Feijoada à moda de quem? É sábado. E que sábado

September 16, 2016 | Author: Anonymous | Category: N/A
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É sábado. E que sábado!O céu ensolarado e sem nuvens faz deste dia ainda mais prazeroso. Apesar do calor, uma brisa suav...

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Feijoada à moda de quem? É sábado. E que sábado!O céu ensolarado e sem nuvens faz deste dia ainda mais prazeroso. Apesar do calor, uma brisa suave bate em meu corpo, enquanto descanso sobre a rede. Vai dar meio dia. Meus primos menores correm no jardim e minha mãe não desgruda os olhos da piscina, já que o menor não sabe nadar. Um forte odor, porém agradável chega as minhas narinas. Não me contenho. Conheço bem aquele cheiro. Várias lembranças passam em minha cabeça nesta hora, momentos antigos com pessoas que já se foram são os que prevalecem. Dirijo-me à cozinha, e dou de cara com Dadá, que trabalha em minha casa há mais de 10 anos. Negra, baixinha e dos cabelos encaracolados, lá está ela, com a cara no fogão, antigo, mas ainda fundamental, como ela. O cheiro é ainda mais intenso, e me aproximo da panela grande e também antiga. Feijão preto. Fico próxima ao recipiente e fecho os olhos. O cheiro embala a alma. Foi nessa hora que uma gota de feijão respingou-me sobre os olhos. “Cuidado menina, saia daí”, disse-me Dada aos berros, com a inexistente calma de sempre. Dadá começa a colocar paio, costelas, pés de porco, orelha, carne seca entre outras partes que não identifiquei e nem fazia questão. Não era bonito, mas era gostoso. Era a feijoada que começara a nascer, lentamente, como uma borboleta que surge do casulo. Só de pensar nela pronta, meu estomago remoia e minha boca enchera d`água. “Agradeça-me que isso é fruto da minha raça”, disse-me Dadá, enquanto mexia o feijão preto com a colher de pau. Ingênua Dada... Não foi a feijoada, mas a feijoada de feijão preto - trazido da África nos mesmos navios que transportavam os escravos. “Li no livro de Sonia Rosa, minha nega! Originalmente trazida pelos Portugueses, o feijão com miúdos de porco foi adotado pelos escravos, que a ele adicionaram feijão-mulatinho e preto do Brasil, arroz, couve, farofa, laranjas… Feijoada à brasileira.”, contei-lhe sorrindo. Pouco me importava quem havia trazido na verdade, mas gostava de lhe contrariar. O tempo não passava e eu esperava. Lembrei-me de tio Tonhão, com as orelhas grandes e peludas como os daquela feijoada, toda vez que me via, perguntava dos namoradinhos. Como gostava da feijoada da Dedé. Costumava repetir três vezes, e a elogiar em todas. Nunca se esquecia do toucinho para acompanhar. Saboreava como se fosse a última. Morrera lentamente como a feijoada cozendo no fogão. Um câncer no pulmão o levou, devido ao uso excessivo de seu “cigarrinho do capeta”, como costumava falar. Sento-me à mesa e acrescento uma farofinha, um arroz branco bem soltinho e uma couve. Na primeira garfada, fisgo logo uma orelha. “Ahhh tio Tonhão...”, penso comigo. Podia estar aqui, desfrutando comigo. Aprecio aquela cremosidade em minha boca, junto aos sabores mais diversos das carnes. A consistência e a textura da farofa também me envolvem. Que delícia esta feijoada à brasileira. Nem Helena Sangirardi faria tão bem. O arroz bem branquinho se junta ao feijão preto, formando grande e saborosa parceria.Como deveria ser com os homens. “ Que prazer mais um corpo pede após comido um tal feijão? - Evidentemente uma rede, e um gato para passar a mão...”(Vinicíus de Moares, em Feijoada à minha moda).

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