 permite ao Estado da fonte e ao Estado de residência do beneficiário a tributação dos dividendos, o que teoricamente possibilitaria a tributação nos moldes da regra brasileira. Contudo, a redação do artigo 10 é clara ao prever a tributação dos dividendos pagos. A expressão “pagos”, alega-se, impede a tributação pelo artigo 74 antes da efetiva distribuição dos lucros, que equivaleria o pagamento dos dividendos. A esse respeito, a lição de Maciel 117:

a) Em primeiro lugar, o regime TLCE brasileiro é sui generis; não se enquadra, de forma alguma, nas diretrizes recomendadas pela OCDE para o estabelecimento de normas de TLCE; b) Em segundo lugar, o regime brasileiro utilizou o método do fictive dividend, o que se depreende tanto da redação do artigo 74 da MP nº 2.158-35, como do fato de ele não permitir a consolidação de prejuízos auferidos pela sociedade no cômputo do lucro do sócio brasileiro, de forma que está bem claro na legislação que se trata de lucro da sociedade não-residente, o qual, consoante o artigo 10º, só poderia ser tributado no Brasil após sua efetiva distribuição;

Ainda aventou-se a possibilidade de que a tributação do artigo 74 da MP nº 2.15835/01 recairia sobre os lucros da própria sociedade brasileira, sem relação direta com os lucros das controladas ou coligadas no exterior, e sem que este lucro refletisse uma possível distribuição de dividendos – a tributação pelo MEP. Apesar de pouco ter se escrito sobre esta possibilidade, a doutrina já analisou a questão, como se depreende da lição de Bianco 118:

116

Existe também controvérsia acerca dos efeitos do artigo 98. Parte da doutrina entende que este dispositivo não foi recepcionado pela Constituição, uma vez que apenas esta pode dispor sobre hierarquia normativa. Outra parte entende ser o artigo plenamente constitucional, existindo, inclusive, autores que defendem o efeito meramente declaratório do artigo 98 – isto é, que independentemente de sua existência no CTN, os TDTs já teriam prevalência sobre a legislação interna. Para maiores informações, ver SCHOUERI (2005), op. cit. 117 MACIEL, op. cit., p. 150 – 151. 118 BIANCO, op. cit., p. 153.

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Mas havendo dispositivo expresso tratando do regime de tributação do rendimento – como no caso dos lucros ou dividendos de sociedade investida no exterior – é totalmente inaplicável o artigo 21. Pode-se discordar do regime de repartição das competências tributárias proposto pela Convenção-Modelo, no caso dos lucros auferidos por empresas investidas no exterior. Pode-se achá-lo inadequado. Pode-se achá-lo injusto. Mas o que não se pode negar é a sua previsão no corpo da Convenção-Modelo. E sendo previsto o regime de tributação dos lucros auferidos pelas CFCs, é inaplicável o artigo 21, que regula exclusivamente as hipóteses de rendimentos não tratados nos demais artigos da Convenção-Modelo.

Em suma, a discussão da compatibilidade entre os TDTs e a regra de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior também é tema controverso e ainda sem solução concreta 119. Mesmo no âmbito do CARF há inúmeras discussões acerca de qual seria o dispositivo aplicável em relação ao artigo 74 da MP 2.15835, o que sugere a complexidade do tema, como escreve Musa 120:

Além disso, houve uma longa discussão no CARF sobre detalhes da aplicação dos TDTs aos lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior. Primeiro discutiu-se o artigo 7º dos TDTs teria o condão de afastar o artigo 74 da Medida Provisória 2.158, argumentando-se que a legislação doméstica refletiria hipótese de distribuição ficta dos lucros. Nesse caso, o artigo 10º (distribuição de dividendos), e não o 7º (lucros das empresas) dos TDTs, se aplicaria. A discussão sobre o enquadramento dos lucros do exterior apurados em balanço no artigo 7º ou no 10º dos TDTs evoluiu para, em princípio, aceitar-se que o artigo 7º seria aplicável. O raciocínio é o de que dividendos ou são declarados pelos sócios, através de um ato volitivo, ou não são, sendo impossível a hipótese de distribuição automática nesse caso. Porém, a discussão foi inconclusiva e parece estar ainda aberta no CARF (...)”

Este é, portanto, mais um tema de considerável complexidade e sem solução definitiva que dificulta a aplicação do regime de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior.

3.6. Considerações Finais sobre os Pontos Controversos na Doutrina

119

Até mesmo a OCDE, responsável pela criação do Tratado Modelo, não tem opinião conclusiva a respeito. No parágrafo 38 do comentário ao artigo 10 do Tratado Modelo, a OCDE comenta que, no caso de uma legislação CFC que considerar a tributação de um “dividendo ficto”, não está claro se o correto tratamento deste montante seria o de dividendo (artigo 10) ou de outros rendimentos (artigo 21). 120 MUSA, op. cit., p. 724.

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Como se viu durante o curso deste capítulo, a doutrina debruça-se sobre várias questões relevantes em decorrência da aplicação do regime brasileiro de tributação dos lucros auferidos exterior. Ressalte-se que nenhum consenso foi ainda atingido em relação a todas as grandes controvérsias acima expostas, e nem há previsão para que isso aconteça. O atual regime brasileiro está basicamente previsto na regra do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Teoricamente, seria um regime muito mais simples do que o das regras CFC clássicas, pois, diferentemente do resto do mundo, não exige a aplicação de qualquer teste do tipo da renda ou de sua origem para imputar os lucros auferidos no exterior para a sociedade brasileira. Contudo, a aplicação de um único artigo (conjugado, é verdade, com a IN nº 213/02, que em tese apenas o regulamenta) gerou e continua gerando perplexidades, após mais de dez anos da promulgação do atual sistema. O próximo capítulo fornece possíveis razões para que haja tanta controvérsia em relação a este sistema de tributação de lucros auferidos no exterior. Procurar-se-á analisar os interesses econômicos defendidos tanto pelos diferentes modelos de tributação destes lucros já adotados pelo Brasil, como pelas interpretações do regime atualmente em vigor.

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4. AS CONTROVÉRSIAS RELATIVAS AO REGIME DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS POR SOCIEDADES CONTROLADAS E COLIGADAS NO EXTERIOR SOB A ÓTICA DAS TEORIAS DO RENT-SEEKING E DO PATRIMONIALISMO

4.1. Objetivos do Capítulo

Após a explicitação das principais controvérsias jurídicas apontadas pela doutrina em relação ao regime previsto pela MP nº 2.158-35/01 e pela IN nº 213/02, pode-se então verificar as implicações socioeconômicas da adoção do atual desenho legislativo, bem como das várias interpretações a ele dadas. Tais implicações, em princípio, poderiam ser analisadas sob diversos ângulos e utilizando-se diversas teorias de desenvolvimento econômicas e sociais. Escolheu-se, entretanto, focar a análise por meio da teoria do “rent seeking” e, em menor grau, pela teoria do patrimonialismo. Ambas as teorias partem de uma análise da “apropriação de rendas” que certa ação do Estado (mesmo em sua função legislativa) gera em relação à economia. Em outras palavras, ambas as teorias preocupam-se com a transferência de riqueza de um setor da sociedade (seja o público 121 ou privado 122) para outro, sem que novas riquezas sociais sejam criadas, ou até mesmo com a geração de outros custos sociais adicionais. Neste sentido, pode-se considerar a teoria do patrimonialismo como uma decorrência 123 da teoria maior do rent seeking, uma vez que para sustentar as regalias oferecidas pelo setor público brasileiro a determinados interesses privados (em especial aos interesses do corpo burocrático estatal), é necessário que o Estado capte uma maior quantidade de recursos da sociedade, ultrapassando o que seria o necessário para a manutenção de suas legítimas atribuições.

121

Entendido como a Administração Pública direta e indireta como um todo, ou seja, órgãos da União, Estados e Municípios, bem como autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, e sociedades controladas pelo Poder Público, assim como todos os funcionários envolvidos em suas gestões. 122 Entendido como toda sociedade empresarial não controlada pelo Poder Público. 123 Apenas no que concerne à análise econômica, não se levando em consideração as implicações sociais e políticas da teoria do patrimonialismo.

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As duas teorias foram escolhidas para a análise proposta porque estão intimamente relacionadas com o fenômeno da tributação. Tributar, antes de mais nada, significa transferir riqueza do contribuinte para o Poder Público. Tem-se, aqui, uma transferência que gera custos sociais (principalmente porque os contribuintes despendem recursos no cumprimento das obrigações acessórias, assim como a Administração Pública no custeio da fiscalização e recolhimento de tributos) mas que, se não onerar excessivamente o setor privado de forma a prejudicar os investimentos, gera riquezas sociais na hipótese de um gasto público relativamente eficiente. No contexto nacional, se o Poder Público não tributa (intencionalmente ou não 124) determinada manifestação econômica, simplesmente não há a transferência de riqueza do setor privado para o público. Contudo, em um contexto internacional, a questão ganha contornos maiores. Pois se o contribuinte conseguir impedir a tributação de rendimentos que ele aufira no exterior, simplesmente há uma transferência de riqueza do setor privado nacional (que investe na sociedade controlada ou coligada estrangeira) para o setor privado no estrangeiro (justamente as sociedades localizadas fora do país) e, em maior ou menor grau, para o setor público estrangeiro (pois pode haver o recolhimento de tributo para o governo do país em que se localiza a sociedade). Neste sentido, torna-se conveniente utilizar uma teoria que permita analisar os efeitos dos diversos cenários de transferência de renda decorrente da tributação no contexto internacional. É justamente o que permite a teoria do rent seeking.

4.2. A Teoria do Rent Seeking e sua Relação com a Tributação

É conveniente, antes de explicitar a relação da teoria do rent seeking com o fenômeno da tributação, fazer uma breve introdução aos pressupostos básicos e à evolução histórica desta doutrina econômica. A partir de então, será possível utilizá-la para os fins propostos neste capítulo.

4.2.1. Pressupostos Básicos e a Evolução da Teoria do Rent Seeking

124

O contribuinte pode praticar a elisão ou evasão fiscal para recolher menos tributos sem que o Poder Público assim deseje.

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A Teoria do Rent Seeking teve início com o trabalho de Tullock 125126, o qual investigou os custos envolvidos com a existência de tarifas, monopólios e roubos. Estas três atividades, segundo o autor, sempre foram consideradas como operações de simples transferências de renda, sem qualquer custo adicional à sociedade. Isto é, por exemplo, em um roubo, somente haveria a transferência de renda do (ex) proprietário de um bem para o ladrão – para a sociedade, entretanto, não haveria custos adicionais a não ser, talvez, o custo moral da existência de roubos. Contudo, o autor aponta que este entendimento está, no mínimo, incompleto, uma vez que em decorrência da atividade do roubo existe um custo relevante para as partes envolvidas: do lado do proprietário, os dispêndios para evitar o roubo, como seguros, contratações de segurança privada etc.; do lado do ladrão, os dispêndios para realizar o roubo, como os gastos com ferramentas próprias para o furto, propinas a oficiais etc. Ocorre que tais dispêndios apenas evitam ou facilitam a transferência de renda de um lado para o outro – não são, de um ponto de vista econômico, produtivos, isto é, não geram novos recursos ou rendas para as partes 127: O custo para a sociedade seria os investimentos de capital e trabalho na atividade de roubo e na proteção contra este. (...) Transferências em si não custam nada para a sociedade, mas para as pessoas envolvidas elas são como qualquer outra atividade, e isso significa que grandes recursos podem ser investidos na tentativa de realizar ou prevenir transferências. Esta relação de compensação dos gastos dos dois lados é totalmente inútil de um ponto de vista da sociedade como um todo.

Importante notar que, ao analisar não apenas a atividade do roubo, mas principalmente as tarifas e dos monopólios, o autor já identifica uma características importantes das transferências de renda custosas entre setores da sociedade: o fato de que o custo econômicosocial envolvido com elas geralmente envolve a regulação do Poder Público. Isso porque a legislação que tem por objetivo interferir na economia é altamente propícia a criar privilégios para alguns setores em detrimentos de outros – neste contexto, é compreensível que os setores econômicos afetados gastem recursos para ganhar privilégios e evitar que seus competidores também o consigam. 125

TULLOCK, Gordon. The Welfare Costs of Tariffs, Monopolies, and Theft. Western Economic Journal, v. 5, n. 3, jun/67, p. 224 – 232. 126 Apesar do autor não utilizar o termo rent seeking propriamente dito. 127 Ibidem, p. 230. Tradução livre do autor: “The cost to society would be the investments of capital and labor in the activity of theft and in protection against theft. (...) Transfers themselves cost society nothing, but for the people engaging in them they are just like any other activity, and this means that large resources may be invested in attempting to make or prevent transfers. These largely offsetting commitments of resources are totally wasted from the standpoint of society as a whole."

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O exemplo das tarifas protecionistas é didático. Na possibilidade do governo conceder aos produtores domésticos uma tarifa protecionista que os proteja contra a competição internacional, este setor doméstico tem um considerável incentivo para investir em atividades tais como o lobby político no sentido de obter tais tarifas. Por outro lado, setores como importadores de bens têm incentivos para, ao contrário, evitar a concessão de tarifas, investindo também em lobby político, mas no sentido oposto ao da indústria doméstica. Temse, portanto, um dispêndio de recursos que não gera rendas e, ao contrário, apenas tem o condão de estimular a sua transferência de um setor para outro, como argumenta Tullock 128:

Antecipa-se que os produtores domésticos investiriam recursos em lobby para conseguir tarifas até que o retorno marginal do último dólar investido fosse igual ao provável retorno que produz a transferência de renda. Pode haver também outros interesses que tentam prevenir a transferência, colocando recursos para influenciar o governo na outra direção. Tais gastos, que podem simplesmente compensar um ao outro em certa medida, são puramente desperdiçados de um ponto de vista da sociedade como um todo; eles são gastos não para aumentar a riqueza, mas em tentativas de transferir ou resistir a transferência de riquezas.

Seria apenas com o trabalho de Krueger 129 que o termo “rent seeking” viria a ser utilizado, significando a competição por rendas que gera custos econômicos e sociais. A autora analisa o exemplo da Restrição de Licenças de Importação (uma competência exclusiva do Poder Público) para demonstrar que a influência dos governos na economia pode dar ensejo a competições por renda – disputas que podem se dar de forma ilegal e ter implicações políticas negativas. Segundo Krueger, em economias orientadas pelo governo, a competição por rendas é um fato dado e pode se dar de duas formas: legal e ilegal 130: Em várias economias de mercado orientadas, as restrições do governo sobre a atividade econômica são fatos dados. Tais restrições fazem surgir rendas em uma variedade de formas, e as pessoas comumente competem por rendas. Algumas vezes, tal competição é perfeitamente legal. Em outras instâncias, o rent seeking toma outras formas, como propinas, corrupção, contrabando e mercados negros. 128

TULLOCK, op. cit., p. 228. Tradução livre do autor: “One would anticipate that the domestic producers would invest resources in lobbying for the tariff until the marginal return on the last dollar so spent was equal to its likely return producing the transfer. There might also be other interests trying to prevent the transfer and putting resources into influencing the government in the other direction. These expenditures, which may simply offset each other to some extent, are purely wasteful from the standpoint of society as a whole; they are spent not in increasing wealth, but in attempts to transfer or resist transfer of wealth." 129 KRUEGER, Anne O. The Political Economy of Rent-Seeking Society. The American Economy Review, v. 64, n. 3, jun/93, p. 291 – 303. 130 Ibidem, p. 291. Tradução livre do autor: “In many market-oriented economies, government restrictions upon economic activity are pervasive facts of life. These restrictions give rise to rents of a variety of forms, and people often compete for the rents. Sometimes, such competition is perfectly legal. In other instances, rent seeking takes other forms, such as bribery, corruption, smuggling, and black markets."

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Em relação ao exemplo específico da Restrição de Licenças de Importação, a autora, assim como Tullock em relação às tarifas, menciona os custos que os setores privados incorrem na tentativa de beneficiar-se economicamente, transferindo rendas de um setor para o outro. Krueger, porém, avança nas implicações políticas que as intervenções do governo na economia (e que geram rent seeking) podem conter. Uma primeira implicação seria a dualidade entre permitir a competição por rendas, admitindo o custo social gerado, ou restringi-la, mas favorecendo grupos específicos 131:

Primeiramente, mesmo que eles consigam limitar a competição por rendas, os governos devem considerar que quando impõem restrições, ficam presos em um dilema: se eles restringirem a competição, podem claramente “mostrar favoritismo” para um grupo da sociedade e estão escolhendo uma distribuição desigual das rendas. Se, por outro lado, a competição por rendas é permitida (ou não pode ser controlada), a distribuição de renda pode ser menos desigual e certamente haverá menos indícios de favorecimento de grupos especiais, apesar de haver custos econômicos associados com as restrições quantitativas mais altos.

Outra implicação, talvez mais importante, é a de que o rent seeking pode gerar desconfiança da sociedade em relação à própria economia de mercado, na medida em que favorece a visão de que somente os agentes mais ricos serão beneficiados na competição por rendas 132: Em segundo lugar, a existência de rent seeking certamente afeta a percepção das pessoas do sistema econômico. Se a distribuição de renda é vista como o resultado de uma loteria em que os indivíduos ricos têm sucesso (ou sorte) no rent seeking, enquanto os pobres são excluídos ou fracassados, o mecanismo de mercado está destinado a ficar sob suspeita. (...) Se (...) se acredita que poucas empresas sobreviveriam sem exercer “influência”, mesmo apenas no ato de pagar propinas a oficiais do governo para fazer o que eles teoricamente já deveriam fazer, é difícil associar recompensas pecuniárias com produto social. 131

KRUEGER, op. cit., p. 302. Tradução livre do autor: “First, even if they can limit competition for the rents, governments which consider they must impose restrictions are caught on the horns of a dilemma: if they do restrict entry, they are clearly "showing favoritism" to one group in society and are choosing an unequal distribution of income. If, instead, competition for the rents is allowed (or cannot be prevented), income distribution may be less unequal and certainly there will be less appearance of favoring special groups, although the economic costs associated with quantitative restrictions will be higher." 132 Ibidem, p. 302. Tradução livre do autor: "Second, the existence of rent seeking surely affects people's perception of the economic system. If income distribution is viewed as the outcome of a lottery where wealthy individuals are successful (or lucky) rent seekers, whereas the poor are those precluded from or unsuccessful in rent seeking, the market mechanism is bound to be suspect. In the United States, rightly or wrongly, societal consensus has been that high incomes reflect - at least to some degree - high social product. As such, the high American per capita income is seen as a result of a relatively free market mechanism and an unequal distribution is tolerated as a by-product. If, instead, it is believed that few businesses would survive without exerting "influence", even in only to bribe government officials to do what they ought in any event to do, it is difficult to associate pecuniary rewards with social product."

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A partir destes dois trabalhos estruturantes da teoria do rent seeking, muitos autores dedicaram linhas para aprofundar as implicações desta doutrina, bem como para aplicá-la em vários casos concretos, de forma a explicar custos econômicos advindos da intervenção do Estado na economia. Em relação ao aprofundamento da teoria, é importante destacar a oposição que se formou entre profit e rent seeking. O competitive profit seeking seria a atividade econômica que tende a gerar rendas, isto é, que implica em produção real e possibilidade de posterior distribuição de recursos gerados para a sociedade. O rent seeking, ao contrário e como já explicitado, trata de simples transferências de rendas custosas entre setores da sociedade. É como explica Borsani 133:

É importante diferenciar rent seeking de profit seeking. Por essa última expressão, faz-se referência à busca de lucros incrementando a produção de algum bem ou serviço, típica atividade empresarial. Na procura por novas oportunidades que proporcionem um maior lucro, a atividade empresarial profit seeking gera um processo de realocação de recursos que possibilita crescimento econômico. (...) Diferente do processo econômico gerado na busca de maior lucro por meio da produção de um novo bem ou serviço, as atividades rent seeking não criam qualquer valor. Pelo contrário, seu resultado é um aumento de custo para a sociedade. Nesse sentido, rent seeking é quase o oposto de criação de renda (rent creation).

Quanto à aplicação da teoria a casos concretos, existem inúmeras formas de se averiguar o fenômeno do rent seeking em atividades influenciadas em maior ou menor grau pelo Estado. Existem até mesmo autores que explicam a estabilidade de governos em países em desenvolvimento por meio do rent seeking, como Kimenyi e Mbaku 134: (...) a estabilidade [política] observada em muitos países em desenvolvimento é o resultado de um equilíbrio de rent-seeking entre interesses de grupos bem organizados na população que compete por transferência de riquezas geradas pelos grupos relativamente mais fracos e menos organizados.

Neste contexto, observa-se que a teoria do rent seeking evoluiu para tornar-se uma ferramenta de análise das implicações primordialmente econômicas, mas também políticas e

133

BORSANI, Hugo. Relações entre política e economia: Teoria da Escolha Pública. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (Org.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 116 – 117. 134 KIMENYI, Mwangi S.; MBAKU, John M. Rent-seeking and institutional stability in developing countries. Public Choice, n. 77, 1993, p. 385. Tradução livre do autor: “(...)the stability observed in many developing countries is a result of a rent-seeking equilibrium between well organized interest groups in the population that compete for wealth transfers generated by the relatively weaker and more poorly organized groups."

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sociais, que a regulamentação governamental possui. Obviamente, não se trata de toda e qualquer regulamentação – apenas aquela que tem o condão de transferir rendas de um setor da sociedade para outro, nas formas vistas acima. Dentro dessa limitação, porém, a teoria do rent seeking pode fornecer argumentos importantes para a adoção ou cancelamento de várias políticas públicas que envolvam rendas. É essa a opinião de Tollison, para quem esta é uma teoria normativa 135:

A teoria do rent seeking evoluiu para uma teoria avaliativa. É um procedimento para avaliar reformas que podem potencialmente diminuir custos sociais na economia. Neste sentido, a teoria do rent seeking é uma teoria normativa. A ideia de que o comportamento político é motivado por transferências de renda também tem uma longa tradição como uma teoria econômica positiva de regulação e governo.

Tendo em vista esta característica avaliativa da teoria do rent seeking, é possível aplicá-la, no que interessa a este trabalho, ao fenômeno da tributação, uma vez que o poder de tributar do Estado envolve a intervenção na economia e a transferência de rendas de um setor da sociedade (contribuintes) para outro (Administração Pública).

4.3. Rent Seeking e Estado

Viu-se que as ações praticadas pelo Estado, em relação a atividades econômicas que podem transferir rendas, têm o condão de influenciar o setor privado a efetuar desperdício de recursos, de um ponto de vista econômico. Ocorre que não é apenas o agente privado que pode competir por rendas - sendo o Estado um grande gestor de recursos econômicos 136, é racional também prever que, dentro do âmbito da Administração Pública, setores podem competir para adquirir mais renda para si próprios em detrimento de outros. Sendo os agentes públicos pessoas com interesses próprios, pode-se imaginar um contexto em que o uso dos recursos públicos é objeto de disputa dos vários setores que compõem a Administração

135

TOLLISON, Robert D. The Economy Theory of Rent Seeking. Public Choice, v. 152, jul./02, p. 79 - 80. Tradução livre do autor: "The theory of rent seeking has been advanced as an evaluatory theory. It is a procedure to evaluate reforms that can lead to potentially lowers social costs in the economy. In this sense the theory of rent seeking is a normative theory. The idea that political behavior is motivated by wealth transfers also has a long tradition as a positive economic theory of regulation and government." 136 Advindos de tributos, exploração direta e indireta na economia, investimentos etc.

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Pública. Nesse sentido, observe-se o apontamento de Borsani 137, em relação à Teoria da Escolha Pública 138:

A ideia de que a condução econômica do governo pode ser orientada exclusivamente pelo interesse público, através da capacidade dos políticos e técnicos do governo, para a elaboração de políticas públicas eficazes na correção das falhas do mercado, foi questionada pela TEP [Teoria da Escolha Pública] na análise dos processos de decisão política. Segundo essa análise, políticos e burocratas, da mesma forma que empresários e consumidores na economia neoclássica, são atores racionais e estão motivados pelo interesse próprio, que no caso dos políticos consiste em atingir o poder e/ou manter-se nele. Isso resulta muitas vezes no fracasso das políticas públicas em satisfazer de forma eficaz ao conjunto da sociedade ou mesmo à maioria da população através de políticas em prol do bem comum. A conclusão da TEP é que existem falhas na ação dos governos, da mesma forma que existem falhas no funcionamento do mercado.

Ou seja, agentes públicos, assim como os privados, também são motivados pelo auto interesse, o que significa que em determinadas condições eles tendem a maximizar seu poder e sua apropriação de recursos dentro do Poder Público 139. É por isso que a ideia de um Estado burocrático que apenas cumpre suas funções legais tende a ser apenas um ideal - pois ele em si é composto por pessoas racionais e que tendem a maximizar seus interesses políticoeconômicos. Veja-se, neste sentido, o argumento de Silva sobre a relação entre rent seeking e Estado 140:

Como vimos na breve descrição da teoria dos caçadores de renda, rent seeking (...) surge tipicamente como uma atividade “parasitária” do Estado. O Estado arrecada tributos e transfere-os, legal ou ilegalmente, por meio de produção de bens públicos, como segurança, e bens semipúblicos, como estradas e obras de infra-estrutura, para determinados segmentos da sociedade, os quais se organizam na forma de grupos de pressão. Por isso, não é possível imaginar um Estado, ou governo, gerencial puro.(...) O Estado e o mercado político não são perfeitos: políticos e burocratas representam seus interesses dentro do governo e os interesses de agentes privados que se organizam coletivamente para agir sobre a máquina governamental, e tal ação tem como objetivo caçar renda de grupos da sociedade menos organizados. Essas transferências podem ser acompanhadas de conflitos distributivos entre diversos grupos de interesse que competem entre si para garantir maiores benefícios.

137

BORSANI, op. cit., p. 104 - 105. Segundo o autor, "A Teoria da Escolha Pública (TEP), Public Choice, é o estudo dos processos de decisão política numa democracia, utilizando o instrumental analítico da economia, fundamentalmente os conceitos de comportamento racional e auto-interesse que definem o homo economicus." Idem, p. 103. 139 Não se está sugerindo que considerações de ordem ética e/ou moral não guiem a atitude do agente público, mas apenas que as ações de cunho racional compõem grande parte desta atitude e que portanto devem ser levadas em conta na análise. 140 SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves da. Corrupção e Produção de Bens Públicos. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (Org.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 132. 138

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Reconhecendo-se esta forma de organização dentro do Estado, que envolve tanto setores privados como públicos, chega-se à conclusão de que o rent seeking não ocorre apenas na competição privada - até mesmo o setor público pode competir por rendas. Isso impõe um problema socioeconômico grave, pois teoricamente os agentes públicos estão em condições mais favoráveis para praticar tal competição, uma vez que são eles os tomadores de decisão quanto à intervenção do Estado em questões como regulamentação da economia, arrecadação de tributos e uso dos recursos públicos. Outra questão problemática é que os agentes privados, no rent seeking, desperdiçam recursos privados - os agentes públicos, por controlarem as finanças estatais, podem desperdiçar recursos públicos. Por fim, existem uma série de fatores que explicam por que um agente público estaria envolvido em uma competição por rendas, como explica Conybeare 141:

O que é o [conceito de] "Estado" postulado por tais teorias, e porque ele busca rendas? Tais rendas podem ser desejadas porque, apesar de nominalmente serem destinadas ao próprio Estado, podem produzir bens privados para os indivíduos. A forma mais direta de bem privado ocorreria quando existisse pouca distinção entre finanças públicas e as finanças privadas dentro do grupo de poder em um país. Uma segunda forma de bem privado é a adição de poder e prestígio decorrente do acréscimo de recursos do Estado, até mesmo quando as suas ações não estejam perfeitamente alinhadas com as preferências de qualquer indivíduo dentro daquele Estado. Finalmente, o Estado pode competir por rendas por conta das oportunidades criadas no envolvimento com a "X-inefficiency" - ineficiência gerencial e comportamento discricionário que resulta em rendas privadas sendo extraídas na forma de sobre-emprego, mordomias, salários excessivo e outros fatores improdutivos que aumentam o custo social do governo.

Assim, é possível dizer que o Estado não pode ser encarado como uma "burocracia racional", que busca mecanicamente cumprir com o que estipula a legislação. Ao contrário, ele é formado de agentes públicos, tão racionais quanto os agentes privados, e que assim como estes têm a possibilidade e o motivo para competir por rendas, gerando o rent seeking público. Obviamente, não se pode ter uma visão maniqueísta do Estado, devendo-se

141

CONYBEARE, op. cit., p. 27. Tradução livre do autor: "What is the “state” that is postulated by such theories, and why does it seek revenues? Such revenues may be sought because, though they nominally accrue to the state itself, they may also produce private goods for individuals. The most direct form of private good would occur where there is little distinction between public finances and the private finances of the ruling group in a country. A second form of private good is the added power and prestige derived from augmenting the resources of the state, even when the actions of the state may not be perfectly in accord with the preferences of any individual within that state. Finally, the state may seek rents because of the opportunities created for indulging in “X-inefficiency” – managerial inefficiency and discretionary behavior that results in private rents extracted in the form of overemployment, leisure, excessive salaries, and other unproductive factors which raise the social cost of government.”

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reconhecer que este não é somente rent seeker e tampouco puramente gerencial, como argumentam Garoupa e Klerman 142:

A maioria dos governos não é nem puramente rent seeker nem puramente maximizadora do bem-estar social. Um governo geralmente combina tanto os objetivos de bem-estar quanto de rent seeking. Mesmo um governo que apenas maximiza suas rendas pode adotar políticas para otimizar o bem-estar social para aumentar tributos ou reter poder. Por outro lado, até mesmo governantes com espírito público importam-se com seus próprios salários e regalias. Nós chamas os governos preocupados tanto com o bem-estar social como com rendas "governos mistos." Pode-se pensar que um governo misto é o resultado de uma disputa entre dois grupos, um que pende para a maximização do bem-estar social e outro que pende para a maximização de rendas.

Em suma, como explicitado acima, o rent seeking não é uma atividade que gera ganhos socioeconômicos, pois simplesmente transfere rendas de um setor da sociedade para outro, desperdiçando recursos que poderiam ser investidos para a geração de rendas. Este já é um problema em relação ao setor privado, por conta da ineficiência da alocação de recursos. A questão ganha maiores dimensões com o rent seeking público, pois a ineficiência e os custos são incorridos pelo orçamento público, prejudicando a sociedade como um todo.

4.4. Rent Seeking e Tributação

Diante das implicações negativas que o rent seeking público possui, considerável atenção deve ser dada ao tema, de forma a mitigar o problema da competição por renda dentro da Administração Pública. Nesse sentido, deve-se analisar a forma na qual tal competição poderia ocorrer dentro do ambiente público para que posteriormente possam se imaginar formas para resolver ou diminuir a ineficiência na utilização dos recursos públicos 143. Uma das formas mais aparentes de rent-seeking público pode justamente ser a tributação, em menor ou maior grau. O sistema tributário de um país tem o condão de 142

GAROUPA, Nuno; KLERMAN, Daniel. Optimal Law Enforcement with a Rent-Seeking Government. American Law and Economics Review, v. 4, n. 1, 2002, p. 126. Tradução livre do autor: "Most governments are neither purely rent seeking nor purely social welfare maximizing. A government usually combines both social welfare objectives and rent-seeking objectives. Even a government that was only maximizing its rents might adopt policies to enhance social welfare in order to increase taxes or retain power. Conversely, even public-spirited rulers care about their own salaries and perks. We call governments concerned about both social welfare and rents "mixed governments." One can also think of a mixed government as the outcome of a contest between two groups, one that favors maximizing social welfare and another that favors maximizing rents." 143 Isso porque, como visto acima, a teoria do rent seeking evoluiu para uma teoria normativa, que busca mitigar a competição custosa por rendas.

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transferir rendas do setor privado para o setor público, tendo essa transferência custos relevantes para a sociedade. Tais custos, em essência, existiriam por causa do custo de recolhimento do tributo - tanto para o setor público, que deve fiscalizar e arrecadar, quanto para o setor privado, que deve cumprir com as obrigações acessórias. A competição dá-se justamente entre a Administração Pública/Autoridade Fiscal, que deseja arrecadar o máximo possível dentro dos padrões legais, e o setor privado/contribuinte, que, ao contrário, deseja a maior economia de tributo possível. Quanto à atividade de tributação, observe-se a lição de Murphy et al. 144:

O rent seeking público está tanto na redistribuição do setor privado para o Estado, como por meio da tributação, quanto na redistribuição do setor privado para os burocratas governamentais que afetam a riqueza do setor privado. Esta última forma de rent seeking pode ser dar por meio de lobbying, corrupção etc.

Nos moldes acima descritos, a tributação toma a forma de um rent seeking "aceitável", uma vez que as ineficiências e a competição geradas pela arrecadação tributária são intrínsecas ao sistema tributário - necessariamente o Estado precisa de recursos do setor privado para financiar o gasto público, e cada parte da relação tentará maximizar os ganhos/minimizar as perdas. Ocorre que, conforme foi argumentado acima, boa parte dos Estados não se preocupa apenas com a maximização do bem-estar social, mas tenta captar recursos para si mesma, seja por conta de corrupção, prestígio ou ineficiência gerencial pública. Por conta desse cenário em que o próprio Estado seria um agente rent seeker, ter-se-ia, então, um panorama mais favorável à ocorrência de uma forma mais agressiva de competição de rendas por meio da tributação. O setor público buscaria arrecadar mais do que o necessário para o custeio das necessidades públicas legítimas, uma vez que além destas, teria de custear ainda a deficiência (moral ou gerencial) de seus próprios burocratas. Esta atitude prejudicaria a economia do país como um todo, visto que, como observado na introdução, a tributação reflete um componente relevante nos custos das empresas - que, em última instância, é repassado diretamente ao cidadão/pessoa física no

144

MURPHY, Kevin M. et. al. Why is Rent-Seeking So Costly to Growth? The American Economic Review, v. 83, n. 2, mai/93, p. 412. Tradução livre do autor: "Public rent-seeking is either redistribution from the private sector to the state, such as taxation, or alternatively from the private sector to the government bureaucrats who affect the fortunes of the private sector. The latter kind of public rent-seeking takes the form of lobbying, corruption and so on."

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maior preço praticado no mercado. Ademais, como o Estado rent seeker buscaria uma maior carga tributária para financiar seus gastos, o setor privado deveria ser mais produtivo se quisesse manter um determinado nível de renda - o que nem sempre é possível, tendo em vista fatores de capacitação humana, recursos tecnológicos, gastos trabalhistas etc. Por fim, deve-se lembrar ainda que as empresas não conseguem repassar absolutamente todos os custos tributários para os consumidores, pois estes começariam a deixar de consumir determinados produtos que atingissem um patamar mínimo de preço. Um Estado que possua orientações de rent seeking deve, assim, tentar maximizar a arrecadação tributária de várias maneiras possíveis. Muitas vezes, a forma mais fácil de se realizar um aumento da carga tributária - o aumento de alíquotas nominais dos tributos - não pode ser utilizada de forma excessiva pois compromete a opinião pública a respeito do governo. Portanto, um governo rent seeker, além de comprometer o bom funcionamento da economia, ainda pode tentar efetuar o aumento da carga tributária real por meio de alguns artifícios, dificultando o acesso à informação para os contribuintes/cidadãos. É o que mostra Conybeare 145:

A evidência colacionada neste artigo apoia uma das previsões derivada da extensão da hipótese de um comportamento rent seeking do Estado em relação aos recursos quer pode extrair dos cidadãos: o Estado rent seeking irá tentar diversificar sua base tributária 146, aumentando sua arrecadação tributária como resultado da vantagem da diversificação do portfólio e da ilusão fiscal 147 sobre os contribuintes.

Obviamente, os contribuintes que possuam maior informação sobre a atitude do Estado perante esta pressão por maior arrecadação farão o possível para contrabalancear a situação. Quanto maior for a pressão tributária sobre os custos privados, maior será o incentivo para se buscar formas de burlar a fiscalização da Administração Pública - isto é, 145

CONYBEARE, op. cit., p. 42. Tradução livre do autor: "The evidence provided in this paper supports one of the testable predictions that is derived from the extension of the hypothesis of rent-seeking to the behavior of the state with respect to the resources that it can extract from citizens: the rent-seeking state will attempt to diversify its tax base, raising its tax revenues as a result of the advantage of portfolio diversification and fiscal illusion on the part of taxpayers." 146 Do original "tax base". Optou-se por traduzir a expressão como "base tributária" e não "base tributável", pois a primeira expressão expressa melhor a expansão da tributação sobre várias formas de riqueza/manifestação contributiva, e não apenas a maior tributação sobre os mesmos tipos de riqueza. 147 Ilusão Fiscal, segundo o autor, "(...) existe quando os votantes são menos resistente a um certo tipo de arrecadação tributária imposta sobre uma maior, ao invés de menor, base de contribuintes; assim, o Estado que busca maximizar as rendas tributárias encontrará menor resistência se perseguir uma estratégia de diversificação da base tributária." Idem, p. 30. Tradução livre do autor: "Fiscal illusion exists when voters are less resistant to any given tax revenue collection if it is collected on a larger rather than a smaller number of individual tax bases; thus, the tax-maximizing state will encounter less resistance if it pursues a strategy of tax diversification."

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maior será a demanda por formas de planejamento tributário 148 que busquem mitigar o impacto tributário sobre os contribuintes. Neste sentido, o rent seeking público, ao buscar uma maior carga tributária, incentiva também outra forma de rent seeking, desta vez privada: o próprio planejamento tributário. As estruturas criadas pelos contribuintes para diminuir a carga tributária sobre suas manifestações econômicas pode ser um claro exemplo de rent seeking. Como na teoria clássica, o comportamento do contribuinte é motivado por uma atitude do Estado, isto é, a de cobrança de tributos, seja excessiva ou não. Também como na teoria, há transferência de renda de um setor da sociedade (basicamente, de todos os cidadãos que seriam beneficiados pelos recursos públicos arrecadados) para outro (os contribuintes que têm sucesso na diminuição de sua carga tributária. Finalmente, também há o aspecto de que tal transferência tem um relevante dispêndio de recursos, sendo os custos dos contribuintes com advogados e os gastos com a litigância - tanto da parte da Autoridade Fiscal quanto dos contribuintes - os mais relevantes. Observe-se, nesse sentido, a lição de Curry et al. 149:

Dado que os contribuintes agem desta maneira [tentando minimizar a carga tributária sobre eles incidente], como o governo deveria proceder no desenho da sua política tributária? Primeiramente, nós lembramos que os esforços de planejamento tributário são na maior parte improdutivos, são atividades socialmente indesejadas. Quando as pessoas realizam planejamento tributário para reduzir sua carga tributária, elas não estão criando nova riqueza para a sociedade. Elas estão simplesmente colocando (ou deixando) em seus próprios bolsos um dinheiro que iria para outra pessoa (especificamente, o governo). Em termos econômicos, o planejamento tributário é uma forma de comportamento de rent seeking.

Isso quer dizer que quanto mais um Estado for agressivo na sua política de tributação (e fiscalização), maiores serão os incentivos para o setor privado engajar-se em formas de planejamento tributário. Em outras palavras, um Estado rent seeker, ao buscar financiamento para suas custear os gastos decorrentes de suas deficiências morais e gerenciais, induz mais

148

Não se discutirá, aqui, a diferença entre elisão e evasão tributária - ambas estão compreendidas, para o fim deste trabalho, na tentativa do contribuinte de diminuir sua carga tributária. 149 CURRY, Philip A. et. al. Creating Failures in the Market for Tax Planning. Legal Studies Research Paper Series, n. 07-07, p. 4. Tradução livre do autor: "Given that taxpayers will behave in this manner, how should the government proceed in designing tax policy? First, we not that tax planning efforts are for the most part unproductive, socially wasteful activities. When people engage in tax planning to reduce their tax burdens, they are not creating new wealth for the society. They are simply putting (or keeping) money in their own pockets that would have gone to somebody else (specifically, the government). In economic terms, tax planning is a form of rent seeking behavior."

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rent seeking, desta vez do setor privado, que tenta contrabalancear a excessiva tributação sobre suas manifestações econômicas. Ainda na lição de Curry et al. 150:

As pessoas irão procurar por novas brechas legais independentemente de as brechas atuais estarem cobertas pela fiscalização ou não, mas, tudo o mais constante, vão procurar com maior afinco quanto menor for a possibilidade de economia das brechas atuais. Assim, a quantidade de recursos desperdiçados com tal procura é diretamente afetado pelas decisões governamentais.

O ponto a ser ressaltado é o seguinte. A tributação é, em si, uma atividade de rent seeking, mas se for estabelecida com equilíbrio, com transparência dos objetivos de política tributária e com o devido balanceamento entre a menor intervenção possível na economia com as demandas do gasto social, os custos sociais intrínsecos à atividade tributária serão menores. Isso porque apesar dos custos de arrecadação e fiscalização serem relevantes, a reversão da correta e eficiente uso dos recursos públicos compensaria estes gastos. Por outro lado, em um Estado rent seeker, a balança tende a pender mais para os objetivos de arrecadação, comprometendo o funcionamento da economia sem necessariamente reverter os recursos para a sociedade. Ademais, como os esforços para efetuar uma maior arrecadação serão aumentados, os contribuintes também tender a aumentar a destinação de recursos para efetuar planejamentos tributários - outra forma de rent seeking. Por fim, verificando que os contribuintes estão desenvolvendo formas de burlar a arrecadação, mais uma vez o Estado tende a despender mais recursos em formas de otimizar a arrecadação - formando-se, assim um círculo vicioso, tal como já Krueger, uma das pioneiras da teoria, imaginava que aconteceria em atividades de rent seeking 151:

(...) um "círculo vicioso" político pode desenvolver-se. As pessoas podem perceber que o mecanismo de mercado não funciona em um sentido compatível com objetivos aprovados por causa do rent seeking competitivo. Um consenso político emerge portanto para intervir ainda mais no mercado, o rent seeking aumenta, e uma maior intervenção é o resultado.

150

Curry et. Al., op. cit., p. 5. Tradução livre do autor: "People will look for additional loopholes regardless of whether the existing loopholes are closed, but, all else equal, will look harder the smaller the possible tax savings are from existing loopholes. Thus, the amount of wasteful search efforts is directly affected by the government's decision." 151 KRUEGER, op. cit., p. 302. Tradução livre do autor: "(...) a political "vicious circle" may develop. People perceive that the market mechanism does not function in a way compatible with socially approved goals because of competitive rent seeking. A political consensus therefore emerges to intervene further in the market, rent seeking increases, and further intervention results."

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Apesar de não ter imaginado esse cenário para um rent seeking praticado por agentes públicos, o argumento da autora encaixa-se perfeitamente na analogia com a tributação. Pois aqui também as pessoas entendem que um mecanismo (a tributação) não funciona de forma com objetivos aprovados (o balanceamento entre o estímulo à economia e a saúde e robustez do orçamento público). A resultante é um consenso no setor público que uma maior intervenção (legislações e ações para coibir o planejamento tributário) é necessária, um maior rent seeking acontece (tanto do setor público em relação à arrecadação quanto do setor privado para evitá-la) e mais intervenções são pensadas. Não bastassem os efeitos socioeconômicos adversos advindos do rent seeking do Estado por meio da tributação, deve-se ainda considerar outro efeito deste círculo vicioso: uma vez estabelecida a estrutura pela qual o Estado consegue rendas, é muito difícil retirá-la. Isso porque qualquer agente que obtenha rendas desejará continuar com o benefício, e estará disposto a despender mais recursos na proteção de seu privilégio. Enrijece-se assim a estrutura de competição de rendas, com o Estado cada vez mais procurando proteger o benefício da maior arrecadação e o contribuinte cada vez mais tentando burlá-la. Em relação à permanência das estruturas de rent seeking, verifique-se o argumento de Tollison 152:

Uma vez que o conceito de rent seeking é introduzido, grandes dificuldades confrontam qualquer teoria de reforma econômica. A razão é simples - os afetados pela possível reforma (monopolistas e beneficiários de transferências em geral) irão despender recursos para resistir à mudança e para proteger suas rendas. Estes gastos de proteção das rendas são simplesmente análogos aos gastos rent seeking - eles são custos sociais assim como os gastos de rent seeking."

Assim, por todo o exposto, parece ser importante que considerações da teoria do rent seeking permeiem a discussão do modelo de política tributária adotado por um Estado. Pois, se este modelo distanciar-se do equilíbrio entre o estímulo da economia e a saúde e robustez do orçamento público, pode haver indícios de um comportamento rent seeker por parte do Estado, com todos os efeitos adversos acima identificados. É o que se verificará em relação a uma parte muito específica do sistema tributário brasileiro: a tributação dos lucros auferidos no exterior.

152

TOLLISON, op. cit., p. 78. Tradução livre do autor: "Once the concept of rent seeking has been introduced, great difficulties confront any theory of economic reform. The reason is simple - the objects of reform (monopolists and transfer recipients in general) will spend resources to resist reform and to protect their transfers. These rent-protecting expenditures are the simple analogues of rent-seeking expenditures - they are one-for-one social costs just as rent-seeking expenditures are."

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4.5. Rent Seeking, Estado e o Histórico de Patrimonialismo no Contexto Brasileiro

Antes de explicitar-se a aplicação específica da teoria do rent seeking sobre as normas de tributação dos lucros auferidos no exterior, deve-se abordar outra questão. Apesar de um contexto onde o Estado pratique operações que levam a problemas de rent seeking ser reconhecidamente um problema a ser enfrentado, pouco sentido faz debatê-lo em um contexto que o nível de tais atividades seja baixo. Em outras palavras, se o Estado em observação tiver um maior controle das ações de seus agentes públicos, de forma a direcioná-los para a aplicação de recursos voltada para o bem-estar social, pouca importância tem uma teoria do rent seeking público. Por outro lado, se fatores histórico-institucionais demonstram que setores dentro do Poder Público competem por rendas, utilizando os recursos públicos para benefício próprio, então a análise faz mais sentido. Em relação ao Brasil, país que importa a este trabalho, há indícios de que o rent seeking é sim um problema institucional, fazendo, portanto, sentido que seja aplicada a teoria ora discutida. O problema de apropriação de rendas por parte de setores públicos brasileiros é bem documentado na literatura nacional sociológico-política. Pelo menos dois grandes autores – Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro - dedicaram partes de suas principais obras – respectivamente, “Raízes do Brasil” e “Os Donos do Poder” – para analisar justamente a confusão existente entre o que é o patrimônio público e o privado no Brasil. Em última instância, tal confusão é justamente uma forma de rent seeking, pois representa a transferência de rendas do setor público para o privado, seja em forma de cargos assalariados no governo, isenções tributárias direcionadas a agentes econômicos relacionados ao Poder Público, e atendimento a lobbies de diferentes setores, sem mencionar formas mais diretas de corrupção. Esta transferência, claro, também tem seus custos sociais, pois faz com que recursos públicos deixem de ser aplicados no interesse do bem-estar social para utilizá-los em demandas privadas dos agentes de setores públicos (confusão entre o público e privado). E, mais do que isso, incentiva-se também o rent seeking público pois, se determinada parte do setor público deseja utilizar-se dos recursos do Estado para beneficiar entes privados, é necessário que o Estado retire ainda mais rendas da sociedade como um todo para financiar tanto as suas funções normais quanto os benefícios concedidos aos entes privados.

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Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, argumenta que desde sua formação nos tempos de colônia, o núcleo central que organizou o País constituiu-se em torno das famílias, em uma sociedade patriarcal. Isso que dizer que o chefe das famílias confundia-se com o chefe político regional, sem que houvesse uma congregação urbana em que diversos interesses fossem contrapostos. Segundo o autor 153:

No Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização - que não resulta unicamente do crescimento das cidades, mas também do crescimento dos meios de comunicação, atraindo vastas áreas rurais para a esfera de influência das cidades - ia acarretar um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje.

Este ambiente seria pouco propício ao desenvolvimento de uma comunidade política separada do ambiente familiar/privado. Uma vez que os destinos políticos da nação estavam atrelados aos chefes familiares, foi inevitável que estes levassem em conta questões privadas nas decisões políticas locais. Foi desse contexto que surgiu o funcionário patrimonial, nas palavras do autor:

Não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público. Assim, eles se caracterizam justamente pelo que separa o funcionário "patrimonial" do puro burocrata conforme a definição de Max Weber. Para o funcionário "patrimonial", a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais do funcionário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático.

Assim, para o funcionário patrimonial que caracterizou o setor público brasileiro, os cargos públicos serviam não apenas para servir ao interesse dos cidadãos, mas sim ao próprio interesse particular. Ser parte do Estado significava ser titular de direitos antes de possuir obrigações. Como o âmbito familiar e particular tinha a primazia em relação ao ambiente público, as decisões políticas, que em um Estado puramente burocrático seriam impessoais,

153

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, Ed. Comemorativa 70 anos, 2006, p. 159.

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seriam no Brasil carregadas de vontades pessoais, motivadas por laços sanguíneos e de amizade, como argumenta Holanda 154:

No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos, foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. E um dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar - a esfera, por excelência dos chamados "contatos primários", dos laços de sangue e de coração está em que as relações que se criam na vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a sociedade em normas antiparticularistas.

O supramencionado autor não está sozinho nesta análise do patrimonialismo que caracteriza o setor público brasileiro. Raymundo Faoro, outro importante jurista e sociólogo brasileiro, identifica em sua obra “Os Donos do Poder” o que ele chama de “estamento burocrático” - justamente a mistura de nobreza e burguesia que conseguiu se infiltrar na burocracia estatal brasileira, dominando-a de forma a atender seus interesses privados. Partindo de uma observação histórica, Faoro identifica um estágio inicial do domínio patrimonial, que pouco a pouco se alia à burocracia estatal e utiliza os mecanismos do mercantilismo, à época da colônia, para benefício próprio 155:

A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade, se compreendem no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos casos extremos. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi.

E mais adiante 156:

Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituído pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e o privado, que, com o 154

HOLANDA, op. cit., p. 159 – 160. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. São Paulo: Globo, 3ª Ed., 2001, p. 819 156 FAORO, p. 823. 155

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aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com divisão de poderes, separando-se o setor fiscal do setor pessoal. O caminho burocrático do estamento, em passos entremeados de compromissos e transações, não desfigura a realidade fundamental, impenetrável às mudanças. O patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia.

Ocorre que, segundo o autor, esta confusão entre a esfera pública e privada não diminui, ao contrário, consolida-se ao longo do tempo. Mesmo no Estado da Era Vargas (último período da análise de Faoro), em que o governo teoricamente havia rompido com as velhas oligarquias que dominavam a política, o estamento burocrático continuou a dominar setores políticos brasileiros, uma vez que as reformas efetuadas (como a trabalhista) não tiveram o condão de alterar o status quo 157:

Será o tipo de Estado gerado pelas circunstâncias, mas moldado historicamente num leito permanente, embora transitoriamente obscurecido, que ensejará as reformas de maior profundidade, algumas alheias às diretas pressões da sociedade. Das peças lançadas, entre extravios e indecisões, formar-se-á o esquema autoritário de 1937. Obviamente, o modelo não será obra do capricho dos homens, da inspiração arbitrária dos governantes ou da fantasia dos utopistas. O poder estatal já se sentia em condições de comandar a economia – num regresso patrimonialista, insista-se -, com a formação de uma comunidade burocrática, mas de caráter estamental, superior e árbitro das classes. O primeiro passo dessa jornada será a disciplina social e jurídica do proletariado, com a fixação de seus direitos e seu capitaneamento governamental. As reivindicações operárias, antes de 1930, não conseguiram, apesar de leis votadas e não aplicadas, conquistar posição de barganha na sociedade, nem reconhecimento oficial.

Essa permanência do patrimonialismo teria, segundo Faoro, suas razões. Isso porque o estamento burocrático, para manter-se na condução das decisões políticas, saberia muito bem como lidar com os anseios da classe baixa, de forma a afagá-la sem perder, contudo, o poder sobre esta. As oposições são absorvidas pelo Estado patrimonialista, que consegue tornar o agente burocrático como o centro das pretensões de carreira e de serviços à Pátria 158:

O estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se, o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa. Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional. O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao aparelhamento estatal, não na empresa particular, no êxito dos negócios, nas contribuições à cultura, mas numa 157 158

Ibidem, p. 806 FAORO, op. cit., p. 831 – 832.

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ética confuciana do bom servidor, com carreira administrativa e curriculum vitae aprovado de cima para baixo.

Assim, tem-se dois diagnósticos muito parecidos acerca da formação do setor público brasileiro, o qual, por razões históricas, teria sempre muito tênue a distinção entre o patrimônio público e privado. Alguns pressupostos de Holanda e Faoro, é certo, são distintos. Uma das maiores diferenças entre os dois é justamente a origem do problema do patrimonialismo. Para Holanda, o núcleo familiar patriarcal seria decisivo na transposição das vontades da esfera privada para a púbica; para Faoro, porém, é o Estado que se monta ainda em Portugal, centrado na figura do Rei e dos privilégios, que cria sua própria estrutura patrimonial. Nesse sentido, tem-se a lição de Ricupero, que analisa o uso da estrutura weberiana nos dois autores 159:

Por outro lado, Faoro não é o primeiro cientista social brasileiro a se servir da análise weberiana. Antes dele, Sérgio Buarque de Holanda fez uso de categorias originalmente elaboradas pelo sociólogo alemão, chegando inclusive a falar na existência de patrimonialismo no Brasil. No entanto, como o próprio Faoro assinala, a maneira de o historiador paulista entender o patrimonialismo em seu livro de estréia ainda pertence fundamentalmente a outro momento do pensamento social e político brasileiro, aquele que insistia na influência do patriarcalismo na formação da sociedade brasileira. Ou melhor, Holanda vê o comportamento do funcionário patrimonial como uma extensão, em direção a outras esferas, das práticas prevalecentes na família patriarcal, o que caracterizaria uma "invasão do público pelo privado.". A forma de Os donos do poder interpretar o patrimonialismo é, porém, diferente e até oposta à de Raízes do Brasil. Para Faoro, o dominante no Brasil não é o ambiente doméstico, onde se desenvolve o patriarcalismo, mas o estatal, com o qual está relacionado o patrimonialismo.

Independentemente da origem do patrimonialismo, contudo, o fato é que as duas obras convergem para demonstrar que no Estado brasileiro existe uma tendência histórica do setor público de tratar a coisa pública como se privada fosse. Certo é que a análise histórica dos dois autores é interrompida antes da década de 1950. Porém, como argumentado em “Os Donos do Poder”, o estamento burocrático é moldável às pressões sociais, atendendo-as sem, contudo, deixar de controlá-las. Ademais, como lembram Abrucio e Loureiro, até recentemente, no período do último Regime Militar brasileiro (1964 – 1985), o setor

159

RICUPERO, Bernardo. Sete Lições sobre as Interpretações do Brasil. São Paulo: Alameda, 2008, p. 168 – 169.

103

burocrático público exercia forte influência sobre a relação entre a máquina estatal e o setor empresarial 160:

O insulamento dos burocratas geralmente potencializa a criação de redes não controláveis ou mesmo espúrias entre o Estado e os interesses econômicos, sem que isso seja visível para o público. Durante o regime militar brasileiro, ocorreu o fenômeno denominado por Fernando Henrique Cardoso de “anéis burocráticos”: o enfraquecimento do Congresso, das oposições e, por conseguinte, da capacidade de a população fiscalizar o Poder Público, favoreceu a constituição de relações diretas e sem nenhuma transparência entre grupos empresariais e os ministérios. Isso se repete em vários países autoritários ou com instituições democráticas frágeis, levando ao incremento da corrupção e do mau uso dos recursos públicos, numa espiral negativa que impede o desenvolvimento e mantém a miséria.

Silva, adotando também a teoria do rent seeking, argumenta a existência até hoje de estruturas de apropriação de rendas no Brasil, as quais servem para alimentar a confusão entre patrimônio público e privado 161:

No Brasil existe uma cisão entre o público e o privado no momento de produção do bem público, no sentido de que, como vimos anteriormente, o Estado serve-se da Economia, preservando os interesses rentistas do estamento burocrático e de seus agregados, independentemente da classe social - mas com a "arraia-miúda" excluída. Há, todavia, uma promiscuidade entre o público e o privado no momento em que se discutem as próprias decisões de políticas públicas. Tal cisão é conveniente, num certo sentido, entre o público e o privado, assim como a promiscuidade entre tais esferas também o é.

Em suma, todas as evidências apontam para o fato que o Brasil possui, em maior ou menor grau, dentro de sua burocracia, setores que conduzem a ação do Estado para sustentar seus gastos e até mesmo as vontades de certos setores da burocracia pública que, por sua vez, concedem benefícios (legais e ilegais) a entes privados. A confusão entre o patrimônio público com o privado certamente dá fortes indícios para a existência de um rent seeking público no Brasil. Na verdade, o patrimonialismo enseja um duplo problema de rent seeking, pois as transferências do setor público para o privado tendem a ser custeados, anteriormente, por uma atitude extrativista (rent seeker) do Estado em relação à sociedade como um todo.

160

ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In: BIDERMAN, Ciro; ARVATE, Paulo (Org.). Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 78. 161 SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves da. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 123.

104

Neste contexto as duas características fundamentais do rent seeking público estão presentes: (i) a transferência de renda do setor privado para o setor público; e (ii) o custo social decorrente desta transferência, qual seja, o desperdício de recursos na corrupção e no custeio de atividades improdutivas que não geram ganhos econômicos em geral. Desta forma, torna-se útil uma aplicação da teoria do rent seeking sobre as ações da Administração Pública brasileira, bem como sobre as legislações promulgadas pelo Congresso Nacional, que afetam o comportamento dos agentes econômicos. E, sendo a atividade tributária uma das intervenções do Estado que possibilitariam a concentração de rendas para o setor público, torna-se importante realizar a sua análise sob a ótica da teoria ora proposta.

4.6. A Teoria do Rent Seeking e os Efeitos das Opções Legislativas de Tributação dos Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior já Adotadas pelo Brasil

Após a exposição da teoria do rent seeking, do rent seeking público e da sua aplicabilidade no contexto brasileiro, pode-se então empregá-las para investigar uma das atividades que mais podem transferir rendas do setor privado para o Estado, qual seja, a tributação. No que interessa a este trabalho, deseja-se investigar até que ponto as opções legislativas para a tributação dos lucros auferidos no exterior já adotadas pelo Brasil podem gerar rent seeking, tanto pelo setor público quanto pelo privado.

4.6.1. Implicações do Regime da IN nº 38/96 e da Lei nº 9.532/97 – Diferimento Completo da Tributação

Como exposto acima, o regime brasileiro variou, desde a introdução do princípio da universalidade, entre duas formas de tributação muito distintas: (i) a tributação diferida para o momento em que houvesse um ato que efetivamente disponibilizasse os rendimentos auferidos no exterior para a sociedade controladora ou coligada no Brasil (regime da IN nº 38/96 e da Lei nº 9.532/97); ou (ii) a tributação por distribuição automática dos lucros, para a controladora ou coligada no Brasil, na data em que tiverem sido apurados no balanço da controlada ou coligada no exterior (regime da Lei nº 9.249/95 e da MP nº 2.158-35/01).

105

A primeira opção, o diferimento completo da tributação, em princípio não causa nenhuma implicação relativa ao rent seeking do setor público. Isso porque o diferimento tem o condão de postergar a tributação, isto é, a Autoridade Fiscal fica impedida de cobrar o IRPJ e a CSLL até que haja um ato formal da sociedade controlada ou coligada no exterior que coloque à disposição da controladora ou coligada no Brasil os lucros auferidos no exterior. Em relação ao interesse de arrecadação, portanto, esta não é uma opção legislativa interessante e nada pode ser dito em relação a um possível rent seeking público. Ocorre, entretanto, que o regime da Lei nº 9.532/97 pode incentivar o rent seeking do setor privado. O motivo é simples: o diferimento completo pode estimular uma atitude agressiva de planejamento tributário que dificulte ou até impeça a tributação dos rendimentos auferidos no exterior. Para escapar da tributação, basta que a sociedade controlada ou coligada no exterior não distribua os seus lucros para a sociedade brasileira, represando-os fora do Brasil, podendo ainda reinvesti-los em outras atividades. Ademais, a sociedade constituída no exterior pode se localizar em país de baixa tributação (ou até mesmo em paraísos fiscais), o que possibilitaria ao grupo empresarial uma economia de tributos considerável. O problema está naquelas situações em que a estrutura empresarial criada no exterior serve o maior propósito de evadir a tributação, sem qualquer propósito negocial. Assim, para uma sociedade brasileira que poderia auferir rendimentos passivos tais como juros, aluguéis, royalties etc. diretamente, basta interpor uma sociedade holding em país de baixa tributação para que esta aufira nominalmente tais rendimentos. Assim, não apenas a sociedade empresarial evitaria a tributação dos rendimentos no Brasil como se beneficiaria da baixa tributação do país em que constituir a holding. Configura-se, assim, uma situação de rent seeking privado, ocorrendo a transferência de renda do setor privado nacional (pois os investimentos partiram da economia brasileira) para os setores privados (empresas beneficiárias dos investimentos) e públicos (países que tributam os investimento, mesmo que a alíquotas baixas) de outros países. Ademais, existem custos econômicos desperdiçados com os gastos com advogados para estruturar o planejamento tributário. O maior custo, entretanto, é o custo social, pois o Estado Brasileiro, nesta hipótese, não teria nenhum benefício (nenhuma arrecadação) mesmo que tenha contribuído para que seu contribuinte explorasse mercados internacionais – e mesmo diante da previsão do princípio da universalidade. Ora, a transferência de rendas com custos para sociedade é justamente o que caracteriza um rent seeking em sua forma clássica. Portanto, há

106

razões socioeconômicas para não adotar este tipo de modelo legislativo de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior. Não por outra razão, é muito difícil achar um regime que proponha a tributação universal e que ao mesmo tempo preveja o diferimento completo, sem qualquer tipo de norma antielisiva. É justamente por conta disso que existem as regras CFC, que possibilitam ao Estado de residência dos sócios investidores a tributação em casos nos quais a estrutura criada pelo contribuinte não justifique o diferimento da tributação. O diferimento não se justificaria principalmente quando o contribuinte só deixou de auferir o rendimento por si próprio por conta da interposição, geralmente em paraísos fiscais, de holding que possa auferir rendimentos em seu lugar, não havendo qualquer propósito negocial para sua existência. Veja-se, nesse sentido, a opinião de Godoi 162:

Mesmo os autores que criticam determinados aspectos do regime de transparência fiscal internacional (como sua problemática compatibilidade com as convenções bilaterais para evitar a bitributação da renda) reconhecem que, nos dias atuais, seria impensável um sistema fiscal nacional que abrisse mão daquele regime. Daniel Sandler observa que a crescente mobilidade do capital faz com que os residentes de um país tenham cada vez mais facilidade no sentido de escapar à tributação do imposto de renda. Por isso conclui o citado autor: “que tal legislação (transparência fiscal internacional) seja um elemento necessário da legislação do imposto de renda não se discute”.

Enfim, não se encontra facilmente na doutrina o entendimento de que o regime de tributação universal deve coexistir com uma regra de diferimento absoluto. Haveria, nesta hipótese, um claro problema de rent seeking privado, em que os contribuintes aproveitam-se da legislação tributária aprovada pelo Estado para transferir rendas da sociedade nacional para seus negócios dentro e fora do País. Tal transferência não se dá, porém, sem acarretar à sociedade custos importantes, pois recursos econômicos são desperdiçados com a estruturação do planejamento tributário (e, possivelmente, com lobbies para manter este benefício no Congresso), e, principalmente, recursos que seriam revertidos para a sociedade como um todo (em decorrência da tributação) são desviados para benefícios majoritariamente privados.

4.6.2. Implicações do Regime da Lei nº 9.249/95 e da MP nº 2.158-35/01 – Tributação pela Distribuição Automática dos Lucros 162

GODOI, Marciano Seabra de. O Imposto de Renda e os Lucros Auferidos no Exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 6, 2002, p. 286.

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Em contraposição ao regime acima descrito, tem-se o sistema atual de tributação dos lucros auferidos no exterior: a tributação por disponibilização automática na data em que tiverem sido apurados no balanço da controlada ou coligada no exterior. Esta opção legislativa, em um primeiro momento, parece resolver o problema do rent seeking privado, pois não permite, em qualquer hipótese, o diferimento do imposto a ser pago por conta dos lucros auferidos no exterior. Neste sentido, pouca diferença faz represar tais lucros no exterior, uma vez que eles serão considerados disponibilizados independentemente de um ato concreto de disponibilização da sociedade controlada ou coligada no exterior. Este regime, portanto, mitiga o problema de rent seeking privado uma vez que dificulta a transferência de renda global nacional (que potencialmente seria arrecadada) para parte do setor privado e estrangeiro que antes se beneficiava do diferimento. Porém, este sistema de tributação por distribuição automática dos lucros pode gerar outro tipo de rent seeking, qual seja, o público. Isto ocorreria caso a Administração Pública desse pouca atenção ao equilíbrio entre estímulo à economia privada, de um lado, e saúde e robustez do orçamento público, do outro, privilegiando este último em detrimento do primeiro. Pois, mesmo supondo-se que este sistema seja perfeitamente constitucional, seus efeitos socioeconômicos podem ser negativos de um ponto de vista da teoria do rent seeking. Ao contrário do sistema de diferimento completo, em que é relativamente fácil provar a existência de um tipo de rent seeking (privado) e que, portanto, a regra não é desejável de um ponto de vista de política tributária, não há como provar de forma contundente a existência de um problema de rent seeking público no sistema trazido pelo regime Lei nº 9.249/95 e da MP nº 2.158-35/01. Mas existem vários indícios que, no mínimo, devem ser trazidos à discussão. O primeiro indício que indica a possibilidade de rent seeking é justamente a percepção de que o Estado brasileiro é rent seeker. Historicamente, como se mostrou com Holanda, Faoro, Ricupero e Silva, a estrutura burocrática brasileira possuiu características parasitárias em relação ao resto da sociedade. Pouca distinção se fez entre o patrimônio público do privado, sendo que cargos, benefícios e até mesmo corrupção eram concedidos por motivações particulares em detrimento do próprio orçamento público. Nesse sentido, a tributação constitui ferramenta essencial para o Estado brasileiro com características rent seeker, pois constitui o principal instrumento de arrecadação para o

108

orçamento público (e, portanto, para a sua utilização pela burocracia estatal). Observe-se o argumento de Santi a respeito da utilização do sistema tributário (e de suas distorções) a favor da arrecadação para o Estado brasileiro 163:

O dilema Federal é elucidativo: o governo Dilma Rousseff conseguiu reduzir o crescimento das despesas para 2,3% nos 12 meses encerrados em novembro de 2011, resultado melhor que a alta de 9,4% do último ano da administração Lula. Contudo só foi possível atingir a meta fiscal graças ao aumento de 12,1% da receita de tributos no mesmo período e mediante a consolidação de novo recorde de arrecadação da Receita Federal: 23,5% do PIB. Ou seja, o principal avalista do cumprimento das metas fiscais do governo continua sendo os recordes de arrecadação da Receita Federal: a pergunta central é saber qual a natureza desses "recordes" e qual seu custo institucional (...) A situação descrita acima (...) revela grave problema institucional de desvio de finalidade do contencioso nacional contra os interesses e a política pública atual: vale a pena para o Estado patrocinar a criação de leis vagas, ambíguas e inconstitucionais e, em outro plano, incentivar autuações ilegais para, sem lei e pela via do auto de infração, garantir e implementar o aumento da arrecadação, em descompasso com a política pública desenvolvimentista do governo Dilma?

Portanto, existem indícios relevantes de que a tributação é utilizada, no Brasil, de forma por vezes excessiva para sustentar as ineficiências da Administração Pública e, possivelmente, a corrupção existente dentro das estruturas do Estado. Dentro deste contexto, causou considerável espanto a setores da sociedade nacional a regra (re)introduzida pela MP nº 2.158-35/01, estipulando a tributação por disponibilização automática dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior. Isso porque, como visto, esta disponibilização automática só era utilizada no resto do mundo como instrumento antielisivo, que combatia as práticas artificiais dos contribuintes cuja única motivação era obstar ao país de residência dos sócios a justa tributação dos rendimentos auferidos no exterior. Contudo, a referida Medida Provisória não distingue as operações com caráter artificial (geralmente cujos rendimentos advém de rendas passivas, auferidas por meio de sociedades holding constituídas em paraísos fiscais) das outras operações que contêm

163

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Tributação dos lucros de controladas e coligadas no exterior legalidade precária proposta por regulamentação provisória via MP reeditada 35 vezes (há mais de 10 anos), problema sistêmico que se confirma no placar de 5x5 no STF e nas decisões do STJ, expondo limites e conflitos entre direito e economia, e mobilizado pelo contencioso bilionário entre o Estado e as 10 maiores empresas brasileiras de capital aberto. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2012.

109

motivação negocial e que não são estruturadas para impedir a tributação brasileira em bases universais. Este sistema, inegavelmente, representa um fator de custo maior para as sociedades que auferem rendimentos no exterior por meio de controladas e coligadas, aumentando os gastos com IRPJ e CSLL em momento anterior da efetiva disponibilização dos lucros. Pode-se argumentar que, se as sociedades brasileiras não têm intuito de elidir a tributação, então não haveria maior fator de custo tributário, uma vez que tais rendimentos seriam tributados de qualquer forma uma vez que fossem repatriados (sendo, portanto, apenas uma questão de momento da tributação dos mesmos rendimentos), e isso ainda considerandose que o imposto pago no exterior serviria como crédito para compensar o imposto pago no Brasil de qualquer forma 164. Contudo, tal argumento pode servir apenas para (pouco) reduzir o referido maior custo tributário, mas não para eliminá-lo. Primeiramente porque, como já demonstrado, pagar um tributo em momento atual é mais custoso do que pagá-lo em momento posterior, porque o mesmo montante poderia ter sido reinvestido e ter dado rendimentos à empresa. Ademais, e talvez de forma mais importante, deve-se levar em conta a própria estrutura do grupo empresarial, pois dizer que os mesmos rendimentos seriam tributados em momento posterior é desconhecer a dinâmica negocial. Isso porque os lucros auferidos no exterior não ficarão separados à espera da distribuição para a sociedade brasileira; ao contrário, podem ter inúmeras destinações, e várias podem inclusive diminuir o montante que estaria disponível à sociedade brasileira. Dentre estas destinações estão, por exemplo, o pagamento de credores, a compensação de prejuízos anteriores, o emprego dos valores em investimentos de ativo fixo que darão retorno apenas no longo prazo, entre inúmeras outras hipóteses imagináveis. Ademais, atenção deve ser dada à potencial perda de competitividade das empresas brasileiras em relação aos seus concorrentes no exterior. Por exemplo, é possível que uma empresa brasileira possa buscar se instalar em um determinado país, constituindo por lá sociedade controlada, buscando incentivos fiscais específicos e completamente legais concedidos pelo Estado estrangeiro. Contudo, a regra de tributação pela distribuição automática teria o condão de neutralizar o benefício que tal empresa licitamente buscou, pois aquela parcela de tributo (isenta/reduzida) que ficou a salvo de cobrança da Autoridade Fiscal estrangeira será automaticamente cobrada pela Autoridade Fiscal brasileira, não existindo, 164

Por força do artigo 26 da Lei nº 9.249/95.

110

portanto, razão econômica para buscar o mercado estrangeiro. Observe-se a opinião de Musa 165:

É notório que as multinacionais brasileiras estão em um momento propício para a internacionalização, adquirindo ou estabelecendo empresas que operam no exterior. O efeito neutralizador do artigo 74 da Medida Provisória Nº 2.158 sobre eventuais incentivos fiscais obtidos no exterior é muito grave, pois a redução da carga tributária no exterior muitas vezes é essencial à viabilidade do negócio e à competição da empresa de capital aberto no cenário internacional. Os incentivos dados no exterior às empresas ali estabelecidas são concessões dos Estados estrangeiros, que não deveriam ser neutralizados através da tributação, no Brasil, independentemente de distribuição, dos lucros auferidos no exterior.

Ainda outro ponto a ser considerado é a comparação das linhas gerais do sistema brasileiro de tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior com os outros sistemas estrangeiros. Pois, como já foi mencionado, como o sistema brasileiro difere-se da grande maioria dos outros países – e representa maior custo tributário ao contribuinte brasileiro – tem-se de partida uma desvantagem competitiva entre a empresa brasileira e outra internacional, pelo menos no tocante ao regime de tributação ora analisado. Observe-se a lição de Schoueri 166:

A partir do momento em que o Brasil deixa de ser um país em desenvolvimento para tornar-se um player cada vez mais ativo no cenário internacional, novos desafios serão impostos ao nosso sistema tributário. Medidas tomadas por um país vizinho terão repercussão direta em nossa realidade: caso não haja contramedidas, estará comprometida a competitividade de nosso sistema. Nesse sentido, por exemplo, não há como o País tributar os não residentes, se os demais países não o tributam: caso tribute, os investimentos estarão comprometidos. Em tal cenário, a atual disciplina, no Brasil, da tributação dos lucros auferidos no exterior por controladas e coligadas de empresas brasileiras é triste exemplo de descompasso entre a legislação brasileira e os padrões internacionais – descompasso, este, que implica sérias consequências para a competitividade das empresas nacionais no cenário internacional.

Assim, têm-se dois elementos que podem caracterizar um rent seeking público: (i) a renda obtida pela onerosa tributação sobre lucros auferidos no exterior, cujos recursos alimentam o orçamento da Administração Pública; e (ii) renda esta que parte do setor privado, que, como visto acima, terá um relevante problema de custo tributário, bem como uma falta de competitividade em relação a seus pares estrangeiros. 165 166

MUSA, op. cit., p. 720 – 721. SCHOUERI, 2011. op. cit., p. 467.

111

Faltaria, ainda, para a plena caracterização de um problema de rent seeking público, demonstrar que esta política tributária não leva em conta o balanceamento entre incentivos à economia e saúde e robustez do orçamento público. Por fim, faltaria também demonstrar os custos sociais que esta transferência de rendas acarretaria. O primeiro ponto é crucial e não pode ser provado facilmente. Pois, afinal, falta o elemento que motiva o Brasil a realizar a tributação por meio da disponibilização automática dos lucros auferidos no exterior. Se houver alguma justificada razão específica que justifique a onerosidade sobre o investimento no estrangeiro, então os argumentos econômicos contra este modelo de tributação tornar-se-iam mais fracos. Seria necessário, então, discutir se tal modelo é necessário para arrecadar mais recursos para um determinado investimento social, de infraestrutura etc. Ou ainda se é interessante, de um ponto de vista de política econômica, que existam estímulos para a internacionalização das empresas nacionais. Imaginando-se ainda mais adiante, poder-se-ia discutir qual é o papel destas empresas no financiamento da sociedade brasileira, isto é, se, por seu maior poder econômico, seria justificado que contribuíssem mais para o desenvolvimento nacional. O que não é possível fazer, entretanto, é simplesmente justificar o sistema de tributação por distribuição automática dos lucros auferidos no exterior argumentando-se apenas que esta é uma norma antielisiva. Pois, como se demonstrou acima, é o modelo de CFC, nos moldes internacionais, que se presta verdadeiramente para um intuito antielisivo. Isso porque tal modelo só tende a tributar aqueles lucros auferidos dentro de um contexto em que a sociedade estrangeira tem por motivo principal impedir a incidência do Imposto de Renda do Estado de seus sócios. Isto é, a regra apenas se aplica em um contexto no qual a sociedade estrangeira só foi interposta para impedir que a sociedade matriz auferisse diretamente rendas que facilmente poderia ter auferido (as chamadas rendas passivas), podendo ainda beneficiar-se de uma tributação baixa por se localizar em um paraíso fiscal. Só nestes casos o chamado regime de Transparência Fiscal Internacional aplicar-se-ia, justificando-se o seu caráter antielisivo. Ressalte-se: se o sistema brasileiro não tem como única pretensão ser antielisivo, poderia então ser justificado em outras bases socioeconômicas ou mesmo político-ideológicas. Mas apenas como um regime antielisivo, não é possível fazer tal justificação. Apesar disso, é justamente a necessidade de se ter uma regra antielisiva que, aparentemente, motivou a

112

introdução do artigo 43, §2º, do CTN - justamente o dispositivo que antecedeu a promulgação do contestado artigo 74 da MP 2.158-35/01. Corroborando este argumento, tem-se a lição de Santi 167:

Não se discutiu se o objetivo da inserção do § 2º ao artigo 43 do CTN pela LC 104 seria possibilitar o regime de tributação em bases universais, nem tampouco se tal fato seria desejável do ponto de vista econômico ou político. A inclusão desse dispositivo passou despercebida no processo legislativo e foi tratada como norma de combate à elisão fiscal, conforme demonstra o trecho do relatório do Deputado Antônio Cambraia, exposto na discussão em turno único do projeto na Câmara dos Deputados: Observe-se, porém, que a proposição acrescenta dois parágrafos, no art. 43, que talvez mereça ser acolhida. Os dois parágrafos objetivariam assumir o papel de norma antielisiva, ou seja, normas genéricas que pretendem evitar que o contribuinte com capacidade econômica de pagar o seu imposto dele escape mediante fórmulas engenhosas de fugir à caracterização do fato gerador do imposto. (grifado pelo autor)

Observe-se, também, que a regra da tributação por disponibilização automática dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior foi introduzida justamente por uma Medida Provisória 168, sem, portanto, a devida discussão democrática no foro do Congresso Nacional. Não se sabe, portanto os motivos oficiais e declarados da adoção deste regime específico de tributação. Assim, tem-se que o único indício oficial do motivo de adoção do sistema ora analisado foi justamente a introdução de uma regra antielisiva (relativo ao artigo 43, §2º, do CTN), o que não se sustenta, pelas razões acima mencionadas. Em suma, se o sistema brasileiro de regras de tributação dos lucros do exterior não fornece razões objetivas e suficientes para sua onerosidade (e ainda lembrando-se do histórico patrimonialista do Estado brasileiro), há fortes indícios que permitem prever a existência de um problema de rent seeking público, que transfere a renda dos contribuintes (empresas que possuem sociedades controladas e coligadas no exterior) para o Estado, este que, por sua vez, não justifica adequadamente o motivo pelo qual sua política onera de maneira considerável o investimento no exterior. Falta, por fim, demonstrar os custos socioeconômicos que tal transferência de rendas teria. Um dos tipos de custo já foi acima demonstrado – a perda de competitividade das empresas nacionais em relação aos seus pares estrangeiros.

167 168

SANTI, op. cit. A MP nº 2.158-35/01, em seu art. 74.

113

Para a consideração do outro tipo de custo, é conveniente lembrar da lição de Krueger, sobre o “círculo vicioso” que o rent seeking gera porque a população em geral perde a confiança no mecanismo de mercado em geral. Isto porque, neste caso, como a empresa brasileira que controla sociedades no exterior sente-se excessivamente onerada por mecanismos de tributação cada vez mais fechados, ela despenderá ainda mais recursos procurando brechas legais que permitam algum tipo de economia de tributos. O resultado é o enorme contencioso administrativo e judiciário existente sobre o tema. Como foi mencionado no capítulo 3, não foram poucos os autores que se debruçaram sobre todas as controvérsias jurídicas suscitadas pela legislação ora em análise. E, claro, o tempo de todos estes juristas tem um custo. Igualmente custosos são o tempo e os recursos gastos pelo pelos outros tribunais competentes para julgar a matéria em uma discussão que perdura por mais de dez anos sem que qualquer consenso tenha sido atingido. Ora, todo esse custo do contencioso é arcado em última instância pela sociedade brasileira de duas formas: (i) diretamente pelo setor privado, que é obrigado a custear advogado e gastar recursos que poderiam ser direcionados para atividades produtivas; e (ii) indiretamente por toda a sociedade, quando o Estado custeia os tribunais envolvidos nestes processos e poderia também ter empregado tais recursos em gastos mais produtivos e eficientes. Em relação aos gastos com o contencioso, veja-se a lição de Santi, que comenta justamente sobre o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 169:

O que se vê, especialmente no art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/01 ("MP 2.158"), é flagrante desrespeito aos diretivos da LC 95/98, em que se abusa da criação de novas materialidades pelo insólito expediente das ficções e presunções. Tudo isso está inserto num cenário de omissão sobre os critérios interpretativos da legislação tributária, obrigatoriedade de o contribuinte antecipar sua interpretação pelo pagamento espontâneo do tributo via lançamento por homologação, falta de transparência das decisões da DRJs em nome do direito ao sigilo do contribuinte, falta de publicidade ao inteiro teor das consultas fiscais e o pragmático princípio de "na dúvida, autuar para ver o que vai dar", que funciona como a moderna espada fiscal de Dâmocles sobre a cabeça dos auditores fiscais. Assim, na dúvida, a autoridade fiscal, coagido pela afiada espada sobre sua cabeça, lavra o auto de infração dando início ao procedimento de constituição do crédito tributário e ao contencioso administrativo, mas constituindo desde logo crédito tributário sujeito à presunção de validade e de legitimidade que dá origem ao que podemos chamar de indústria do contencioso tributário nacional, abertamente promovida pelo "incentivo fiscal ao contencioso tributário", formalizado pela Lei nº 9.703/98 que autoriza a transferência automática dos depósitos judiciais para a conta única do Tesouro Nacional.

169

SANTI, op. cit.

114

Concluindo esta seção: enquanto não se pode afirmar categoricamente a existência de um rent seeking público derivado do regime da Lei nº 9.249/95 e da MP nº 2.158-35/01, existem fortes indícios para afirmar que o Estado está sim transferindo de forma desbalanceada rendas do setor privado para custear sua burocracia, gerando custos sociais relevante e pouco justificados.

4.7. A Teoria do Rent Seeking e os Efeitos das Interpretações dadas às Controvérsias Jurídicas do Regime da Tributação dos Lucros Auferidos por Sociedades Controladas e Coligadas no Exterior.

Diante das perplexidades jurídicas trazidas pelo regime brasileiro de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior, natural foi a existência das mais diversas opiniões sobre a constitucionalidade e legalidade de tal sistema, tal qual demonstrado no capítulo 3. Ocorre que as interpretações, também, que tentam dar sentido ao sistema podem ter consequências adversas de um ponto de vista do rent seeking. Isso porque são as interpretações jurídicas, e não o simples texto de lei, que dão efeitos concretos às normas. E, desta forma, uma análise do regime de tributação ora questionado não seria completa sem a consideração dos seus efeitos diante de uma teoria do rent seeking. É o que se passa a fazer.

4.7.1. A Natureza Geral do Sistema e a Regra do Art. 43, §2º, do CTN

As controvérsias iniciam-se ainda em relação à própria natureza do regime brasileiro de tributação dos lucros das sociedades controladas e coligadas no exterior. Isto é, as discussões versam sobre: (i) se o regime brasileiro é CFC ou não; e (ii) que tipo de manifestação econômica o artigo 74 da MP 2.158-35/01 tributa. O primeiro ponto, apesar de não ser muito relevante para solucionar questões jurídicas, é importante na análise em questão. Pois é pelo exercício de caracterização o regime brasileiro como CFC que se pode extrair algum tipo de justificativa para sua onerosidade. Em outras palavras, se o regime fosse de caráter antielisivo (como as regras CFC em sua forma tradicional), então qualquer operação que não tivesse caráter elisivo não deveria ser tributada.

115

Assim, a interpretação de que as regras brasileiras constituem um regime de CFC “mais agressivo” pode servir de crítica ao atual modelo de tributação por distribuição automática, tendo em vista que este sistema não distingue os tipos de renda auferidos no exterior e tampouco o lugar onde esta foi auferida. Isto é, esta interpretação pode servir à crítica do atual regime brasileiro como problemático de um ponto de vista do rent seeking público. Por outro lado, na hipótese de se considerar o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 como corolário do regime da tributação em bases universais, o argumento tende a defender o atual sistema brasileiro. Nesse sentido, tal interpretação teria um ônus de provar que este tipo de tributação, não sendo antielisiva, não gera problemas de rent seeking público, apesar das adversidades econômicas acima descritas. Ou seja, esta interpretação, por mais que possa ser correta de um ponto jurídico, deveria ser considerada com cuidado considerável justamente por conta da onerosidade sobre as empresas brasileiras que investem no exterior por meio de sociedades controladas e coligadas. A questão do balanceamento entre incentivo à economia e a saúde e robustez do orçamento, de um ponto de vista de política tributária, fica mais delicada neste entendimento. Oposição parecida pode ser estabelecida em relação ao segundo ponto, qual seja, que tipo de riqueza está se tributando com o artigo 74 da MP 2.158-35/01. Ponto conexo é saber qual é o alcance do artigo 43, §2º, do CTN – se este excepciona o caput, possibilitando a tributação de um tipo diferente de disponibilidade, ou se, ao contrário, complementa o caput, ficando sujeito ao mesmo conceito de disponibilidade disposto na cabeça do artigo. Analisando-se as questões jurídicas dadas ao artigo 43, §2º, do CTN, tem-se primeiramente a posição que julga o dispositivo constitucional e que o mesmo teria criado uma exceção ao caput, de forma a possibilitar ao legislador ordinário a regulamentação de uma "disponibilidade diferente" para os rendimentos auferidos no exterior. Esta posição favorece aquela situação de rent seeking público acima descrita, pois concederia ao legislador ordinário a possibilidade de legislar sobre a própria materialidade de uma incidência do IRPJ e da CSLL – e isso sem justificativas de política tributária. Isto é, o legislador ordinário poderia manipular o conceito de disponibilidade para tributar rendimentos auferidos no exterior que não poderiam ser atingidos se a regra de disponibilidade do caput fosse aplicada. Assim, haveria uma justificativa a mais para a tributação por disponibilização automática, com todos os efeitos adversos que esta pode ter.

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Por outro lado, considerar o artigo 43, §2º, do CTN, constitucional, mas tendo apenas complementado o caput, tende a levar ao resultado oposto - isto é, à oposição da tributação por disponibilização automática. Isso porque, se o parágrafo 2º não excepciona o caput, o legislador ordinário estaria muito mais restrito para determinar tão somente o momento da disponibilização dos lucros auferidos no exterior, isto é, quando, dentro de certos limites, o ato concreto de disponibilização aconteceu - mas ainda assim, este permanece essencial. Esta interpretação não se coadunaria bem com a tributação por disponibilização automática e, portanto, serviria para mitigar o potencial problema de rent seeking público que esta traria. Por fim, considerar o artigo 43, §2º, do CTN, inconstitucional por conter em si uma flexibilização indevida do conceito de disponibilização não autorizada pelo conceito constitucional de renda pode ser problemático de um ponto de vista do rent seeking privado. Isso porque, se não é possível criar regras especiais sobre os lucros auferidos no exterior, criase um cenário favorável ao panorama do diferimento completo, sem a aplicação de qualquer regra antielisiva. Tal cenário, como visto, carrega consigo efeitos econômicos indesejados, pois não controla as estruturas artificiais criadas pelos contribuintes para fugir da tributação do país de origem dos sócios.

4.7.2. A Natureza do Artigo 74 da MP 2.158-35/01 e sua Constitucionalidade

Passando para a análise do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, distinguem-se várias opiniões opostas. Primeiramente, tem-se aqueles que consideram que este dispositivo tributa os próprios lucros auferidos no exterior pela sociedade controlada e coligada. Esta distribuição se daria por uma ficção legal, de forma que ou os próprios lucros seriam automaticamente imputados à sociedade brasileira, ou haveria uma “distribuição ficta de dividendos”. Seja como for, os adeptos dessa tese tendem a concluir pela inconstitucionalidade deste regime, pois, seja pela tese da imputação dos lucros ou pela distribuição ficta de dividendos, a regra seria contrária ao conceito constitucional de renda, o qual, em conjunção com o artigo 43 do CTN, prevê que a renda tributável é apenas a renda disponível (econômica ou jurídica). E, nesse contexto, a lei tributária estaria considerando disponível o que não é, pois somente quando a sociedade controlada ou coligada no exterior realiza um ato concreto tendente à disponibilização é que surgiria a competência tributária brasileira.

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Esta interpretação tenderia a resolver o problema do rent seeking público, pois impede a tributação por meio da distribuição automática de lucros. Contudo, se for levada ao extremo, pode gerar um problema de rent seeking privado, uma vez que, se a tributação for possível única e exclusivamente em casos em que há o ato concreto de disponibilização dos lucros auferidos no exterior, estaria aberto o caminho para os planejamentos tributários agressivos praticados pelos contribuintes. Um exemplo, dentro desta interpretação, que tenta mitigar este problema, é o de Schoueri 170:

Assim, conclui-se que, do ponto de vista do sistema tributário brasileiro, a constitucionalidade do referido artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35 fica condicionada à existência de disponibilidade, na data do balanço no qual sejam apurados os lucros de controladas ou coligadas no exterior. Se, no caso concreto, tiver o sócio, já naquela data, disponibilidade sobre os lucros auferidos (i.e., se puder lançar mão deles para o pagamento de tributo), então válida será a tributação. Inexistindo tal possibilidade (por exemplo, porque esta depende de uma efetiva distribuição, a ser decidida por Assembléia, ou porque a empresa possui prejuízos acumulados em monta suficiente para tornar impossível a distribuição de lucros), então também inconstitucional será a exigência do imposto.

Apesar de não contribuir para decidir contundentemente a constitucionalidade em abstrato da regra do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, esta interpretação reconhece a legitimidade da tributação em casos que o contribuinte brasileiro já detenha a disponibilidade – não apenas no caso clássico do ato concreto de disponibilização, mas também na hipótese das estruturas artificiais para auferir rendas passivas, localizadas preferencialmente em paraísos fiscais. A segunda grande linha de pensamento relativa ao supramencionado artigo 74 é aquela que o considera constitucional, uma vez que o dispositivo nada mais realizaria do que consagrar a própria tributação em bases universais. Nesse sentido, o que se estaria tributando é o acréscimo patrimonial que a sociedade controladora ou coligada no Brasil possui em decorrência (e na proporção) do seu investimento na controlada ou coligada no exterior. Esta interpretação mitiga o planejamento tributário agressivo que os contribuintes poderiam realizar, pois torna inútil as estruturas societárias criadas para represar lucros auferidos no exterior e assim o problema de rent seeking privado é tratado com maior cuidado. Contudo, esta linha de pensamento, ao permitir a tributação dos lucros auferidos no exterior em todo e qualquer caso, pode gerar o problema de rent seeking público, pois a 170

SCHOUERI (2003), op. cit., p. 328.

118

constitucionalidade do regime não resolve outro problema – qual é o objetivo da norma. Uma observação sobre o tema, entre os defensores desta linha, pode ser encontrada na obra de Saraiva Filho 171:

Considerando a lei que o elemento temporal do fato gerador do IR é levantamento do balanço contábil e a conseqüente apuração do lucro do exercício social da empresa, impede-se, que, por via potestativa da deliberação dos próprios contribuintes em detrimento do interesse público, venha se tornar bem sucedida a evasão fiscal ou a dissimulação da ocorrência do fato gerador do imposto ou da natureza dos elementos constitutivos da respectiva obrigação tributária (parágrafo único do art. 116 do CTN, acrescentado pela Lei Complementar nº 104/01). Interpretação em sentido contrário é que seria gravosa para o nosso País, além de submeter, repita-se, o exercício do seu direito de receber o tributo e, portanto, o interesse público, a uma condição potestativa dos contribuintes: a manifestação da vontade da sociedade e de seus integrantes, no sentido de liberar os rendimentos.

Verifica-se que esta justificativa de política tributária em defesa da constitucionalidade da regra do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 mais uma vez recorre à necessidade da existência de uma regra antielisiva. Entretanto, pelos motivos já expostos neste trabalho, esta regra pode ter qualquer justificativa, menos a de ser uma regra antielisiva. Ela teoricamente reveste-se desta característica pois efetivamente combate o problema de rent seeking privado, mas vai além, atingindo também as operações que não caracterizariam elisão fiscal. Assim, e mesmo que se considere esta norma constitucional, a justificativa de política tributária de antielisão não pode ser coerentemente alegada. Outras razões econômicas e políticas devem ser invocadas.

4.7.3. Os Tratados contra a Dupla Tributação e os Artigos 7º, 10 e 21

Por fim, considerações devem ser feitas a respeito das interpretações da compatibilidade dos TDTs com a regra do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Aqui também é possível vislumbrar problemas de rent seeking tanto privado quanto público. A linha interpretativa que considera a regra do artigo 74 como uma imputação dos próprios lucros auferidos pela sociedade controlada ou coligada no exterior à matriz brasileira tende a defender a aplicação do artigo 7º do Tratado Modelo caso tal sociedade esteja constituída em país com o qual o Brasil possui um TDT. Neste caso, estaria mitigado o 171

SARAIVA FILHO, op. cit., p. 38.

119

problema do rent seeking público, pois bastaria a controlada ou coligada ser estabelecida em país protegido por um TDT para evitar a regra de tributação por distribuição automática. Entretanto, tal interpretação não poderia ser absoluta, de forma a obstaculizar até mesmo a aplicação de uma regra antielisiva do tipo CFC. Pois, neste caso, abrir-se-ia uma oportunidade para que o contribuinte praticasse o chamado treaty shopping, isto é, utilizasse a proteção dos tratados para realizar estruturas societárias que claramente tenderiam à elisão fiscal. A respeito do treaty shopping, a lição de Panayi e Avi-Yonah 172:

Argumenta-se que o termo “treaty-shopping” originou-se nos Estados Unidos. A analogia foi feita com o termo “forum shopping”, que descrevia a situação no processo civil Americano no qual um litigante tentava “escolher” entre diferentes jurisdições aquela na qual ele esperava uma decisão mais favorável para sua contenda. David Rosenbloom, International Tax Counsel do US Treasury Department entre 1977-1981, descreveu o fenômeno como “a prática de alguns investidores de “tomar emprestado” um tratado, formando uma entidade (geralmente uma corporação) em um país que possui um tratado favorável com o país da fonte dos rendimentos – isto é, o país onde o investimento foi feito e a renda será auferida. Em outras palavras, uma pessoa beneficia-se, por meio de estruturas complicadas, de um tratado não disponível em outros contextos; daí o termo “treaty-shopping”.

Já a linha interpretativa que considera a regra brasileira como a tributação de “dividendos fictos” analisa a aplicação do art. 10, que trata dos dividendos. Em princípio, este artigo propiciaria a competência tributária brasileira, pois permite a tributação dos dividendos tanto no país da fonte produtiva quanto da residência dos beneficiários. Contudo, uma objeção importante é levantada contra a aplicação do art. 10: a redação do Tratado Modelo prescreve que os dividendos pagos podem ser tributados também no Estado de residência dos beneficiários. Contudo, é duvidosa a interpretação de que os dividendos fictamente disponibilizados encaixam-se na definição de dividendos pagos. E, não havendo esta compatibilização, argumenta-se que a tributação no Estado de residência dos beneficiários só poderia acontecer depois da efetiva distribuição aos sócios. Esta interpretação gera as mesmas questões, de uma ótica do rent seeking, que a interpretação relativa ao art. 7º. Pois, se de um lado, ela impede a regra da tributação por distribuição automática, mitigando o potencial problema de rent seeking público, de outro não resolve o problema da necessidade de uma regra antielisiva do tipo CFC e como esta seria

172

PANAYI, Christiana HJI; AVI-YONAH, Reuven S. Rethinking Treaty-Shopping Lessons for the European Union. Public Law and Legal Theory Working Paper Series, Working Paper No. 182, jan 2010. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2012.

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compatível com os TDTs. Assim, esta linha interpretativa pode ensejar problemas de rent seeking privado. Por fim, tem-se a interpretação de que, como a tributação do artigo 74 da MP nº 2.15835/01 recairia sobre o acréscimo patrimonial da própria sociedade brasileira, não seria aplicável nem o artigo 7º (pois não se trataria do lucro auferido no exterior) nem o 10 (pois não se trataria de distribuição – ficta ou real – de dividendos). Para esta interpretação, poderse-ia aplicar o artigo 21 dos TDTs, uma vez que o rendimento decorrente do investimento proporcional da sociedade brasileira em sua controlada ou coligada no exterior não estaria previsto em outros dispositivos do Tratado Modelo. E, assim, tal artigo 21 possibilitaria a plena eficácia do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, pois os “outros rendimentos” seriam tributáveis apenas no Estado em que foram auferidos. Mais uma vez, como toda interpretação que dá plena eficácia ao referido artigo 74, mitiga-se o problema de rent seeking privado, mas gera-se o potencial problema de rent seeking público. Só que, neste caso, há outro componente que torna o cenário um pouco mais complicado: pode-se gerar um problema de competição de rendas entre dois diferentes Estados (ou duas Administrações Públicas). Isso porque, como se viu anteriormente, os TDTs destinam-se justamente a resolver problemas de repartição de rendas obtida em um contexto internacional – se dois países adotam critérios diferentes para interpretar os tratados (buscando tributar tais rendas) e o contribuinte prejudicado invoca a proteção dos tratados, os dois Estados podem se encontrar em uma situação em que precisam discutir não apenas a redação legislativa como a sua própria interpretação.

4.7.4. Considerações Finais sobre o Regime de Tributação de Lucros Auferidos no Exterior por Controladas e Coligadas e os Problemas de Rent Seeking

Observou-se, no contexto acima desenhado, que a estrutura das normas tem impactos relevantes não apenas na consideração de sua constitucionalidade, mas também nos efeitos socioeconômicos que sua aplicação implica. A análise do regime de tributação de lucros auferidos no exterior por meio de uma ótica do rent seeking, neste sentido, independe das considerações de sua constitucionalidade. Viu-se, assim, que tanto o regime da Lei nº 9.532/97 quanto da MP nº 2.158-35/01, mesmo que considerados plenamente constitucionais, possuem problemas de rent seeking

121

respectivamente privados e públicos. É nesse contexto que a aplicação da teoria do rent seeking é normativa – pois analisa os problemas político-econômicos de determinada atuação do Estado, o que a simples análise da constitucionalidade das regras não faz. Viu-se também que não apenas na estrutura da redação normativa que aparecem os problemas de rent seeking – na própria interpretação das regras relativas à tributação dos lucros auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior existem posições que geram problemas de competição por rendas. Esta grande diversidade de interpretações, provavelmente, não é simples coincidência. Argumentou-se que algumas interpretações causam problemas de rent seeking privado ou público. Mas é possível inverter o pensamento: é justamente porque existem interesses no rent seeking público e privado que tantas divergências aparecem. Um problema claramente potencializado pela falta de clareza tanto da redação normativa do artigo 74 da MP nº 2.15835/01 quanto dos seus objetivos de política tributária.

122

5. A ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS SOBRE AS CONTROVÉRSIAS DO REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR E OS PROBLEMAS DE RENT SEEKING

5.1. Introdução

No capítulo anterior, fez- se uma análise, pela ótica dos problemas de rent seeking, das diferentes opções legislativas que o Brasil adotou para regulamentar o tema da tributação dos lucros auferidos no exterior. Fez-se também a mesma análise das diversas interpretações das controvérsias jurídicas por ele suscitado. É importante, igualmente, verificar como estas diversas interpretações são consideradas pelos tribunais. Pois, tendo em vista que o papel jurisdicional é justamente pacificar as controvérsias relativas a um determinado tema, contrapondo as diversas interpretações possíveis, é possível verificar como estas interpretações são utilizadas nas instâncias decisórias. Em outras palavras, é possível verificar quais são as linhas argumentativas adotadas pelos tribunais e até mesmo se considerações dos efeitos socioeconômicos das regras de tributação dos lucros auferidos no exterior são invocados para efeitos decisórios. Assim, o intuito é verificar, por meio da análise jurisprudencial, três itens: (i) quais as linhas argumentativas que os tribunais tendem a utilizar; (ii) que considerações – se alguma – de efeitos socioeconômicos das regras são invocadas no curso decisório; e (iii) se há alguma tendência para privilegiar alguma interpretação e quais implicações rent seeking ela implica.

5.2. Metodologia Específica de Pesquisa

A pesquisa jurisprudencial dividir-se-á em três tribunais. Serão pesquisados, na instância judicial, os acórdãos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), as instâncias superiores em relação a questões de legalidade e constitucionalidade relativas às lides judiciais. Na instância administrativa, serão pesquisados os acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), competente para o julgamento de lides administrativas de tributos federais.

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A pesquisa dos acórdãos será feita nos respectivos sítios eletrônicos destes tribunais. Em relação ao STJ, em cada seção de pesquisa jurisprudencial, serão pesquisados os seguintes termos: “lucros e exterior e controlada” (sem as aspas no campo de pesquisa). A partir daí, serão selecionados os acórdãos que digam respeito à aplicação da Lei nº 9.249/95, da Lei nº 9.532/97, da LC nº 104/01, da MP nº 2.158-35/01 e da IN nº 213/02, retirando ainda aqueles julgados que se limitarem a considerar questões formais (de decadência e/ou de requisitos de admissibilidade). Serão retirados da análise também os acórdãos que não se referirem ao tema central da análise (por exemplo, os relacionados à taxa de conversão de câmbio). Em relação ao STF, reconhece-se a existência de um caso que centraliza todas as discussões relativas ao tema: a ADI 2.588-1/DF, Min. Relatora Ellen Gracie (ADI nº 2.588), cujo julgamento ainda não foi concluído. Serão selecionados para a análise os votos disponíveis até o momento. Além deste, existe também o caso paradigmático cuja aplicabilidade às regras atuais de tributação dos lucros auferidos no exterior é questionada por toda a doutrina: o Recurso Extraordinário nº 172.058-6, Min. Relator Marco Aurélio 173 (RE nº 172.058), que será brevemente analisado. Obviamente, as discussões relativas a cada tribunal serão diferentes, uma vez que as competências também o são. Deseja-se, na análise dos acórdãos do STF (em especial na ADI 2.588-1/DF),

verificar

basicamente

os

argumentos

utilizados

para

justificar

a

(in)constitucionalidade do regime do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Diferentemente, no STJ não se espera a análise de constitucionalidade, mas sim, por exemplo, da compatibilidade entre da IN nº 213/02 com a legislação tributária ordinária. Por fim, a metodologia de escolha dos acórdãos do CARF será exposta na seção destinada à sua análise. Ao final, serão feitas considerações acerca dos três itens mencionados na introdução deste capítulo, quais sejam: (i) quais as linhas argumentativas que os tribunais tendem a utilizar; (ii) que considerações – se alguma – de efeitos socioeconômicos das regras são invocadas no curso decisório; e (iii) se há alguma tendência para privilegiar alguma interpretação e quais implicações rent seeking ela implica.

173

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 172.058/SC. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 30 de junho de 1995. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2012.

124

5.3. O STF e o Debate sobre a Constitucionalidade do Regime de Tributação dos Lucros no Exterior

Não há no âmbito do STF muitos casos relativos ao tema. Especificamente quanto à MP nº 2.158-35/01, a pesquisa jurisprudencial não traz como resultado nenhum acórdão relativo ao tema do regime de tributação nos lucros no exterior. O único resultado relevante está no reconhecimento da Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 611.586 RG / PR, Min. Relator Joaquim Barbosa 174 (RE nº 611.586), exatamente sobre este tema e diploma normativo. Isto quer dizer que todas as outras ações judiciais que envolvam o tema têm o seu andamento sobrestado até o julgamento deste Recurso Extraordinário, tornando-o assim a peça central do exame de constitucionalidade do regime ora analisado. O sobrestamento inclui, por exemplo, a própria conclusão da ADI nº 2.588-1/DF, proposta justamente com o intuito de verificar a constitucionalidade da regra inscrita no artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. O problema é que tal Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta em 2001, ano de edição da norma, e seu julgamento vinha se arrastando há mais de dez anos, faltando apenas um voto para sua conclusão – o tribunal estava consideravelmente dividido, com cinco votos a favor da constitucionalidade do regime e quatro contra 175. Recomeça-se, portanto, desde o início, as discussões sobre as controvérsias sobre esta regra, concentrando-se toda a análise no RE nº 611.586, ainda pendente de julgamento. Assim, pode-se apenas por ora analisar um acórdão, o RE nº 172.058 (o qual não se refere ao regime atual, mas é invocado pela doutrina), trechos da ADI nº 2.588, isto é, os votos disponibilizados para análise, e, por fim, o teor do reconhecimento da Repercussão Geral no RE nº 611.586. É o que se passa a fazer.

5.3.1. O Primeiro Precedente Paradigmático – RE nº 172.058

174

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 611.586/PR. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Brasília, 05 de abril de 2012. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2012. 175 Para uma sinopse, ver WALD, Arnoldo; NISHIOKA, Alexandre Naoki. Tributação do lucro no exterior. Valor Online. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2012.

125

Alvo de relevante discussão doutrinária, na falta de um acórdão decisivo e específico sobre o art. 74 da MP nº 2.158-35/01, o RE nº 172.058 é constantemente invocado por parte da doutrina para justificar a inconstitucionalidade do atual regime de tributação dos lucros no exterior, enquanto a outra parte enumera razões para afastar a sua aplicação a este regime 176. De fato, a controvérsia guarda semelhança com as dúvidas relativas ao referido art. 74, principalmente no que tange a necessidade de “disponibilidade econômica ou jurídica” para a tributação pelo Imposto de Renda. No caso do RE nº 172.058, contestava-se a aplicação do art. 35 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 (Lei nº 7.713/88) 177, o qual previa a aplicação de um Imposto de Renda Retido na Fonte para o acionista, sócio cotista e o titular de empresa individual quando as respectivas pessoas jurídicas apurassem lucro líquido:

Art. 35. O sócio quotista, o acionista ou titular da empresa individual ficará sujeito ao imposto de renda na fonte, à alíquota de oito por cento, calculado com base no lucro líquido apurado pelas pessoas jurídicas na data do encerramento do períodobase.

Argumentou-se que o referido art. 35 confrontava o art. 146, III, da CF, pois previu como fato gerador a apuração do lucro líquido das pessoas jurídicas, sendo sujeitos passivos da obrigação tributária acionistas, sócios cotistas e titulares de empresa individual. Nesse sentido, teria criado um outro fato gerador para o Imposto de Renda que não o previsto no artigo 43, caput, do CTN, pois este tem como requisito a “disponibilidade econômica ou jurídica”, requisito este que não seria atendido no caso em questão. O ponto de conexão, portanto, entre este caso e as controvérsias do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 é justamente o fato de uma lei ordinária aparentemente ter criado um fato gerador que violou a necessidade de haver disponibilidade econômica ou jurídica da renda para a tributação. No RE nº 172.058, o STF dividiu o caso para cada um dos potenciais sujeitos passivos da obrigação tributária. Quanto aos acionistas, considerou inconstitucional o referido artigo 35, pois não seria possível afirmar que aqueles teriam a disponibilidade econômica ou jurídica da renda apurada pela pessoa jurídica. O Min. Relator Marco Aurélio desenvolveu argumentação, no que foi acompanhado pela maioria do Tribunal, no qual os acionistas 176

Não se analisará os argumentos da doutrina favoráveis ou desfavoráveis à aplicação deste precedente para as controvérsias suscitadas pelo art. 74 da MP nº 2.158/35-01. Para argumentos favoráveis, ver XAVIER, op. cit., p. 375 – 377. Para argumentos desfavoráveis, ver ANDRADE (2008), op. cit., p. 249 – 250. 177 BRASIL. Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7713compilada.htm>. Acesso em: 18 ago. 2012.

126

estariam sujeitos à aplicação da Lei nº 6.404/76, que demandava a deliberação da destinação do lucro líquido do exercício – só após este ato, que poderia (ou não) destinar o lucro líquido para o acionista e que haveria para este a disponibilidade da renda. Veja-se o raciocínio construído pelo Ministro 178:

Ora, a ordem jurídica revela-nos que a aquisição da disponibilidade, quer econômica ou jurídica dos lucros líquidos das pessoas jurídicas não ocorre, quanto ao sócio cotista e aos acionistas, na data da apuração, ou seja, do encerramento do períodobase. É que a legislação vigente – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1986 [sic] – afasta a automaticidade indispensável a que se possa cogitar da aquisição da disponibilidade. À assembléia geral ordinária das sociedades anônimas compete deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos (inciso II do artigo 132) (...). Pois bem, diante do contexto legal supra, impossível é dizer da aquisição da disponibilidade jurídica pelos acionistas com a simples apuração, e na data respectiva, do lucro líquido pelas pessoas jurídicas.

Este raciocínio foi também parcialmente aplicado aos sócios cotistas, caso em que a constitucionalidade do referido artigo 35 dependeria do próprio contrato social – se este prevesse a imediata disponibilidade da renda aos sócios, o dispositivo seria constitucional. Já em relação ao titular de empresa individual, como a destinação do lucro somente depende do mesmo titular, seria possível afirmar que já haveria disponibilidade da renda, razão pela qual o art. 35 seria constitucional. Assim, de forma praticamente unânime 179, o STF decidiu: (i) a inconstitucionalidade do artigo 35 em relação aos “acionistas”, pois quanto a estes se aplica a determinação da Lei nº 6.404/76 sobre a necessidade de vários atos anteriores à disponibilização do lucro líquido aos sócios; (ii) a relativa constitucionalidade referente aos sócios quotistas, somente havendo compatibilidade do artigo 35 com o regime constitucional no caso do contrato social prever a imediata disponibilidade do lucro para os sócios; e (iii) a total compatibilidade do art. 35 em relação aos titulares de empresa individual. Importa registrar, neste contexto, não a possível aplicação direta deste precedente para a resolução das controvérsias suscitadas pelo artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Importa, ao contrário, notar apenas que, no momento histórico do julgamento, (1995) o STF deu grande importância ao conceito de “disponibilidade econômica ou jurídica”, prevalecendo no caso a

178 179

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1995), op. cit., P. 10 – 11. O Min. Ilmar Galvão sustentou a inteira constitucionalidade do artigo 35 da Lei nº 7.713/88.

127

necessidade de um ato concreto de disponibilização da pessoa jurídica para seu sócio quando as esferas patrimoniais são bem distintas entre sociedade e sócio. Mas, aqui, diferentemente do caso envolvendo o artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, não foram suscitadas questões como o caráter antielisivo da regra tributária, bem como a possibilidade de tributação do aumento patrimonial do sócio da pessoa jurídica em decorrência do auferimento de lucro por parte desta. É importante, portanto, observar se e como estes itens mudarão o posicionamento do STF ao se analisar a ADI nº 2.588.

5.3.2. O Interminável e Interminado Julgamento da ADI nº 2.588

A ADI nº 2.588 foi proposta pela Confederação Nacional da Indústria, alegando a inconstitucionalidade do art. 43, §2º, do CTN, e do art. 74 da MP nº 2.158-35/01, por contrariarem o art. 153, inciso III, da CF 180, relativamente ao conceito mínimo de renda teoricamente adotado pela Constituição. A interpretação da Requerente, portanto, adota a linha exposta no capítulo anterior de que o art. 43, §2º, do CTN, flexibilizou indevidamente o conceito mínimo de renda por possibilitar ao legislador ordinário a fixação de um conceito diferente de “disponibilidade” daquele previsto no caput e na própria CF. Ademais, o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 também incorreria em inconstitucionalidade insanável por criar uma ficção jurídica de que os lucros auferidos por sociedade controlada e coligada no exterior estariam disponibilizados, quando tanto de um ponto de vista jurídico quanto econômico não o estariam. Portanto, as principais controvérsias quanto à constitucionalidade do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior foram colocados diante do STF, ainda em 2001, ano de proposição da ADI nº 2.588. Ocorre que seu julgamento não foi finalizado até 2012, faltando ainda um voto para sua conclusão. Depois de onze anos e nove votos, cinco a favor da constitucionalidade do sistema 181 e quatro contra, o julgamento foi interrompido por conta do reconhecimento de Repercussão Geral no RE nº 611.586 e, assim, a análise destas mesmas questões recomeçará, apesar de todas as discussões já travadas anteriormente.

180

Arguiu-se a inconstitucionalidade do MP nº 2.158-35/01 frente ao requisito de urgência e relevância do art. 62 da CF. Esta questão, porém, não será aqui analisada, por se tratar de questão não conexa ao tema principal proposto. 181 A Ministra Ellen Gracie votou pela constitucionalidade do sistema apenas quanto às sociedades controladas, pelas razões expostas posteriormente.

128

Apesar da perda de relevância prática da ADI nº 2.588, é importante verificar como o STF estava tratando o tema, por se tratar do único precedente desta Corte disponível. Tendo em vista que o julgamento não foi finalizado, não há acórdão eletronicamente disponível com todos os votos já proferidos – apenas se teve acesso a quatro votos: (i) da Min. Relatora Ellen Gracie; (ii) do Min. Nelson Jobim; (iii) do Min. Marco Aurélio e (iv) do Min. Ricardo Lewandowski. Serão estes os votos analisados a seguir, que mostrarão, pelo menos até 2012, os caminhos tomados pelo STF na interpretação do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior.

5.3.3.1. O Voto da Ministra Relatora Ellen Gracie

A Ministra Relatora Ellen Gracie inicia seu voto afastando a hipótese de inconstitucionalidade do art. 43, §2º, do CTN. Segundo a Ministra, não seria correto o entendimento que tal dispositivo teria criado a possibilidade da Lei Ordinária flexibilizar indevidamente o conceito de disponibilidade. O que este dispositivo teria feito nada mais foi do que permitir à Lei Ordinária fixar condições e o momento da disponibilidade, sem no entanto prescindir desta. O cerne, entretanto, do voto da Ministra refere-se ao art. 74 da MP nº 2.158-35/01. Segundo seu entendimento, deve-se dividir a questão em dois blocos: (i) tributação das sociedades controladas; e (ii) tributação das sociedades coligadas. Em relação ao primeiro item, o dispositivo questionado seria plenamente constitucional. A questão principal refere-se ao conceito de disponibilidade econômica e jurídica das rendas auferidas no exterior. Segundo a Ministra, no caso de sociedade controlada no exterior a simples existência de controle (previsto no art. 243 da Lei 6.404/76) faz com que a disponibilidade dos lucros da controlada para a controladora seja questão de um simples ato de vontade desta. Assim, havendo controle, há disponibilidade jurídica dos rendimentos auferidos no exterior, motivo pelo qual o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 não seria inconstitucional nesse caso. Quanto ao segundo item, contudo, este dispositivo seria inconstitucional. Pois, ao contrário da hipótese das sociedades controladas, a matriz brasileira não deteria o controle sobre suas sociedades coligadas. Impossível seria, portanto argumentar a existência de

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disponibilidade jurídica antes de uma deliberação que concretamente distribua os lucros da sociedade no exterior para sua coligada no Brasil. Inconstitucional, portanto, o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 quanto à tributação de coligadas.

5.3.3.2. O Voto do Min. Nelson Jobim

O Ministro Nelson Jobim, diferentemente da Ministra Ellen Gracie, sustentou em voto a completa constitucionalidade do art. 43, §2º, do CTN, e do art. 74 da MP nº 2.158-35/01. Primeiramente, o Ministro sustenta a inaplicabilidade do precedente do RE nº 172.058, uma vez que este tinha pressuposto completamente diferentes do atual regime de tributação das pessoas jurídicas. Àquela época, segundo o Ministro, para as pessoas jurídicas ainda não vigia o regime de competência, bem como o princípio da tributação em bases universais que só foi trazido pela Lei nº 9.249/95. A seguir, o Ministro menciona diversos exemplos internacionais de regras de Transparência Fiscal Internacional. Aparentemente, então, equipara a regra brasileira às regras internacionais, que têm os contornos de regras CFC acima expostos. Ainda nesse sentido, seu voto menciona que o atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior teria dois objetivos: adotar uma regra antielisiva e equiparar a tributação das pessoas físicas com as pessoas jurídicas. Quanto ao art. 43, §2º, do CTN, o Ministro Jobim considerou que tal dispositivo não autorizou a Lei Ordinária a fixar um fato gerador que não demande a “disponibilidade econômica ou jurídica” – apenas teria permitido a fixação do momento que tal disponibilidade acontece. Nesse sentido, tanto o momento da disponibilização por pagamento ou crédito (Lei nº 9.532/97) quanto o do levantamento do balanço da sociedade controlada ou coligada (art. 74 da MP nº 2.158-35/01) são momentos de disponibilidade distintos, mas possíveis dentro do quadro normativo tributário. Por fim, quanto ao art. 74 da MP nº 2.158-35/01, o Ministro considerou que este apenas teria como efeito a tributação da disponibilidade econômica que a matriz brasileira teria em decorrência do Método de Equivalência Patrimonial. Ou seja, adota aquele posicionamento de que a sociedade brasileira é tributada não exatamente pelo lucro auferido no exterior, mas pelo reflexo no próprio aumento patrimonial em decorrência da aplicação do MEP. Ressaltou, também, que a aplicação do MEP independe de controle da sociedade

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brasileira sobre a sociedade no exterior, de forma que o dispositivo questionado abrangeria legitimamente tanto sociedades controladas quanto coligadas.

5.3.3.3. O Voto do Min. Marco Aurélio

O Ministro Marco Aurélio tem, ainda, opinião diversa daquela expressa pelos dois outros Ministros acima mencionados. Primeiramente, o art. 43, §2º, seria constitucional pois submetidos aos mandamentos do caput. Neste sentido, este dispositivo não teria autorizado o legislador ordinário a prever a tributação sobre uma riqueza que ainda não estivesse disponível, seja econômica ou juridicamente. Percebe-se que o Ministro enfoca a questão da disponibilidade que, argumenta, é núcleo central do próprio conceito de renda. Mais do que isso, a disponibilidade econômica e jurídica deve ser verificada em cada pessoa jurídica, sob pena de que uma ficção jurídica possa violar a consagrada separação patrimonial decorrente dos direitos de personalidade. O problema de inconstitucionalidade do art. 74 da MP nº 2.158-35/01 é decorrente da tributação por disponibilização dos lucros auferidos no exterior por mera ficção jurídica, o que não seria permitido dentro do conceito constitucional da renda. Ademais, tal dispositivo ainda teria o condão de criar novo fato gerador, de forma a usurpar competência exclusiva de Lei Complementar, conforme mandamento do artigo 146, inciso III, alínea “a”. Haveria, portanto, simples ficção jurídica de disponibilização. Isso porque são várias as circunstâncias que poderiam obstaculizar o acesso ao lucro por parte da sociedade brasileira. Os exemplos mais diretos seriam aqueles decorrentes da deliberação da Assembleia da sociedade constituída no exterior: os lucros lá auferidos poderiam ser direcionados à reserva, poderiam ser reinvestidos na própria sociedade, entre outros. Interessante notar que o Ministro Marco Aurélio menciona razões de política tributária para afastar a aplicação da norma. Ele chega a mencionar que, se esta regra fosse discutida dentro do Poder Legislativo, haveria grandes chances de seu desenho atual ser refutado em prol de outro modelo. Pois, segundo o Ministro, o atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior desestimularia de forma relevante os investimentos no exterior, extrapolando as características de um regime antielisivo.

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5.3.3.4. O Voto do Min. Ricardo Lewandowski

Por fim, analisa-se o voto do Ministro Ricardo Lewandowski, o qual adota um posicionamento bem parecido com o Min. Marco Aurélio. Ele considera ser plenamente aplicável o precedente do RE nº 172.058, tendo em vista que neste caso, assim como naquele, a questão central é a disponibilidade econômica e jurídica, núcleo essencial da incidência do IRPJ. Segundo o Ministro, a personalidade jurídica enseja a clara separação patrimonial entre sociedade brasileira e sua controlada ou coligada no exterior. Isto é, enquanto os lucros lá auferidos não forem disponibilizados, qualquer consideração de “disponibilização” seria ficção jurídica injustificável. Nesse sentido, assim como o Ministro Marco Aurélio, o Ministro Lewandowski considera que o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 não apenas enseja a tributação pelo IRPJ por uma injustificável ficção legal, como cria novo fato gerador do tributo, violando competência de Lei Complementar e em clara afronta ao art. 146, inciso III, alínea “a”, da CF. Inconstitucional, portanto, o dispositivo. Em relação ao artigo 43, §2º, do CTN, o Ministro considera-o constitucional, tendo em vista que ele não dispensa o requisito da “disponibilização econômica e jurídica”. Interessante notar ainda que o Ministro faz considerações sobre a suposta característica antielisiva da norma. Segundo o Min. Lewandowski, o atual regime foi motivado “(...) ao menos com o louvável escopo – segundo consta das informações – de combater a evasão e a elisão fiscal (...)”. Contudo, ao atingir operações que não seriam antielisivas, ele violaria o princípio da proporcionalidade, de forma que esta motivação não se sustentaria.

5.3.2. Repercussões da ADI nº 2.588

Diante do exposto, percebe-se que em mais de dez anos de julgamento da ADI nº 2.588, o STF não conseguiu pacificar um entendimento sobre a constitucionalidade do art. 74 da MP nº 2.158-35/01. O placar parcial contabilizava cinco votos a favor da aplicabilidade do regime e quatro votos contra – impossível haver um Plenário mais dividido.

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As duas linhas principais e contrapostas foram abordadas nos votos analisados. Os Ministro Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski consideraram o regime inconstitucional, adotando a linha interpretativa de que o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 cria uma ficção legal, de forma a tributar o lucro auferido no exterior por meio de uma “disponibilização ficta”, o que contrariaria o conceito mínimo de renda do art. 153, inciso III, da CF, bem como o requisito inafastável da disponibilidade econômica e jurídica previsto no art. 43, caput, e §2º, do CTN. Por outro lado, a linha adotada pelo Ministro Nelson Jobim considera que há a tributação do próprio aumento patrimonial da sociedade brasileira, em decorrência da aplicação do MEP. Haveria, portanto, hipótese de disponibilidade econômica e jurídica, sendo o regime plenamente constitucional. A Ministra Ellen Gracie parece adotar uma linha intermediária: argumenta que o fato de haver controle significa já haver disponibilidade para a sociedade brasileira; para as coligadas, um raciocínio parecido com o desenvolvido pelos Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski aplicar-se-ia. As considerações de política pública estavam presentes. Os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski consideraram inaplicável o argumento do caráter antielisivo do regime, pois sua tributação ultrapassa esta motivação. O Ministro Nelson Jobim, por outro lado, parece estar satisfeito com esta motivação, comparando o atual regime, por mais diferente que seja, com as regras de Transparência Fiscal Internacional dos outros países. A divisão do Tribunal reflete bem a divisão da doutrina e a incapacidade de se chegar em um consenso - nem mesmo as próprias razões de política tributária, invocadas durante o julgamento, foram alvo de consenso entre os Ministros. Espera-se que o julgamento do RE nº 611.586 possa aclarar essa questão, bem como, é claro, dê fim às controvérsias jurídicas inerentes ao sistema.

5.4. O STJ e o Debate sobre a Legalidade do Atual Regime de Tributação dos Lucros Auferidos no Exterior

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o órgão jurisdicional competente para julgar a legalidade de diplomas normativos, pacificando as interpretações sobre as normas infraconstitucionais.

Nesse

sentido,

no

caso

concreto,

pode-se

esperar

que

a

constitucionalidade do art. 74 da MP nº 2.158-35/01 ou do art. 43, §2º, do CTN, não seja

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analisada. Ao contrário, espera-se a análise, por exemplo, da legalidade do art. 74 da referida MP frente ao CTN, bem como da IN nº 213/02 frente à legislação ordinária/complementar. A pesquisa jurisprudencial no STJ revelou a existência de 7 (sete) acórdãos relevantes e publicados. Pelo fato de serem poucos acórdãos, passar-se-á à análise de cada um deles, observando-se não apenas as teses jurídicas defendidas pelo Tribunal como se, de forma mais interessante ao presente trabalho, o STJ chega a analisar questões de política tributária e/ou de interesses que norteiam a legislação que aqui se considera.

5.4.1. Recurso Especial nº 1.211.882-RJ

O REsp nº 1.211.882 182 trata, no mérito, da questão fundamental da análise da legalidade do art.7º da IN nº 213/02, que cuida, como visto acima, da aplicação do método da equivalência patrimonial efetivar o regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Por unanimidade, o STJ negou provimento ao Recurso Especial interposto pela Fazenda Nacional, no sentido de considerar ilegal o art. 7º, §1º, da IN nº 213/02, no que toca à tributação pelo MEP. Dois votos compõem o acórdão publicado: o do relator, Min. Mauro Campbell Marques, e o voto-vista do Min. Castro Meira. Ambos fazem um pequeno histórico da evolução legislativa do tema, passando pela adoção do regime da universalidade pela Lei nº 9.249/95 até a MP nº 2.158-35/01, incluindo também os diplomas infralegais, como a IN nº 38/96 e a própria IN nº 213/02. Basicamente, os Ministros entenderam ser impossível a tributação pelo MEP porque a legislação ordinária assim não permite, tendo a referida IN extrapolado seus limites de regulamentação. Segundo o Min. Mauro Campbell Marques, o art. 25 da Lei nº 9.249/95, bem como o art. 74 da MP nº 2.158-35/01 teriam fixado com base do IRPJ o lucro apurado pela controlada ou coligada no exterior. Seria este, portanto, o limite máximo da tributação possível no Brasil. Pelo fato do MEP envolver, no cálculo do lucro da companhia, valores como a variação cambial, a própria variação positiva no cálculo do investimento da controladora ou coligada no Brasil não refletiria exatamente o lucro apurado no exterior.

182

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.211.882/RJ. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília, 14 de abril de 2011. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2012.

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Desta forma, tanto a Lei Ordinária quanto a Medida Provisória não dariam base legal para a tributação com a utilização do MEP. Por fim, observe-se que, apesar do histórico detalhado feito pelos supramencionados Ministros, não há qualquer consideração sobre os impactos socioeconômicos das regras em questão ou mesmo sobre os interesses que suportariam uma ou outra interpretação da legislação tributária vigente.

5.4.2. Recurso Especial nº 1.236.779-PR

O REsp nº 1.236.779 183 cuida mais uma vez da legalidade do art. 7º da IN nº 213/02. O Min. Relator Herman Benjamin praticamente limita-se a transcrever o voto do Min. Mauro Campbell Marques nos autos do REsp nº 1211882, acima analisado, não havendo necessidade de repetir os argumentos já trazidos pelo STJ.

5.4.3. Recurso Especial nº 1.161.003-RS

O REsp nº 1.161.003 184 cuida de tema não explicitamente tratado neste trabalho, mas que é conexo: a proibição da compensação de prejuízos verificados por sociedades controladas e coligadas no exterior com o resultado positivo da sociedade controladora ou coligada no Brasil, para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ e CSLL. De fato, o art. 25, §5º, da Lei nº 9.249/95 prevê que os prejuízos e perdas verificados por sociedades controladas e coligadas no exterior não podem ser compensados com os resultados positivos verificados no Brasil. Segundo o contribuinte recorrente no caso em questão, o art. 74 da MP nº 2.158-35/01, ao ter alterado sensivelmente o regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, teria revogado tacitamente o referido art. 25, §5º. Isso porque a proibição só faria sentido na hipótese de que a tributação recaísse sobre os lucros 183

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.236.779/PR. Relator: Ministro Herman Benjamin. Brasília, 31 de agosto de 2011. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1070336&sReg=201100308064&sData=201 10831&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012. 184 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.161.003/RS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília, 08 de novembro de 2011. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1041964&sReg=200901945880&sData=201 11108&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012.

135

efetivamente disponibilizados (isto é, distribuídos por um ato concreto da sociedade estrangeira), caso em que se prejuízo houvesse no exterior, este teria de ser completamente absorvido pela sociedade estrangeira antes que se tributasse qualquer manifestação econômica do exterior 185. Os Ministros do STJ, por unanimidade, negaram provimento ao Recurso Especial do contribuinte. Tanto o Relator Min. Mauro Campbell Marques quanto o Min. Cesar Asfor Rocha, em voto-vista, consideraram que não teria havido qualquer tipo de revogação do art. 25, §5º, da Lei nº 9.249/95. Isso porque, mesmo na sistemática do art. 74 da MP nº 2.15835/01, ainda assim os prejuízos verificados no exterior seriam aproveitados pelo contribuinte, pois o art. 4º, §2º, da IN nº 213/02 prevê que os prejuízos auferidos no exterior podem ser compensados com os lucros também auferidos no exterior. Assim, se o referido art. 25, §5º, não fosse aplicável, haveria um duplo benefício ao contribuinte, que poderia diminuir o lucro auferido no exterior (na sociedade estrangeira) e também o lucro auferido na própria sociedade brasileira. Por fim, deve-se também observar que cada sociedade tem a sua apuração de resultado, devendo-se considerar os resultados individuais para depois verificar, na controladora ou coligada no Brasil qual é o impacto econômico dos investimentos no exterior. Mais uma vez, não houve qualquer consideração dos impactos socioeconômicos da aplicação da regra ou mesmo sobre os interesses de uma ou outra interpretação 186. Interessante notar, no entanto, que o Min. Mauro Campbell Marques lembra que o tema do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior está sob tratamento do STF, à época na ADI nº 2.588, e que o tema, de tão complexo, deu margem a votos em sentidos completamente opostos. É o reconhecimento da complexidade da legislação em questão.

5.4.4. Recurso Especial nº 1.222.719-RS O REsp nº 1.222.719 187 cuida do tema central do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior: a compatibilidade da tributação por disponibilização automática (art. 74

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Apesar de não explicitar, o argumento do contribuinte leva em conta o regime da IN nº 38/96 e da Lei nº 9.532/97, que efetivamente pressupõem um ato concreto de disponibilização. 186 Apesar de ficar subtendido que o aproveitamento do prejuízo interessa, por óbvio, ao contribuinte. 187 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.222.719/RS. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, 10 de maio de 2011. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=1034235&sReg=201002160561&sData=201 10510&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012.

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da MP nº 2.158-35/01 e IN nº 213/02) com o requisito da “disponibilidade jurídica e econômica” presente no art. 43, caput, e §2º, do CTN. O Min. Relator Humberto Martins não faz considerações aprofundadas neste acórdão. Ao contrário, prefere reproduzir os entendimentos já expostos nos Recursos Especiais nºs 907.404/PR e 983.134/RS, ambos melhor analisados a seguir. Basicamente, ao reproduzir os entendimentos colacionados nestes dois acórdãos, o Min. Relator seguiu a tendência da jurisprudência da corte no sentido de considerar a plena compatibilidade dos diplomas normativos acima mencionados. O principal argumento seria o de que, apesar de não existir disponibilidade financeira para a sociedade controladora 188 no Brasil, haveria a disponibilidade econômica, pois esta apenas pressupõe um acréscimo patrimonial em seu balanço. Neste sentido, como os lucros auferidos no exterior representariam inegavelmente um acréscimo no patrimônio da sociedade controladora, permitido seria a tributação de tal acréscimo. Fica confusa, porém, a aplicação deste entendimento porque o Min. Relator, ao mesmo tempo em que afirma a existência de disponibilidade econômica pelo acréscimo patrimonial da própria sociedade brasileira, também afirma que é ilegal a aplicação do art. 7º da IN nº 213/02 no que tange a tributação pelo MEP. Mas, se o MEP não é aplicável, como auferir o aumento patrimonial da sociedade brasileira? Talvez pela aplicação do MEP com ajustes, mas o Acórdão não deixa isto claro. Seja como for, no Acórdão mais uma vez não há qualquer consideração sobre os impactos socioeconômicos das regras em questão ou mesmo sobre os interesses que suportariam uma ou outra interpretação da legislação tributária vigente.

5.4.5. Recurso Especial nº 907.404-PR O REsp nº 907.404 189 cuida, também, da compatibilidade da tributação por disponibilização automática (art. 74 da MP nº 2.158-35/01 e IN nº 213/02) com o requisito da “disponibilidade jurídica e econômica” presente no art. 43, caput, e §2º, do CTN.

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Analisa-se apenas a tributação de sociedade controladora neste Acórdão. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 907.404/PR. Relator: Ministro Humberto Martins. Brasília, 13 de novembro de 2007. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=701647&sReg=200602638340&sData=2007 1113&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012. 189

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Neste julgamento, o STJ, conduzido pelo Min. Relator Humberto Martins, consolidou a opinião de que não há incompatibilidade entre os diplomas normativos acima transcritos, visto que o art. 74 da MP nº 2.158-35 não teria prescindido do requisito da disponibilidade. O que acontece é que tal artigo prevê a tributação da disponibilidade econômica dos lucros auferidos no exterior, uma vez que estes já teriam composto um acréscimo patrimonial disponível para a sociedade controladora. Mais uma vez, não se julga a tributação de sociedades coligadas, apenas de sociedades controladas. Nesse sentido, o Min. Relator Humberto Martins ainda menciona o julgamento da ADI nº 2.588 no STF - mais especificamente o voto da Min. Ellen Gracie, que, como visto acima, considera constitucional a tributação quanto às sociedades controladas (por conta do poder de controle) mas não quanto às coligadas, pois nestas não haveria influência suficiente para ditar o “destino” dos lucros auferidos no exterior. No caso em questão, o Min. Martins adota o voto da Min. Gracie para apoiar seus argumentos a favor da legalidade do art. 74 da MP nº 2.158-35/01. Com exceção do julgamento da ADI nº 2.588, não há no Acórdão qualquer referência aos impactos socioeconômicos da regra ou aos possíveis interesses em relação a uma ou outra interpretação.

5.4.6. Recurso Especial nº 983.134-RS O REsp nº 983.124 190 trata da análise da legalidade do art. 7º da IN nº 213/02. Porém, o voto condutor do Min. Relator Castro Meira, ao contrário do que sucedeu no REsp nº 1.211.882 (mais recente), considerou legal a tributação pelo MEP prevista no referido art. 7º. O Min. Castro Meira utiliza o conceito de disponibilidade econômica, previsto no art. 43, caput, e §2º, do CTN, para argumentar que na data da divulgação do balanço patrimonial da sociedade controlada no exterior já há acréscimo patrimonial para a sociedade controladora no Brasil. Sendo assim, o art. 7º da IN nº 213/02 nada mais fez do que efetivar a disposição do art. 74 da MP nº 2.158-35/01 para que haja a tributação do próprio acréscimo patrimonial da sociedade brasileira.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 938.134/RS. Relator: Ministro Castro Meira. Brasília, 17 de abril de 2008. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=769155&sReg=200702071247&sData=2008 0417&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012.

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Novamente, o julgamento da ADI nº 2.588 e o voto da Min. Ellen Gracie são citados para fundamentar a posição de que o atual regime de tributação sobre os lucros no exterior é legítimo (constitucional e legal). Faz-se ainda menção de que a divisão dos Ministros no julgamento da referida ADI demonstra o quão “tormentosa” é a tarefa de julgar a constitucionalidade do referido art. 74 da MP nº 2.158-35. Não há, contudo, outros comentários acerca dos impactos socioeconômicos da aplicação da regra ou dos interesses envolvidos nas diversas interpretações.

5.4.7. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.047.525-RJ O AgRg no REsp nº 1.047.525 191 não cuida exatamente de matéria tributária. No caso, o Min. Relator Francisco Falcão deparou-se com um Agravo Regimental para que reconsiderasse sua decisão de conceder à Apelação do contribuinte (contestando a aplicação do art. 74 da MP nº 2.158-35/01) apenas o efeito devolutivo. Isto é, sem que houvesse o efeito suspensivo à Apelação, o contribuinte estaria diante de uma possível execução fiscal, tendo em vista que não haveria mais suspensão da exigibilidade do seu débito fiscal (avaliado em torno de R$ 300 milhões). O Min. Falcão dá provimento ao Agravo Regimental, considerando que: (i) como a lide está em julgamento no STF e não haveria qualquer tendência à adoção de uma ou outra interpretação; e (ii) haveria grave lesão para o contribuinte, seria “prudente” a manutenção da decisão que recebeu a Apelação no seu duplo efeito. Assim, este é o único caso de todos os acima transcritos que chegou a analisar os impactos socioeconômicos do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Contudo, não se refere exatamente ao impacto da aplicação das regras, mas do tamanho do contencioso envolvido para um contribuinte específico.

5.4.8. Comentários a Respeito dos Acórdãos Analisados do STJ A partir da análise acima realizada dos oito acórdãos encontrados, algumas observações devem ser feitas. Primeiramente, em relação ao julgamento da legalidade do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, o STJ tende a considerar o art. 74 191

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.047.525/PR. Relator: Ministro Francisco Falcão. Brasília, 25 de junho de 2006. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=790011&sReg=200800758397&sData=2008 0625&formato=PDF>. Acesso em: 29 ago. 2012.

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da MP nº 2.158-35/01 legal, tendo em vista que haveria respeito ao requisito da “disponibilidade econômica”, previsto no art. 43, caput e §2º, do CTN. Não obstante, em relação à tributação com base no MEP, a tendência é a inversa: tendo em vista que o MEP abarca na variação positiva do investimento fatores econômicos que não o lucro, o art. 7º da IN nº 213/02 seria ilegal, tendo inovado no ordenamento jurídico tributário. Por outro lado, diferentemente do que ocorreu no julgamento da ADI nº 2.588 no STF (mesmo que em pequeno grau), não foram encontradas considerações acerca dos impactos socioeconômicos do regime atual de lucros auferidos no exterior, tampouco dos interesses público ou privados envolvidos. Houve, como visto acima, um caso em que o STJ julgou a relevância do montante envolvido para que o contribuinte não fosse autuado até a decisão final da constitucionalidade do regime ora em questão. Este aspecto, contudo, não deve ser considerado uma crítica. Pois a função do STJ é justamente pacificar controvérsias relativas à legalidade das leis, como, de certa maneira, o Tribunal fez ao concluir pela legalidade do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Contudo, esperava-se uma fundamentação mais aprofundada do STJ em relação ao requisito da “disponibilidade econômica”. Neste requisito está o cerne da legalidade do art. 74 da MP nº 2.158-35/01 e, assim, o resultado final da lide, pelo menos no que concerne à competência do STJ. Ademais, considerando-se o regime ora analisado como legal frente ao artigo 43, caput e §2º, do CTN, surge um problema de rent seeking público, como visto acima, a não ser que haja uma justificativa tanto jurídica como socioeconômica muito bem fundamentada, dado o impacto tributário no componente de custos das empresas que buscam a internacionalização. É por isso que se esperava uma consideração mais refinada e detalhada sobre o tema pelo STJ.

5.5. Refratec, Eagle I e Eagle II – Os Casos Paradigmáticos sobre Tratados contra a Dupla Tributação no CARF

O CARF (antigo Conselho de Contribuintes) é o tribunal competente para julgar os recursos administrativos referentes aos tributos federais. Nesse sentido, este órgão é relevante para o presente trabalho, tendo em vista que qualquer controvérsia sobre o IRPJ e a CSLL (inclusive quanto ao regime de tributação dos lucros auferidos no exterior) é por ele julgada.

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Poder-se-ia escolher inúmeros acórdãos para compor a presente análise de jurisprudência. Contudo, como a constitucionalidade e a legalidade em geral do regime já foram vistas acima por meio da análise de acórdãos do STF e do STJ, escolheu-se, aqui, restringir o exame da jurisprudência do CARF em relação aos casos paradigmáticos referentes à aplicação dos Tratados contra a Dupla Tributação. São três os casos julgados pelo CARF que a doutrina 192 considera como sensivelmente relevantes: o Acórdão 108-08.765 (Caso Refratec); o Acórdão 101-95.802 (Eagle I); e o Acórdão 101-97.070 (Eagle II). Ressalte-se que a jurisprudência do CARF não se restringe a estes três casos, mas somente eles serão aqui analisados por uma escolha metodológica: privilegiou-se a busca de argumentos jurídicos e socioeconômicos em casos de alta repercussão ao detalhado e extensivo exame de todos os precedentes sobre o tema.

5.5.1. O Acórdão 108-08.765 – Caso Refratec

O Acórdão 108-08.765 193 é extremamente interessante e relevante 194 pois cuida da aplicação de TDTs em diversos momentos da evolução legislativa do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Com efeito, a maioria do Conselho de Contribuintes (atual CARF) dividiu a referida aplicação dos TDTs em dois grandes momentos: (i) a partir da Lei nº 9.249/95 até a Lei nº 9.532/97; e (ii) a partir da Lei nº 9.532/97. O voto vencedor do Conselheiro José Henrique Longo considerou que, até 1997, uma sociedade brasileira que detivesse o controle de uma sociedade em Portugal não podia ser tributada pelos lucros desta última. Isso porque a Lei 9.249/95 teria previsto como fato gerador a “geração de renda de controlada no exterior por pessoa jurídica brasileira”. Conjugando este dispositivo com o art. 7 do Tratado entre Brasil e Portugal (que equivale ao art. 7 da Convenção Modelo, nos termos acima expostos), tem-se que a aplicação do TDT impede a tributação no Brasil. Isso porque, se o fato gerador é justamente o lucro gerado no exterior, tal lucro só poderia ser tributado por Portugal, nos termos do artigo 7.

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Por exemplo, ver ANDRADE (2008), op. cit., p. 235 e seguintes; MUSA, op. cit., p. 722 – 723; e YAMASHITA, Douglas. Controladas Indiretas no Exterior: Controvérsias de seu Regime Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 179, p. 29 – 35, ago. 2010. 193 BRASIL. Conselho de Contribuintes/Ministério da Fazenda. Acórdão nº 108-08.765. Relatora: Conselheira Karem Jureidini Dias. Brasília, 30 de maio de 2006. 194 Não se considerará aqui a análise sobre o momento que estaria autorizada a tributação pela CSL, pois o tema não é foco do presente trabalho.

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Contudo, a partir da promulgação da Lei nº 9.532/97 (que passou a ter efeitos para os anos de 1998 e seguintes), a natureza do fato gerador foi alterada. Com efeito, passou-se a tributar a disponibilização dos lucros da sociedade controlada e coligada, isto é, os dividendos disponibilizados. Ademais, a Lei 9.532/97 previu também que o “emprego do valor (lucro) em favor da beneficiária” como fato gerador do IRPJ. No caso concreto, houve alienação de participação na sociedade portuguesa e os lucros acumulados durante o período influenciaram diretamente no valor pelo qual foi promovida a alienação. Assim, a referida alienação faz jus à tributação de todo o lucro que tinha sido acumulado e não tributado. Este entendimento inclusive não teria sido alterado pela MP nº 2.158-35/01, que ainda manteve a disponibilização ficta como fato gerador. Neste sentido, para os fatos geradores ocorridos a partir de 1998, aplicar-se-ia não mais o art. 7 do TDT, e sim o 10, que permite a tributação em ambos os países. Portanto, o Tratado não mais protegeria o contribuinte da tributação da manifestação econômica positiva verificada no exterior. O voto vencedor ainda enfrentou, mesmo que em poucas linhas, a questão do “dividendo pago”, presente na redação do art. 10 do TDT. Segundo o Conselheiro Longo, a expressão “dividendo pago” seria suficientemente abrangente para incluir qualquer dividendo que o sócio tenha direito, que tenha sido a ele disponibilizado (mesmo que fictamente). Assim, esta expressão não poderia ser invocada para afastar a aplicação do referido art. 10. Por fim, cabe mencionar que não são feitas quaisquer considerações sobre os impactos socioeconômicos da evolução da legislação referente ao regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, tampouco sobre os interesses envolvidos nas diversas intepretações possíveis.

5.5.2. O Acórdão 101-95.802– Caso Eagle I

O Acórdão 101-95.802 195 traz, novamente, a questão da aplicação dos TDTs frente ao artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Mais especificamente, no caso em questão questiona-se se o Tratado celebrado entre Brasil e Espanha justificaria a inaplicabilidade do referido art. 74.

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BRASIL. Conselho de Contribuintes/Ministério da Fazenda. Acórdão nº 101-95.802. Relator: Conselheira Sandra Maria Faroni. Brasília, 14 de novembro de 2006.

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Por unanimidade, o Conselho de Contribuintes entendeu que deveria ser afastada a tributação dos lucros auferidos no exterior por aplicação do art. 7 do Tratado. Esta decisão, portanto, é contrária ao entendimento do caso Refratec acima exposto, em que se afirmou que o art. 74 não tem aplicabilidade obstada pelo art. 7 dos TDTs. O voto vencedor, da Conselheira Sandra Maria Faroni, considerou que até a edição da MP nº 2.158-35/01 (sob a égide da Lei 9.532/97, portanto), o regime de tributação dos lucros auferidos no exterior tinha por fato gerador a disponibilização dos lucros auferidos por sociedade estrangeira – disponibilização esta, portanto, que se caracterizava como distribuição de dividendos. Porém, o referido art. 74 da MP nº 2.158-35/01 alterou essa sistemática ao prever uma ficção jurídica de disponibilização. Nesse sentido, importa observar que a tributação recai sobre o montante bruto do lucro auferido no exterior – se a hipótese fosse de dividendo, o montante oferecido à tributação seria líquido de impostos já pagos no exterior. Assim, em se tratando de “lucros”, e não “dividendos”, seria plenamente aplicável o art. 7 do Tratado, impedindo a tributação de tais lucros no Brasil. A Conselheira Faroni ainda menciona sua discordância com o caso Refratec e utiliza ainda mais um argumento para rechaçar a tributação no caso em questão: mesmo se fosse aplicável o art. 10 (isto é, que os rendimentos tivessem natureza de dividendos), o TDT específico entre Brasil e Espanha continha ainda uma previsão especial de isenção (art. 23, parágrafo 4): se o residente no Brasil receber dividendos que já foram tributados na Espanha, o Brasil isentará de imposto tais dividendos. Evidente, portanto, a diferença entre os entendimentos no caso Refratec e Eagle I. Por fim, importa notar também que não há considerações a respeito dos impactos socioeconômicos da legislação referente ao regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, tampouco sobre os interesses envolvidos nas diversas intepretações possíveis. Há, contudo, uma breve passagem no voto da Conselheira Faroni em que se menciona, por meio dos Comentários da OCDE sobre o Tratado Modelo, de que a legislação interna não traga alterações de conceitos que possam interferir nos compromissos assumidos pelos países. A inclusão de um argumento desse tipo pode demonstrar preocupação com a posição do Brasil perante a comunidade internacional, de forma a impor o respeito aos compromissos assumidos pelo país em esfera global.

5.5.3. O Acórdão 101-97.070 – Caso Eagle II

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O Acórdão 101-97.070 196 é chamado de “Eagle II” porque traz questões semelhantes, relativas ao mesmo contribuinte, do caso acima descrito como Eagle I. Na sua “segunda versão”, surgem duas grandes questões 197: (i) a aplicabilidade do Tratado contra a Dupla Tributação celebrado entre Brasil e Espanha para afastar a tributação, pelo art. 74 da MP nº 2.158-35/01, de lucros auferidos por sociedade controlada na Espanha; e (ii) a aplicabilidade do mesmo TDT em relação a lucros auferidos por sociedade controlada, no Uruguai, da sociedade espanhola – e que, portanto, é controlada indireta da empresa brasileira. Em relação ao item (i), praticamente as mesmas razões jurídicas do caso Eagle I são invocadas. Assim, argumentou-se que a adoção do art. 74 da MP nº 2.158-35 representou uma alteração do fato gerador anteriormente previsto na Lei 9.532/97 – se antes eram tributáveis os dividendos, a partir da referida MP passou-se a tributar os lucros apurados pela sociedade no exterior. Desta forma, os rendimentos da sociedade espanhola estariam protegidos de tributação brasileira por força do art. 7 do TDT. A grande importância do caso Eagle II é o item (ii). Com efeito, põe-se a questão de que tipo de tratamento deve ser dado às sociedades controladas indiretas. Isso porque, no caso em questão, se o lucro da controlada indireta uruguaia fosse tributável apenas após a consolidação com o resultado de sua controladora espanhola, ter-se-ia a aplicação, novamente, do art. 7 do TDT. Ao contrário, se se considera que a sociedade brasileira pode tributar individualmente os lucros de cada sociedade (controlada direta e indireta), o TDT somente se restringiria a tributação dos lucros da sociedade espanhola. O Conselho de Contribuintes ficou dividido. O voto vencedor, do Conselheiro Valmir Sandri, considera que a legislação tributária brasileira não discrimina as sociedades controladas diretas ou indiretas – ambas são “controladas”. Ademais, considerou aplicável o art. 16, inciso I, da Lei nº 9.430/96, o qual expressamente prevê que os lucros auferidos por pessoa relacionada no exterior serão “considerados de forma individualizada, por filial, sucursal, controlada ou coligada”. Nesse sentido, e considerando-se a adição do lucro da sociedade uruguaia diretamente no balanço de sua controladora indireta brasileira, não haveria como restringir a tributação de tal lucro ao se invocar o TDT entre Brasil e Espanha. Ou seja, os lucros auferidos pela sociedade uruguaia não seriam primeiramente consolidados na 196

BRASIL. Conselho de Contribuintes/Ministério da Fazenda. Acórdão nº 101-97.070. Relatora: Conselheira Sandra Maria Faroni. Brasília, 28 de janeiro de 2010. 197 No que interessa ao presente trabalho.

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sociedade espanhola para só então poderem ser considerados disponibilizados para a controladora brasileira. E, por sua característica de lucros autônomos produzidos no Uruguai, não há como se aventar a possibilidade de se invocar o TDT em questão. Interessante notar que o voto vencedor ainda tece considerações a respeito dos planejamentos tributários abusivos. Segundo o Conselheiro, a questão central não é o afastamento do TDT em relação ao lucro dos dois Estados Contratantes, o que seria descabido. Ao contrário, a questão é antes reconhecer que o TDT é um instrumento que visa eliminar a dupla tributação dos lucros auferidos nestes Estados, não guardando relação com lucros alienígenas, que por uma estratégia do contribuinte tentam ser enquadrados em TDT que não os contempla. É, assim, o reconhecimento de que uma postura de rent seeking privado seria prejudicial e contra o espírito da própria celebração dos Tratados contra a Dupla Tributação.

5.5.4. Comentários sobre o Desenvolvimento do Tema no CARF

A discussão presente nos três casos acima descritos demonstra como são complexas as inúmeras questões que orbitam fora do âmbito da constitucionalidade/inconstitucionalidade do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, principalmente em relação à questão da aplicação dos TDTs. Em todos os casos, o que estava em questão era, em última análise, a própria natureza jurídica da tributação – dividendos/lucros auferidos no exterior. Como se viu, a legislação não foi suficientemente clara nesse aspecto e coube aos Tribunais, não sendo o CARF uma exceção, tentar desvendar a “intenção original” do regime. O que se vê, entretanto, é que também o CARF não possui segurança quanto à natureza do regime de tributação ora analisado. Nos casos analisados há posições em todos os sentidos, tanto na questão dos dividendos (fictos)/lucros da sociedade no exterior quanto das sociedades controladas indiretas. Se a tendência, ao que parecia, era, por exemplo, privilegiar a interpretação de que a tributação recai sobre os lucros auferidos no exterior (e que, portanto, aplicar-se-ia o art. 7 dos TDTs), acórdãos mais recentes 198 parecem adotar ainda outro ponto de vista: que a tributação 198

Como os Acórdãos nºs 1101-00.365 e 1402-00.391.

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recai sobre o próprio lucro da empresa brasileira, aplicando-se o MEP. Ainda que este trabalho não tenha intenção de analisá-los, importa destacar a existência de posição divergente em relação aos casos paradigmáticos acima transcritos. Ou seja, também o CARF não consegue pacificar as questões jurídicas do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Positiva, entretanto, a consideração sobre os planejamentos tributários abusivos dos contribuintes, podendo-se mitigar então a utilização dos TDTs como forma de rent seeking privado, nos moldes acima expostos.

5.6. Conclusões: As Incertezas Dentro da Própria Jurisprudência

Após o panorama acima realizado sobre a jurisprudência judicial e administrativa referente ao regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, algumas conclusões se impõem, tendo em vista o tema geral deste trabalho. Primeiramente, é de se notar o histórico de insegurança e hesitação dos tribunais no julgamento das diversas controvérsias jurídicas que o regime ora analisado suscita. O STF não conseguiu, após mais de 10 anos da edição da norma atacada (art. 74 da MP nº 2.158-35/01), formar uma opinião relativamente estável da natureza e dos efeitos trazidos por tal regra. A redação da norma menciona a “disponibilização” – mas que tipo de disponibilização é esta? Seria apenas uma questão de critério temporal do fato gerador? Ou uma questão da própria natureza do fato gerador? Como se viu, não apenas o STF está inseguro em relação à qualificação jurídica do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Pois o STJ e o CARF também possuem decisões sucessivas em sentidos opostos, que novamente colocam a própria natureza das regras em questão, só que analisando as normas infraconstitucionais e a aplicação dos Tratados contra a Dupla Tributação. Assim, é difícil afirmar a existência de uma tendência a privilegiar um ou outro tipo de interpretação por parte dos Tribunais. As dificuldades jurídicas, ao que parece, são decorrentes de outro tipo de dificuldade – a política. Isto porque não está apenas em questão a adoção de uma ou outra tese jurídica, sem consequências socioeconômicas relevantes. Ao contrário, a prevalência de um ou outro entendimento traz consigo diversos impactos, principalmente na ordem econômico, que não

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são desprezíveis. O tamanho do contencioso relativo ao regime ora analisado é uma parte do problema, pois as cifras em questão são suficientes para impactar tanto as contas dos contribuintes quanto da Administração Pública. Mas o contencioso é apenas parte do problema – pois, mesmo e quando a solução jurídica for encontrada, os efeitos da interpretação vencedora se farão sentir por todos os fatos tributáveis posteriores. Nesse sentido, torna-se relevante a análise do rent seeking. Os impactos socioeconômicos da regra e de suas interpretações devem ser expostos de forma mais clara e detalhada por parte da Administração Pública ou mesmo do legislador, para que se tenha a mínima noção da motivação política e econômica da adoção do modelo que se supôs mais conveniente de tributação dos lucros auferidos no exterior. Se a transparência dos motivos for alcançada, tanto o debate jurídico quanto o extrajurídico (política tributária) podem tornar-se mais eficientes. Como se viu na análise jurisprudencial, raros são os acórdãos que fazem considerações de política tributária ou ainda dos impactos socioeconômicos e interesses das partes envolvidas. Claro, isso se deve em grande parte ao próprio papel dos Tribunais, que não são espaços políticos por excelência, mas pacificadores de controvérsia jurídica. Ocorre que, no caso do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, é possível argumentar que a solução das controvérsias jurídicas deve necessariamente passar por considerações pelo menos socioeconômicas. Isto pois não apenas a arrecadação está em questão na própria interpretação do regime: está também em evidência o respeito do Brasil aos compromissos assumidos internacionalmente, o estímulo à internacionalização de suas empresas e as razões econômicas do ato de tributar. Está, em última análise, se debatendo sobre problemas de rent seeking tanto público quanto privado – não se deseja nem o desestímulo completo à iniciativa privada, com a concessão de poderes tributários excessivos e desmotivados à Administração Pública, nem a injustificada fuga de manifestações econômicas que são potencialmente tributáveis por estratagemas abusivos dos contribuintes. Em um ou outro caso, sempre haverá desperdício de recursos e ineficiências socioeconômicas, nas formas acima expostas. Sem que estas questões estejam pelo menos postas no debate, será muito difícil pacificar a questão que, por não ser apenas jurídica, não terá no campo jurídico uma solução definitiva – como demonstra cabalmente a hesitação do STF em dar um fim à controvérsia que se arrastava por mais de dez anos.

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6. CONCLUSÕES E PROPOSIÇÕES: POSSÍVEIS PANORAMAS PARA O FUTURO DA REGRA DE TRIBUTAÇÃO DOS LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR

1) O objeto deste trabalho é realizar crítica à atual legislação e às interpretações ao regime de tributação de lucros auferidos no exterior, previsto no artigo 74 da MP nº 2.158-35/01, oferecendo-se razões de interesses político-econômicos para a permanência das incertezas jurídicas verificáveis. Este regime foi promulgado há mais de dez anos e ainda gera controvérsias dentro da doutrina e jurisprudência. Questões da própria natureza jurídica do regime foram levantadas e aguardam decisão definitiva. São três principais centros de divergência: (i) o conceito de disponibilidade de renda e compatibilidade do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 com o artigo 43, §2º, do CTN; (ii) inconstitucionalidade do mesmo artigo 74 com o suposto conceito mínimo de renda do artigo 153, inciso III, da CF; e (iii) a aplicabilidade deste regime diante dos Tratados contra a Dupla Tributação. 2) A insegurança jurídica causada pela falta de definição destas controvérsias gera custos relevantes para a sociedade como um todo: (i) contribuintes têm gastos incorridos com os honorários de advogados e outros profissionais, o próprio custo da autuação e as futuras ações para contingenciar prováveis perdas; e (ii) a Administração Pública, sofre perdas reais com a incerteza da arrecadação dos montantes judicialmente questionados e com gastos da máquina burocrática para defender a legitimidade da tributação. Surge o problema: contribuintes e Administração Pública poderiam destinar estes recursos desperdiçados para áreas que gerassem maior benefício socioeconômico: (i) investimentos privados geradores de renda; (ii) investimentos públicos de infraestrutura; (iii) distribuição de renda arrecadada, entre outros. 3) A crítica proposta por este trabalho é que a insegurança jurídica e os custos causados pelo regime de tributação de lucros no exterior são decorrentes de um problema rent seeking. O conceito de rent seeking explica o problema causado por atividades que não geram ganhos socioeconômicos, pois só transferem rendas de um setor da sociedade para outro, desperdiçando recursos que poderiam ser investidos para geração de rendas. A transferência de rendas é motivada pela atuação do Estado: regulamentos jurídicos criam distinções, e distinções criam preferências. Os atores econômicos estão sempre dispostos a gastar para conseguir preferências concedidas

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pelo sistema jurídico. Os gastos são desperdícios do ponto de vista econômico – só custeiam a transferência de rendas mas não dão margem à criação de riqueza social. Existem dois tipos de rent seeking: privado e público. 4) O rent seeking privado é a transferência de recursos entre entes privados: um exemplo é o gasto de determinado setor produtivo com lobbies, assessoria jurídica e propinas para conseguir um benefício fiscal. Estes gastos só transferem rendas dos competidores no mercado para o único beneficiado pela regulamentação - ao “vencedor”, um menor custo tributário e maior volume de vendas. Tais custos beneficiam apenas o agente que conseguiu o benefício mas não são investidos em atividades produtivas e tornam-se desperdícios de um ponto de vista econômico. O rent seeking público possui os mesmos problemas econômicos, mas vistos pela ótica da Administração Pública: setores da burocracia estatal competem por rendas e extraem recursos dos entes privados, havendo custos sociais com sua destinação às despesas da ineficiência gerencial pública, mordomias para funcionários públicos e benefícios ilegais a entes privados (corrupção). 5) Esta teoria econômica é aplicável ao contexto brasileiro: o Brasil é um exemplomodelo da aplicabilidade do conceito de rent seeking. Há um problema histórico de confusão entre o patrimônio público e privado que permeia a burocracia estatal, o chamado “patrimonialismo”. Esta confusão causa duplo problema de rent seeking: (i) existem transferências do setor público para os entes privados ilegamente beneficiados, com custos de corrupção; e (ii) tais transferências são custeadas por atitudes extrativistas (rent seeker) do Estado em relação à sociedade como um todo, com custos decorrentes da tributação excessiva sobre os cidadãos. Como os dois tipos de custos com estas transferências de renda não geram ganhos socioeconômicos, demonstra-se que há problemas de rent seeking no Brasil. 6) A tributação é exemplo de atividade rent seeking, mas se for atendido o equilíbrio da menor intervenção possível na economia com os objetivos do gasto social, os custos sociais inerentes à atividade tributária são aceitáveis - o correto e eficiente uso dos recursos públicos compensam estes gastos. Problema 1: o Estado apropriador de rendas privilegia o objetivo de arrecadação, comprometendo o funcionamento da economia sem reverter os recursos para a o bem-estar social. Problema 2: como os esforços da Administração Pública para arrecadar são aumentados, contribuintes tendem a aumentar os recursos para efetuar planejamentos tributários - outra forma de

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rent seeking¸ que utiliza subterfúgios legais para transferir renda que seria arrecada para a sociedade e a destina para interesses privados de contribuintes. Conclusão: a aplicação a da teoria do rent seeking para a atividade tributária é fundamental para entender e mitigar problemas de apropriação de rendas. 7) No caso dos dois regimes de tributação dos lucros auferidos no exterior já adotados pelo Brasil há problemas de rent seeking. O regime de diferimento completo previsto na IN nº 38/96 e na Lei nº 9.532/97 apresenta problemas de rent seeking privado: A falta de qualquer previsão antielisiva favorece a estruturação de planejamentos tributários agressivos por parte dos contribuintes, que transferem renda que seria revertida ao Estado brasileiro (por meio de tributação) para setores públicos e privados no exterior. Estimula-se a interposição de sociedades holdings em paraísos fiscais, bem como a utilização dos Tratados contra a Dupla Tributação para escapar da tributação no Estado brasileiro. 8) O regime de tributação por disponibilização automática da Lei nº 9.249/95 e do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 tem problemas de rent seeking público: privilegia a extração de rendas do setor privado para o Estado sem apresentar justificativa convincente para a onerosidade sobre o investimento no exterior. A única motivação oficial encontrada não é sustentável: este regime ultrapassa os efeitos de um simples regime antielisivo, aplicando-se inclusive em operações que não têm o intuito de elisão tributária. Considerar este sistema constitucional utilizando-se como argumento a “consagração do princípio da universalidade” quando a própria Administração Pública não ofereceu esta explicação mais alimenta do que soluciona a controvérsia. 9) O problema de rent seeking oferece uma explicação da diversidade de interpretações sobre o regime de tributação de lucros auferidos no exterior. Dentro da lógica dos agentes econômicos, a parte beneficiada (Administração Pública) despende recursos para manter seu benefício e a parte prejudicada (contribuintes) despende-os no sentido de reverter seu prejuízo. No caso do atual regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, a Administração Pública sustentará a aplicação sem restrições da regra e contribuintes tentarão afastá-la. Texto jurídico vigente só é afastado caso os Tribunais competentes determinem sua inaplicabilidade no caso concreto: a tradução jurídica deste conflito de interesses econômicos é o surgimento de diversas interpretações para sustentar ou afastar a aplicabilidade do regime.

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10) As incertezas do regime são potencializadas pelo próprio histórico normativo do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01. Estabelecer regra por Medida Provisória significa não debatê-la em fórum democrático no Poder Legislativo. Significa a unilateralidade do que o Poder Executivo entende por “relevância e urgência”, conforme artigo 62 da Constituição Federal. Significa que o desenho legislativo inicial do referido artigo 74 não passou por discussão qualificada no Congresso Nacional, e que seus objetivos e efeitos pretendidos foram definidos unilateralmente pelo Poder Executivo. A atual Teoria Econômica afirma: decisões tomadas em ambientes democráticos possuem maior coerência e estabilidade. O resultado da combinação de (i) falta de clareza da motivação e da natureza jurídica da regra jurídica e (ii) poderosos interesses econômicos contrapostos: (a) litigância, (b) custos processuais e (c) incertezas jurídicas difíceis de solucionar. 11) A falta de política tributária coerente é observável pela evolução do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior. Da adoção do princípio da universalidade, em 1995, até a MP nº 2.158-35 em 2001 alternou-se sucessivamente a abrangência das regras: (i) tributação automática dos lucros – Lei nº 9.249/95; (ii) diferimento da tributação – IN nº 38/96 e Lei nº 9.532/97; (iii) retorno à tributação automática – MP nº 2.158-35/01. Quatro diplomas normativos em menos de dez anos que alteraram a sistemática do regime dos lucros auferidos no exterior: como averiguar motivos de política tributária e pacificar controvérsias jurídicas em sistema que remodula constantemente suas estruturas? 12) O histórico das discussões sobre o tema no STF demonstra insegurança e hesitação para sepultar as controvérsias jurídicas. A ADI 2.588-1/DF é exemplo paradigmático: mostrou uma Corte dividida - cinco votos a favor da constitucionalidade do regime e 4 contra – e perdurou por mais de uma década até ter seu julgamento prejudicado pelo reconhecimento de Repercussão Geral no RE nº 611.586/PR. Recomeça-se a discussão com outra composição de Ministros no STF e a previsão é de que o seu julgamento só seja efetuado em 2013. Até esta data, há tempo suficiente para que os atuais Ministros avaliem as controvérsias jurídicas no inseparável contexto políticoeconômico, dando mais coerência às discussões. 13) Os tribunais não conseguiram pacificar as principais questões jurídicas trazidas pelo atual regime de tributação de lucros auferidos no exterior. Duas dificuldades: jurídica e extrajurídica. A dificuldade jurídica principal é tentar decifrar a natureza do regime,

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nunca sequer oficialmente declarada: Medida Provisória é norma unilateral, não norma consensual e tampouco democraticamente motivada. As dificuldades extrajurídicas são outra consequência dos problemas rent seeking: constituem reflexos de relevantes pressões de contribuintes e Administração Pública em sentidos opostos, receosos do tamanho do contencioso e dos efeitos econômicos decorrentes da adoção de uma ou outra posição. A resolução deste embate não está num contexto unicamente jurídico, mas também político-econômico: continuar a debater as três grandes questões legais sem contextualizá-las no ambiente político-econômico é subestimar a dimensão do problema. 14) Duas sugestões para reconsiderar o atual desenho do regime de tributação dos lucros no exterior: (i) adoção de uma regra puramente antielisiva, nos moldes CFC – a experiência internacional pode ser observada pelo Brasil, discutindo-se os efeitos jurídicos e econômicos dos diferentes modelos e sua adaptabilidade no sistema jurídico brasileiro; ou (ii) manutenção da regra de tributação por disponibilização automática em todos os casos, devidamente motivada pela política tributária do Estado, dentro do contexto democrático do Poder Legislativo. Nos dois casos deve-se explicitar a natureza e os efeitos da nova regra em eventual mudança no artigo 43, caput e §2º, do CTN, compatibilizando-a com a Constituição Federal. 15) A experiência dos mais de dez anos de promulgação do art. 74 da MP nº 2.158-35/01: o sistema jurídico fornece soluções para problemas jurídicos. Mas quando problemas jurídicos são criados e patrocinados por relevantes interesses político-econômicos, deixam de ser problemas estritamente jurídicos e de ter respostas estritamente jurídicas. Não à toa, o sistema jurídico é incapaz de solucionar definitivamente as controvérsias do regime de tributação dos lucros auferidos no exterior, mesmo com as posições doutrinárias e jurisprudenciais delineadas. Deve-se adicionar ao debate jurídico os interesses sustentados pelos modelos e interpretações apresentadas, como este trabalho tentou fazer. É necessário, em suma, abrir a discussão da política tributária e dos efeitos pretendidos pela Administração Pública com a promulgação do art. 74 da MP nº 2.158-35/01. Só então todas as posições estarão verdadeiramente caracterizadas para que os tribunais tenham condições de, enfim, encerrar esta interminável discussão.

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