sobre fúria e poesia música e alegria,

July 31, 2016 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Raquel Cresci ouvindo Band FM! Você está diante de uma “axe- zeira”. Porque o axé, para mim, traz essa coisa da felicida...

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texto: Carolina Stella, Pedro Lucas, Tula Pilar e Vanessa Zettler e fotos: Julieta Benoit

Uma pequena

entrada, com cara de corredor, nos leva até a sala de ensaio na Teodoro Sampaio, rua na cidade de São Paulo conhecida pelo grande número de lojas de instrumentos musicais. É lá, nesse espaço alugado por algumas horas, que, semanalmente, a banda As Bahias e a Cozinha Mineira ensaia desde janeiro deste ano. O ensaio acontece quase sem interrupções. Ao final, vamos até o terraço, no fundo do estúdio, para mais uma conversa. No total, nos encontramos por uma média de 15 horas: no estúdio, no quintal e no bar. Nem tudo está nesta entrevista, por falta de páginas. A banda é formada por Assucena Assucena, que escolheu usar seu nome como sobrenome também, e Raquel Virgínia nos vocais e composições, Rafael Acerbi na guitarra e violão, Rob Aschtoffen e Vinicius Nicoletti no baixo, Carlos Eduardo Samuel no piano e teclado, Vitor Coimbra na bateria e Danilo Moura na percussão, com produção musical de Deivid Santos. O primeiro disco, “Mulher”, começou a ser desenvolvido quatro anos atrás por Assucena, Raquel e Rafael, que se conheceram enquanto cursavam graduação em História, na Universidade de São Paulo (USP). Desse encontro surgiu também o nome da banda. Assucena e Raquel tinham, coincidentemente, o mesmo apelido, Bahia, e o mineiro Rafael fazia a “cozinha” sonora do trio. Os primeiros shows foram em festas universitárias e, de lá, a música começou a se fortalecer. Depois, foram chegando novos integrantes por afinidade musical para engrossar o caldo. Assucena e Raquel, compositoras e vocalistas, que dividem o palco como num diálogo aguçado, são mulheres transexuais. Falam que o objetivo do trabalho delas não é discutir questões de gênero, mas isso, sem dúvida, está presente na obra. “Muitas vezes querem nos tratar só e apenas como travesti: ‘Primeiro você é travesti, depois é cantora’. Ninguém pergunta para os meninos da banda: ‘Vocês são héteros? E aí?!’ Mas a gente tem que passar por esse processo cotidianamente.”, diz Assucena.

sobre música e alegria, fúria e poesia A banda As Bahias e a Cozinha Mineira lança o primeiro álbum ,“Mulher”, marcado por uma narrativa intensa e por uma forma de contestação que defende a alegria

O show “Mulher” é permeado por uma sonoridade brasileira afiada, usando elementos do samba, baião, coco e rock and roll, sem deixar de lado também uma pitada de eletroacústica, que, juntos, transformam esse encontro de banda e público numa celebração da música.

Assucena É importante dizer que foi por causa de Gal Costa que a gente voltou. Tivemos uma pausa em 2012, e, quando reencontramos o trabalho dela, naquele mesmo ano, reencontramos a música como uma redentora das nossas questões. Raquel Estava no computador vendo vídeos e, de repente, cliquei numa música da Gal. Entrei em choque naquele momento. Era “Da maior importância”, uma gravação ao vivo. Ela com aquele violão [suspira]. Assucena Ficamos alucinadas. Gal nos apresentou de forma mais consciente o que é a música brasileira. Foi aí que começamos nosso ritual de ouvir discos. Ouvimos a discografia inteira de Gal. Pensar um álbum esteticamente e conseguir entendê-lo tornou-se algo muito sério. Gastamos muitas madrugadas em nossas casas para compreender as narrativas, as sonoridades. Foi pesado e muito gostoso! Não ouvíamos como entretenimento, de colocar e deixar a música rolar de fundo. Tínhamos um ritual, com muita dança. Raquel Me lembro de quando a ouvimos cantar [Dorival] Caymmi. A casa virou um terreiro! A Gal apresenta muitas possibilidades na obra dela. De narrativa, de composição e síntese. Ela traz toda uma proposta de musicalidade, de como construir várias vezes a sua voz, de reconstruí-la diante de cada narrativa. Sangalo, por exemplo. Raquel Cresci ouvindo Band FM! Você está diante de uma “axezeira”. Porque o axé, para mim, traz essa coisa da felicidade, da energia, que eu gosto. Até hoje, sempre vou a show da Ivete! Show de pagode, funk, arrocha… Acho que a gente também traz muito das nossas experiências pessoais, todo mundo da banda.

Carlos Eu trago Tom Zé, Frank Zappa, Arrigo Barnabé… Estudo piano de jazz. Aprendi a ouvir música popular com as meninas. Melhorei a percepção sobre esse tipo de canção, o afeto que ela traz. Vitor Eu já vim do rock and roll. E a música brasileira veio depois. Danilo Trago muito do samba de roda, de terreiro, a batucada. Vinicius E tem um detalhe: aqui é muito mais divertido que burocrático. Me sinto em casa!

Ocas” Vocês já são banda há um tempo e, no início do ano, resolveram começar a ensaiar. Como é essa rotina? Raquel Para conceber uma obra, a gente tinha que trabalhar estrategicamente, porque música independente tem que ter muito foco para que a coisa aconteça! São muitas demandas! E este também foi nosso processo de lapidação.

Vitor Ensaiar te coloca num lugar de uma absorção mais profunda.

Assucena Sim, a gente pode propor! Mas essa coisa de parecer que o independente é superior… Tem que tomar cuidado, porque, se não, a gente fica achando que trabalhos que não são independentes não são bons. O que acho que tem que acontecer é quebrar a forma que a indústria do “show business” está funcionando. Quebrar a bolha! As pessoas têm que ter acesso!

Assucena Também fizemos quatro shows laboratoriais, para sentir as canções, o público… E foi dando certo! Cada um nos deu uma experiência. É a maturação de um espetáculo.

Raquel O Emicida, por exemplo, é um cara que elabora bem isso tudo: entre música independente e “show business”. Ele vai à rede Globo falar de racismo. É uma inspiração.

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texto: Elaine Bittencourt e imagens: Divulgação

Ele está dentro da máquina criticando o próprio sistema. Assucena E a gente tem que estar lá também! A negritude tem que estar dentro da televisão, as transexuais também. As pessoas precisam ver que esse espaço também é nosso.

Raquel Uma vez vi uma frase que dizia assim: “Os brancos podiam gostar de pessoas negras tanto quanto eles gostam da cultura negra”. Porque gostam muito da cultura negra, mas isso não se traduz na sociabilidade... Quero ser ostentação, estar no lugar que a sociedade não espera que eu esteja. Ostentação pode ser empoderamento quando se é crítica. Como a narrativa do que é ser mulher vai se desvendando nas 13 faixas do disco? Como ele foi construído? Rafael Quando conheci as meninas, começamos a trabalhar com paisagens sonoras. Em São Paulo, passei a reconhecer a dimensão da música mineira. Sinto falta de ouvir uma guitarra plural dentro de um disco, que dialogue com a bossa-nova, o axé... E busco isso.

Assucena Aparece pela imagem da mãe em “Apologia às virgens mães”, que fala do sagrado, do profano, da santa, da prostituta… Uma história de opressão da mulher, que é de muito sofrimento, mas também de muita luta. Porque ter resistido até hoje com todo o machismo… Por isso, o disco começa com a resistência. Ele tem um sentido migratório. Inicia falando da mulher de resistência, depois vai para “Josefa Maria”, que é nordestina na cidade. Depois tem a virada quando fala da mulher urbana.

”Quero ser ostentação, estar no lugar que a sociedade não espera que eu esteja”, diz Raquel (à esquerda), ao lado de Rafael e Assucena

BLOCO “OBá & AS BAhIAS” Em parceria com “Obá A Festa”, a banda prepara um bloco de rua puxado por um trio elétrico para o carnaval de 2016. A madrinha do bloco será Tula Pilar, poeta, performer e vendedora da Ocas”. O bloco apresenta, principalmente, a música baiana, com o axé music, passando pelo afoxé, samba-reggae, marchinha e samba-enredo. Os ensaios estão marcados às 14h dos dias 29 de novembro; 6, 13, 20 e 27 de dezembro; 3, 10, 17, 24 e 31 de janeiro de 2016, no Morfeus Club, que fica na rua Ana Cintra, 110, Campos Elíseos, na cidade de São Paulo (próximo ao metrô Santa Cecília). Enquanto o carnaval não chega, ouça o trabalho da banda em asbahiaseacozinhamineira.com

Raquel A música “Josefa Maria” é a história da minha avó, que veio do nordeste para São Paulo e foi doméstica a vida inteira. É uma biografia do universal e uma homenagem a esse trabalho. De tantas mulheres que vivem esse cotidiano, de arrumar a cama, lavar a louça, fazer a feira… Porque a mulher passou a sair de casa para trabalhar, mas quem mais sai mesmo é a branca. A negra vai para dentro de outra casa. Essas estruturas são esquecidas. Esta é a história que contamos em “Josefa Maria”. E a canção “Comida forte”, que tem um ritmo que vai mudando durante a música, chega até o coco e fala da construção de Brasília... Raquel Essa música diz “O candango come comida forte para construir a capital Brasília”. É uma homenagem aos trabalhadores, mas mais ainda às pessoas que cozinharam a comida para eles irem trabalhar, entendeu? De novo colocamos a mulher no centro da música. E ela diz: “Lá no cerrado jenipapo pega fogo. A estrela sol brilha e faz vida aqui na Terra”. Escolhemos não chamar o sol de “o astro rei”, mas sim de “a estrela rainha”.

Assucena O disco todo fala da mulher. Escolhemos elementos gramaticalmente dentro do gênero feminino. Isso é uma verdade tão nossa! Mulher é uma palavra que nos afeta, nos constitui e é cara para nós, por ter que enfrentar uma série de coisas… De não se anular socialmente, mas fazer isso positivamente. Encarar, colocar o rosto ao sol pelo que você é. Hoje, com tantos discursos de ódio, defender a alegria é importante. Assucena A gente faz isso! A sustentação da minha autoestima. A denúncia é muito importante contra a opressão, mas não é o único caminho.

Raquel Rir é muito revolucionário! E ocupando um palco. Assucena Acredito em um lugar que ganha de tudo: é a arte. Que é tão humano que parece que todos podem se encontrar e se entender lá! Por isso, nossa luta é pelo acesso. Porque quando você pisa no palco[sorri].

admirável mundo novo em suA primeirA exposição iNdividuAl No brAsil,

a australiana Patricia Piccinini extrapola os limites do real e revela um universo estranho, incômodo, mas afetuoso

Beleza e feiura,

afeto e repulsa, real e imaginário, passado e futuro. São muitos os contrastes com que o público das obras de Patricia Piccinini precisa lidar ao visitar a exposição “ComCiência”, em exibição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em São Paulo. É impossível ficar indiferente ao cenário proposto pela artista, que nos convida a entrar em uma nova realidade, tal qual espectadores de um filme de ficção científica. Cercada por criações estranhas e perturbadoras, a plateia é confrontada com um mundo ainda inexistente, mas que talvez seja o retrato de um amanhã não muito distante. Como resume o curador da exposição, Marcello Dantas, no catálogo da mostra: “Patricia fala de criaturas imaginárias, fantásticas, mas sua pesquisa também se baseia na ciência genética e na análise do comportamento humano”. Ele explica que “sua obra explora a incerteza entre o futuro geneticamente modificado e a imaginação livre do sonho coletivo, os medos, os fascínios do inconsciente de todos”. A proposta da artista garantiu a ela um lugar de destaque na arte contemporânea e as obras dela, com forte apelo popular, têm sido expostas e comentadas nas mais importantes exposições do mundo, como a Bienal de Veneza, a Bienal de Berlim e a Documenta de

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